Mais uma vez, só gratidão pelos comentários do capítulo anterior.
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Passei a madrugada esperando o colapso e já estava conformado com isso. Contudo, nada aconteceu. Claro, eu estava magoado e revoltado, mas longe de estar desesperado como daquela vez. Eu tinha muitos questionamentos e uma vontade crescente de confrontar minha mãe, Adriana e Wanda, mas felizmente consegui controlar meu ímpeto. Não era o momento. Na realidade, comecei a amadurecer outra ideia.
Não consegui dormir, pois queria refletir antes de tomar a melhor decisão. Quando amanheceu, percebi que precisava de mais espaço e de mais tempo disponível. Não conseguiria me concentrar em qualquer outra coisa que não fosse tentar resolver minha vida. Então, abri meu notebook e mandei um e-mail curto para meus sócios:
“Prezados,
Por motivos pessoais surgidos de forma imprevista, precisarei me ausentar por aproximadamente uma semana para tratá-los. Durante esse período, estarei totalmente indisponível.
Agradeço desde já a compreensão de todos.
Atenciosamente,
Bruno”
Depois, fiz minha higiene pessoal tentando fazer o mínimo de silêncio possível. Não queria encontrar minha mãe ainda. Por fim, arrumei uma mochila com algumas roupas e meu notebook, e saí de casa sem nem tomar café da manhã.
Meu rumo era claro. Minha ideia era ficar praticamente incomunicável enquanto esfriava a cabeça. Da minha profissão, aprendi a não ser impulsivo, mas a avaliar todos os dados disponíveis, fazendo um estudo exaustivo. Era isso que eu pretendia fazer.
Parei numa loja de telefonia e comprei um novo celular com um novo chip. Em seguida, fui numa lanchonete para, enfim, tomar meu café da manhã, mesmo sem vontade. Enquanto a comida era preparada, mandei uma mensagem curta para minha mãe e para Adriana, contendo o mesmo teor:
“Passarei uma semana fora. Preciso pensar sobre algumas coisas que descobri. Ficarei incomunicável, por isso aguarde meu retorno. Quando voltar, conversamos”.
Desliguei meu celular, não dando tempo de ver qualquer resposta delas.
Em seguida, pelo notebook, reservei uma semana num chalé isolado em São Bento do Sapucaí. Era um local que já tinha pesquisado anteriormente para ir com Adriana, mas que nunca tinha comentado com ela. Julguei ser o local mais adequado para o meu estado de espírito, para o que eu precisava naquele momento.
Depois de tentar comer meu café da manhã, liguei para Remo do meu novo celular. Eu queria encontrá-lo, pois ele seria parte crucial do que eu pretendia fazer. Surpreendentemente, ele disse que estava de folga naquele dia e que eu poderia passar no seu apartamento. Eu fui.
Remo morava sozinho e já tinha me chamado algumas vezes para curtir a noite lá, regado a bebidas e companhias agradáveis. Eu sempre recusei, ainda mais quando comecei a namorar Adriana. Naquele momento era diferente. Eu precisava que ele fosse meu contato de segurança.
- Ora, ora, ora se não é famoso Bruno entrando no meu apartamento – ele me disse com um olhar zombeteiro quando cheguei.
- A festa foi boa por aqui. – retruquei enquanto entrava e observava a bagunça recheada de garrafas de cerveja.
- Foi sim, uma festa a dois…
- Vida boa!
- Não mais que a sua.
- Sei! Futura namorada?
- Só se você ainda acreditar que eu e Erica vamos namorar.
- Nossa! Isso tudo aqui foi… só você e Erica?
- Por que a surpresa? Tá muito destruído? – Ele riu.
- Vocês são intensos.
- Somos amigos… com benefícios.
- Cara, preciso de uma ajuda.
- Eita, pela sua cara, parece sério. Você não é de pedir ajuda. Não lembro de você ter me pedido ajuda antes.
Remo foi até a cozinha, trouxe dois copos de água e me entregou um deles. Em seguida, acomodei-me no sofá, enquanto ele se sentava na poltrona à minha frente.
- Me conte.
- Cara, descobri umas coisas da Adriana e da minha mãe…
- Que coisas? – ele me interrompeu.
- Não vem ao caso… É o seguinte, vou passar uma semana fora, incomunicável. Quero ficar sozinho. Reservei um chalé para ficar isolado. Não quero contato com ninguém, nem mesmo com elas.
- E precisa ser tão radical assim?
- Radical ou não, eu não sei, mas… eu sou assim e assim que preciso fazer no momento.
Ele ergueu as mãos devagar, num gesto que misturava rendição e cautela.
- Calma aí, mano. Parece que o que você descobriu não foi nada bom, mas… onde eu entro nisso?
- Bom, comprei um celular novo, com chip novo. Vou deixar o antigo desligado. Se eu não voltar em uma semana, tente falar comigo ou vá até lá. Vou te passar o número novo.
- Que trágico! Você não tá pensando em fazer nenhuma besteira, né?
Remo parecia genuinamente preocupado comigo.
- Não, claro que não. Eu só não quero ser incomodado. Porém, sou cuidadoso. Preciso que pelo menos uma pessoa saiba onde estou e você é a pessoa certa para isso.
- Entendi. Você sabe, né? Sou seu amigo, Bruno, mas cara, seja lá o que você descobriu, não vá fazer besteira. Vou guardar segredo e fingir que não sei onde você está, mas como seu amigo, eu preciso dizer que entendo seu lado, entendo querer se isolar pra pensar antes de decidir o que fazer. É uma atitude muito madura. Só que… acho radical que queira se isolar num chalé afastado. Por que não fica aqui comigo, no meu apartamento? Ninguém saberá.
- Não quero te incomodar, mano. Você tem sua vida, às vezes Erica vem, tem a intimidade de vocês… eu realmente não quero atrapalhar.
- Não vai atrapalhar.
Remo ainda tentou me convencer de diversas formas, mas eu já estava decidido.
- Já decidi! – falei resoluto.
- Tranquilo, então! Quando voltar pra civilização, passa aqui de novo, mano. Você verá que sou um bom ouvinte e, quem sabe, eu possa te ajudar de mais alguma forma.
Meia hora depois, eu partia para o chalé. Antes, deixei o endereço com Remo e confiei em sua discrição.
O chalé ficava encravado na encosta da serra. Ao redor, a Mata Atlântica ainda preservada se espalhava em diferentes tons de verde. O relevo irregular e o ar mais frio e úmido do que na cidade reforçavam a sensação de afastamento. O som contínuo do vento impedia o silêncio absoluto. Era o cenário ideal para me voltar para dentro.
Nos dias que se seguiram, minha rotina não foi exatamente rígida, mas repetitiva, quase silenciosa, um espelho fiel do meu estado interno. A ausência do trabalho me impôs uma desaceleração forçada, retirando os últimos ruídos que ainda me distraíam. Nesse silêncio, fui levado a um confronto discreto, porém constante, com memórias antigas, pensamentos insistentes e lembranças que surgiam sem que eu tivesse qualquer controle sobre elas.
