Eu fechei os olhos por um segundo e a imagem da Ana verdadeira — o sorriso, o jeito dela me olhar sem máscaras, sem manipulação. — apareceu como uma cena de redenção, de recomeço esperançoso.
— Quando isso tudo acabar. — Eu disse devagar, me sentindo estranhamente calmo. — Eu vou falar com ela. Não com expectativa. Mas com verdade.
Sara soltou um assobio.
— Pronto. Agora sim. Esse é o Jorge que o mundo merece.
Eu ri.
— E você? — Perguntei — Satisfeita com o resultado do seu trabalho de espiã clandestina?
Ela deu de ombros, sorrindo orgulhosa de si mesma.
— Meu querido… eu sou praticamente seu anjo da guarda, seu príncipe montado num cavalo branco…
Ela me olhou novamente, e havia ternura fraternal, amor genuíno, não aquele romântico ou sexual, em seus olhos.
— Eu sempre soube que você não era fraco. Só tava com a pessoa errada. Agora… — Ela piscou. — Se prepare. Porque amanhã, o mundo dela desaba de vez.
Eu encostei a cabeça no banco, sentindo o peso sumir aos poucos. Me sentindo livre, sem sombras nublando minha mente, pensei: Eu não perdi nada. Eu escapei.
— Tá tudo bem aí? — Sara perguntou, quebrando o silêncio.
— Tô bem. — Respondi, olhando pela janela. — Foi… feio, mas libertador.
Ela riu. Aquela risada debochada para chamar minha atenção.
— Libertador? Eu chamaria de “ver a falsidade sendo esmagada pela realidade”, mas você sempre foi mais poético que eu, né?
Eu soltei uma risada curta.
— Não sei o que foi pior… descobrir que ela era uma golpista, ou ver a promiscuidade de alguém que eu tratava como uma jóia preciosa.
— Bijuteria de quinta, isso sim. — Sara se divertia.
Eu suspirei.
— É… daquelas bem vagabunda.
Quando chegamos no prédio da Sara, eu só pensava em como não queria voltar para casa. Meu lar tinha virado o palco de um teatro barato, e eu não estava a fim de interpretar o idiota mais uma vez.
Sara percebeu antes que eu abrisse a boca.
— Vem. — Ela disse, puxando minha mão. — Você não vai dormir naquela casa hoje. Nem fudendo.
Entramos. A sala estava arrumada, iluminada só por uma luminária baixa. Era aconchegante, silenciosa. Tudo o que minha mente precisava.
Me joguei no sofá, exausto, física e emocionalmente.
— Sabe o que é pior? — Falei. — Eu realmente acreditei nela. Nas histórias, nas lágrimas, nas manipulações…
— Isso se chama ser bom, Jorge. Não burro. — Ela me entregou uma latinha de cerveja. — Deixa de ser duro com você mesmo.
Abri a lata e dei um gole.
— Talvez. Mas o preço foi alto.
— Foi nada. — Sara sorriu. — O que você viu hoje te fez crescer uns dez anos. Foi experiência, evolução.
Eu virei o rosto para ela, curioso.
— Evolução? como?
Ela se sentou ao meu lado, apoiando os pés na mesinha de centro.
— Hoje você não desabou. Não chorou. Não implorou por explicação. Não caiu no jogo dela.
Sara deu um longo gole na cerveja antes de continuar.
— Não do jeito antigo. — Ela voltou a falar. — Antes você ia se culpar. Ia achar que fez algo de errado. Hoje? Você ficou com nojo. E com razão.
Respirei fundo.
— Eu fiquei com nojo, sim. Mas também, com raiva. Ver, ter a certeza, é bem diferente de alguém contar.
— E isso é ótimo! — Ela bateu de leve no meu ombro. — Mostra que você não tá mais preso nela.
Eu pensei por alguns segundos, avaliando tudo.
— Sabe… eu fiquei revendo tudo. As mentiras, as desculpas, o jeito que ela me manipulava…
— E? — Sara inclinou a cabeça.
— E percebi que… eu realmente escapei. Por pouco, mas escapei.
— Exatamente. — Ela sorriu, orgulhosa. — Da próxima vez você vai enxergar a pessoa antes do teatro começar.
Eu ri de novo, mais leve.
— Tomara.
— Vai sim. Porque você não é mais o cara que entrou naquela mansão.
— Ah não?
— Claro que não! — Sara abriu os braços. — O Jorge pré-flagra era um coitado apaixonado. O Jorge pós-flagra é um homem experiente, vacinado, calejado… sexy até.
Eu gargalhei.
— Sexy? Eu?
— Vai negar? — Ela provocou. — A Bia que lute.
Eu fiquei quieto. Só o nome Bia já dava um impacto estranho no peito. Um bom impacto.
Sara percebeu.
— Ah, olha lá… — Ela sorriu maliciosa. — Ficou até diferente o jeito que você respirou.
— Para com isso. — Eu me sentia envergonhado.
— Não vou parar. — Ela riu alto. — Ela é a real, a sua Ana. Você está totalmente na dela.
Me recostei no sofá, derrotado, mas pela verdade.
— Talvez eu sempre tenha estado.
— Óbvio que está. Ela é tudo o que a outra fingia ser.
— Mas depois de tudo isso… será que ainda devo arriscar?
— Jorge. — Sara segurou meu rosto com as duas mãos, apertando minhas bochechas como se eu fosse uma criança idiota. — Você acabou de destruir o esquema de uma criminosa. Você não é um coitado. Você é um homem que se salvou.
— Eu não sei se… — Tentei argumentar.
— Você vai tomar um banho, deitar no quarto de hóspedes e amanhã vai ver a magia acontecer. — Ela decretou. — E se reclamar, eu te jogo pela sacada.
Eu ri, finalmente sentindo a tensão do corpo desaparecer.
— Obrigado, Sara. De verdade.
— Não me agradeça agora. — Ela piscou. — Agradece depois, quando você estiver beijando a mulher certa.
Tive dificuldades para dormir naquela noite. Não era só o cansaço físico, era a cabeça fervendo, repassando cada detalhe, cada descoberta, cada palavra dita. Quando finalmente conseguiu apagar, o sono foi pesado, sem sonhos. E quando despertei, no dia seguinte, já passava das onze da manhã.
Levantei devagar, estranhando o barulho. Vozes, risos, passos apressados… a casa estava viva. Diferente da noite anterior, onde tudo parecia sufocado.
Quando saí do quarto, entrando no corredor, vi Ana Beatriz, Samuel e Sara à mesa, tomando café da manhã. Eles falavam animadamente, e Sara gesticulava enquanto contava, em detalhes, aos risos, o que tinha acontecido na noite anterior.
Assim que me aproximei, o trio ergueu o olhar.
— Bom dia, dorminhoco. — Sara brincou, abrindo um sorriso caloroso.
— Bom dia, Jorge — disse Bia, sorrindo, com cortesia.
Havia algo ali, naquele sorriso. Um cuidado silencioso, uma curiosidade contida. Nós trocamos um rápido olhar, mas ambos desviamos antes que parecesse algo mais.
Sorrindo, cumprimentei a todos, mas não me sentei para tomar café com eles. Sentia o peso da realidade voltando a pousar sobre meus ombros.
— Vou lavar o rosto, já volto.
A higiene matinal ajudou pouco. A água gelada trouxe lucidez, mas também a lembrança do que me aguardava: Ana Flávia. A casa. A conversa inevitável. O fim.
Quando voltei para a sala, os três me observavam com atenção. Não tinha cobrança, mas preocupação verdadeira.
— Jorge… — Sara começou com cuidado — …as provas já estão com a polícia. Eles não vão demorar a agir. Você não precisa ficar sozinho nisso.
Eu respirei fundo.
— Eu sei. Mas… é algo que eu preciso resolver sozinho. Preciso encarar a Ana Flávia e tirar ela da minha vida de vez. Da minha vida e da minha casa.
Samuel assentiu, sério.
— A gente entende.
— Se você quiser companhia, eu posso ir com você. — Sara se ofereceu. — Ou posso ficar aqui de prontidão, caso precise de algo. Só falar.
Eu sorri com sinceridade.
— Obrigado. Sério. Mas dessa vez… eu preciso entrar lá sem muletas. É um capítulo que eu tenho que fechar com minhas próprias mãos.
Ana Beatriz apoiou os cotovelos na mesa e me encarou com um carinho silencioso, que falava muito mais do que ela permitiria em voz alta.
— A gente vai ficar esperando notícias, então. — Ela disse. — Não importa o que aconteça, você não está sozinho.
— Nunca! — completou Samuel.
