Onde o mar nos levou - Capítulo XXIV

Um conto erótico de Rafa & Caio
Categoria: Gay
Contém 2193 palavras
Data: 08/11/2025 12:43:26

Capítulo XXIV - A fuga pela liberdade!

Rafael narrando...

A claridade que entra por uma fresta no alto da parede é quase inexistente, mas ainda assim me incomoda, como se fosse uma lâmina atravessando minhas pálpebras cansadas. Já perdi a noção de tempo; os dias se misturam em um contínuo cinza.

Sinto o corpo ceder a cada hora que passa. A boca está tão seca que falar virou um esforço, e a língua pesa como pedra. A pouca água que deixam perto da porta não sacia, apenas prolonga a tortura. Não lembro a última vez que comi algo sólido. A fome já não é dor, é apenas um vazio entorpecido que parece corroer minhas forças.

Tento me erguer, mas as pernas tremem como galhos finos ao vento. Um frio estranho percorre meu corpo, apesar do ar abafado e úmido. Vejo pequenas manchas escuras dançando na minha visão — sinais de que a fraqueza está virando algo mais sério. Cada batida do coração é um aviso de que o tempo está contra mim.

Do corredor, passos ecoam com nitidez. Duas vozes masculinas quebram o silêncio, abafadas pela porta de ferro.

— Esse cara tá mal — diz um deles, em tom preocupado. — Olha pra ele… vai acabar morrendo.

— Não se mete — responde o outro, seco. — Mandaram a gente vigiar, só isso. Se ele cair duro aí dentro, problema não é nosso.

Fico imóvel, escutando cada palavra. Se ele morrer, não é problema nosso. A frase martela dentro da minha cabeça. Para eles, eu não sou nada além de um objeto a ser vigiado. Mas eu não vou entregar meu corpo nem meu destino desse jeito.

Respiro fundo, forçando o ar pelos pulmões doloridos. Eu preciso de um plano. Meu olhar percorre o chão sujo. Encontro um pequeno fragmento de metal, provavelmente parte de alguma peça quebrada. Passo os dedos sobre ele com cuidado, escondendo-o debaixo do colchão ralo. Pode não ser muito, mas é um começo.

Repasso mentalmente a rotina deles. Um dos vigias sempre aparece de madrugada para trocar o galão de água no corredor. Nesse momento, a chave balança presa ao cinto, emitindo um som metálico. É rápido, mas já memorizei o timbre exato daquele tilintar. Se eu conseguir provocar algum ruído do outro lado da sala, talvez eles não percebam o que faço com a porta.

Meu corpo está em frangalhos, mas a mente ainda é minha. Posso fingir um desmaio, ganhar segundos preciosos. Posso usar o pedaço de metal para tentar forçar a fechadura enquanto eles fumam, hábito que já observei algumas noites. Tudo precisa ser cronometrado, cada passo calculado.

Fecho os olhos e repito mentalmente cada detalhe, como se fosse uma oração: criar a distração, aproveitar a troca de água, encontrar a chave ou quebrar a trava. Não importa o método — só importa sair daqui.

Penso em Caio. No seu sorriso, no calor da sua pele quando me abraça, no jeito como sua voz me acalmava nas madrugadas. Essa lembrança é o que me mantém respirando.

— Eu vou voltar pra você — murmuro, quase sem som.— Não importa o que meu pai faça.

Mesmo fraco, mesmo cercado por ferro e sombras, ainda carrego algo que ninguém aqui pode tirar: a decisão de resistir. Se meu corpo está preso, minha mente é a chave. E é por ela que eu vou encontrar a saída.

O barulho metálico arranhando o cimento foi o primeiro aviso de que algo estava para acontecer. Eu já não sabia mais quantos dias tinha passado ali dentro, mas meu corpo reconhecia cada som daquele galpão como se fosse um instinto de sobrevivência. Passos pesados se aproximaram, abafados pela umidade que impregnava o ar. Quando a porta rangeu, a claridade cortou a escuridão como uma lâmina. Dois homens entraram discutindo, a voz carregada de nervosismo.

— Esse cara tá pior a cada dia — disse o mais alto, olhando rápido para mim. — Se continuar assim, vai morrer antes da gente receber outra ordem.

— A gente só tem que vigiar, nada mais — retrucou o outro, mas sem a mesma firmeza de antes. — Augusto foi claro.

Eles vieram para perto, provavelmente para confirmar se eu ainda respirava. O medo ainda estava lá, queimando como febre, mas algo mais forte começou a crescer dentro de mim: a certeza de que aquela seria a minha única chance. Senti o pedaço de metal frio, escondido na palma da mão desde a madrugada, e prendi a respiração para conter o tremor.