No topo dos meus conflitos internos, estava o vídeo de Adriana. Ela tinha me falado que Gustavo fazia “coisas avançadas” durante o namoro, uma expressão vaga demais para não abrir espaço a todo tipo de interpretação. Isto envolvia fazer sexo a três? Fazer orgias? Ter uma vida liberal?
Assisti ao vídeo diversas vezes, sempre controlando a náusea, mas decidido a encontrar respostas. A gravação era recente ou mais antiga? Até então, eu apenas reagia ao que via. Em algum momento, percebi que não avançaria apenas sentindo. Se quisesse respostas, precisaria pensar com frieza. E foi o que fiz.
O cabelo de Adriana estava diferente, disso não havia dúvida. Gustavo e Vitor também pareciam mais magros, pelo menos no rosto, quando comparados à lembrança que tive deles no aniversário de Trajano, cerca de dois anos atrás. O vídeo podia não ser recente, mas… terá sido no começo do nosso namoro? Será que Adriana seria capaz de algo assim, uma espécie de flashback?
Tentei me lembrar de sinais que pudessem ter servido de alerta e que eu deliberadamente ignorei, mas não consegui encontrar nenhum. Eu e Adriana estávamos sempre juntos, trabalhávamos no mesmo local e quase sempre saíamos apenas nós dois. Não gostávamos de sair com amigos, o que acabou se tornando uma particularidade do nosso namoro. De certa forma, nos completávamos. Não havia muitos segredos entre nós, nem mesmo nossos celulares eram tratados como algo privativo.
O único período em que realmente ficamos distantes foi durante a minha viagem a Nova Iorque. Engoli em seco ao me dar conta disso. Wanda não aparecia no vídeo, apenas Gustavo e Vitor. Enquanto eu transava com Wanda no hotel, Adriana teria feito o mesmo com eles aqui em São Paulo? A simples ideia quase me fez vomitar. Era difícil de aceitar. Fiquei tomado por um misto de raiva e remorso.
Pensei também em quem poderia estar gravando. Teria sido Wanda? Mas, se fosse realmente ela, permitiria que o próprio namorado transasse com outra? Não conseguia crer. Pelo que me lembrava, ela sempre foi zelosa com o relacionamento. De todo modo, havia uma quarta pessoa envolvida, alguém atrás da câmera, mas quem seria? Nada no vídeo me oferecia qualquer pista.
Apesar do sinal de internet instável, consegui pesquisar métodos para verificar a autenticidade e a data de gravação dos vídeos. Após o download de algumas ferramentas específicas, consegui extrair os metadados dos dois arquivos recebidos. A única informação relevante encontrada, embora não conclusiva, foi a data de criação dos arquivos, sendo que o vídeo de Adriana datava de março de 2017. Isso é mais de um ano antes da contratação de Adriana pela PHX. Isso me trouxe um alívio temporário, apesar do desgosto continuar.
Eu também não conseguia entender por que Wanda me enviara um vídeo no qual Vitor claramente a traía. Talvez, ela quisesse me informar a verdade por trás de Adriana e de Vitor, na expectativa de que nos separássemos e, assim, pudéssemos ficar juntos, lembrando da promessa em Nova Iorque. Esse foi meu pensamento inicial.
Porém, no mesmo dia, ela anunciou que estava grávida e que iria se casar com o Vitor. Isso me deixou completamente confuso. Ainda assim, a assinatura – WN – remete diretamente a ela: Wanda Nara. Não fazia sentido que fosse outra pessoa. Cogitei, por um instante, que pudesse ser obra de uma de suas irmãs – Wendy Nara ou Wis Nara – mas por que fariam isso? Minha relação com elas era inexistente. Não havia o menor cabimento.
Ainda havia o outro vídeo, o de minha mãe, que confirmava o que eu sempre evitei nomear: ela mantinha um relacionamento a três com Trajano e Cecília. O vídeo datava datava de julho de 2021, na reta final da segunda onda da pandemia. Diferente de Adriana, os sinais sempre estiveram ali. Eu é que preferia ignorá-los. Nas poucas vezes em que questionei algo, ela sempre se esquivava com respostas vagas. E eu sabia que, se a confrontasse agora com o vídeo, ouviria o argumento previsível de que sua intimidade não dizia respeito a mim.
Mesmo assim, minha relação com Trajano sempre foi diferente. Nunca compreendi de onde vinha aquele apreço quase constante, aquela atenção que, em certos momentos, parecia excessiva. Até que ponto essa dedicação tinha relação direta com o envolvimento dele com minha mãe? Um ponto que pensei: ele chegou a conhecer meu pai, ele me disse. Às vezes, me pergunto se algo daquela época não estaria, de algum modo, sendo revivido agora.
E Cecília? Qual era o lugar dela nisso tudo? Não entendo de relacionamentos liberais, se é que era disso que se tratava, mas havia ali uma dinâmica que me escapava completamente. A verdade era que essas e as outras perguntas me acompanharam por esses dias.
De todo modo, o isolamento acabou por ordenar meus pensamentos. No quarto dia, já havia uma direção clara, não apenas sobre o que eu pretendia fazer, mas sobre o que precisava mudar na minha vida. Permanecer ali pelos dias restantes deixou de fazer sentido. Passei a ansiar pelo retorno à civilização, lembrando das palavras de Remo.
Foi para ele que liguei enquanto fazia check-out:
- Tô voltando. Posso dormir no teu apartamento essa noite?
- Claro, mano. – Ele respondeu de imediato – Mi casa es tu casa!
No meu retorno, o apartamento de Remo parecia muito mais limpo e organizado. Um cheiro de lavanda deixava o ambiente ainda mais agradável. Eu estava sentado no mesmo sofá de quando saí para o chalé, ele na sua poltrona que mais parecia seu refúgio particular. Não havia garrafas de cerveja espalhadas por todo lugar, apenas sobriedade. Na televisão, passava algum jogo de futebol, mas não prestei atenção nos times.
- Quando você tem problemas, a quem você costuma recorrer para se aconselhar e desabafar? – Remo me questionou.
A pergunta era justa. Respondi com sinceridade:
- Quando faço isso, sempre recorro a minha mãe… mas ultimamente, ninguém. Não sou de confiar minhas intimidades a ninguém. Na realidade, evito ter problemas, assim não preciso recorrer a ninguém.
- É justo. Te entendo. Só que sua mãe não deveria ser sua única amiga. Mãe é mãe, é enviesada por natureza. Um amigo é mais capaz de jogar a real, justamente por não ter o apego emocional de uma familiar.
- Faz sentido.
- Você é um cara legal, mano. Todos gostamos de você. Eu, Erica e Denis, a nossa turma, nós quatro. Porém, preciso ser sincero, você é muito fechado, e sempre previsível. “Ele tem problemas?”, já cheguei a me perguntar. Me surpreendi quando você veio com um… problema. Uau, “ele é real”.
Eu ri pela forma como ele gesticulou sua explicação.
- Eu queria alguém desconectado do meu problema. Você me pareceu a pessoa certa.
- Grato pela confiança, mas deixa de enrolar e me conta o que foi que houve?
Respirei fundo, antes de emendar.
