Eu estava com o coração partido ao ver Valentina chorando nos meus braços. Era um choro desesperado de quem está prestes a perder algo que ama. A galeria era o mundo dela; tudo o que ela fazia girava em torno daquele lugar, e agora ela estava prestes a perder tudo. Eu estava muito curiosa para saber exatamente o que tinha acontecido, mas não fiz perguntas. Apenas permaneci ali, dando suporte a ela naquele momento difícil.
Valentina chorou por um bom tempo e, quando conseguiu se controlar um pouco, disse que precisava de um banho e pediu que eu a acompanhasse. Aceitei na hora e a segui para o banheiro. Debaixo do chuveiro, ela chorou mais um pouco, mas de forma mais contida e silenciosa. Eu praticamente dei banho nela, depois a levei para a cama e disse para ela se deitar, que eu iria preparar algo para comer. Ela disse que estava sem fome, mas que tentaria comer um lanche e tomar um suco.
Fui para a cozinha e preparei o que ela pediu. Ela fez um esforço e comeu tudo, mas dava para perceber que estava com um nó na garganta ao tentar engolir. Fiquei deitada ao lado dela, sentindo uma dor no coração ao ver sua tristeza.
Com o passar do tempo, ela melhorou um pouco e perguntou se eu estava bem. Eu disse que sim, mas que queria saber a história completa. Se fosse possível, ou eu poderia esperar até o dia seguinte. Mas ela disse que estava tudo bem e poderia me explicar com detalhes.
Val— Hoje de manhã, um advogado apareceu na galeria para falar comigo. Ele disse que trabalhava para o pai da Isabel. Ele me contou que o cliente não tinha mais interesse em alugar o local e que eu tinha 30 dias para retirar minhas coisas. Depois disso, se eu não tivesse retirado, eles iriam entrar na justiça e pedir uma ordem de despejo. Perguntei o motivo, já que nunca atrasei o aluguel ou fiz algo errado. Ele disse que o proprietário iria vender o terreno e, por isso, eu teria que sair.
Nora— Você acha que isso é verdade?
Val— Não, eu sabia que não era, porque os pais da Nora nunca quebrariam a promessa que fizeram para a filha. Perguntei ao advogado se não era possível eu pagar um aluguel um pouco mais caro e qual era o valor do terreno, talvez eu pudesse comprar. Ele disse que o cliente não tinha intenção de me alugar por nenhum valor e nem de me vender o terreno. Era para eu retirar minhas coisas nos próximos 30 dias ou seria despejada à força.
Nora— Então é algo pessoal! Deve ter alguma razão para o pai da Isabel querer você fora de lá, e eu até imagino o que é.
Val— Você tem toda razão, amor. Assim que o advogado saiu, liguei para o Orlando e contei tudo. O Orlando é conhecido dos pais da Isabel, ele frequentava a casa dela durante o falso namoro, e os pais dela gostavam muito dele. Ele disse que iria ligar para o pai dela e descobrir o que estava acontecendo. O pai dela sabe que o Orlando trabalha aqui, e isso é mais um motivo para ele sempre cobrar um preço abaixo da tabela e nos deixar à vontade.
Nora— E o que o pai da Isabel falou para o Orlando?
Val— Ele tratou o Orlando muito mal, acusou-o de mentiroso e traidor. Disse que sabia de tudo sobre mim e a Isabel. Que não me queria ali e nem ao Orlando. Acusou a gente de desviar a filha dele e mais um monte de coisas.
Nora— Meu Deus, amor! Como ele descobriu isso?
Val— Não faço a mínima ideia. Só nós três sabemos da história. Eu sei que você não faria algo assim, e muito menos o Orlando, que está arrasado.
Nora— Parece que alguém descobriu ou já sabia. Eu jamais faria algo desse tipo, até porque não ganharia nada com isso e nunca prejudicaria alguém, especialmente você.
Val— Tenho certeza absoluta de que não foi você, amor. Isso nem passou pela minha cabeça. Mas estou em um beco sem saída. Mesmo que o pai da Isabel quisesse me vender o imóvel, eu não teria dinheiro para comprar. Talvez se eu vendesse essa casa e tudo que tenho, como os quadros, eu conseguiria chegar perto do valor de um imóvel como o da galeria. Mas mesmo assim, acho que não daria, e ele nunca me venderia.
Nora— E mudar a galeria para outro lugar, é viável?
Val— É viável, mas ficaria caro. Arrumar um local seria difícil e o aluguel seria muito alto. Eu conseguiria pagar, mas teria que reduzir a equipe e vender quadros caros. Não teria como dar oportunidade a novos talentos nem vender os quadros da Isabel a um preço acessível. Ou seja, teria que esquecer tudo o que a Isabel planejou para a galeria. Se for assim, prefiro fechar as portas.
