Nova Orleans,
21 de julho de 1768
Meu fiel Philip,
Há dias em que me parece inútil escrever-te, pois aquilo que se passa em mim resiste à ordenação das palavras. Ainda assim, retorno à pena como quem retorna a um vício, consciente de que dela não virá salvação alguma — apenas alívio temporário. Peço que me perdoes, de antemão, por esta carta ser um tanto longa, mas precisava contar-lhe tudo com mais detalhes possível, para que me entendas e que me sirva de reflexão enquanto escrevo.
Tenho visto o sr. Crowley com frequência maior do que deveria admitir. Não por busca deliberada, asseguro-te, mas por uma sucessão de encontros que parecem organizar-se sem meu concurso, como se alguém — ou algo — traçasse os caminhos antes que eu os perceba. Encontramo-nos nos mesmos salões, nos mesmos jantares, às vezes até nas mesmas ruas, em horários improváveis, mas sempre à noite. Quando lhe observo o semblante, não noto surpresa; apenas aquele sorriso contido, quase indulgente, que tanto me perturba. Dois desses encontros foram um tanto curiosos, para dizer o mínimo.
Estive com o sr. Crowley no bordel da srta. Mattie Silks há quase um mês. Eu estava tomando um vinho com a srta. Guillot no salão enquanto ela acariciava minha coxa e o meu membro — que já estava deveras rígido. Ele se aproximou acompanhado de uma novata do bordel, cujo nome ainda não gravei e se assentou próximo de nós. Nos cumprimentamos, obviamente, e trocamos algumas palavras, mas fiquei um pouco constrangido pelo seu comportamento. O sr. Crowley estava bastante ocupado a observar os toques da srta. Guillot nas minhas partes. Eu lhe sorri um tanto sem graça, mas ao mesmo tempo, me excitei com o fato de que alguém me observava naquela situação. A senhorita que o acompanhava também lhe fazia carícias ainda mais ousadas. Ríamos e olhávamos um nos olhos do outro, com uma espécie de cumplicidade que mexeu com meus desejos.
Em seguida, ele se levantou e se aproximou de nós. Meus olhos se direcionaram à sua cintura, na qual percebi uma protuberância na sua calça, demonstrando sua excitação, o que me deixou ainda mais excitado. Então, ele se curvou e me disse algo ao ouvido que perturbou o meu espírito. Quase sussurrando, ele me disse: “Há deleites que não se ensinam, sr. Devante — apenas se insinuam. Esta noite, talvez descubra que sempre tocou apenas a superfície”.
Suas palavras não me soaram como convite, mas como sentença, e senti nelas um leve desconforto, semelhante ao que precede um desmaio. Não respondi. Apenas sorri, por vaidade mais do que por convicção, como quem recusa acreditar que ainda haja em si territórios intocados; contudo, ao fitá-lo por um instante a mais do que o decoro permitiria, percebi que algo em mim já cedera. A seguir, ele foi até a srta. Guillot e, olhando fixamente em seus olhos, também lhe disse algo aos ouvidos. Quando a senhorita Guillot tocou-me o braço, conduzindo-me escada acima, compreendi — não sem certo tremor — que já não era ela quem me levava ao aposento, mas a ideia insinuada por Alastor: a de que até então eu apenas ensaiara o prazer, sem jamais penetrar-lhe o âmago.
Nos aposentos com a srta. Guillot, ela fez em mim algo que, embora me causa algum estranhamento e até vergonha, me trouxe um prazer que jamais imaginei sentir. Imagino neste momento a sua reação quando ler o que ela fez comigo, meu caro amigo, e como somos confidentes, sinto-me seguro em te contar. Ao entrarmos, a srta. Guillot me encaminhou à banheira e tomamos banho juntos, enquanto ela acariciava minha ferramenta, movimentando suas mãos delicadamente por toda sua extensão, ao mesmo tempo em que acariciava também os meus culhões. Mas isso ela já havia feito antes, ao qual te relatei quando o visitei. Terminamos o banho e ela me conduziu à cama e começou a me dar prazer com sua boca tal qual eu havia sonhado antes e te relatei na última carta. Foi como um dejà vu: os mesmos toques, a mesma sensação extremamente prazerosa, os mesmos olhares. E então, ela me virou de bruços e ergueu a minha parte traseira enquanto suas mãos trabalhavam em meu membro — rígido como nunca esteve.
Eu nunca havia ficado naquela posição antes, e me senti desconfortável, mas não tive resistência alguma para me impor contra. E a surpresa veio quando ela se posicionou atrás de mim e usou sua língua para me lamber primeiro os culhões e então o membro até a glande, mas quando fez o movimento inverso, sua língua parou no meu traseiro. Deixe-me ser mais específico, nobre amigo: ela parou no centro do meu traseiro, no meu ânus. Eu me assustei no momento e quando fiz menção de recuar, a srta. Guillot me segurou e continuou o que fazia, para então adentrar a língua no meu orifício. Jamais imaginei que as pessoas fizessem isso no leito, muito menos com o homem. Um arrepio forte tomou conta do meu corpo, tão forte que me fez urrar como um animal de tanto prazer. Não me contive e em poucos minutos acabei me derramando sem que tocasse meu instrumento. Meu peito e até meu rosto foram banhados por aquela chuva do meu próprio sêmen.