- Cara… recebi dois vídeos por e-mail de um endereço desconhecido. Em um vídeo, Adriana faz sexo com o ex-namorado e outro cara, que é o namorado de Wanda, filha do Trajano, meu sócio. No outro vídeo, aparece minha mãe aos beijos com Trajano e a mulher dele, como se fossem um trisal. E para completar, na assinatura do e-mail tinha apenas WN, que acredito ser Wanda Nara.
- Uau!
- E tem mais – o interrompi – No dia que recebi esses vídeos, Wanda anunciou nas redes sociais que estava grávida e que iria se casar com o seu namorado. Louco, né? E pra piorar, saiba que Wanda é meu amor platônico dos tempos de colégio e que, na viagem que fiz para Nova Iorque, no ano passado, eu fiquei com ela. Eu traí Adriana com ela.
A esta altura, Remo me olhava chocado. Provavelmente, não imaginaria que eu pudesse estar vivendo um drama tão complexo.
- Caramba!
- Pois é, cara. Por isso precisava me isolar para refletir sobre isso.
- Eu acho que também me isolaria. Essa Wanda é uma que o Denis enlouqueceu no grupo?
- Sim.
- E ele enlouqueceu pela Adriana também. E tu ficou com as duas. Uau! Denis deve te invejar…
Rimos.
Nas horas que se seguiram, conversamos longamente sobre minha história. Remo ouviu com atenção, fez perguntas precisas e, pouco a pouco, ajudou a organizar uma linha do tempo que explicava como eu havia chegado àquele ponto: os vídeos, o isolamento, as escolhas mal digeridas. Foi a primeira vez que falei abertamente com alguém que não era minha mãe. A distância de Remo em relação a todos os envolvidos me deu a segurança necessária para confiar.
Quando terminei de contar tudo, Remo parou um momento para refletir, até que disse:
- Mano, se você tá desconfiado da Adriana, contrata um detetive, leva tuas suspeitas e investiga a fundo tua namorada.
- Você acha que precisa chegar a esse ponto?
- Ah, cara, é você quem está desconfiado. Acho melhor isso que deixar a dúvida crescendo e te remoendo por dentro.
- Eu tava pensando em confrontá-la.
- Como? Mostrando o vídeo? – ele arregalou os olhos.
- Não sei. Talvez sim…
- Arriscado.
- Por que?
- Ela sabe quem filmou. E se tiver sido a Wanda? Você mesmo disse que acredita que Adriana desconfie do seu passado com Wanda. Imagina o caos que seria.
- O que você sugere?
- Colete mais evidências. Depois você toma uma decisão.
- E ainda tem a Wanda nessa história toda.
- Se Adriana descobrir, esquece… mulher nenhuma vai aceitar ser traída.
Baixei os olhos derrotado. Remo tinha razão.
- Mas mano – ele continuou – tu quer a Wanda, o teu amor platônico do passado?
- Eu não quero perder Adriana.
- Ok, mas… com Wanda… foi bom com ela? Foi melhor do que com Adriana?
- Admito que foi irresistível, mas não superou Adriana, nem de longe... mas Adriana… ela…
- Eu sei, eu sei, fez dp, aquela coisa toda…
Bufei.
- Você é meio cabeça fechada, né?
Não respondi. Remo inclinou-se em minha direção e passou a falar mais baixo, como se estivesse prestes a relevar um segredo:
- Eu e Erica já fizemos dp com meu primo quando ele estava de passagem por São Paulo. Foi irado demais.
- Não me surpreende – respondi com um sorriso levemente constrangido.
- Se um dia você ficar solteiro, deveria experimentar comigo e a Erica. Fica o convite.
- Erica vai brigar contigo se souber disso.
- Na realidade, ela vai adorar.
Olhei-o confuso, mas Remo apenas mudou de assunto com um sorriso malicioso. Recostou-se na cadeira, como se quisesse devolver a conversa ao seu curso normal.
- Tua relação com Wanda sempre foi estranha assim?
- Acho que sim. Estranha como?
- É que quando vocês se separam, nem você procura ela e nem ela procura você. Parecem dois orgulhosos. – Remo fez uma pausa dramática – Ou vocês só se veem como amigos mesmo, mas amigos que, de vez em quando, querem benefícios. Algo como eu e Erica.
- Sei lá, quando ficamos, nos declaramos e tudo me pareceu muito sincero. Senti que a amava profundamente, como nunca amara outra mulher na vida, nem mesmo Adriana. Mas, quando a realidade veio, aquele sentimento não desapareceu de vez, mas perdeu força. O que sobrou foi mais confusão do que certeza.
- Ah, mas espera aí, meu amigo, na hora do sexo, quem manda nos pensamentos é cabeça do pau. Não leve muito em consideração as coisas que são faladas na hora do sexo. Nesse momento, tudo que importa é excitar o parceiro e nada mais.
- Então, acredita que foi tudo da boca pra fora?
- Não sei. Talvez sim – Remo se levantou para enfatizar sua fala com gestos – Sinceramente, olhando tua história, vejo duas possibilidades. Ou ela sempre te enxergou só como amigo ou houve sentimento ali, mas nunca coragem suficiente para mudar o que já estava estabelecido. Nova Iorque pode ter sido apenas a forma que ela encontrou de tirar essa dúvida.
Reclinei-me no sofá, olhando para o teto, tentando refletir.
- E tem mais uma coisa que me chamou atenção. A conversa no McDonald’s e o encontro nos States só aconteceram depois que Adriana anunciou publicamente que vocês iam casar. Isso não me parece coincidência. Pra mim, foi o gatilho. Foi quando ela percebeu que precisava ter certeza do que sentia por você, antes de perder a chance.
- Faz sentido.
Ficamos em silêncio. Remo parecia me analisar com atenção e, então, emendou:
- Você refletiu sobre muitas coisas no chalé, mas me parece ainda indeciso sobre o que fazer.
- Já tomei algumas decisões.
- Quais?
- Vou alugar um apartamento. Quero morar sozinho.
- Interessante! – ele disse, após uma breve pausa - E a Adriana? Você pretende confrontá-la, investigar melhor ou simplesmente confiar? E quanto à Wanda… o que você quer, afinal?
Fechei os olhos e pensei por um instante, procurando imaginar diferentes cenários envolvendo Adriana e Wanda.
- Gostava de como era meu relacionamento com Adriana até o aniversário do pai da Wanda, onde tudo mudou. Revi Wanda depois de anos. E descobri mais sobre o ex-namorado de Adriana, além do fato de que ela já conhecia Wanda.
- E o que impede de retornar ao que era?
- Minhas desconfianças. E acho que algo mudou em Adriana também.
- Aí complica.
Assenti.
- Acho que vocês precisam conversar. Você tem que colocar pra fora o que te incomoda e ser sincero com ela… exceto na parte da traição. É duro dizer isso, mas, se você contar, ela termina com você. E não me parece que é isso que você quer.
Remo voltou a se sentar na sua poltrona antes de continuar.
- A situação já é complicada demais. Ainda mais porque nem sabemos se aquele vídeo é realmente de antes de vocês começarem a namorar. Por isso, a conversa entre você e Adriana é crucial.