Quando o mais baixo se abaixou para checar meu pulso, agi. Acertei a lateral da perna dele com o metal, um golpe rápido e desesperado. O grito que ele soltou ecoou pelo galpão, disparando a adrenalina nas minhas veias. O outro se virou de repente, mas eu já tinha agarrado uma barra de ferro encostada na parede.

O grandalhão avançou com um xingamento que se perdeu no ar. Balancei a barra em um arco largo, acertando seu ombro com um impacto que fez meus ossos vibrarem. Ele vacilou, mas reagiu com um soco certeiro no meu estômago. O ar fugiu dos meus pulmões, a visão ficou cheia de manchas escuras, mas não larguei a barra.

Gritei, um som que saiu das entranhas, e acertei de novo, desta vez na lateral da cabeça dele. O estalo seco ecoou como um trovão. O corpo enorme tombou de joelhos antes de desabar no chão. O outro tentava se arrastar, sangue escorrendo pela perna, mas um segundo golpe o deixou imóvel, desmaiado.

As mãos tremiam tanto que quase deixei o molho de chaves cair enquanto o retirava do cinto do grandalhão. Cada clique da fechadura parecia mais alto que meu próprio coração. Quando a porta finalmente se abriu, o ar frio da noite me atingiu com força. Era o cheiro da liberdade, misturado ao mofo e ao ferrugem.

Corri. Corri como se a própria vida estivesse me empurrando. O terreno ao redor era um mar de mato alto e árvores retorcidas. O chão irregular feriu meus pés descalços, mas cada passo era um grito de sobrevivência. Atrás de mim, vozes distantes começaram a ecoar. Eles tinham acordado. Não olhei para trás.

Mergulhei no matagal, galhos arranhando meu rosto, espinhos rasgando a pele. A escuridão era quase total, mas meus instintos guiavam cada movimento. Perdi a noção do tempo. Talvez minutos, talvez uma hora inteira. O corpo gritava por descanso, mas a imagem de Caio — seu sorriso, seu toque — surgia a cada passo, como se fosse ele quem me puxasse adiante. Continua, Rafa. Não para.

Quando as árvores começaram a rarear, ouvi um som diferente: um rugido distante, constante. Carros. Segui aquela direção, tropeçando em raízes, caindo e levantando, até que um brilho metálico cortou a escuridão, era a rodovia.

Me arrastei até o acostamento, ofegante, a visão turva. Levantei os braços, acenando desesperado para cada farol que passava. Por um momento, achei que ninguém pararia. Então, um carro freou alguns metros à frente.

Era um sedã antigo, azul-claro, que parou com um chiado de pneus. Um homem grisalho desceu primeiro, trazendo no rosto um susto que rapidamente se transformou em preocupação genuína. Logo atrás dele, uma mulher de cabelos brancos e olhos bondosos correu em minha direção, levando um cobertor grosso.

— Meu Deus, moço! — ela exclamou, a voz trêmula, ajoelhando-se ao meu lado. — Você tá machucado? Fica calmo, a gente vai te ajudar.

— Água… — foi tudo que consegui sussurrar, a garganta áspera como lixa.

— Claro, querido — disse o homem, já abrindo o porta-malas e puxando uma garrafa. Ele me entregou o frasco com as mãos firmes, mas os olhos marejados.

— Bebe devagar, por favor. Devagar.

O primeiro gole queimou a garganta e fez meus olhos lacrimejarem, mas trouxe de volta uma fagulha de vida. A mulher abriu o cobertor e me envolveu com cuidado, como quem protege um filho perdido. O tecido áspero era um abraço quente que eu nem sabia que precisava.

— Fica tranquilo, a gente vai te levar pro hospital agora — continuou ela, acariciando meu rosto suado. — Meu nome é Carmem, e esse é o Anselmo. Você tá seguro com a gente, ouviu?

Balancei a cabeça, incapaz de responder. Helena segurou minha mão com força, e por um segundo, aquele toque simples me fez acreditar que eu realmente estava salvo.

Antônio me ajudou a levantar, apoiando meu peso com uma paciência infinita. Cada passo até o carro era um desafio: as pernas bambas, os cortes ardendo, a cabeça latejando. Mesmo assim, eles não reclamaram. Helena abria caminho, murmurando palavras de encorajamento.

Quando me acomodaram no banco de trás, Antônio ajustou o cinto e colocou outra garrafa de água no meu colo. Helena se virou para mim, tocando meu ombro com delicadeza.

— A gente vai ficar com você até ter certeza de que está em boas mãos, tá? Você não está mais sozinho.

Aquelas palavras atravessaram a névoa de dor que me envolvia. Pela primeira vez em dias — talvez semanas — senti algo parecido com esperança. Enquanto o carro ganhava velocidade na rodovia, fechei os olhos, deixando o som do motor embalar o que restava da minha força.

