Voltamos para a mesa, onde Agenor e Vicente nos esperavam, conversando animadamente. Logo os olhares curiosos nos encararam. Sentamo-nos, mas puxei Clara para mais perto de mim, minha mão possessiva em seus ombros, meus dedos tamborilando sua pele macia:
- Então, pessoal... – Comecei num tom acanhado, temeroso até eu diria: - A Clara e eu conversamos e ela...
- Não estou me sentindo muito bem! – Clara me interrompeu e eu, imaginando que ela queria conduzir a conversa, a encarei e sorri.
Ela também me encarou e sorriu, dando um gostoso selinho, antes de continuar:
- Gente, eu... gostei demais de conhecer vocês, mas eu não tô muito legal hoje.
[CONTINUANDO]
Fiquei surpreso, aliás, eu e eles. Os dois se entreolharam e se recostaram em suas cadeiras, em silêncio. Pegaram suas bebidas e bebericaram, enquanto olhavam para Clara, aparentemente sem saber o que dizer. Foi o Agenor que quebrou o silêncio:
- A gente falou ou fez alguma coisa, Clarinha? Você parecia tão... afim.
- Não, Agenor, vocês foram perfeitos! Vou falar a verdade... Eu acho que ainda não é o momento. Eu tenho certeza que seria muito legal conhecer vocês ainda melhor, mas... só não é a hora certa.
Tudo o que parecia prestes a descambar numa putaria insana, de repente desabou. Eu fiquei sem palavras, sem saber o que dizer. Eles, idem. Clara agradeceu a presença deles e pediu para irmos, mas antes deu seu telefone para eles e pegou os deles, dizendo que ainda entraria em contato para marcarmos algo.
Voltamos para casa num clima meio estranho: eu estava feliz e decepcionado ao mesmo tempo, surpreso no mínimo. Ela parecia decepcionada e feliz, mas os motivos eu não entendia. Assim que entramos, eu a encarei:
- Mas... O que aconteceu lá, Clara? Você não que...?
Ela me calou com um beijo e logo disse, olhando no fundo dos meus olhos:
- Me leva pro quarto e me usa do jeito que você quiser. Estou louca de tesão e preciso do meu homem agora. Conversamos depois.
Nem preciso dizer que foi a transa das transas, não é? Fizemos coisas e utilizamos posições que eu não conhecia, mas ela parecia conhecer muito bem. Não sei que horas paramos, mas eu desmaiei depois da última gozada. Acordei de manhã com Clara deitada sobre o meu peito, ambos nus, ela com um sutil sorriso nos lábios e porra escorrendo pelo canto da boca.
Tentei me levantar sem acordá-la, mas não consegui. Ela sentiu os movimentos e abriu os olhos, me encarando, primeiro curiosa, depois feliz e satisfeita:
- Bom dia, amor. Que noite, hein?
- Foi! Boa demais, né?
Ela se levantou, espreguiçando, empinando a bunda na minha direção e me olhou por sobre os ombros:
- Vou tomar um banho. Você vem?
Fui, é claro. Após um banho típico de namorados em início de namoro, com muitos beijos e amassos, mas sem sexo porque ela se dizia assada, fomos tomar um café da manhã. Na mesa, não aguentei:
- Ok, Clara. O que tá acontecendo?
- Como assim, amor? – Perguntou ela, me olhando por cima da xícara de café fumegante.
- Ué!? Como assim “como assim”? – Retruquei: - Você... Ué!? Ontem, você teve uma chance de realizar algo que disse nunca ter experimentado e... e... recusou!? Eu não entendi...
Ela deu um sorriso e me olhou nos olhos:
- Amorzinho... Sexo com você, é muito bom. Não preciso de outro...
- Mas então... Por que você me traiu antes?
Ela se calou por um instante, desviando o olhar, mas logo voltou a me encarar:
- Interessante, né? Ontem... eu estava com uma vontade danada de fazer algo. Daí, hoje... no começo, também. – Ela bebeu outro gole de café: - Mas sabe que no final agora, apesar da vontade de transar, algo me fez... sei lá... parecia uma vozinha que dizia “primeiro o Lucas, Clara, depois o resto”. Daí eu... decidi parar.
- Mas você não queria?
- Queria... e não queria.
- Credo, Clara, tô entendendo mais nada... – Bebi eu uma golada de café, queimando a língua: - Primeiro, você é uma ninfomaníaca sem controle, pelo menos foi isso que eu entendi a doutora explicando. Agora você consegue dominar esse seu... fogo.