- Verdade… mas ainda não sei como conduzir essa conversa.
- Então escuta: guarda o vídeo. Não menciona a existência dele agora. Já te falei antes, junta mais informações antes de qualquer confronto mais direto. Do contrário, ela pode virar o jogo contra você e se colocar no papel de vítima.
Não respondi. Remo me observava em silêncio, como se aguardasse que eu absorvesse o peso do que havia dito. Após alguns segundos, retomou:
- Wanda é um assunto que você precisa resolver depois de Adriana. Entenda, Adriana é o compromisso que você assumiu, não Wanda. Por isso, deixaria a loirinha para depois… loirinha? – ele franziu a testa – Nem sei de onde tirei isso. Deve ser coisa do Denis. Agora fiquei curioso. Tem foto dessa mulher aí?
- Aí eu teria que ligar meu celular e não quero fazer isso ainda.
- Tem problema não, olhamos pelo meu – ele respondeu, já pegando o próprio aparelho.
Remo reconheceu de imediato a beleza estonteante de Wanda.
- Mano... agora entendo por que ela pirou o teu cabeção.
Dei-lhe um sorriso cansado, uma confirmação silenciosa, enquanto ele rolava o feed dela. Quando apareceu a irmã do meio, ele foi mais um a se surpreendeu com a semelhança:
- Uau! Essa é a irmã dela? Parece uma cópia da Wanda, só que mais nova…
- É a Wendy. Todo mundo diz isso.
- Posso flertar com ela?
- A vida é sua – respondi mais sério que pretendia, ele riu.
- Tem ciúme até da irmã?
Dei de ombros.
- Há outra irmã também, a Wis. Deve ter foto dela por aí…
Remo procurou no perfil de Wanda e depois no de Wendy. Encontrou diversas imagens, mas nenhuma parecia ser da caçula da família.
- Acho que ela não tem Instagram.
- Tem sim. Lembro dela comentar numa foto de Adriana.
Peguei o celular de Remo e rapidamente encontrei o perfil de Wis. A conta existia, mas era completamente vazia: sem foto, sem publicações, sem destaques. Limpa. Seca. Voltei aos perfis de Wanda e de Wendy, rolei por dezenas de fotos. Nada. Procurei também nos perfis de Cecília e da minha mãe. Nenhum sinal.
- Que estranho! – comentei – Não sabia que a Wis era tão low profile.
- Talvez ela prefira a vida real – Remo deu de ombros, retomando seu celular – Agora, vou apreciar mais um pouco essa Wendy… sinto que farei parte dessa família, meu caro Bruno.
Remo continuou concentrado nas fotos, enquanto minha mente se ocupava das conversas difíceis que ainda teria pela frente. Havia também a situação envolvendo minha mãe. Como se tivesse lido meus pensamentos, Remo comentou:
- Sua mãe é bem cuidada… com todo respeito.
Dei uma risada irônica.
- Mano… vamos lá – ele continuou – tecnicamente, sua mãe não fez nada de errado, né?
- O problema é que ela parece conhecer mais as pessoas ao meu redor que eu.
- Quem, exatamente?
- Todos: Adriana, Wanda, Trajano, Cecília, Vitor, Gustavo… Wendy, Wis…
- Mas por que isso te incomoda tanto?
- Porque me dá a sensação de que estou sendo conduzido. Como se eu fosse uma marionete.
Remo franziu a testa.
- Acha mesmo que sua mãe seria capaz disso?
- Eu não sei mais. Ela sempre esteve comigo nos momentos mais difíceis, sempre quis me proteger… mas me dói imaginar se tudo o que vivi com Wanda e com Adriana não foi, de algum modo, incentivado, direcionado. Como se alguém estivesse organizando o tabuleiro por mim. Consegue entender?
- Se for assim mesmo... – ele fez uma pausa – seria algo bem maquiavélico.
- Não acho coincidência eu ter recebido um vídeo da Adriana transando e outro da minha mãe beijando os pais da Wanda. Quem enviou aquilo, talvez a própria Wanda, pode ter querido que eu enxergasse alguma conexão.
- Eu não vi os vídeos e nem quero ver – ele se apressou em dizer – mas, se existir uma conexão, talvez seja só o fato de todo mundo ali gostar de relações fora do padrão. Um grande culto ao trisal – ele sorriu de canto – Vai que querem te recrutar: você, Adriana e… Wanda. Confesso que agora até eu fiquei com inveja.
Gargalhei alto.
- Nem brinca. Não sou adepto dessas coisas, cara. Sou monogâmico.
A conversa se estendeu até altas horas da madrugada. Remo trouxe outros conselhos, além de orientações práticas sobre o aluguel do meu apartamento. Em algum momento percebi que estava, de fato, me abrindo com alguém.
Fui dormir com uma sensação rara de satisfação. Pela primeira vez, parecia observar minha própria história à distância, como se não estivesse mais preso a ela, apenas atento. O dia seguinte ainda estava por vir e com ele, as mudanças que eu já sabia que precisaria fazer.
Cedo pela manhã, voltei para casa. Minha mãe estava na sala, entretida no celular, e ao me ver, levantou-se prontamente. Veio ao meu encontro e me envolveu em um abraço apertado, daqueles que aliviam toda tensão. No rosto dela, era nítido o esforço para conter um desespero que tentava não transparecer.
- Meu filho, que bom que você apareceu. Eu estava preocupada.
- Oi, mãe.
Ela estranhou meu tom, talvez não esperasse tanta frieza.
- O que aconteceu? – ela se afastou, olhando-me de frente.
- Qual é a verdade do seu relacionamento com Trajano e Cecilia? – perguntei diretamente.
- Como assim?
- A pergunta é essa. A senhora entendeu bem.
Ela respirou fundo, como se tentasse medir as palavras certas:
- Bruno, o que tenho com eles não lhe diz respeito. É minha vida, minha intimidade.
Era a resposta que eu já esperava.
- Claro, na minha vida, a senhora pode se meter à vontade.
- Não fala assim, sou sua mãe.
- E eu sou seu filho.
Ela hesitou, eu mantive o olhar firme, buscando qualquer sinal de sinceridade.
- Somos apenas amigos.
Dei um sorriso contido, de deboche.
- Ok. Se é assim…
Caminhei em direção ao meu quarto, ela me acompanhou com o olhar. Antes de entrar, porém, parei, virei-me para ela e disse:
- Vou procurar um apartamento para alugar. Me mudarei nos próximos dias. Preciso de liberdade. Preciso sair das suas asas e construir minha própria história.
Vi seus olhos marejarem. Ela correu até mim, bloqueando minha passagem.
- Por que isso, Bruno? O que eu te fiz? Por que vai me deixar sozinha aqui?
- Sozinha? A senhora não tem os seus “amigos”, Trajano e Cecília?
- Mas por que está dando tanta importância ao que tenho com eles?
- Não sei, mãe. Talvez não seja óbvio para você, né?
- Não me ironize, Bruno.