Eu estava ferido, faminto, exausto. Mas, ali, entre aquelas duas pessoas que nem sabiam meu nome, eu tinha encontrado mais humanidade do que em toda a minha própria família. E, acima de tudo, eu estava finalmente a caminho de voltar para quem eu amava.

Em algum lugar distante do cativiero...

Quando o carro antigo parou em frente ao hospital, a noite parecia mais fria do que nunca. As luzes brancas da entrada iluminaram a silhueta do casal de idosos que saltou apressado, gritando por ajuda. A senhora, com um lenço de tricô mal preso aos ombros, corria ao lado do marido enquanto enfermeiros se aproximavam para retirar o rapaz desacordado do banco de trás. Rafael estava inconsciente, a pele pálida, os lábios rachados e o corpo coberto por uma mistura de suor, poeira e barro.

Os profissionais o colocaram em uma maca com rapidez, levando-o para dentro enquanto o som das rodas ecoava pelos corredores. O cheiro de antisséptico dominava o ambiente, misturado ao leve odor de sangue seco e água suja que vinha de suas roupas. Seu corpo magro e ferido dava a impressão de fragilidade extrema; os braços, repletos de hematomas, pendiam sem força enquanto o soro era preparado. Cada respiração que ele dava parecia um esforço colossal, como se a própria vida lutasse para permanecer.

Do lado de fora da sala de emergência, o casal de idosos permanecia de mãos dadas, o olhar fixo na porta fechada. Poucos minutos depois, um médico de jaleco branco e semblante tenso se aproximou, prancheta em mãos. Sua voz, ainda que calma, trazia uma gravidade difícil de ignorar.

— Ele chegou em estado muito delicado — começou, respirando fundo. — Apresenta um quadro severo de desidratação e anemia, sinais claros de desnutrição e uma infecção intestinal aguda, provavelmente causada por ingestão de água ou alimentos contaminados. Estamos estabilizando, mas a situação é grave. Ele precisará de internação imediata e cuidados intensivos nos próximos dias.

A senhora levou as mãos à boca, os olhos marejados de preocupação.

— Meu Deus… ele vai sobreviver?

— Vamos fazer tudo o que for possível — garantiu o médico, embora a tensão em sua voz denunciasse a gravidade do caso. — Mas precisamos saber se vocês são parentes ou responsáveis. Há procedimentos e autorizações, e precisamos de informações para contatar familiares.

O senhor respirou fundo antes de responder, a voz grave, marcada por anos de experiência.

— Não, doutor. Nós não sabemos quem ele é. Encontramos esse rapaz na beira da rodovia. Ele mal conseguia andar… estava cambaleando, quase desmaiando. Fizemos o que qualquer pessoa faria: trouxemos antes que fosse tarde demais.

O médico franziu o cenho.

— Ele disse algum nome? Algum endereço? Qualquer pista de quem possa ser?

A senhora balançou a cabeça lentamente.

— Não. Ele mal conseguia se manter consciente. Só… só olhava pra gente com um olhar… — ela hesitou, engolindo as lágrimas. — Um olhar de quem já passou por muito sofrimento.

— Entendo — disse o médico, com um suspiro pesado. — Dada a gravidade da situação e a ausência de informações, vou precisar acionar a polícia. É necessário registrar o caso, entender se trata de sequestro, abandono ou outro crime. Vocês fizeram a coisa certa ao trazê-lo até aqui. Sem isso, talvez ele não tivesse resistido.

O senhor assentiu devagar, apertando a mão da esposa.

— Faça o que for preciso, doutor. Só queremos que ele viva. Esse menino… merece uma nova chance.

A senhora inclinou-se para o marido, a voz quase um sussurro, mas audível ao médico:

— Ele parecia… perdido. Como se tivesse caminhado pelo próprio inferno. Eu senti que não podíamos deixá-lo ali, sozinho.

O médico pousou a mão no ombro de cada um, em um gesto de gratidão.

— Vocês salvaram uma vida hoje. Agora, deixem o resto conosco e com as autoridades. Ele está em boas mãos.

Dentro da sala de emergência, Rafael permanecia inconsciente, o rosto sereno apesar da batalha silenciosa que seu corpo travava. O soro já corria pelas veias, devolvendo pouco a pouco a força que a fome, a sede e o medo haviam arrancado. Cada apito do monitor cardíaco soava como um frágil lembrete de que, mesmo após dias de escuridão, a vida ainda pulsava dentro dele, insistindo em não se apagar.

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Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 26Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

Comentários

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Muito bom... mas há uma troca de nomes do casal que o socorreu. Primeiro sao apresentados vomo Carmen e Anselmo, depois sao Antônio e Helena.

A narrativa tb, primeiro é narrada na primeira pessoa do singular, depois do socorro é narrada na terceira pessoa.

Mas, está muito bom. Parabéns.

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