O motor do Opala velho do meu pai tossiu uma, duas vezes antes de pegar. O som rasgou a calma do fim de tarde, um ruído familiar que hoje soava como uma contagem regressiva. Eu não me virei para olhar. Fiquei parado na varanda do Ronaldo, os dedos dos pés se contraindo dentro do tênis surrado, escutando o barulho do carro se afastar pela rua de terra, os pneus esmagando o cascalho, cada metro me deixando mais sozinho com ele. Mais exposto.
Quando o som do motor finalmente se dissolveu na distância, um silêncio pesado desabou sobre nós. Não era um silêncio confortável de dois amigos. Era um vácuo denso, preenchido apenas pelo zumbido insistente de um mosquito perto do meu ouvido e pelo cheiro que eu já associava a Ronaldo: uma mistura de cerveja barata, suor de um dia de trabalho e o pó da estrada que parecia impregnado em sua pele.
Na minha frente, a mesa de plástico branca estava manchada por copos e marcada por cigarros apagados. As cartas de truco, que tinham sido a minha desculpa para ficar, jaziam espalhadas como vítimas de uma batalha. Um cemitério de reis e espadas que testemunhavam a minha covardia. Meu pai e ele tinham jogado por uma hora, com gritos de "TRUCO!" e risadas altas. Eu só fiquei ali, no meu canto, bebendo uma única latinha de cerveja que desceu quente e amarga, mal prestando atenção ao jogo, mas dolorosamente ciente de cada movimento do homem à minha frente.
Ronaldo esvaziou sua própria latinha com um gole longo e ruidoso, o pomo-de-adão subindo e descendo em sua garganta grossa. Ele amassou o alumínio com uma facilidade assustadora, a mão grande envolvendo o metal como se fosse papel. E então ele me encarou. Seus olhos, normalmente de um castanho tranquilo, estavam mais escuros, quase negros por causa da pouca luz e com um brilho oleoso por causa do álcool. Havia um sorriso cansado em seus lábios, mas não chegava aos olhos.
"E então, guri...", a voz dele me atingiu, mais grave e arrastada que o normal. O som parecia vibrar no ar pesado entre nós. "...quer mesmo aprender essa bagunça ou era só desculpa pra não ir embora com o velho?"
Um calafrio percorreu minha espinha, rápido e elétrico. Era uma mistura de medo e triunfo. Ele percebeu. Ou talvez não. Talvez fosse só uma provocação bêbada, sem significado algum. Minha mente corria, tentando decifrar o tom, o olhar, a pausa antes da pergunta. Cada detalhe era uma pista, e eu era um detetive desesperado.
"Quero aprender, de verdade", minha voz saiu mais fina do que eu queria. Engoli em seco, tentando forçar um tom mais casual. Ajeitei-me na cadeira de plástico, o suor fazendo minha nuca grudar na camiseta. "Mas... sei lá. Acho que também queria conversar."
Era isso. A primeira isca. A palavra "conversar" ficou boiando entre nós, frágil e carregada de intenção.
Ronaldo ergueu uma sobrancelha, um movimento lento e cético. O músculo em sua mandíbula se contraiu. "Conversar?", repetiu ele, testando o peso da palavra. "Sobre o quê? Preço do diesel? Mulherada na estrada?"
Ele riu. Não foi uma risada alta como as do jogo. Foi um som baixo, rouco, que saiu do fundo do seu peito. E esse som fez algo dentro de mim se agitar, uma coisa quente e perigosa que se espalhou pelo meu estômago. Aquele riso não me intimidou; ele me encorajou. Era a minha deixa. A porta que eu precisava que ele abrisse.
Inclinei-me para a frente, um movimento deliberado para diminuir a distância entre nós. Apoiei os cotovelos na mesa, entre as cartas mortas. O cheiro dele ficou mais forte. Agora eu podia ver os pelos escuros em seus antebraços, o mapa de veias que subia por eles. Eu podia sentir o calor que emanava de seu corpo.
"É, tipo isso", respondi, a voz agora mais firme. "Você viaja muito, né? Fica semanas fora." Forcei-me a manter o contato visual, a não desviar meus olhos dos dele. "Deve ser uma solidão."
Meu coração batia forte contra as minhas costelas, um tambor frenético que eu tinha certeza de que ele podia ouvir. Eu estava no limite, na borda de um precipício que eu mesmo tinha cavado.
"A gente se acostuma", ele disse, desviando o olhar pela primeira vez. Ele começou a juntar as cartas com sua mão enorme, os dedos grossos e calosos se movendo com uma delicadeza inesperada. "Mas sempre tem umas paradas boas, umas cidades que a gente faz amizade."
"Amizade...", repeti, quase um sussurro. Deixei a palavra morrer no ar, carregada de sarcasmo e dúvida. Eu estava seguindo um roteiro que ensaiei na minha cabeça mil vezes, e agora era a hora do ato final. A hora de queimar a ponte.
O ar pareceu ficar mais denso. Minha respiração ficou presa na garganta.