- Que droga, mãe! A senhora não vê? Eles são os pais da Wanda. Wanda e Adriana se conhecem. O ex da Adriana andava lá. A senhora conhecia ambos e nunca me disse. Trajano foi meu chefe e ele contratou Adriana. Agora, ele é meu sócio. Fui convidado para ser sócio, sabe-se lá porquê. Tudo parece tão interligado que, se eu fosse paranoico, acharia que foi armado para me prender de algum modo. Quero minha própria história, longe dessa teia de mentiras. Entendeu?
Minha mãe recuou alguns passos, as lágrimas escorrendo pelo rosto, misturadas a uma tristeza profunda, como se toda injustiça do mundo pesasse sobre seus ombros. A raiva me cegava, mas consegui me controlar:
- E não fale pra Adriana que eu voltei.
Entrei no quarto e tranquei a porta atrás de mim.
Liguei meu notebook para verificar se havia algum problema na empresa. Li as respostas dos meus sócios ao e-mail e todos se mostraram compreensivos, garantindo que me cobririam pelo tempo que fosse necessário. Liguei também meu celular antigo e, tirando as mensagens profissionais, não havia muitas notificações. Minha mãe enviara algumas mensagens demonstrando preocupação, mas Adriana se manteve estranhamente sucinta.
> Adriana: aconteceu algo?
> Adriana: você me deixou preocupada agora
> Adriana: tudo bem, então! te espero! se cuida! te amo eternamente!
Perto do horário do almoço, minha mãe bateu a porta.
- Bruno, preciso te contar algo – insistiu quando demorei a responder – por favor, é importante para mim.
Abri a porta.
- Posso entrar? – ela perguntou, como se medisse minhas reações.
- Sim.
Minha mãe entrou e sentou-se na cama. Puxei a cadeira do computador e virei-me para ela.
- E então? – perguntei.
Ela respirou fundo antes de falar:
- Olha, filho… eu não queria que você soubesse assim
- Conta outra, mãe! Está rolando um bacanal nas minhas costas e eu sendo feito de besta!
A rispidez das minhas palavras a assustou, mas, após um breve esforço de contenção, ela continuou a falar.
- Filho, entenda uma coisa… eu me preocupo demais com seus sentimentos. Você é a coisa mais importante para mim. Mas eu poderia simplesmente dizer que o que faço da minha intimidade só diz respeito a mim. Sou viúva, não estou traindo ninguém. Mesmo assim, quero lhe dar uma explicação. Acho que você merece, pois também sou sua amiga.
- Então conta, mãe… me fala dessa loucura.
- Eu… estou apaixonada.
- Mãe! Isso é uma traição, o seu Trajano está traindo a mulher!
- Não! Espera! Eu estou apaixonada pelos dois.
- Como é? Como assim? — arregalei os olhos, incrédulo.
- Sim… eu… fui conquistada pelos dois ao mesmo tempo, e estou completamente envolvida.
- Meu Deus… que loucura!
- Sei que você não vai entender, mas saiba que nós três estamos completamente saudáveis com essa situação. Está tudo certo entre nós, às claras. Nada foi feito para prejudicar você ou as filhas deles. Nada. Vocês são adultos, e nem o casamento deles se despedaçou, nem minha relação com você mudou… pelo menos, não para mim. Só… estamos vivendo mais intensamente essa nossa amizade especial.
- E como eu vou lidar com isso tudo? Trajano é meu sócio. Como vou conseguir olhar para ele sem imaginar besteira?
- Filho, você já é adulto, não posso te dizer como reagir. Mas não sinto que fizemos algo de errado… nem eu, nem eles. Afinal, foi tudo às claras entre nós.
- Eu… eu não sei o que dizer.
Ficamos algum tempo em silêncio. Então ela perguntou:
- Como você soube?
Eu não podia falar dos vídeos.
- Os sinais sempre estiveram na minha frente. Dessa vez, resolvi perguntar.
Ela baixou os olhos, levemente constrangida por eu agora saber da verdade.
- Eu sinto que estamos mais afastados ultimamente. Como se uma barreira tivesse surgido entre nós. Quero de volta a leveza que sempre tivemos.
- Não sei, mãe. A vida está corrida. Tem o trabalho… a Adriana…
- Está tudo bem entre vocês?
- Sim.
- Então por que sair daqui? Por que não esperar o casamento e se mudar com ela?
- Porque preciso agora. Isso não tem a ver com Adriana.
- É falta de privacidade? Eu não te dou privacidade?
- Não é isso, mãe. Talvez… esteja na hora de virar adulto. Assumir minhas próprias responsabilidades.
- Tudo bem, Bruno – ela virou o rosto de lado, tentando conter a emoção – Eu te dou minha bênção. Eu… vou poder te visitar?
Quando voltou a me encarar, seus olhos estavam suplicantes e sinceros. Por um instante, senti arrependimento. Talvez eu estivesse sendo duro demais. Talvez ela só quisesse viver também, sem o medo constante de ter de se preocupar comigo.
Levantei-me, fui até ela e a envolvi em um abraço.
- A senhora sempre vai poder me visitar. Quando quiser.
- Obrigada, meu amor. Eu te amo mais que tudo nessa vida!
- Eu também, mãe. Te amo demais!
Durante a tarde, saí para visitar alguns apartamentos. Quando começou a anoitecer, entrei em contato com Adriana, oferecendo-me para levá-la para casa. Ela aceitou prontamente, ressaltando que estava com saudade.
Ela entrou no carro como quem pisa em ovos. Demos apenas um selinho e seguimos em direção à casa dela, trocando comentários triviais. Ela não perguntou sobre meu período de ausência, mas estava claramente tensa, pois as pernas inquietas denunciavam isso. Eu também estava inquieto, com o coração acelerado.
- Olha – interrompi o silêncio, que se tornava cada vez mais constrangedor – O que acha de pararmos naquela lanchonete perto da sua casa pra gente conversar?
- Tudo bem.
Na lanchonete, pedi água e ela me acompanhou. A tensão entre nós era visível. De alguma forma, ela parecia… culpada. Aquilo pesou no meu coração.
- O que você quer conversar, amor? – ela perguntou, com certa relutância.
- Tem algo que você queira me falar? Algo que eu deva saber?
Adriana hesitou por um instante, e eu gelei. Pensei nos vídeos. Pensei se ela já sabia. O que veio a seguir só piorou tudo.
- Sim – ela disse em voz baixa, quase num sussurro.
- O quê, Adriana? – fiz uma pausa. Ela abaixou a cabeça – O quê?
- O Gustavo…
- Que tem ele? – minha voz saiu áspera, senti a raiva subir.
- Ele queria um encerramento. A gente se encontrou num café. Ele pediu desculpas. Foi só isso.
- Como é? Quando foi isso?
- Foi quando… quando… você viajou para Nova Iorque.
- Naquela semana que fiquei fora? – respirei fundo – Isso faz mais de um ano, Adriana. Você não ia me contar?
- Me desculpa, Bruno. Eu ia te contar, eu… eu só não encontrei o momento certo.
- Adriana… - minha voz perdeu força.
