Alguns dias depois do episódio narrado em Pontes Invisíveis, quando eu e minha esposa nos envolvemos com o professor, colega dela, recebi o convite de velhos amigos para um happy hour.
Nada extraordinário: uma sexta-feira, pós-expediente, apenas uma mesa de bar para colocar a conversa em dia. Afinal, não é sempre que conseguimos nos reunir; éramos eu e mais três companheiros de longuíssima data.
Entre os inúmeros assuntos que surgiram naquela noite, um dos presentes começou a falar sobre o “marido traído”, usando um linguajar tão baixo que chamava atenção.
Em meio às risadas, soltou: “Não sei o que é pior: o corno feliz que chamam de cuckold ou o corno sem saber.” A frase caiu como uma pedra no meio da mesa. Alguns riram alto, como se fosse apenas mais uma piada de bar; outros se entreolharam, desconfortáveis, sem saber se concordavam ou se apenas acompanhavam o tom da conversa.
Para mim, porém, cada palavra ecoava com um peso diferente, revelando não apenas o preconceito, mas também uma intolerância contra o que foge ao padrão. É verdade que já havia alguns copos de cerveja engolidos, mas o impacto do comentário foi maior do que qualquer efeito do álcool.
Naquele instante, minha cabeça virou um trevo emaranhado de pensamentos. A frase “Não sei o que é pior: o corno feliz, que chamam de cuckold, ou o corno sem saber” não soava apenas como uma piada de bar. Para mim, que ainda carregava tão fresco o impacto da noite em que vi minha esposa com o colega professor, aquilo parecia uma indireta certeira.
Por um instante, voltei àquela noite, me vi olhar pela janela do carro e ver meus amigos ali parados, olhando minha esposa limpar os seios lambuzados de leite jorrados pela pica de outro homem. Seria apenas coincidência? Ou haveria ali uma provocação velada?
A dúvida corroía: será que ele sabia de algo, ou era apenas o destino me lembrando que certos segredos não permanecem escondidos por muito tempo? O barulho ao redor se dissolvia, e dentro de mim crescia um silêncio pesado, onde cada palavra dita parecia ecoar com mais força do que deveria.
Tentei disfarçar, mas meu corpo não colaborava. O sorriso que forcei parecia quebradiço, e minhas mãos, inquietas, buscavam refúgio no copo de cerveja. Enquanto todos riam e falavam sem perceber, eu me sentia deslocado, como se estivesse em outra dimensão.
O som das vozes se tornava distante, abafado, e dentro de mim crescia uma tensão que me apertava o peito. Cada gesto meu era calculado, como se precisasse esconder algo, como se o segredo que carregava pudesse escapar por uma simples expressão. Era um esforço silencioso para manter a normalidade, enquanto por dentro eu me perguntava se aquele olhar, aquela palavra, não eram pistas de que sabiam mais do que deveriam.
Respirei fundo e tentei retomar o controle. Afinal, não havia como eles saberem. Naquela noite, dentro do carro, éramos apenas três pessoas: eu, minha esposa e o colega de profissão dela. Três adultos responsáveis, conscientes do peso do que acontecia e, ao mesmo tempo, cúmplices de um segredo que deveria permanecer trancado ali.
Pensar nisso me devolveu certa calma, como se a lógica fosse um escudo contra a paranoia. Ainda assim, a coincidência me incomodava, era como se o acaso tivesse escolhido zombar de mim. Sorri de novo, desta vez com mais firmeza, e forcei minha atenção para outro assunto, tentando convencer a mim mesmo de que nada havia sido revelado.
Com o passar das horas, outros assuntos surgiram e a noite acabou se tornando leve e agradável para mim. As risadas e lembranças compartilhadas suavizaram o peso inicial, e por alguns instantes consegui me sentir parte daquela roda sem carregar tanto o silêncio do segredo. Mas, ao voltar para casa, o pensamento retornou com força.
Revi mentalmente cada palavra dita à mesa, cada expressão, e concluí que segredos são inevitáveis, eles se impõem como sombras que nos acompanham, mesmo quando acreditamos estar protegidos.
Meus amigos, sem perceber, demonstraram desconhecimento sobre a vida em sua complexidade, sobre a cumplicidade que às vezes se constrói em silêncio. Talvez eu já tivesse sido assim também, rindo e concordando sem questionar.
Hoje, mais maduro, percebo o mundo por outras lentes e encontro discordâncias que me afastam de certas visões simplistas, ainda que isso me torne mais solitário em meio às conversas.
No fim, percebi que a vida se constrói tanto nos encontros quanto nos silêncios. Os segredos que carregamos moldam nossas percepções, e as discordâncias revelam o quanto amadurecemos ao enxergar o mundo por outras lentes. Talvez meus amigos nunca saibam do que se passou, e talvez nem precisem.
O que importa é que, para mim, cada palavra daquela noite serviu como espelho: refletiu não apenas o peso do que guardo, mas também a distância entre quem eu fui e quem me tornei.
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