"Você deve pegar muita mulher por aí, né, Ronaldo?", minha voz soou estranha para mim mesmo, deliberadamente crua, despida de qualquer inocência. Eu queria chocar, queria testar seus limites, queria ver a reação em seu rosto. Inclinei-me um pouco mais. "Em cada parada, uma diferente."
Ele continuou juntando as cartas, mas seu movimento ficou mais lento, quase hesitante. Eu podia sentir a mudança na atmosfera. A conversa casual tinha morrido. Algo novo e perigoso estava nascendo em seu lugar.
Era agora ou nunca.
"Deve comer gente pra caralho."
As palavras saíram da minha boca e caíram na mesa com o peso de uma pedra. Cruas. Vulgares. Uma provocação direta. Um desafio.
E então, tudo parou.
A mão grande e calosa de Ronaldo congelou sobre o baralho. Seus dedos, que segundos antes se moviam com fluidez, estavam agora imóveis, pairando sobre o valete de paus. O silêncio que se seguiu foi diferente. Não era mais pesado; era elétrico, vibrante de tensão. Eu podia sentir a eletricidade na minha pele, arrepiando os pelos dos meus braços.
Ele não se moveu. Não falou. Apenas ficou ali, a mão paralisada, a cabeça ligeiramente inclinada. O zumbido do mosquito era agora um grito ensurdecedor no vácuo que eu tinha criado. E eu, do outro lado da mesa, mal ousava respirar, o sangue pulsando nas minhas orelhas, meu corpo inteiro tenso, esperando. Esperando o veredito. O soco. A risada de escárnio. Qualquer coisa que quebrasse aquele silêncio terrível e excitante.
O silêncio esticou-se como um fio prestes a arrebentar. Minhas palavras—cruas, vulgares, uma bomba jogada no meio da varanda—pairavam no ar pesado entre nós. Eu observei, com uma calma que não sentia por dentro, a mão de Ronaldo se contrair sobre as cartas. Ele as amassou de leve, um pequeno som de papelão cedendo, antes de finalmente levantar o rosto para mim.
Havia uma tempestade em seus olhos. Surpresa, com certeza. Mas por baixo dela, uma correnteza escura de outra coisa. Confusão? Raiva? Eu não conseguia decifrar, e essa incerteza era um combustível.
"Que jeito de falar é esse, Hiago?", a voz dele saiu áspera, um rosnado baixo. "Não é bem assim também."
Uma onda de triunfo percorreu meu corpo. Era uma negação fraca, uma defesa patética. Ele não me mandou para o inferno. Não se levantou e me expulsou. Ele estava na defensiva. Ele estava no meu jogo.
"Ah, não é?", forcei um pouco mais, sentindo o poder da situação inchar dentro do meu peito como um balão. Era intoxicante. "Um homem como você, forte, sozinho na estrada... As mulheres devem cair em cima." Deixei a imagem pairar, a imagem dele, um gigante suado e viril, sendo desejado por hordas de mulheres anônimas. Então, dei o bote final. "Ou talvez não sejam só mulheres, né?"
Eu não dei tempo para ele responder. Fui direto ao ponto, sem mais rodeios, sem mais iscas. Eu queria a reação pura, o choque, o nocaute. Inclinei-me, e minha voz baixou para um tom íntimo, conspiratório, como se eu estivesse compartilhando o segredo mais sujo do mundo.
"Ronaldo... você já comeu cu?"
O mundo parou. O zumbido do mosquito, o som distante de um cachorro latindo, tudo desapareceu. O único som era o da minha própria respiração, rasa e rápida, e o pulsar do sangue nas minhas orelhas. O rosto de Ronaldo era uma tela em branco. Ele piscou, uma vez, duas. Sua boca, que antes tinha um sorriso cansado, agora estava entreaberta, flácida de choque. Parecia que eu tinha jogado um balde de água gelada nele, apagando o álcool, a calma, tudo.
"Menino...", ele sussurrou, a voz falhando. "Que porra de pergunta é essa?"
Era a hora da segunda fase do meu plano. A retirada tática. A performance.
Dei de ombros, forçando uma expressão de inocência confusa, a mesma que eu usava quando minha mãe me acusava de algo que eu obviamente tinha feito. "Ué, curiosidade." Fiz minha voz soar mais jovem, mais ingênua. "Meus pais nunca me ensinaram nada sobre sexo. São superfechados, você sabe como é." A mentira misturada com a verdade era sempre mais eficaz. "Até pra sair de casa era um inferno. Só agora que fiz 18 anos que tenho alguma liberdade."
Eu me recostei na cadeira, quebrando a intensidade do meu avanço anterior. Olhei para as minhas próprias mãos, como se estivesse envergonhado. E então, soltei a peça final, a chave-mestra. Abaixei o tom de voz, tornando-o confessional, vulnerável, quase um lamento.
"Pra ser sincero, eu não sei de nada. Sou virgem."
A palavra caiu na mesa com um efeito completamente diferente da anterior. "Virgem". Era uma palavra que desarmava. Uma palavra que pedia proteção, talvez até pena. E funcionou. Eu vi, com uma satisfação que tive que esconder, os ombros de Ronaldo relaxarem. A fúria em seu rosto se dissolveu, substituída por algo que se parecia perigosamente com compaixão.