- Eu não queria ir…
- Mas foi, né? – interrompi – Impressionante como esse cara ainda tem influência sobre você. Influência demais.
Ela me olhou, confusa.
- E quem garante que foi só um café?
- Foi só um café, Bruno! Eu juro! Confie em mim, eu te amo!
- Como vou confiar se só agora descubro que você se encontrou com ele no ano passado? – balancei a cabeça – E quem garante que não houve outros encontros?
- Foi só essa vez, eu juro!
O olhar dela era suplicante. As lágrimas começaram a descer. Um casal na mesa ao lado nos observava de rabo de olho.
- Você sabe que eu odeio esse cara, Adriana. Sempre soube. E, mesmo assim, você foi encontrá-lo. E escolheu esconder isso de mim por todo esse tempo – engoli em seco – Isso… isso é muito decepcionante para mim.
- Eu sei que errei. Eu sei que te decepcionei – ela falou rápido – Eu já tive meu encerramento com ele. Só quis dar um para ele também. Ele está em terapia, ele…
- Chega, Adriana! Não quero mais saber…
Dois garçons se aproximaram da mesa, perguntando se estava tudo bem.
- Sim – respondeu ela, enxugando o rosto – Estamos tendo uma conversa difícil. Obrigada pela atenção.
Eles se afastaram, ainda atentos à distância.
- Eu quero terminar, Adriana. Eu quero acabar tudo entre nós.
- Não faz isso, Bruno! – ela suplicou – Por favor! O Gustavo não significa nada para mim. Eu te amo!
- Não acredito mais nas suas palavras.
- Confia em mim! Foi só um café. Não durou nem quinze minutos…
- Acabou, Adriana!
Levantei-me em direção ao caixa. Antes que eu desse outro passo, ela falou:
- É por ela, né?
Parei, de costas para ela.
- Hum…
- É a Wanda, não é? – sua voz agora estava firme – Você nunca me disse o nome da mulher que amou no passado, mas eu sempre soube. É por isso que você está terminando comigo. Você quer ela.
- Você não sabe do que está falando.
- Então olha nos meus olhos e diz que eu estou mentindo.
Não me virei. Não me movi.
- Eu sabia…
Ela pegou suas coisas e saiu da lanchonete. Minhas lágrimas ameaçaram cair, mas fiz força para contê-las. Não queria chorar ali. Não ainda.
Paguei a conta e corri para fora, tentando encontrá-la onde estacionei o carro, mas Adriana já havia sumido. Não sei exatamente o que eu esperava, já que tinha sido eu quem colocara um ponto final no relacionamento. Talvez fosse apenas o hábito de ter dividido tanta coisa ao lado dela.
Entrei no carro e desabei em choro por um bom tempo. Quando consegui me acalmar, dirigi até a casa dela. Estava tudo fechado, escuro. Pensei em descer, bater à porta, dizer alguma coisa, mas hesitei. Senti-me um covarde.
Voltei para casa.
Ao entrar em casa, não dei boa noite à minha mãe. Fui direto para o quarto e tranquei a porta atrás de mim. Meu coração batia acelerado e as lágrimas voltaram com mais força, trazendo um desespero já conhecido, e talvez arrependimento. Eu tinha feito a coisa certa?
Sete anos depois, eu me sentia exatamente igual, com a diferença de que, desta vez, fora eu quem provocara tudo. Foi ao perceber a perda, ao reconhecer que era o fim, que compreendi que Adriana ocupava mais do que meu coração. Ela preenchia minha alma inteira. Dava sentido à minha vida.
Sentia-me como se estivesse me ferindo por dentro. Todos os meus pensamentos giravam em torno dela. Um filme contínuo se repetia na minha mente. Felizmente, minha mãe não veio me procurar. Ainda bem. Aquilo era algo que eu precisava enfrentar sozinho.
Quando acordei, já era tarde. Era o último dia da minha licença. Sentia-me como se estivesse de ressaca. Eu estava exausto, inquieto, mas estranhamente compenetrado. Talvez meu corpo tivesse criado uma reserva de força para evitar um novo colapso, uma espécie de defesa aprendida em dias tenebrosos de um passado distante.
Enviei uma mensagem para Adriana, perguntando se poderíamos nos encontrar novamente. Havia mais coisas que eu precisava dizer. Ela não respondeu. Pior, o status de envio indicava que meu número havia sido bloqueado. Tentei ligar, mas parei na caixa postal.
O choro voltou, acompanhado da consciência incômoda de que talvez não houvesse mais retorno. Eu tinha tomado uma decisão, não tinha? Então precisava assumir as consequências. Seguir em frente. Era o que Adriana, ao que tudo indicava, já havia feito.
No dia seguinte, cheguei cedo à PHX. Caminhava tenso em direção à minha sala. Procurava Adriana com o olhar, temendo tanto a minha reação quanto a dela, mas não a vi. Assim que me sentei, Trajano irrompeu pela sala.
- O que aconteceu entre você e Adriana?
- Como assim?
- Ontem, ela pediu demissão da PHX.
Meu coração disparou. A visão ficou turva por um instante, mas me forcei a manter o controle. Trajano continuou:
- Disse que recebeu uma proposta irrecusável da XP. Três vezes o salário atual. Falei com alguns contatos lá e confirmaram isso. Pelo visto, eles a queriam havia tempo.
- Ela… já saiu?
- Ela já está definitivamente fora. Ela não te contou? Soube que vocês tiveram uma conversa difícil.
- Quem comentou isso com o senhor?
Trajano hesitou por um breve instante.
- Minha mãe, é claro – respondi, incapaz de esconder o asco na voz.
- Olha, Bruno, sobre eu e sua mãe…
- Com licença, seu Trajano – interrompi, com firmeza contida – O que o senhor e a dona Cecília têm com minha mãe não me diz respeito. Eu sei disso. E, sinceramente, não me sinto confortável para falar sobre esse assunto.
- Não é bem isso. Preciso ser claro quanto às minhas intenções. Você também é responsável pela Marluce.
- Não é necessário. Sou grato por tudo o que o senhor fez por mim, mas, justamente por esse apreço, peço que não avancemos nesse tema.
- Tudo bem. Como preferir… – ele ajeitou a postura – Precisamos providenciar a substituição da Adriana.
- Sim. Vamos abrir a vaga. Vou acionar o RH ainda hoje para alinhar os requisitos.
A raiva na minha voz era perceptível até para mim mesmo. Precisava disso tudo, Adriana? Tentei ligar novamente. Enviei mensagens. Em vão. Eu estava completamente bloqueado da vida dela.
A constatação me feriu mais do que eu esperava. E, ainda assim, eu sabia: havia hipocrisia também da minha parte.
Nas semanas seguintes, fiz o que sempre faço quando não estou bem comigo mesmo: mergulhei completamente no trabalho. Entreguei um desempenho quase absurdo. Ocupava-me em interagir com clientes, analisar balanços, acompanhar notícias do mercado, construir projeções, sempre um pouco além do necessário. Trabalhar era a forma mais eficiente que eu conhecia de silenciar o que me consumia por dentro.