- Pois é... – Ela concordou com meneios de cabeça, olhando seriamente para a xícara: - Sabe o que é mais estranho? Estou há quase 2 semanas sem tomar minha medicação e estou me sentindo bem no controle de tudo.
- Clara, você não tá tomando seu remédio? Mas a doutora disse que você não podia parar!
- É que acabou e como eu estava me sentindo bem, principalmente por contar com o seu apoio que eu... Bom, fui esquecendo de comprar e parei. Simples assim.
- Mas você não pode...
- É... Eu sei.
Seguiu-se um silêncio estranho entre nós, mas estranhamente estávamos bem um com o outro. Depois de um tempo, tive uma ideia que achei interessante compartilhar:
- Você nunca pensou em ter uma segunda opinião, Clara?
- Outro psicólogo?
- É, ué!
- Ah, mas eu gosto tanto da Mariana, e ela sempre me entendeu, nunca me condenou, que eu... sei lá, amor. Será que precisa mesmo?
- Não é questão de precisar, mas apenas de ter um outro ponto de vista, saber se você precisa mesmo desses medicamentos, entende?
Ela ficou em silêncio, olhando para a xícara e continuei:
- A minha empresa fez um convênio médico bem completo para os empregados e seus familiares. Acho que você poderia experimentar...
Ela me olhou nos olhos por alguns segundos e sorriu:
- Tá. Se você acha, posso tentar.
Na semana seguinte, consegui agendar uma consulta para ela, mas que só aconteceria dentro de 20 dias. Clara, apesar de insistir que queria continuar com a doutora Mariana, não se negou.
Entretanto, faltando 10 dias para a consulta, Clara me surpreendeu com uma notícia:
- A Mariana me ligou. Ela queria saber se estava tudo bem e por que eu sumi...
- E o que você disse?
- Ué!? Que estou apenas sem tempo e que estou bem, mesmo sem tomar os medicamentos.
Dei uma risada já imaginando a resposta e perguntei:
- E o que ela disse sobre isso?
- Me xingou! Educadamente, mas me xingou. Disse que eu não poderia parar ou poderia ter uma recaída que poderia prejudicar o nosso relacionamento.
- E você?
- Falei que ia comprar hoje mesmo... Ela também exigiu que eu marcasse uma consulta, para avaliar a minha situação e talvez a dosagem da medicação.
- E você vai?
- Vou, né!? Afinal, ela tem me ajudado muito...
Estranhei a urgência com que Mariana praticamente obrigou Clara a se consultar. Mas ela era a profissional e certamente sabia o que estava fazendo.
Dois dias depois, Clara foi a tal consulta. Não pude acompanha-la, por ter trabalho acumulado no meu emprego. Ela voltou tranquila e disse que voltaria a tomar seus remédios. Disse também que Mariana não gostou de saber que ela se consultaria com outro terapeuta, mas também não a impediu. Mariana quase desistiu da segunda opinião e acho que só não o fez porque eu insisti muito que ela fosse.
Ela voltou a tomar seus medicamentos e estranhamente notei uma mudança em seu comportamento: ela agora parecia mais eufórica, brincalhona, estranhamente acessível. Achei que fosse algum tipo de efeito rebote pelo retorno da medicação, pois, fora essas mudanças, nada mais notei.
Passados três dias, numa sexta-feira, quando eu ainda estava no meu trabalho, recebo uma chamada de vídeo de Clara. Ela estava linda, sorridente, bem produzida, sentada num bar qualquer que não identifiquei:
- Oiiiieeeee! – Disse, rindo.
- Oi? Mas... que novidade é essa, Clara? Bebendo agora, à tarde...
- Tô alegre, amor, e quero brincarrrr... – Disse com uma voz mais arrastada, meio pastosa, típica de quem já havia bebido bastante: - Vou me esbaldar hoje, mas queria você também.
- Ótimo! Eu... – Calei-me por um instante e perguntei: - Como assim “eu também”?
- É que... – Ela deu um sorriso malicioso e se calou.
Quase que na sequência, ela virou rapidamente o celular para que eu visse o Vicente e o Agenor, que estavam junto dela numa mesa, bebendo. Eles me cumprimentaram com meneios de cabeça, acenos e sorriso que praticamente gritavam “de hoje não passa!”. Clara voltou a se focar:
- Acredita que eu encontrei os meninos aqui no shopping e decidimos fazer uma... festinha.
- Clara!? Mas a gente não combinou nada disso! – Falei, claramente incomodado.
Ela pareceu não entender o meu tom, nem o meu semblante. Simplesmente riu de algo que um deles certamente lhe disse:
- Bobo você... – Ela disse para alguém e, ainda sorrindo, voltou a encarar o celular: - Então... Eu sei, amor, mas... Por favorzinho... Só hoje...