Ele estava caindo na armadilha.
Mas então, algo mais aconteceu. Algo que confirmou todas as minhas suspeitas, que fez meu coração dar um salto de pura vitória. Seus olhos, agora mais suaves, desceram por um segundo para a minha boca. Foi um movimento quase imperceptível, mas eu vi. Em seguida, eles correram pelo meu pescoço e pararam no meu peito, na minha camiseta fina e úmida de suor. Foi apenas um instante, mas foi tudo.
E quando ele se mexeu na cadeira, tentando se reajustar sob o meu olhar, o volume em sua bermuda de tactel se tornou inconfundível. Um contorno nítido, uma pressão contra o tecido fino que não estava lá antes. O ar fugiu dos meus pulmões e voltou numa lufada de euforia.
Eu tinha ganhado.
Um sorriso malicioso, lento e genuíno, brotou no meu rosto. Eu não conseguia mais esconder.
"Ih...", eu disse, rindo baixinho, um som carregado de zombaria e poder. "Tá de pau duro, é, Ronaldo?" O nome dele na minha boca soou como uma carícia e um insulto. "Hahaha. Tá querendo me comer, é?"
O rosto dele explodiu em tons de vermelho. Ele engasgou, como se as minhas palavras fossem fumaça tóxica. "Que isso, menino, tá doido? Quero nada, não! Para com isso!" Ele tentou disfarçar, ajeitando-se de forma desajeitada na cadeira, cruzando as pernas, mas era tarde demais. A prova estava ali, visível, pulsando.
Eu não sentia mais medo. Apenas uma clareza gelada e excitante. Eu era o caçador, e ele era a presa que finalmente tinha revelado seu ponto fraco.
"E se eu quisesse te dar?", ataquei, a voz agora um sussurro, cada sílaba carregada de intenção. "Aposto que você já comeu muito viadinho na estrada. Um garoto assustado aqui, outro ali. Não precisa mentir pra mim."
O pânico voltou ao seu rosto, mas desta vez era diferente. Era o pânico de ser exposto, de ser verdadeiramente visto. "Para, Hiago! Pelo amor de Deus, tu é meu vizinho, filho do meu amigo! Seu pai me mata... ele te mata!"
As desculpas. As barreiras frágeis que os homens como ele construíam.
"Ele não vai saber de nada", eu disse, e a minha própria calma me surpreendeu. Levantei-me, e o som da cadeira de plástico arrastando no cimento foi a única coisa que quebrou o silêncio. Comecei a contornar a mesa, devagar, cada passo um baque surdo no meu plano se concretizando. Meus olhos estavam fixos nos dele, prendendo-o no lugar. Ele me observava como um animal encurralado. "É só você não contar."
Parei ao lado de sua cadeira, tão perto que podia sentir o calor emanando de seu braço. A minha sombra o cobriu.
"E eu sei guardar segredo."
Parei ao lado da sua cadeira. O ar ao redor de Ronaldo era um campo de força, uma aura de calor e cheiro que me envolveu por completo. A mistura de suor de um dia inteiro, a cerveja azedando no hálito e um perfume amadeirado barato que, em sua pele, se transformava no aroma mais primal e masculino que eu já tinha sentido. Meu corpo inteiro vibrava, uma frequência alta de adrenalina e luxúria. Aquele momento era o cume da montanha que eu passei semanas, meses, escalando em minha mente.
Minha mão se levantou, e eu vi que ela tremia. Não de medo, não mais. Era um tremor de pura antecipação, de poder concentrado na ponta dos meus dedos. Com uma lentidão deliberada, eu a pousei em seu ombro. Ele se enrijeceu instantaneamente sob o meu toque, cada músculo se transformando em um bloco de pedra quente. Eu senti a tensão dele como uma corrente elétrica viajando pelo meu braço. Ele estava sob o meu controle.
Deixei minha mão ali por um segundo, saboreando o peso, a solidez dele. Então, comecei a deslizar a palma pelo seu braço, sentindo o relevo dos músculos por baixo da camiseta, os pelos grossos e escuros arranhando minha pele. Era real. Tudo aquilo era real. Minha jornada terminou no destino que eu mais cobiçava. Com uma coragem que nasceu do triunfo, minha mão pousou sobre o volume em sua bermuda de tactel.
Ele arfou. Um som agudo, engasgado, que foi música para os meus ouvidos. A prova definitiva. Por baixo do tecido fino e sintético, seu pau era uma promessa de violência e prazer. Era pesado, duro, e pulsava contra a minha palma com uma vida própria, uma batida forte e desesperada.
"Para, moleque...", ele sussurrou, a voz rouca e fraca. As palavras eram de protesto, mas seu corpo era a mais pura traição. Ele não se moveu um centímetro para me afastar. Sua respiração estava ofegante, e eu senti a vibração de sua voz em sua coxa, sob a minha mão.
Será que Hiago parou? Leia a continuação em: https://privacy.com.br/@Regard