Também consegui encontrar um apartamento. Remo me ajudou a fechar o negócio. Naquele momento, eu morava a dez minutos da PHX. Ele e Erica me auxiliaram na mudança e na mobília, embora eu tivesse prometido essa etapa à minha mãe. Quando ela visitou o apartamento, percebi sua decepção contida por não ter participado da organização e da decoração. Não disse nada, mas ficou evidente.
Apesar de todos os esforços para manter a mente ocupada, Adriana surgia com frequência nos meus pensamentos. Bastava um descuido para que a angústia viesse com força, deixando-me disperso no meio do dia. Em alguns momentos, era difícil retomar o controle e voltar ao que estava fazendo. Ainda assim, aos poucos, fui aprendendo a conviver com isso.
A saudade me dilacerava, mas havia também a raiva. Saber que ela se encontrou com Gustavo enquanto eu viajava, somado ao vídeo dela transando, alimentava em mim a convicção de que eu havia feito a coisa certa. Repetia isso como um mantra: não havia mais confiança. O problema é que meu coração simplesmente não acreditava nessa lógica.
E havia ainda a culpa da minha própria hipocrisia. Afinal, eu tinha traído Adriana com Wanda. Isso me levava a um raciocínio torto, quase doentio: o de que eu teria feito por Adriana aquilo que ela deveria ter feito comigo, caso soubesse da verdade. Que pensamento era esse? Eu estava sendo justo? Ou apenas tentando me absolver? Essa tentativa de racionalização me revoltava comigo mesmo.
Cheguei a considerar a ideia do Remo de contratar um detetive para investigar o passado de Adriana e o que ela fazia naquele momento. Não levei adiante. Achei que isso me transformaria em alguém que eu não reconheceria, um monstro movido apenas pela desconfiança. Ainda assim, o medo persistia. Temia que ela tivesse voltado para Gustavo. Não sabia se suportaria essa confirmação. A verdade é que eu não sabia o que queria em relação a Adriana. Meus sentimentos eram profundamente conflitantes.
Foi nesse período que Wanda entrou em contato comigo por direct no Instagram. A abordagem foi simples:
> Wanda: podemos nos encontrar?
Minha resposta foi igualmente direta:
> Bruno: não
Sei que ela leu, mas não respondeu. Pareceu ter aceitado minha decisão.
Havia, dentro de mim, algo confuso, um impulso mal organizado, que tentava culpar Wanda por tudo. Mas eu sabia que isso não passava de mais uma ilusão conveniente. Uma tentativa de justificar meus atos, de esconder minha própria culpa, minha desconfiança e, sobretudo, minha incapacidade de aceitar que Adriana transou da forma como transou com Gustavo e com Vitor.
Eu me sentia humilhado, mesmo sabendo, racionalmente, que a culpa não era dela e que, provavelmente, ela não me devia nada quando fez o que fez.
Morando sozinho, meu contato com minha mãe diminuiu consideravelmente. Com Trajano, a relação tornou-se estritamente profissional, sem qualquer abertura para assuntos pessoais. A solidão só não foi absoluta porque Remo e Erica surgiam com frequência, quase sempre juntos, insistindo em aparecer no meu apartamento e ignorando completamente quando eu estava visivelmente de mau humor.
Com eles, ainda tentei sair nos fins de semana, indo para bares e baladas, qualquer coisa que me tirasse de casa. Com o tempo, porém, o receio constante de encontrar Adriana fez com que eu passasse a recusar esses convites. Assim, tornou-se comum que Remo e Erica simplesmente passassem o fim de semana no meu apartamento, ocupando o tempo entre bebidas, jogos eletrônicos e conversas dispersas, sem muita profundidade.
Eu sabia que, ocasionalmente, eles transavam. Nunca, no entanto, chegaram a fazer isso na minha casa enquanto eu estivesse acordado. Dormindo, talvez. Nunca tive certeza. Até que, numa dessas noites, eu dormia no meu quarto quando acordei sentindo um calor ao meu lado. Era Erica. Ela acariciava o meu pau por cima do calção. Fiquei assustado e muito excitado também:
- O que faz aqui, Erica? O Remo pode perceber…
- Remo não manda em mim, não tenho compromisso com ele.
Tentei afastá-la, mas não consegui. Ela me prendia com seu corpo.
- Para, Bruno! Fica quietinho, deixa eu dar um carinho no teu pau…
Meu pau começou a reagir, logo ficando duro. Fazia tempo que não transava, então o tesão veio de forma avassaladora. Em resposta, eu comecei a acariciar suas costas e seu rosto. Não demorou muito e estávamos nos beijando, inicialmente sem pressa, depois com muita intensidade.
Eu a virei de costas e ela empinou bem a bunda em minha direção. Tirei seu short curto e meu calção num impulso. Meu pau roçava em sua bunda e ela respondia com reboladinhas obscenas.
- Vai, mete gostoso… tô morrendo de tesão agora, preciso de pica…
Cuspi em minha mão e depois lubrifiquei tanto meu pau quanto a bocetinha dela. E meti de uma vez. Erica deu um gemido abafado, mas delicioso aos meus ouvidos.
- Eu sempre quis transar contigo – ela arfou, eu estocava.
- Eu vou te comer gostoso, sua safada.
Bombei com força e pressa, tomado por uma urgência quase desesperada, como se tentasse tirar todo o atraso em que me encontrava. Coloquei minhas mãos por baixo da sua blusa, acariciando seus seios. Ela gemia gostoso, o que me deixava mais louco ainda.
Logo gozei, enchendo sua bocetinha com meu leite. E ficamos abraçados por algum tempo, em silêncio, cada qual normalizando sua própria respiração, com meu pau dentro dela. Em seguida, adormeci.
Acordei sobressaltado, sozinho, tomado por uma preocupação imediata com Erica e, principalmente, com a reação de Remo. Levantei-me apressado, saí do quarto e fui até a cozinha. Os dois estavam sentados à mesa, tomando café da manhã como se nada de extraordinário tivesse acontecido.
- Olha ele aí, a nossa bela adormecida – Remo zombou, enquanto Erica apenas ria – Soube que você teve um belo boa noite com a Erica.
- Eu… fico constrangido com isso. Não era minha intenção… – comecei, sentindo o rosto esquentar.
- Para de besteira, Bruno – Erica me interrompeu, com uma firmeza tranquila – Somos todos amigos aqui. Amigos com benefícios. Você não me deve nada, nem eu a você. Somos todos solteiros.
Ela me lançou um sorriso acolhedor, quase desarmante.
- Agora senta aí e come.
Foi o que fiz. Enquanto me servia, ela comentou, lançando-me uma piscadela:
- Antes que você se preocupe, eu tomo pílula.
- Tinha nem pensado nisso, mas… ainda bem – respondi, aliviado.
Os dias seguintes à transa com Erica despertaram em mim sentimentos conflitantes. Por um lado, sentia uma espécie de culpa, como se estivesse traindo Adriana, ou o que ainda restava do meu sentimento por ela. Por outro, tentava me convencer de que era livre, de que precisava seguir em frente e, talvez, aprender a aproveitar a vida novamente.