Respirei fundo mais uma vez, deixando que aquela força, aquele acolhimento, aquele trio improvável, se tornasse combustível. Eu precisava daquilo. Precisava me lembrar de que o mundo não estava desmoronando, apenas se reorganizando sem as partes podres.
— Vou mandar mensagem quando tudo estiver resolvido.
Peguei a chave do carro, meu celular, dei o último olhar para eles — Bia sorrindo, Sara fazendo sinal de força, Samuel dando um aceno confiante — e saí. Era hora de acabar com aquilo.
Minha mente estava calma quando estacionei na garagem do edifício em que morava. Subi pelo elevador e entrei rapidamente em meu apartamento. À primeira vista, tudo parecia normal. Mas eu sentia, no fundo do peito, que não havia mais ninguém ali.
As luzes estavam apagadas, as janelas fechadas, nenhum barulho.
— Ana? — Chamei, mas minha voz ecoou no vazio, sem resposta.
Entrei pelo corredor, e logo de cara, percebi a diferença no ar. O perfume dela, que eu tinha dado de presente, aquele importado, bem caro, que ela usava até para ir ao mercado, não estava presente. A energia do ambiente parecia estagnada. A casa não estava exatamente bagunçada… mas faltava algo.
Comecei a andar pelos cômodos com um olhar clínico, treinado por anos de convivência com alguém que sempre deixava um rastro. Naquele momento, não havia rastro nenhum.
No closet, a realidade bateu de vez. As gavetas dela estavam abertas, vazias. Os cabides metálicos, que antes sustentavam vestidos, casacos, bolsas, agora exibiam apenas o vazio.
Encostei a mão na madeira fria, respirando devagar. Ela fugiu. Covarde.
No quarto, sobre a cômoda, pequenos espaços vazios denunciavam o resto: faltavam dois dos meus relógios caros, presentes de aniversário que minha família me deu, e alguns gadgets eletrônicos que ficavam na escrivaninha.
Voltei para a sala. A adega climatizada estava aberta. Três garrafas de vinho absurdamente caras tinham desaparecido. O carregador e o notebook não estavam mais onde deveria. Até mesmo um dos tablets tinha sumido.
— Ladra filha da puta. — Sussurrei, sem raiva explosiva, apenas cansaço
Foi um saque silencioso. Um último golpe antes de sumir do mapa.
Percorri o resto da casa, garantindo que nada mais estivesse mexido e que ninguém tivesse entrado à força. Não. Não havia sinais de arrombamento. Nem de pressa. Era como se ela tivesse planejado a retirada final, pegando apenas o que pudesse vender rápido.
Quando terminei a revista, sentei no sofá e deixei o corpo afundar. O silêncio pesou, denso, mas não machucou. Na verdade, trouxe uma sensação estranha de alívio. A casa estava vazia, mas limpa. Livre.
Peguei o celular e liguei para Sara. Ela atendeu no primeiro toque.
— Jorge? Tá tudo bem?
Respirei fundo, me acalmando, olhando para o corredor vazio.
— Ela fugiu, Sara. Levou o que podia carregar… relógios, roupas, alguns eletrônicos. A casa está limpa. Não tem ninguém aqui.
Por um instante, houve silêncio do outro lado.
— Eu imaginei que ela tentaria correr. — Sara respondeu, a voz grave, mas compreensiva. — É bom… melhor assim. Menos confrontos, menos risco. Agora é com a polícia. A gente só espera.
Passei a mão pelo rosto, sentindo finalmente o peso sair um pouco dos ombros.
— Acabou, Sara. De verdade. Não tem mais nada pra conversar com ela. Só… seguir em frente.
— E vai seguir. — Ela disse, firme. — Você não tá sozinho. Quando quiser, passa aqui. Ou eu vou até você.
— Eu aviso assim que tiver alguma novidade. Obrigado… por tudo. — Me despedi.
— Sempre. — Respondeu ela.
Encerrou a chamada e guardei o celular no bolso, observando a casa silenciosa. Aquele vazio era pacífico, não assombrou. Eu era, enfim, dono da minha própria vida outra vez.
Os dias seguintes foram calmos, a vida encontrava ritmo. Não um ritmo perfeito, nem empolgante, mas um ritmo estável, seguro, limpo do caos que Ana Flávia havia deixado para trás.
Voltei para a faculdade, retomei projetos atrasados, revisei coisas pendentes. No trabalho, ajudei meu pai na empresa da família, redescobrindo a sensação de ser útil, de ocupar um espaço que sempre foi meu por direito, não por manipulação ou culpa.
