Quando minha mãe disse que precisava conversar sério comigo, eu já sabia que algo muito grave tinha acontecido. Minha mãe é uma mulher muito calma, raramente fica nervosa. Eu mesma só a vi nervosa uma vez na vida, e foi justamente comigo. No início da adolescência, achei que seria legal matar aula para ir ver um filme no shopping com minhas amigas. Infelizmente, minha mãe ficou sabendo e, nesse dia, ouvi um monte na minha orelha. Mas, sinceramente, acho que foi a única vez que a vi nervosa; ela apenas estava com a voz mais alterada e com a cara fechada.
Mas naquela ligação, ela não estava com a voz alterada. Eu sentia uma certa preocupação em seu tom. Queria poder ver seu rosto para ler suas expressões, mas quando sugeri uma chamada de vídeo, ela não quis. Disse que a conversa seria séria, mas rápida. Então, não insisti e disse que tudo bem, que ela poderia começar o assunto. Nunca vou esquecer daquela conversa; foi realmente rápida, mas teve um significado incrível para mim.
Mãe— Sua amiga Tânia me ligou ontem e disse que você contou a ela que ficou com uma mulher no banheiro de uma boate e que agora está pensando em virar lésbica. Isso é verdade?
Nora— Sim, é verdade mãe. Mas não estou pensando em virar lésbica; eu sou lésbica, eu só não sabia disso.
Mãe— Eu sei que não se "vira" lésbica, filha. Sei também que muitas pessoas só descobrem sua verdadeira orientação sexual depois de uma certa idade por vários motivos. Eu só falei o que Tânia me disse e te questionei.
Nora— Você está chateada comigo, mãe?
Mãe— Para ser sincera, estou, não por você ter ficado com uma mulher ou por estar se descobrindo lésbica, mas por ter contado para uma falsa amiga em vez de me ligar para contar a mim. Eu sempre te dei liberdade para isso, sempre procurei ser uma boa mãe e também sua melhor amiga. Não entendo onde errei nisso.
Nora— Mãe, eu iria te contar. Só não queria ter essa conversa por telefone; queria fazer isso olhando nos seus olhos, como sempre fiz.
Mãe— Tudo bem, filha, eu te entendo. Na verdade, eu também tenho algo para te contar, mas também acho melhor fazer isso olho no olho.
Nora— Você me deixou curiosa agora, mãe.
Mãe— Desculpe, filha, mas segura sua curiosidade até suas férias; aí a gente conversa e você me conta tudo o que aconteceu com você na França.
Nora— Está bem, mãe, vou tentar. Mas a senhora não está brava comigo mesmo?
Mãe— Não, eu sou sua mãe e te amo muito. Sua orientação sexual não muda nada para mim. A única coisa que eu quero de você é que continue sendo essa garota incrível que você é e que seja feliz. Estou aqui para te apoiar, te dar conselhos e puxar sua orelha se for necessário. Então, não se preocupe nesse sentido. Só te peço uma coisa: afaste-se da Tânia; ela não é sua amiga e muito menos uma boa pessoa. Isso não é uma ordem, é um conselho de sua mãe que só quer o seu bem.
Nora— Obrigada, mãe. A senhora é a melhor mãe do mundo, e eu te amo muito também. Quanto à Tânia, não se preocupe; ela já se afastou de mim, mas eu faria isso mesmo se ela não tivesse feito. A senhora tem toda razão no que disse sobre ela.
Mãe— Então ela te fez um favor. Ela tentou me jogar contra você, começou a falar umas coisas horríveis, mas não deixei e falei um monte para ela. Conheço você mais do que ninguém. Sei que você não é santa e nem precisa ser; você só é uma garota aproveitando sua juventude. Sei que você é responsável e nunca me deu dor de cabeça. Não é uma garota como a Tânia que vai fazer eu mudar meu pensamento. Como disse, eu conheço a filha que tenho e me orgulho de ser sua mãe.
Nora— Eu te amo, mãe, e prometo que nunca vou te decepcionar como pessoa. A senhora me educou muito bem, me ensinou desde criança o que é certo e o que não é. Obrigada por tudo; se eu sou quem sou, é graças à mãe incrível que eu tenho.
Mãe— Nada me deixa mais feliz do que ouvir isso. Agora preciso desligar; tenho muito trabalho a fazer. Estou morrendo de saudades de você. Te amo muito.
