Por mais que eu não quisesse admitir, tinha alguma coisa de errado acontecendo. As reações de Mônica, agora essa forma vulgar de falar desse tal de Vítor, o jeito de se aproximar de Elisa... Tudo estava se encaminhando para uma situação, que eu estava tentando até agora varrer para debaixo do tapete, mas eu não podia mais ficar sem fazer nada.
Peguei o celular de novo. Meu coração já estava acelerado, como se eu estivesse cometendo um crime. A tela piscava com a solicitação ainda ali, fixa. Meu dedo quase deslizou para abrir o perfil dela, mas foi nesse momento que ouvi um barulho atrás de mim.
O estofado rangendo.
Merda.
Olhei rápido e vi a Mônica se mexendo no sofá. Os olhos ainda semicerrados, mas ela já estava acordando.
Soltei o celular na escrivaninha tão rápido que quase derrubei. Fingi ajeitar a toalha na cintura e tentei respirar normal.
— Pedro...? — a voz dela veio baixa, meio sonolenta. — Que horas são?
— Umas nove e pouco... — respondi, com o tom mais calmo que consegui forçar. — Você dormiu bastante, hein?
— Nossa... — Ela dizia, ainda recobrando as condições, deitada. — E você? Foi tomar banho?
— Sim, irei me deitar logo mais.
Ela se espreguiçou, os cabelos bagunçados caindo pelo rosto. Sorriu daquele jeito doce que sempre desmonta qualquer armadura minha.
— Tava cansada... — disse, bocejando. — Sei lá, mas eu acabei passando do ponto.
— Mônica. — Olhei pra ela, ainda de pé em sua frente, com a toalha envolta de minha cintura. — Olha, eu acho que preciso de algumas explicações.
— Sobre o que, amor? — ela perguntou.
— Sobre mais cedo. Você do nada surtou no parque, e do nada começou a chorar aqui. O que está acontecendo exatamente?
Ela se sentou no sofá e se arrumava, enquanto olhava para mim. Aquele olhar demonstrando inocência me desmontava, mas ao mesmo tempo eu só conseguia pensar que ela estava me escondendo algo.
— Será que você me dar um abraço? — Ela estendeu os braços, pedindo abraço como sempre fazia. Fui até ela e a envolvi, sentindo o cheiro do shampoo misturado com o perfume leve dela.
Ela me olhou com aqueles olhos grandes e disse:
— Tá estranho, amor. Aconteceu alguma coisa?
— Aconteceu sim, e você precisa começar a me dar explicações.
— Claro amor... — Ela então olhou pra mim e disse. — O que você que?
Eu fui desvencilhando o nosso abraço, e olhava ela sério. Levei uma de minhas mãos até a dela, e assim eu segurei ali os seus dedos.
— Escuta, suas últimas atitudes não estão sendo normais, Mônica. Você ficou totalmente desequilibrada, ali no nosso passeio depois do episódio da roda gigante, isso ai tem algo a ver com a Elisa?
Mônica me olhava e ao mesmo tempo tentava desviar o olhar. Ela respondeu, e ao mesmo tempo não respondeu.
— Não, Pedro. O problema sou eu mesmo.
— Como assim? — perguntei, sentindo meu peito apertar. — Que problema, Mônica?
Ela mordeu o lábio, desviou os olhos para o chão. Ficamos num silêncio que parecia gritar. Então, devagar, ela respirou fundo e soltou:
— Se você soubesse… — a voz dela tremia agora. — