Onde o mar nos levou - Capítulo XIX

Um conto erótico de Rafa & Caio
Categoria: Gay
Contém 2368 palavras
Data: 15/10/2025 12:49:58

Capítulo XIX - O abismo!

A tarde chegou carregada, o céu parecia um espelho do meu peito: nublado, denso, ameaçando tempestade. A campainha ecoou pela sala, um som simples que, naquele momento, parecia um trovão. Meu coração disparou. Eu sabia quem era.

Respirei fundo antes de abrir a porta. Lá estava minha mãe. Dona Eloisa. Linda, elegante, mas com o rosto marcado por uma preocupação que eu reconheceria em qualquer lugar. Era o tipo de expressão que ela usava quando algo muito sério estava prestes a ser dito.

— Mãe… — minha voz saiu mais fraca do que eu queria.

— Rafael — ela disse meu nome com um misto de carinho e cobrança. — Posso entrar?

Afastei-me para dar passagem. Caio surgiu da cozinha, enxugando as mãos com um pano. Ele tentou sorrir, mas eu conheço cada nuance daquele rosto — era um sorriso nervoso.

— Boa tarde, dona Eloísa! — a voz dele era suave, respeitosa.

— Caio — minha mãe respondeu, abrindo um sorriso breve, mas sincero. — Que bom ver você!

Ela o abraçou, um abraço rápido, mas cheio de significado. Um gesto que dizia: “eu sei quem você é na vida do meu filho, e é importante para mim”.

Nos sentamos na sala. O silêncio era quase um personagem ali, pesado, quase palpável. Minha mãe colocou a bolsa ao lado e entrelaçou os dedos, respirando fundo.

— Rafael… precisamos conversar.

Eu senti meu estômago revirar. Sabia que aquela conversa viria desde o momento em que liguei para ela, alguns dias atrás, chorando e contando tudo: a perseguição do meu pai, os boicotes, minha recaída nas drogas, meus medos.

— Mãe… eu sei — comecei, mas ela ergueu a mão, pedindo silêncio.

— Deixa eu falar primeiro.

Caio ficou imóvel, atento.

— Rafael, você é meu filho. Eu te amo mais do que qualquer coisa nesse mundo. — A voz dela tremeu. — E quando você me ligou… eu fiquei desesperada. Você não imagina o que foi ouvir sua voz daquele jeito, saber que estava sofrendo tanto.

Eu abaixei a cabeça.

— Eu não aguentava mais, mãe… — minha voz saiu em um sussurro. — O pai… a empresa… tudo estava me sufocando.

Ela estendeu a mão e segurou a minha com força.

— Eu ouvi você, filho. E é por isso que estou aqui. Mas você precisa prometer que não vai se machucar mais. Que não vai deixar essa gente destruir o que você tem de mais precioso.

Engoli em seco, sentindo os olhos arderem.

— Eu prometo tentar… mas é difícil.

— Eu sei. — Ela apertou minha mão. — Por isso você precisa de apoio. — Virou-se para Caio, olhando fundo nos olhos dele. — Caio, obrigada por cuidar dele.

Caio respirou fundo, emocionado, e respondeu:

— Eu amo seu filho, dona Eloísa. E eu não vou desistir dele, por nada.

Minha mãe assentiu, com um pequeno sorriso.

— Então cuidem um do outro. Porque seu pai… — ela fez uma pausa pesada — … ele não vai desistir. Ele vai continuar tentando controlar, boicotar, ferir.

O silêncio caiu de novo, denso, cheio de medo. Ficamos mais uma hora conversando: advogados, estratégias, possibilidades. Quando ela finalmente se levantou para ir embora, me abraçou com força, sussurrando ao meu ouvido.

— Proteja seu coração, Rafael. E proteja o amor de vocês.

Quando a porta se fechou atrás dela, Caio e eu ficamos alguns segundos parados, sem saber o que dizer. O peso daquela visita ficou impregnado no ar.

Alguns dias depois, Caio apareceu na sala com um brilho nos olhos.

— Rafa, vamos sair hoje? Só nós dois. Jantar, umas bebidas, rir um pouco… a gente precisa.

Eu hesitei, ainda sentindo a pressão dos últimos acontecimentos, mas o sorriso dele era quase um convite para respirar.

— Tá… acho que precisamos disso, sim.

Saímos para um restaurante à beira-mar. O cheiro de sal misturado ao som das ondas parecia prometer uma noite mais leve. Caio pediu vinho, depois um drink, depois outro. Eu tentei acompanhar, mas percebi que ele bebia mais rápido do que de costume.

— Calma, amor… — falei, rindo de leve. — A gente tem a noite inteira.

— Hoje eu só quero esquecer um pouco, Rafa. Só isso.

Ele falava sorrindo, mas eu via a tensão escondida. Bebemos, rimos, mas dentro de mim algo continuava inquieto.

Na volta para casa, já tarde da noite, o celular dele vibrou. Ele pegou e riu de uma mensagem antes que eu pudesse ver.

— Quem é? — perguntei, tentando soar casual.

— Um aluno. — Ele mostrou rapidamente a tela.

"Professor, não esquece da aula extra amanhã. Vai ser ótimo te ver!"

Eu senti uma fisgada instantânea.

— “Vai ser ótimo te ver”? — repeti, a voz mais fria do que pretendia.

Caio riu, tentando minimizar.

— Rafa, é só um aluno. Ele é simpático.

— Simpático demais, pelo jeito.

Ele parou de andar, o vento da praia bagunçando seu cabelo.

— Você tá falando sério?

— Eu só perguntei…

— Não, você não só perguntou. — A voz dele ficou mais firme. — Você tá insinuando.

Meu peito queimava.

— Eu conheço esse tom, Caio. Parece que ele tá dando em cima.

— E se estiver? — Ele abriu os braços, irritado. — O que importa? Eu não faço nada, Rafa! Eu te respeito!

— Mas ele tá tentando, e você fica alimentando com risadinhas e aula extra! — explodi, sem medir as palavras.

— Alimentando?! — Ele riu, mas era um riso amargo. — Você tá louco? Eu dou aula, Rafael! É meu trabalho! Eu não vou tratar as pessoas mal só porque você é paranoico!

Meu orgulho ferveu.

— Paranoico? Eu só não quero ser feito de idiota!

— Idiota você tá sendo agora! — Ele apontou o dedo no meu peito. — Depois de tudo que eu passei com você, depois de cada noite em que fiquei acordado com medo de você não voltar pra casa… você acha mesmo que eu daria mole para um aluno?

Aquela frase me atingiu como um soco. Eu tentei responder, mas minha voz falhou.

— Eu só… eu não quero te perder.

— Então para de agir como se já tivesse perdido! — gritou, atraindo olhares de um casal que passava. — Eu tô aqui, caralho! Mas você precisa confiar em mim!

Entramos em casa ainda em chamas. A porta mal fechou e as palavras continuaram, cada vez mais afiadas.

— Sabe o que mais me machuca? — Caio estava vermelho, os olhos marejados. — É ver que você prefere acreditar num desconhecido do que em mim. Que você se destrói de novo e ainda acha que eu vou ficar aqui pra sempre, como se meu amor fosse obrigação.

— Eu não acho isso! — gritei de volta, mas a voz saiu trêmula. — Eu só tenho medo, Caio! Medo de te perder, medo de tudo desmoronar…

— Então aprende a lidar com esse medo, Rafael! — ele retrucou, a voz quebrando. — Porque se você não confiar em mim, se não aprender a se amar, esse amor não vai sobreviver. Nenhum amor aguenta ser esmagado pelo ciúme e pelo passado.

As palavras dele caíram sobre mim como uma avalanche. Eu fiquei em silêncio, o peito arfando, os olhos ardendo. Ele respirou fundo, como quem tenta recuperar o controle, e disse mais baixo:

— Eu te amo. Mas eu não vou viver assim.

Ele virou de costas e entrou no quarto, a porta batendo com um estalo seco que ecoou pela sala.

Fiquei sozinho, encostado na parede, sentindo cada frase dele latejar como um ferimento aberto. O ciúme, a raiva, o medo — tudo se misturava a uma culpa sufocante. Eu queria correr atrás dele, pedir perdão, prometer que mudaria. Mas minhas pernas pareciam presas ao chão.

O silêncio da casa era quase ensurdecedor. Lá fora, o som distante do mar parecia zombar da nossa noite que começou com risadas e terminou em escuridão. Eu sabia que, mais uma vez, precisava escolher: o orgulho… ou o amor.

Os dias seguintes foram um campo de batalha silencioso.

Nada explodiu de imediato, mas a casa inteira parecia respirar tensão. O apartamento, que antes era cheio de risadas, agora tinha um eco estranho — cada passo, cada porta fechando, parecia um lembrete de que algo estava quebrado.

Caio tentava. Eu via, mesmo quando fingia não perceber. Ele acordava cedo, fazia café, deixava a caneca perto de mim na mesa, mesmo sabendo que eu talvez nem tocasse.

Às vezes se aproximava devagar, perguntava coisas simples — “Dormiu bem?” “Quer alguma coisa pra comer?” — mas eu respondia com monossílabos ou, pior, com silêncio. Assim como ele fez da última vez que ficou magoado comigo. Apesar do abismo, ele tentava cuidar de mim e me mostrar que tava por perto.

A mágoa me corroía por dentro. Não era só por causa da briga, nem da mensagem do aluno. Era o acúmulo: o medo constante do meu pai, os boicotes, a pressão, o ciúme, a sensação de que eu não estava à altura de nada. E, por mais que eu amasse Caio, uma parte de mim não conseguia perdoar as palavras daquela noite.

“Nenhum amor aguenta ser esmagado pelo ciúme.”

Essa frase martelava na minha cabeça como uma sentença.

Caio, por outro lado, parecia se recusar a desistir.

Ele chegava do trabalho e tentava puxar conversa, me tocava de leve no ombro, fazia pequenas piadas.

— Rafa… — ele dizia às vezes, a voz quase um pedido.

— A gente precisa conversar.

Mas eu desviava o olhar, ou saía da sala fingindo estar ocupado.

As noites eram as piores. Eu ficava no sofá, encarando a escuridão, enquanto ele ia dormir sozinho. Às vezes, eu ouvia seus passos hesitantes, como se ele parasse na porta esperando que eu o chamasse. Mas eu nunca chamava. Era um castigo que, no fundo, também me destruía.

Até que veio aquela quinta-feira. Eu acordei com um peso diferente. Uma mistura de raiva, vazio e autopunição. Caio já tinha saído para dar aulas. A casa estava em silêncio absoluto.

Olhei para a mesa e vi a caneca de café que ele tinha deixado — ainda quente, com uma mensagem rabiscada no guardanapo: “Cuide de você. Te amo.”

Aquilo deveria ter me tocado, mas só aumentou a sensação de sufoco. Peguei a carteira, vesti a jaqueta e saí. Não deixei bilhete, não mandei mensagem. Eu só queria fugir. Queria desligar o barulho dentro da minha cabeça.

Andei sem rumo pelas ruas da cidade, até parar em um bar de esquina. Um daqueles lugares que cheiram a bebida barata e desespero. Não lembro quantas doses bebi antes de encontrar um velho conhecido que me ofereceu “algo mais forte pra esquecer”. O velho demônio, a cocaína. Meu coração disparou, mas a parte mais frágil de mim cedeu. Eu sabia que era errado. Eu sabia que Caio confiava em mim, mesmo depois de tudo. Mas naquele instante, a promessa que eu tinha feito parecia distante, quase irreal.

Usei. E por alguns minutos, o mundo ficou anestesiado. Mas a culpa veio mais rápido do que o efeito. Meu corpo inteiro tremia enquanto eu caminhava sem destino, as horas passando sem que eu percebesse.

Enquanto isso, em casa, Caio estava em agonia.

Ele me ligou uma, duas, dez vezes.

Cada chamada caía direto na caixa postal.

Mandou mensagens:

“Rafa, onde você está?”

“Por favor, me responde.”

“Eu só quero saber se você está bem.”

Nenhuma resposta!

Caio contou depois que tentou trabalhar, mas não conseguiu. Cancelou a última aula do dia e começou a andar pela cidade. Passou em bares, ligou para amigos, foi até a praia onde eu costumava ir quando queria pensar. Nada!

Já era noite quando a preocupação virou desespero.

Ele me ligava quase a cada cinco minutos, a voz gravada da caixa postal se tornando um pesadelo repetitivo.

O coração dele batia rápido, as mãos tremiam tanto que quase deixou o celular cair.

Cada segundo sem notícia era uma tortura.

— Rafael… por favor… — ele sussurrava sozinho, enquanto caminhava pelas ruas quase desertas. — Não faz isso comigo. Não desaparece assim.

Dentro do carro, dirigindo de um lado para o outro, Caio começou a imaginar o pior:

um acidente, uma overdose, uma briga de bar.

A lembrança da minha última recaída — da noite em que ele me encontrou trêmulo e suado — voltava como uma lâmina afiada. Ele sentia o medo crescer a cada esquina, a cada rosto desconhecido.

Enquanto ele procurava, eu estava sentado em um banco de praça, as mãos sujas de pó e arrependimento. O efeito já tinha passado, deixando apenas a ressaca moral. Eu olhava para o celular no bolso, as dezenas de notificações brilhando na tela.

Mas a vergonha era maior que a coragem de atender.

Quando finalmente criei coragem para voltar, já era madrugada.

Cada passo até o apartamento parecia uma confissão.

Eu imaginava a expressão de Caio — a mistura de alívio e dor que eu já tinha visto antes.

Caio estava na sala, sentado no sofá, os olhos vermelhos de chorar e de preocupação. Quando a porta se abriu, ele se levantou tão rápido que quase tropeçou.

— Rafael! — a voz dele era um misto de raiva e desespero. — Onde você estava?!

Eu não consegui responder. A garganta estava seca, a vergonha me paralisava.

— Eu liguei pra você o dia inteiro! — ele gritou, avançando um passo. — O dia inteiro, Rafael! Você tem ideia do que eu senti?

— Caio… — murmurei, mas a voz falhou.

— Não! — ele interrompeu, os olhos brilhando de lágrimas. — Não fala nada! Eu sei o que você fez. Eu sei, Rafael. Eu sinto daqui.

Baixei a cabeça, incapaz de negar. A respiração dele estava acelerada, quase um soluço.

— Por quê? — ele perguntou, mais baixo, a voz quebrando. — Por que você faz isso com você? Por que você faz isso comigo?

Cada palavra dele era como um soco. Eu queria dizer que era medo, que era fuga, que eu não sabia lidar com a dor. Mas nada disso parecia justificativa. Nada podia apagar a imagem dele ali, destruído, depois de passar o dia inteiro procurando por mim.

Caio se aproximou e segurou meu rosto com as duas mãos, os dedos tremendo.

— Eu te amo, Rafael. Mas eu não posso perder você assim. Eu não posso.

As lágrimas finalmente caíram dos meus olhos.

Tudo o que consegui fazer foi abraçá-lo, forte, como se aquele abraço fosse a única coisa que me mantinha vivo. A madrugada passou lenta, cheia de silêncios e lágrimas.

Não houve promessas vazias, nem palavras mágicas.

Apenas dois corpos cansados tentando se segurar no meio do caos.

E no fundo, eu sabia: se continuasse assim, não seria apenas o nosso amor em risco. Seria a minha própria vida.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive T. Lys. R a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 20Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

Comentários