Nora— Então vamos comprar o imóvel.
Val— Com qual dinheiro? Mesmo se eu tivesse, ele não venderia para mim.
Nora— Para você não, mas para mim, sim. E dinheiro, eu tenho, ou melhor, acho que tenho. Não faço ideia do valor do imóvel e nem sei exatamente quanto dinheiro eu tenho, mas acho que consigo comprar.
Val— Como assim? Você é rica assim?
Nora— Sou, nada exagerado, mas o suficiente para te ajudar.
Val— Amor, você não pode simplesmente comprar algo tão caro só porque estou com um problema. Você tem noção do que está querendo fazer?
Nora— Sim, eu posso e vou. Vou investir meu dinheiro em um ótimo imóvel e alugá-lo. Ou quem sabe abrir uma sociedade, já pensou? Eu ter minha própria galeria em sociedade com a mulher que amo?
Val— Amor, eu adoraria ter você como sócia, mas ainda acho loucura.
Nora— Loucura seria eu deixar você perder tudo que batalhou para construir, sendo que posso ajudar. Eu adoraria ser sua sócia, mas isso a gente discute depois. Agora preciso fazer uma ligação.
Primeiro, liguei para minha mãe e contei tudo o que estava acontecendo, além das minhas intenções. Minha mãe, como sempre, me deu total apoio e disse que o dinheiro que eu tinha com certeza daria para comprar o imóvel. Mesmo se não desse, ela me emprestaria o que faltasse. Ela também sugeriu que eu ligasse para a Milena e deixasse que ela negociasse a compra com o dinheiro da empresa. Assim, eu não precisaria lidar com as partes burocráticas, e o terreno ficaria em nome da empresa, o que seria o mesmo que estar no meu nome. Eu disse a ela que já havia pensado nisso e que ligaria para a Milena em seguida.
Assim que desliguei, liguei para a Milena. Quando ela atendeu, pedi desculpas por ligar fora do horário de trabalho e perguntei se ela poderia conversar naquele momento. Ela disse que sim. Coloquei o celular no viva-voz e avisei que minha namorada estava ao meu lado e participaria da conversa. Tivemos uma conversa longa e produtiva. Milena disse que poderia cuidar da compra, que com as informações que havíamos passado, não seria difícil conseguir a compra sem chamar a atenção para mim.
Depois daquela conversa, Valentina pareceu mais animada. Agora, pelo menos, ela tinha esperança de que as coisas poderiam dar certo. Ela até quis ver o último quadro que terminei antes de dormir. Porém, eu ainda estava curiosa: quem teria contado ao pai da Isabel sobre ela e Valentina? Com certeza, alguém descobriu o romance delas e tinha provas suficientes para que o pai da Isabel acreditasse na história. Eu tinha minhas desconfianças, mas eram apenas suposições. Minha suspeita recaía sobre a Donna, mas por que ela faria isso, sendo que seria uma das prejudicadas? Com o fim da galeria, ela também sairia perdendo.
Acordamos no dia seguinte e Valentina estava com um semblante muito melhor. Senti um alívio. Pedi a ela que não contasse a ninguém sobre o que eu estava fazendo, exceto para o Orlando, que provavelmente estava mal, e para a Alexia, caso precisasse.
Val— Você realmente confia na Alexia, não é?
Nora— Sim, não sei por quê, mas confio nela. Mas se você achar que não deve contar, tudo bem.
Val— Pelo contrário, acho que devo contar e vou, até porque vou precisar muito da ajuda dela nos próximos dias. Na verdade, vou contar tudo a ela, inclusive sobre a Isabel. A Alexia está comigo há um bom tempo, nunca fez nada que me fizesse desconfiar dela, sempre foi eficiente e já provou ser confiável algumas vezes.
Nora— Acho que seria legal ela saber. Ela convive com você diariamente, é sua amiga além de funcionária, e seria bom tê-la aqui com a gente às vezes.
Val— Acho que agora não tenho mais motivos para esconder algumas coisas, já que o pai da Isabel descobriu tudo de alguma forma.
Nora— Acho que, no fim, terá um lado bom tudo isso que aconteceu. Talvez agora você possa contar sua história e exaltar a pessoa incrível que a Isabel foi, além de muito talentosa.
Val— Verdade, talvez tenha chegado a hora de homenageá-la da maneira que ela merece. É uma pena que não seja em vida, mas tenho certeza de que ela ficará feliz com isso lá de cima.
Vi os olhos de Valentina encherem de lágrimas naquele momento. Eu sabia o quanto esse assunto a afetava e faria tudo o que pudesse para ajudá-la.