Nora— Também estou com saudades de você, mãe. Bom trabalho. Te amo!
Depois que minha mãe desligou, um misto de alívio e felicidade tomou conta do meu peito. Eu não esperava que Tânia fizesse isso, mas fez. Sua tentativa de me prejudicar deu errado. Acho que ela não fazia ideia da mãe incrível que eu tinha.
Porém, Tânia tirou de mim a chance de contar a verdade para minha mãe, ainda tentou jogá-la contra mim. Nunca tive raiva de alguém na vida; sempre tive uma ótima relação com as pessoas ao meu redor, por isso nunca briguei ou discuti com ninguém. Claro que ao longo da minha vida, teve pessoas que eu sabia que, por algum motivo, não gostavam de mim, mas sempre fiquei no meu canto e essas pessoas também. Nunca tentei prejudicar ninguém e acho que por isso ninguém nunca tentou me prejudicar. Até Tânia resolver fazer isso de graça, simplesmente por não aceitar minha sexualidade, algo que não tinha nada a ver com ela.
Tentei ignorar a raiva que sentia e seguir minha vida. Continuei fazendo tudo que fazia antes: ir à faculdade, estudar bastante e, sempre que sobrava tempo, conhecer museus e galerias de arte. Fiquei um final de semana sem sair por pura opção; queria descansar um pouco das farras. Comecei a pesquisar sobre locais LGBT, bares, boates ou festas próprias para pessoas como eu. Achei vários lugares, mas o que mais me chamou a atenção foram os bares. Então, resolvi começar a frequentar esses locais. Foi a melhor decisão que tomei na minha vida.
Já no primeiro bar que fui, conheci pessoas novas, fiz algumas amizades e beijei a boca de outra francesa linda. Seu nome era Louise, uma morena clara de cabelos negros e olhos castanho-esverdeados. Ela era dez anos mais velha do que eu, mas nos demos muito bem; ela era professora de literatura em uma escola da cidade. Era uma mulher linda, inteligente e de um sorriso encantador. Nos encontramos outras vezes e acabamos nos envolvendo por alguns meses.
Com Louise, conheci mais sobre mim, sobre meu corpo e também sobre minhas preferências na cama. Louise era adepta a acessórios, e eu acabei gostando daquilo, principalmente de usar nela. Eu me sentia bem em estar no comando na hora do sexo, e Louise gostava de ser submissa, inclusive de levar uns tapas na hora H. Mas fora da cama, ela era uma mulher totalmente diferente: decidida e não abaixava a cabeça para ninguém. Eu amava aquele jeito dela, e a gente só não seguiu juntas porque ela achou melhor não deixar os sentimentos nos machucarem no futuro. Eu estava cada dia mais apegada a ela, e ela a mim, porém nós duas sabíamos que eu iria embora do país. Então, depois de uma conversa sincera de ambas as partes, decidimos seguir apenas como amigas.
No resto do ano, fiquei com outras mulheres, inclusive com um casal. Foi uma experiência única; nunca senti tanto prazer na minha vida como com elas. Mas, por causa de uma regra delas, só ficamos uma vez. Elas nunca repetiam a parceira; era uma noite só quando gostavam de alguma mulher e se sentiam seguras para transar com ela. Eu achei interessante o tipo de relacionamento das duas; era algo que eu provavelmente nunca faria, porém era nítido o quanto elas se amavam, e ter a confiança de fazer sexo com outra parceira era algo admirável para mim.
Na universidade, eu estava indo muito bem, porém, por algum motivo, fui perdendo o interesse nas aulas. Era como se eu não estivesse aprendendo nada de novo; tudo parecia chato, e comecei a pensar em desistir de estudar ali. Meu foco sempre foi a pintura, e era exatamente essa parte que não estava me agradando. Eu não estava evoluindo nas aulas; era como se eu tivesse chegado no meu limite de aprendizado ou se as aulas não fossem desafiadoras o suficiente. Eu sempre amei o surrealismo, e meu professor parecia não ter o conhecimento suficiente naquela área. Até pesquisei sobre outras aulas com um professor diferente, mas, infelizmente, eu não tinha muitas opções.