A sensação que tive, caro Philip, foi incomparável, mas foi como se meu espírito tivesse saído de mim por um brevíssimo instante, durante o qual eu juro ter visto o sr. Crowley completamente nu no quarto no lugar onde deveria estar a srta. Guillot. Talvez tenha sido algum delírio provocado pela bebida ou pelo próprio prazer que havia sentido. Porém, não dei muita atenção a isso e, passados alguns minutos, me entrei com vigor à minha acompanhante preferida do bordel e nos deliciamos um com o outro de diversas formas e posições — grande parte delas eram novidades para mim. Ao questioná-la sobre como aprendeu e com quem, e porque nunca fizera antes, ela me afirmou que não sabia, mas que se sentiu entorpecida de desejo e era como se seu corpo tivesse vontade própria. De qualquer forma, não me contive e retornei ao bordel todos os dias por uma semana, e agora sempre que estou com ela, me divirto com sua língua maliciosa e com várias outras coisas que ela faz comigo no leito. Admito que, ainda assim, meus momentos de prazer solo ainda continuaram em meus aposentos à noite.
O segundo encontro com o sr. Crowley, que ainda me perturba, aconteceu em uma recepção na casa dos Montgomery. Foi penoso reconhecer — ainda que apenas diante de mim mesmo — que ele tivera razão. Não pelo que dissera no bordel, mas pelo modo exato como os acontecimentos se encadearam após suas palavras, como se estas houvessem apenas nomeado algo já em curso. Percebendo meu desconforto, ele tocou-me na coxa e limitou-se a responder “Meu caro Louis, não há vergonha alguma em descobrir que o mundo é maior do que supúnhamos — apenas um certo incômodo em perceber quão pequeno fomos antes.” Não repliquei. Senti o rosto aquecer, não de ira, mas de uma vergonha mais profunda. Permaneci em silêncio, sustentando-lhe o olhar por tempo suficiente para que compreendesse — sem necessidade de palavras — que eu aceitava o peso daquela constatação.
Mudamos de assunto, mas eu pouco falava, até que o sr. Shepherd se aproximou de nós e falamos longmente sobre vários assuntos políticos e sobre decadência. Em certo momento, o sr. Crowley comparou algumas famílias antigas a campos exauridos, cuja terra, explorada sem piedade, cedo ou tarde se volta contra o lavrador. Disse ainda que a cana, quando adoecida, não grita — apenas apodrece silenciosamente, levando consigo toda a promessa de doçura futura. Ri da metáfora, tomando-a por comentário elegante sobre política ou comércio. Hoje, porém, confesso que suas palavras retornam à minha mente com insistência desconfortável.
Em casa, o meu pai encontra-se inquieto e muito nervoso e qualquer contratempo serve-lhe de motivo para dirigir-me palavras ásperas, como se minha mera existência lhe fosse afronta. Evito-o quando posso. O caso é que surgiram nesses últimos dias sinais de infestação nos engenhos — nada fora do comum, segundo os capatazes, insetos conhecidos, pragas que sempre rondaram estas terras. Porém, a rapidez com que se espalham e o efeito que estão causando na plantação estão causando em meu pai fúria e temor. Ouvi-o acusar, em tom de certeza, os filhos de Bernard Shaw, como se a simples rivalidade bastasse como prova. Não ouso contradizê-lo, mas tampouco posso afirmar que partilho de sua convicção. Há algo em toda essa situação que me escapa.
Encontrei-me com o sr. Crowley na semana passada enquanto eu voltava caminhava nas ruas escuras de Nova Orleans. Ao ver meu semblante de preocupação, ele me indagou sobre o motivo, e então lhe mencionei o assunto, ao que me disse apenas: “Há colheitas que exigem sacrifício antes de florescerem novamente.” Aquelas palavras causaram-me um desconforto que não soube nomear de imediato. “Colheitas que exigem sacrifício” — repeti-as em silêncio, sentindo nelas algo de impróprio, como se houvessem sido ditas cedo demais ou perto demais de mim. Perguntei-lhe, talvez com ironia defensiva, se falava como filósofo ou como homem prático. Sua resposta, contudo, privou-me de qualquer refúgio: disse apenas que falava como alguém que conhece o tempo. Não aquele marcado pelos relógios, mas o outro, mais profundo, que governa as quedas e ascensões humanas.
Philip, devo confessar-te algo que me envergonha. Desde meu encontro com ele no bordel, meu corpo parece não mais obedecer à razão. Tenho sido assaltado por pensamentos lascivos que não escolho e não desejo. No entanto, eles não se dirigem às mulheres que costumo procurar, mas à figura de Alastor Crowley — à sua voz baixa, ao modo como se aproxima sem tocar, à sensação absurda de que ele poderia dispor de mim se assim quisesse. Tenho recorrido, com frequência excessiva, ao consolo solitário, tentando expulsar tais imagens, mas elas retornam com mais força, como punição.
Nada disso significa inclinação, repito a mim mesmo como oração. É apenas a excitação do perigo, a vertigem do proibido, o prazer de ser visto e compreendido. Recordo-me, não sem certo desconforto, de nossa juventude, daquela única noite que jamais mencionamos novamente. Sei que para ti teve peso maior; para mim, foi apenas mais uma ocasião em que experimentei o poder de ser desejado. Não confundas, portanto, estas confissões com arrependimento ou nostalgia.
Se escrevo com tamanha franqueza é porque sinto que algo se aproxima — não sei o quê, nem de onde — e temo que, quando enfim compreender, já não me reste escolha. Talvez exagero. Talvez tudo não passe de nervosismo passageiro e negócios mal conduzidos.
Ainda assim, se algo de fato ruir, lembra-te de que tentei compreender antes da queda.
Teu amigo sempre,
Louis Marshal Devante