Durante aquela semana, Sara esteve presente como sempre, porém de um jeito novo, mais leve. Suas chamadas de vídeo à noite, as mensagens trocadas entre intervalos da faculdade, os áudios longos em que ela falava da rotina e tentava me fazer rir… tudo isso formou uma rede silenciosa de apoio, que me manteve firme, no eixo.
Bia também apareceu muito mais. Conversamos todos os dias. Sobre trabalho, sobre o futuro e, às vezes, até sobre o Nordeste. Mas eu sabia que ainda não era o momento de me aproximar demais. A ferida estava curando, e eu queria ter certeza de que o novo capítulo seria limpo.
A cidade inteira parecia ter engolido Ana Flávia. Ninguém mais a viu. Nenhum amigo, nenhum vizinho, nenhuma pista. Era como se ela tivesse evaporado, ou como se nunca tivesse realmente pertencido ao meu mundo.
Quando o fim de semana chegou, eu sabia que não podia adiar por mais tempo: era hora de contar a verdade aos meus pais.
Minha mãe abriu a porta do apartamento com um sorriso caloroso, que desapareceu assim que viu minha expressão séria.
— Aconteceu alguma coisa, filho?
Eu entrei, me sentei no sofá, e comecei a contar tudo. Sem dramatizar, sem floreios, apenas a verdade nua e crua. Desde o roubo da identidade da irmã, a farsa do namoro, até o golpe final, o flagrante na mansão, e a fuga de Ana Flávia levando o que pôde.
A cada revelação, mamãe levava a mão à boca, incrédula, horrorizada.
— Meu Deus… — Ela murmurou, já com lágrimas nos olhos. — Eu nunca imaginei isso. Como eu não percebi? Como deixei aquela… aquela mulher se aproximar de você desse jeito?
Eu segurei a mão dela.
— Ninguém percebeu, mãe. Ela era boa em enganar. Mas já passou.
Ela me abraçou apertado, tentando protegê-lo de um golpe que já havia sido dado.
Meu pai, ao contrário, permaneceu quase imóvel na poltrona, ouvindo tudo sem interromper. Quando terminei, ele soltou um suspiro profundo, cruzando as mãos sobre o joelho.
— Você deve uma boa parte da sua sanidade à Sara. — Ele disse, sério. — Aquela menina sempre foi fiel a você. Sempre. Se dependesse de mim… vocês dois já tinham ficado juntos há tempos.
Minha mãe, ainda enxugando os olhos, balançou a cabeça em concordância.
— É verdade. Ela te conhece desde criança, Jorge. Sempre cuidou de você.
Eu acabei sorrindo, mas não pelo que eles disseram.
— O mundo dá muitas voltas… mas eu e a Sara somos amigos. E somos bons assim. Ela é incrível, e eu sou muito grato a ela… só isso já basta.
Meu pai ergueu uma sobrancelha.
— “Só isso”, né? Vou fingir que acredito.
Acabei soltando uma gargalhada mais leve, aliviando o clima, e então voltei a ficar sério. Era hora de tocar no ponto que realmente importava para ele naquele momento.
— Mas… tem outra coisa que vocês precisam saber. A irmã da Ana Flávia, a verdadeira Ana… Ana Beatriz, não tem nada a ver com essa história. Nada. Ela é outra pessoa. E muito… muito melhor.
Eles me encaravam sem interromper.
— Foi com ela que eu passei aquela semana lá no Nordeste, algo que começou do jeito certo e que a golpista tentou usurpar. E talvez, mais pra frente… quando tudo isso estiver resolvido… eu tente retomar o que deixamos por lá.
Mamãe me encarou com surpresa.
— Isso parece roteiro de novela ruim.
— Sim. — Eu sorri. — Foi a Ana Beatriz que eu conheci antes de tudo isso, antes da confusão. Ela não tem relação com as mentiras da outra. Aliás, acho que ela também caiu nos golpes da própria irmã, de certa forma.
Meu pai ficou em silêncio por alguns segundos, depois levantou o canto dos lábios em um sorriso discreto.
— Então… quem sabe, agora que a praga foi embora, sua vida finalmente entre nos trilhos?
Eu respirei fundo, aliviado, sentindo o peso da última semana se dissipar aos poucos.
— É isso que eu quero, pai. É isso que eu tô tentando construir.
Mamãe acariciou meu rosto, orgulhosa, emocionada.
— Você merece. Vai dar certo dessa vez.
Eu sorri, e desde que tudo começou, eu realmente acreditava nas palavras da minha mãe.
{…}
Mais algumas semanas se passaram, e mesmo com todo o esforço, a polícia não avançou em nada sobre o paradeiro de Ana Flávia. Era como se ela tivesse desaparecido do mapa. Eu já não me surpreendia, pessoas como ela sempre sabiam como sumir quando a corda apertava, mas isso também significava que, aos poucos, eu estava conseguindo seguir em frente.
E era exatamente isso que Sara queria celebrar naquela noite, mesmo que o motivo oficial fosse outro: seu aniversário.
Eu tinha reservado, como presente, a casa noturna mais famosa da cidade. Não era enorme, mas era elegante, com luzes bem posicionadas, estrutura de bar impecável e um DJ conhecido na região, que naquela noite estava se superando.
A batida grave preenchia o ambiente com energia, a pista iluminada dançava em cores pulsantes, e todo mundo parecia feliz, solto e leve. Inclusive Sara, que, como sempre, era o centro da festa. Animada, brilhante, vestida num look ousado que combinava perfeitamente com sua personalidade.
Chegamos juntos, claro, deixando o bolo no backstage e ajudando com a organização que ela mesmo tinha feito questão de decidir cada detalhe.
Logo que chegamos ao centro do salão, lá estava ela, e eu a teria notado em qualquer circunstância: Ana Beatriz. Ela estava linda. Não produzida ao extremo como a irmã golpista, mas linda do seu próprio jeito, natural, elegante, com um vestido que destacava suas curvas sem exagero. Samuel estava ao lado, tomando um drink e conversando com amigos.
Bia parecia distraída. Ou talvez atenta demais à nossa chegada. Sara percebeu. É claro que percebeu.
— Jorge. — Ela entoou, maliciosa, puxando meu braço. — Não vai dar um oi pra sua amiga?
Eu tentei protestar.
— Sara…
— Ah, vai, para de graça. — Ela riu. — Eu sei quando alguém tá te olhando como se quisesse te tirar da pista pra sempre.
Bufei, mas me senti tentado, sem conseguir evitar de olhar na direção da Bia. E ela, no exato segundo em que nossos olhos se encontraram, desviou rápido… mas sorriu. De canto. Aquele sorriso que não negava nada.
Sara cutucou meu peito com o dedo.
— Coragem, homem. É só um oi. Não uma proposta de casamento.
— Você tá impossível hoje. — A repreendi.
— É meu aniversário. Eu posso. — Ela rebateu.
O DJ trocou para uma música pop chiclete, cheia de energia, e a pista vibrou. Me aproximei do grupo. Bia me viu e ajeitou o cabelo com uma rapidez inocente e comprometedora.
— Oi, Jorge. — Ela disse, com uma voz que tentava parecer casual, mas tinha um brilho a mais. — Você está muito bonito hoje.
— Não tanto quanto você. — Respondi, com um sorriso leve. — Está se divertindo?
Aproveitei para entregar uma das pulseiras vips, que dava direito a open bar.
— Tô sim. Estava muito animada pra festa da Sara. Ela merece.
Samuel apareceu ao lado, me cumprimentando com aquele aperto de mão teatral e também recebeu uma pulseira.
Depois de alguns minutos de conversa para quebrar o gelo, o DJ anunciou:
— Agora é pra chamar o povo pra pista, hein?!
E um funk leve começou, dançante, não vulgar, perfeito. Sara chegou do nada, já nos puxando pelos braços.
— Vocês dois vão dançar comigo. — Ela decretou. — O aniversário é meu, a ordem é minha.
Antes que pudéssemos responder, já estávamos na pista.
Sara rebolou, girou, empurrou Bia para perto de mim, piscou de forma maliciosa e fugiu, como uma criminosa deixando evidências. Bia riu.
— Ela é terrível. — Bia disse, quase colada a mim.
— Ela está conspirando contra a gente. — Brinquei.
— Ela só enxerga o óbvio, Jorge… — Bia foi direta.
— O óbvio? — Eu refuguei.
Bia ficou vermelha. E aquele detalhe, tão pequeno, tão espontâneo, fez meu coração acelerar. Era algo bom, quente, familiar.
Ela balançou a cabeça, desviando o olhar.
— Digo… você merece relaxar um pouco. Se divertir. — Ela tentou desconversar, achando que eu não tinha aceitado o flerte direto.
A música aumentou de intensidade, mais dançante, mais ousada. Eu me deixei levar, me aproximando ainda mais de Bia, agindo, ao invés de me insinuar.
Seu perfume, o calor da pele, a sinceridade daquele sorriso tímido que ela tentava disfarçar. Éramos atraídos um para o outro.
Não adiantava mais fugir. E eu nem queria. Cada vez que eu tentava conversar com alguém, meu olhar acabava indo parar no mesmo lugar: Ana Beatriz.
Ela estava rindo de alguma brincadeira que o DJ havia feito no microfone, segurando um drink azul neon que, sinceramente, combinava mais com ela do que deveria. A luz da pista iluminava seus olhos dela em flashes, e cada vez que aquilo acontecia, parecia que alguma coisa dentro de mim dizia: é agora, vai com tudo.
Só que eu hesitava. Ainda existia aquele fantasma, aquele medo idiota de misturar tudo, de repetir erros, de não entender direito onde começava o trauma e onde terminava o desejo.
Mas então, novamente, apareceu Sara. Claro que ela apareceu. Me deu um empurrão discreto. Discreto para ela, porque eu quase tropecei, e falou no meu ouvido:
— Se você não for agora, eu vou chamar o DJ para anunciar: “atenção, atenção, o melhor amigo da aniversariante é um bundão”.
— Porra, Sara — Resmunguei.
— Vai logo, Jorge. — Samuel apareceu do nada, equilibrando dois copos de chope. — Eu já fiz uma aposta com a galera. Se vocês não se pegarem hoje, eu perco cinquenta conto.
— Samuel! — Sara resmungou, batendo no braço dele com a ponta dos dedos.
Bia olhou para mim no meio da confusão, meio tímida, meio divertida. Não era mais só química. Era… inevitabilidade. Aquele instante que faz o ar parecer mais pesado quando a pessoa está por perto. E eu, decidido, finalmente fui até ela.
— Parece que estão apostando na gente. — Falei, tentando fingir naturalidade.
— Eles são impossíveis. — Ela respondeu, mas o sorriso entregou que, no fundo, estava gostando da brincadeira.
Ficamos ali, perto da pista, tão próximos que o som fazia o peito tremer. Trocamos frases, risadas curtas, lembranças de Sergipe, comentários bobos… mas tudo aquilo era só a superfície. O que realmente conversava eram os olhares.
Toda vez que nossos olhos se encontravam, era como se o resto da festa desaparecesse por um instante. E depois outro. E outro. Até deixar de ser coincidência.
A música mudou. Entrou um pop sensual, cheio de batidas lentas. O DJ, provavelmente incentivado por Sara, gritou no microfone:
— Essa aqui vai para quem finalmente criou coragem!
Bia e eu rimos baixo. Ela mordeu o lábio. Eu respirei fundo. O mundo não parou, mas… pareceu desacelerar. E então ela deu um micro—passo para mais perto. Minúsculo. Quase imperceptível. Mas foi o suficiente.
Meu coração bateu diferente. A mão dela encontrou a minha… não sei dizer se eu puxei, se ela puxou, ou quem começou. Só sei que aconteceu. O toque era quente, confortável, mais do que familiar, necessário.
— Jorge… — Ela disse, quase sem voz, como se pedisse permissão sem pedir.
Não precisava pedir. Eu me inclinei. Ela também. E o beijo finalmente aconteceu. Calmo no começo, como se testássemos uma lembrança. Depois firme, decidido, inevitável. Um beijo que dizia tudo o que a gente segurou por anos: atração, saudade, medo, desejo, esperança.
Nada existia além da gente. Pelo menos por uns quinze segundos. Porque depois, Samuel berrou:
— Aêêêê! Me paguem, caralho! Eu falei que hoje ia!
E Sara:
— FINALMENTE! Que casal teimoso.
A gente se separou rindo, mas os corpos ainda colados, um pouco sem graça, um pouco felizes demais para disfarçar. Bia encostou a testa na minha, ainda respirando rápido.
— Eles não têm limites mesmo. — Ela sussurrou.
— É… mas eu tenho certeza de que valeu a pena.
— Valeu. — Ela respondeu, sem hesitar.
Eu ainda curtia aquela sensação única, quando ela perguntou:
— Na meu apartamento ou no seu?
Eu quase não acreditei, mas ela completou:
— Vamos, agora! Eu quero você de novo.
Não sei como aconteceu, e nem lembro muito do caminho, mas em menos de meia hora estávamos entrando no apartamento dela, aos beijos, enroscados.
Seus lábios encontraram os meus com uma urgência que quase me fez perder o equilíbrio. Não foi um beijo de saudade, foi um beijo de possessão. Sua língua invadiu minha boca sem cerimônia, um sabor doce de tesão e teimosia que lhe era tão característica. Era um beijo que não pedia, que tomava. Minhas mãos encontraram sua cintura, apertando a fina camada de seda do seu vestido, sentindo a curva firme do seu quadril por debaixo do tecido.
Ela se desprendeu do meu beijo, ofegante, seus lábios inchados e úmidos.
— Eu passei a semana inteira imaginando esse momento. — Suas palavras eram facas afiadas de desejo, cortando qualquer resto de racionalidade que eu pudesse ter.
Seus dedos desceram para a minha camisa, abrindo os botões com uma destreza que sugeria que ela também tinha praticado esse movimento na sua cabeça.
— Imaginando o quê? — Eu perguntei, minha voz mais grossa do que eu esperava.
Eu sabia a resposta, mas queria ouvi-la. Precisava ouvi-la, e ela não respondeu com palavras. Em vez disso, empurrou a camisa dos meus ombros, deixando-a cair no chão. Suas palmas percorreram meu peito, meus abdominais, e ela mordeu o lábio inferior, me olhando com uma avidez que me fez sentir como a única coisa no universo.
— Imaginando como você ficaria assim. Pronto para mim.
Suas mãos não paravam. Desceram para o cinto, para o fecho da minha calça. O som do zíper abrindo ecoou no quarto silencioso. Ela empurrou a calça e a cueca para baixo, até meus joelhos, e seus olhos escureceram ainda mais quando me viu completamente ereto, latejante, à sua mercê.
Um suspiro escapou de seus lábios, quase um sussurro.
— Perfeito… do jeitinho que eu me lembrava.
Antes que eu pudesse me mover, ela se ajoelhou. O choque do ar condicionado na minha pele quente foi ofuscado pelo calor de sua boca. Uma umidade quente, uma pressão suave, uma língua que explorou cada centímetro do pau sem qualquer hesitação. Meus joelhos quase cederam. Meus dedos enterraram-se em seu cabelo, não para guiá-la, mas para me agarrar a algo, para me ancorar naquela realidade que de repente parecia um sonho úmido e intenso.
Ela não fazia carinhos. Ela consumia. Seus lábios formavam um selo apertado à minha volta, enquanto sua cabeça se movia num ritmo constante e profundo. A sucção era forte, deliberada, e cada vez que ela descia até a base, um músculo no meu abdome contraía-se violentamente. Eu olhei para baixo, e a visão foi quase suficiente para me fazer perder o controle.
Seus olhos castanhos escuros fitavam os meus, desafiadores, enquanto ela me tomava completamente. Era visceral. Era cru. Era a coisa mais excitante que eu já tinha experimentado.
— Ana… — Eu gemi, uma súplica e uma advertência.
Ela parou, lentamente, deixando o pau escapar dos seus lábios com um som molhado. Seu queixo estava reluzente.
— Não. — Ela disse, num comando suave. — Ainda não.
Ela se levantou, e com um único movimento rápido, puxou o vestido por cima da cabeça. Por baixo, não havia nada. Nada além da pele cor de mel, dos seios firmes com mamilos erectos e escuros, da curva suave da sua barriga, e do triângulo negro e sedoso entre as suas pernas. Ela era um espetáculo de cor e desejo, e ela sabia disso. Ela se postou na minha frente, dona de si, dona do momento, dona de mim.
— Na cama… — Ela ordenou, apontando.
Eu obedeci, cambaleando para trás com as calças ainda enroscadas nos tornozelos, até cair no colchão firme. Ela veio por cima de mim, montando minhas coxas, sua pele quente contra a minha. Aquele cheiro de jasmim encheu meus pulmões.
Ela se inclinou para a frente, seus seios roçando no meu peito, e capturou meus lábios num beijo mais lento, mais profundo, mas não menos intenso. Eu pude sentir o seu próprio desejo, sua umidade quente contra o meu abdómen.
— Eu preciso de você dentro de mim. Agora!
Continua…