Tânia ficou fora do meu radar por um bom tempo, porém, nos últimos meses, ela parece que resolveu me provocar. Estava quase no final do ano, e eu tinha feito novas amizades. Nada muito íntimo, mas andava e falava com várias pessoas na universidade. Isso, por algum motivo, parecia não deixar Tânia feliz, e ela começou a falar mal de mim para esses amigos. Alguns deles me contaram, e, ainda bem que isso não funcionou; ninguém se afastou de mim. Eu, claro, fingi não ligar, mas, no fundo, isso só alimentou a raiva que eu sentia por Tânia. Mesmo assim, continuei tentando ignorá-la, já que ela nunca batia de frente comigo; era sempre pelas costas, como uma cobra traiçoeira e covarde.
Minha paciência com ela durou até o penúltimo dia de aula. Eu tinha ido à faculdade só para pegar minhas últimas notas e me despedir de algumas pessoas que eu gostava. Sinceramente, não tinha a intenção de voltar; teria que acontecer algo muito importante para eu mudar de ideia. Minha intenção era continuar meu curso no Brasil ou talvez em outro país. Pensei na Itália, Espanha ou Portugal; na Itália, era menos provável por causa da língua, eu não falava nada em italiano. Mas resolveria isso durante minhas férias.
Assim que peguei minhas notas e me despedi de algumas pessoas, dirigi-me à saída da universidade. O movimento não era grande, porém havia algumas pessoas se movimentando por ali. Assim que me aproximei da saída, ouvi uma voz conhecida falar alto e bom som atrás de mim:
Tânia— No Brasil eu resolvo meu problema com você, sua doente.
Respirei fundo para a raiva passar, mas ela não passou. Eu juro que nunca fui uma pessoa violenta e nem sabia que tinha coragem de fazer o que fiz a seguir. Eu só virei o corpo e fui em direção a Tânia, que sorriu e perguntou o que uma magrela como eu iria fazer. Ela não chegou a terminar a frase; eu dei um soco que pegou bem na ponta do nariz dela. Pude ver quando os olhos dela arregalaram de susto com meu punho indo em direção a ela. Acho que ela nunca imaginou que eu teria coragem de fazer aquilo, já que ela era maior e mais forte do que eu.
Tânia cambaleou para trás com as duas mãos sobre o nariz; eu fui na direção dela, pronta para dar outro soco. Mas ela se encolheu toda e começou a chorar. Eu vi o sangue escorrendo pelos dedos. Aquilo me fez parar; não falei nada, só virei as costas e saí andando. Ainda pude ouvir algumas palmas; pelo jeito, Tânia não era muito querida ali na universidade. Bom, isso eu nunca vou ter certeza, já que eu não pensava em voltar e agora acho que nem deixariam se eu quisesse. Agredi uma aluna dentro das dependências da universidade; provavelmente isso seria levado até a reitoria e eu seria expulsa.
Dali, segui direto para meu apartamento. Durante o caminho, liguei para a companhia aérea e consegui uma passagem para São Paulo no início da noite; queria uma para minha cidade, mas só tinha para o dia seguinte. Cheguei ao apartamento, arrumei minhas malas e fui para o aeroporto. Ainda demoraria quatro horas para meu voo, porém eu não sabia o que aconteceria depois da minha agressão. Talvez a polícia tivesse sido chamada; eu não queria e nem podia ser presa na França. Fiquei em um canto do aeroporto, de olho no movimento, e aproveitei para ligar para minha mãe e contar o que houve. Ela ficou preocupada e não aprovou o que fiz, mas também não brigou comigo. Disse que era para eu avisar assim que embarcasse e, se algo acontecesse antes, era para eu avisar na hora. Concordei com ela e fiquei ali no meu canto até a hora do meu voo.
As horas passaram muito devagar, mas passaram, e eu fiz o embarque. Consegui dormir uma boa parte do voo e, depois de mais de onze horas de viagem, eu estava desembarcando em São Paulo. Fui recepcionada pelo motorista particular da minha mãe; eu já o conhecia há muito tempo e foi bom ver um rosto conhecido ali. Ele me ajudou com as malas e logo estávamos a caminho de casa. A viagem foi tranquila e passou rápido, já que a gente foi jogando conversa fora durante todo o trajeto.
Assim que passamos pelo portão da casa, vi minha mãe na porta de entrada me esperando com um sorriso no rosto. Nos aproximamos e, assim que o carro parou, desci e fui dar um abraço na minha mãe. Aquele era o melhor lugar do mundo, e decidi ali que não iria mais viajar para nenhum país; eu iria ficar no Brasil e perto da minha mãe.
Bom, pelo menos era o que eu pensava, mas o destino tinha outros planos para mim.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper
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