Capítulo 4 – O Jogo dos Reflexos
Entre aquilo que se vê... e aquilo que se entende.
A manhã era silenciosa na casa. O chá de hibisco ainda soltava vapor quando Vera, sentada à mesa com a camisa larga e cabelos presos, olhou para a filha por sobre a borda da xícara.
— Me diga, Luísa... — começou, com naturalidade — o que você já fez com meninos?
Luísa hesitou. Mas só por um instante. Havia algo no tom da mãe que não pedia permissão. Era mais como uma convocação.
— Já beijei... — respondeu com honestidade — e já deixei que me tocassem um pouco. Nada demais. Só o suficiente pra sentir o que eles queriam... e pra eu decidir que não era a hora.
Vera assentiu, como quem aprova a estrutura de um argumento.
— Saber parar é mais difícil do que saber começar — disse ela. — Isso mostra que você já entendeu uma coisa importante: o controle começa em você.
Luísa bebeu o chá, sem tirar os olhos da mãe.
— E o Henrique?
— Ainda não vi ele... assim. Sem camisa, sim. Mas não mais do que isso. E sinceramente... acho que se eu quiser ver mais, ele vai querer ver também.
Vera apoiou o cotovelo na mesa, pensativa.
— Ele pode até querer — disse com voz calma — mas só verá aquilo que você permitir. Uma regra que talvez você ainda não tenha aprendido é: ver você despida só seria aceitável se ele estivesse... limitado amarrado. Vulnerável e posicionado onde a decisão não é dele.
Luísa franziu a testa e sorriu.
— Você quer dizer... amarrado literalmente?
— Literalmente — respondeu Vera com um sorriso ambíguo. — Sim: que ele esteja vinculado a você, atento, entregue. Só então o olhar dele deixa de ser invasão e vira reconhecimento.
O silêncio se alongou.
Então Vera continuou:
— Está na hora de você começar a escolher seus peguetes. Nada de pressa. Nada de entrega precoce. Só toques leves, amassos contidos, conversas longas e silêncios que deixam o ar mais denso e talvez satisfação com a boca. O corpo é seu. O tempo é seu. Deixe que aprendam a pedir passagem.
Luísa sorriu de lado. Não estava habituada a receber esse tipo de conselho. Mas em nenhum momento se sentiu envergonhada. Apenas... mais dona de si.
No final da tarde, Vera saiu de casa. Um vestido leve, olhos cobertos com óculos escuros, a postura de quem sabe o próprio destino. Ricardo a esperava em frente ao portão, recostado no carro. Camisa preta, braços cruzados, expressão contida. O tipo de homem que fala com o corpo — mesmo quando silencioso.
Luísa observou da janela. Viu a mãe se aproximar dele com naturalidade. Conversaram brevemente. Vera tocou o braço dele com um gesto curto, e os dois entraram no carro. Sem beijos, sem abraços. Mas com uma intimidade evidente. Não era afeto — era acordo.
A noite chegou, e com ela, o retorno.
Ricardo parou o carro. Desligou os faróis. Saiu e contornou o veículo para abrir a porta para Vera, que desceu com a mesma leveza com que tinha saído.
Mas ao invés de se despedir, Ricardo permaneceu.
De frente para ela.
Em silêncio.
E então, abaixou a cabeça levemente.
Luísa observou da janela. Viu a mãe se aproximar dele com naturalidade. Conversaram brevemente. Vera tocou o braço dele com um gesto curto, e os dois entraram no carro. Sem beijos, sem abraços. Mas com uma intimidade evidente. Não era afeto — era acordo.
O pai de Luísa, que observava da sala, fingiu continuar lendo o jornal, mas seus olhos haviam parado nas entrelinhas fazia tempo. Quando viu Ricardo abrir a porta do carro e Vera deslizar para dentro com aquele modo que misturava graça e autoridade, ele engoliu seco.
Sabia exatamente o que aquilo significava.
Vera sairia com o amigo. Mas voltaria... com os olhos carregados de decisão. E quando a casa adormecesse — menos ele — ela iria chamá-lo.
Sem dizer uma palavra.
Como sempre fazia nas noites em que saía decidida e voltava com a alma em brasas.
O pai baixou o olhar. Não com raiva. Nem com medo.
Mas com a certeza de quem já conhecia o próprio papel.
E o aceitava.
Continua