Os dias se passaram, e Milena me avisou que já tinha entrado em contato com o advogado do pai da Isabel. As coisas estavam indo bem e provavelmente logo ela finalizaria a compra. O valor pedido estava alinhado com o que ela ofereceu, mas ela chegaria ao valor total se fosse necessário, já que provavelmente apareceriam novos interessados no imóvel se a notícia de que estava à venda se espalhasse. Pedi a ela que me mantivesse informada, mas que não deixasse de comprar o imóvel, mesmo que o preço fosse acima do mercado. Ela me garantiu que não deixaria e que tinha quase certeza de que compraria por um preço justo. Ainda não tinha comprado porque o advogado avisou que havia outra pessoa interessada, logo quando ela demonstrou interesse no imóvel. Porém, após uns três dias, o advogado disse que essa outra pessoa havia sido descartada e a negociação fluiu mais rápido.
Achei estranha aquela informação. A venda do imóvel não havia sido divulgada e só soube porque Valentina me contou. Ou era coincidência ou esse comprador também sabia do que estava acontecendo. Pensei em pedir para Milena tentar descobrir quem era o outro interessado, mas isso poderia atrair uma atenção desnecessária, então guardei essa preocupação para mim. Contudo, após a compra fechada, eu iria tentar descobrir.
Já tinham se passado dez dias desde a visita do advogado. Valentina disse que havia ligado para ele e avisado que deixaria o imóvel nos próximos 15 dias no máximo, que não pretendia arrumar problemas por causa da situação. Ela fez isso para que eles não desconfiassem que tinha algo a ver com a compra. Era algo quase impossível de acontecer, mas após comentar minhas desconfianças com Valentina e ela começou a tomar mais cuidado. Valentina disse que minhas desconfianças faziam sentido e que provavelmente ela estava deixando passar algo. Ela só não fazia ideia de quem poderia ser. Também mencionou que não confiava na Donna, mas não fazia sentido ela querer prejudicar a galeria, já que também seria afetada.
Valentina já tinha contado a Alexia toda a história, e ela já tinha vindo me visitar algumas vezes. Já tinha visto os quadros e estava tentando agendar a visita de dois especialistas para autenticar as obras. Valentina queria que isso acontecesse o mais rápido possível, já que, mesmo sendo quadros relativamente novos e nunca tendo saído do ateliê onde foram pintados, a autenticação poderia levar mais de um mês. Alexia também estava ajudando Valentina a preparar um plano de divulgação, e até dei alguns palpites.
Dois dias após a última conversa com Milena, ela me ligou pela manhã e disse que tinha fechado negócio. Estava vindo a São Paulo para assinar os documentos e registrar tudo. Provavelmente, no fim da tarde, tudo estaria pronto e, se eu quisesse, poderia ficar com os documentos de compra; era só passar o meu endereço que ela deixaria comigo. Disse a ela que poderia levar os documentos e guardá-los na empresa, mas que gostaria de uma cópia, se possível. Ela disse que não seria um problema, que faria uma cópia, deixaria comigo e guardaria o original.
Perguntei à Milena o valor que tinha fechado, para eu poder estornar ao caixa da empresa. Quando ela me disse, fiquei assustada; eu jurava que seria quase três vezes mais do que ela falou. Quando comentei isso, ela explicou que o imóvel era apenas o terreno e o galpão vazio. Se fosse como estava, seria muito mais caro, mas tudo o que estava no galpão era da galeria, ou seja, da Valentina, e supostamente ela iria tirar tudo quando saísse de lá. Fiz contas rápidas e cheguei à conclusão de que Valentina havia recebido uma boa herança da Isabel; o que estava dentro valia mais que o próprio imóvel.
Milena fez o que pedi e passou na casa da Valentina à tarde, deixando cópias dos documentos que comprovavam que a empresa era a nova proprietária do imóvel. Ela não demorou muito porque estava acompanhada de um dos advogados da empresa e do nosso antigo motorista. Mas deu tempo de tomarem um café comigo e de eu saber como estavam. Foi bom rever nosso antigo motorista, que era praticamente parte da minha vida desde que me entendo por gente. Prometi que visitaria os dois na próxima vez que fosse a Santos.
Depois que eles saíram, esperei Valentina chegar do trabalho. Eu estava feliz por tudo ter dado certo e agora nada nem ninguém poderia tirar a galeria dela. O pesadelo tinha acabado; agora, era hora de descobrir quem tinha feito essa maldade com meu amor, e eu faria de tudo para descobrir.
O que eu não imaginava era que uma visita totalmente inesperada traria uma informação crucial para nós descobrirmos tudo o que tinha acontecido. E o mais importante: descobrir quem tinha feito aquilo com ela.
Continua…
Criação: Forrest_Gump
Revisão: Whisper
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