- Clara, estou trabalhando. Agora não dá.
- Vai demorar muito ainda?
- Pelo menos 1, talvez 2 horas...
- Então... – Ela colocou um dedo na boca, pensativa, mas voltou a encarar o celular: - Então, a gente poderia ir na frente. Nós vamos para um motel, te passamos o endereço, a suíte e já deixamos liberada a sua entrada. Daí você vai lá depois e a gente se diverte. O que acha?
- Acho que não estou confortável com esse ideia. Isso sim...
- Amor, mas o que mudou em ser hoje ou naquele dia? Só a vontade ressurgiu agora e acho que dá para rolar, mas se você quiser.
Inconformado, fiz a pior cara possível, mas ela pouco se importou:
- Por favor... – Fez um biquinho no final, sorrindo feito uma criança depois.
Pensei um pouco e no final concluí que se ela quisesse fazer, faria de qualquer forma e, pelo menos, estava sendo honesta e transparente, dentro dos limites do nosso acordo, afinal:
- Tudo bem. Se der, eu irei, mas, como eu te disse, aqui pode enrolar um bocado.
- Sem problema, amor. A gente te espera.
“Espera sim... Sei!”, pensei comigo, mastigando o meu orgulho de macho ferido. Encerramos a chamada e voltei minha atenção às minhas obrigações, mas quem disse que eu conseguia me concentrar agora. Foi 1 hora de pura procrastinação, que ainda piorou, pois com cerca de 15 minutos, recebi uma mensagem da Clara informando o motel e a suíte em que estariam me esperando. Como que o que é ruim ainda pode pior, o chefe do meu setor me pediu para refazer um relatório que levaria, pelo menos, 2 horas.
Decidi chutar o balde e fiz o meu pior relatório desde que comecei a trabalhar na empresa, terminando-o em pouco mais de 1 hora. Meu chefe, para minha surpresa, adorou. Disse ele que ficou extremamente conciso, objetivo, com uma clareza que quase doía aos olhos. No final, ganhei vários parabéns e a informação de que eu ainda seria promovido em breve. Foi o único bálsamo naquela tarde insana.
Saí do meu trabalho direto para o motel. Na portaria, quando me apresentei, uma dupla formada por uma mulher e um homem, me encararam e sorriram de uma maneira que me ardeu na alma. Eles pareciam saber que eu era o corno e certamente pensavam que eu estava ali somente para buscar a minha mulher que, naquela altura, já devia ter sido comida de todas as formas possíveis. Bem, totalmente errados eles não estavam...
Estacionei minha moto na garagem da suíte e subi um lance de escada até a porta. Trancada. Dei dois toques na campainha e nada de ser atendido. Voltei e confirmei o número da suíte: eu estava no lugar certo. Voltei à porta e insisti na campainha até meus dedos doerem. Pouco depois, surge Agenor, com uma toalha enrolada na cintura e suado igual a um cavalo depois do terceiro páreo. Só um cego não notaria o volume que ele tinha à frente do corpo, mal escondido pela toalha. Enfim, meu temor havia se materializado e agora eu o presenciaria. Não sei o que me deu, mas congelei, não falando, nem entrando, tanto que foi ele que quebrou o gelo:
- Fala, meu amigo! Entra aí. Sinta-se em casa. A Clara... ela... bem... a gente até te esperou, mas como você demorou, acabamos começando sem você. Ela tá lá em cima, com o Centão.
Dei um sorriso amarelo ovo e se tivesse cheiro seria choco, fedido, podre. Inspirei profundamente e dei um passo para dentro do meu calvário. Naquele momento, esqueci-me até de cumprimentá-lo, como se isso fosse fazer alguma diferença. Ele fechou a porta atrás de mim e me indicou uma escada com a mão. Subimos, mas já no meio da escada, ouvi sons que eu conhecia bem: corpos se batendo e mais, a voz dela, da minha Clara, agora deles.
Parei no último degrau da escada, de onde eu já tinha visão livre do quarto. O motel era um oásis de luxo e devassidão, com uma suíte ampla em dois níveis, paredes escuras, uma piscina, hidromassagem e uma cama king-size coberta por lençóis de cetim vermelho. Luzes embutidas emitiam um brilho suave, criando uma atmosfera íntima demais. Espelho espalhados pelo ambiente pareciam querer obrigar que testemunhássemos o intestemunhável. O ar condicionado mantinha o ambiente fresco, mas eu suava em bicas.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.