No fim de semana seguinte, Remo e Erica voltaram ao meu apartamento. Eu transei novamente com Erica, dessa vez tentando me permitir mais, embora ainda houvesse certa urgência nos meus gestos.
- Calma, Bruno… eu não vou fugir – ela disse durante o ato, rindo – Vamos aproveitar mais. Só não vai se apaixonar…
Com o tempo, minhas transas com Erica tornaram-se frequentes, essencialmente carnais. Às vezes, durante a semana mesmo. Claramente não havia envolvimento emocional, apenas um desejo que surgia de imediato, quase automático.
Em um desses fins de semana, Remo não pôde aparecer. Disse que sairia com uma garota por quem estava interessado. Erica veio sozinha. E nós transamos como nunca. Durante aqueles dias, permanecíamos quase sempre assim: eu de cueca, ela de calcinha, como se qualquer outra roupa fosse apenas um excesso.
Em certa ocasião, Erica me confidenciou o desejo de fazer dupla penetração e perguntou se eu aceitaria realizá-lo com ela e Remo.
- Você faria isso por mim? – perguntou, com um tom quase suplicante.
- Não sei se me sentiria confortável… me desculpa – respondi, sendo honesto.
Ela permaneceu em silêncio por um instante, então insistiu:
- Promete que vai pensar na ideia com carinho? Eu adoraria sentir você e o Remo dentro de mim, ao mesmo tempo. Meus melhores amigos...
- Prometo – disse, embora soubesse, no fundo, o quanto seria difícil sequer cogitar aquilo.
Havia ainda um complicador a mais. A simples ideia me remetia imediatamente a Adriana com aqueles dois homens que eu desprezava. Eu sabia que não conseguiria atender ao desejo de Erica e, ao mesmo tempo, permanecer em paz comigo mesmo. Sem contar a noção de estar em um trisal Isso, por si só, já me causava náusea.
Apesar de tudo, eu era profundamente grato a Erica e a Remo. À maneira deles, ajudaram-me a suportar o vazio deixado por Adriana. Pouco a pouco, fui aceitando que minha vida, de fato, seguiria longe dela. E passei também a admitir a ideia de que Adriana também seguiria em frente, possivelmente ao lado de outro homem. E aceitar isso, não me trouxe alívio algum, apenas uma conformação silenciosa de que algo essencial havia se perdido para sempre.
A vida seguiu, e uma nova rotina acabou se impondo. Na PHX, meus sócios diziam que eu estava melhor do que nunca. Mais produtivo, mais focado, quase imbatível. Minha mãe praticamente só falava comigo por mensagens, mas me visitava pouco. Erica começou a dormir com mais frequência no meu apartamento, inclusive durante a semana. Transávamos bastante, mas com total desapego emocional, como se o corpo funcionasse melhor do que qualquer tentativa de vínculo.
Remo iniciou um namoro, “liberando” Erica apenas para mim. Não tive mais nenhum contato com Adriana, muito menos com Wanda. Apaguei também meu perfil no Instagram. Eu não queria saber mais nada delas, talvez por medo de descobrir que ainda me importava. Ou só queria fugir mesmo.
Quando penso em tudo o que vivi desde o término com Adriana, tenho a sensação de que se passaram anos. Na realidade, foram apenas seis meses. Talvez porque, nesse intervalo curto, tudo tenha se acumulado de forma intensa demais. E foi justamente então que algo aconteceu. Algo que mudaria completamente minha vida e me empurraria para o que, mais tarde, eu entenderia como uma espécie de decisão final do que eu realmente queria para minha vida.
Eu voltava de um almoço quando Bruna, a nova secretária contratada para ocupar o lugar de Adriana, informou que Trajano me aguardava em sua sala. Assenti e segui até lá.
Ao entrar, percebi que Trajano ainda não estava. Mas havia alguém. Uma mulher jovem, loira. E estranhamente familiar. Não era uma lembrança clara, mas uma sensação incômoda, como se minha memória tentasse, sem sucesso, encaixá-la em algum fragmento esquecido do passado.
Seus olhos, cor de mel, tinham uma clareza quase matemática. Eram atentos, precisos, como se calculassem distâncias invisíveis. Havia neles algo afiado, quase clínico, como se ela me analisasse e, ao mesmo tempo, se divertisse com minha evidente perturbação.
Seu rosto reunia uma combinação rara: delicadeza e segurança, juventude e autoridade, doçura e sagacidade. Uma dualidade inquietante. Eu poderia jurar que jamais havia visto alguém tão bela.
E o mais perturbador não era a atração em si, mas a clara percepção de que ela sabia exatamente o efeito que causava.
Um sorriso discreto surgiu em seus lábios. Não era provocativo, nem inocente. Era consciente, como se estivesse genuinamente satisfeita por eu estar ali.
Senti-me, por um instante, deslocado, como se o centro de gravidade da sala tivesse se deslocado para ela. Minha voz saiu trêmula, quase em um sussurro:
- Seu Trajano mandou me chamar… posso voltar depois.
- Ele já está vindo, Bruno – respondeu ela, pronunciando meu nome com uma intimidade que não deveria existir e que, ainda assim, parecia inevitável.
Sua voz era firme, mas suave. Segura, mas acolhedora. E, acima de tudo, familiar, embora eu não soubesse dizer por quê. Ela não desviava o olhar. E eu tampouco conseguia desviar o meu.
Foi então que Trajano entrou. Sua postura não era a mesma dos últimos meses. Não havia ali a distância pessoal que passara a existir entre nós. Ele parecia… confortável. Quase satisfeito.
- Ora, ora… – disse, nos observando – Vejo que vocês já estão conversando depois de tanto tempo.
- Como assim? – perguntei, sentindo a confusão se instalar de vez.
Trajano sorriu amplamente.
- Você realmente não se lembra dela, Bruno?
Antes que eu pudesse responder, a mulher se levantou. Sua postura era impecável. O corpo, elegante, contido, perfeitamente alinhado às roupas sóbrias e corporativas. Nada nela chamava atenção de forma vulgar… ainda assim, tudo convergia para ela, numa beleza estonteante. Um perfume discreto, limpo, quase analítico, tomou o ambiente.
Ela estendeu a mão na minha direção e, antes que eu a tocasse, provocou com doçura:
- Não lembra de mim mesmo?
Um arrepio percorreu minha espinha. Algo dentro de mim se agitou, como se tivesse sido acordado.
- Quem…? – consegui murmurar.
Ela sustentou meu olhar com uma ternura que não pedia nada. Havia ali compreensão, como se me conhecesse mais do que eu mesmo.
O sorriso dela se ampliou levemente. Havia nele algo preservado por anos. Algo contido, disciplinado, mantido sob controle com rigor, como um impulso que aguardava o instante exato para existir. Não era pressa, era espera.
Meu coração reagiu antes de qualquer pensamento. Disparou, como se tivesse reconhecido antes de mim.
- Sou eu, Bruno…
Wis Nara.
Continua...
Espero que gostem. Desde já, ficarei grato com qualquer comentário, crítica ou elogio. Próximo capítulo em alguns dias.
Agora, faltam mais dois capítulos para encerrar essa série.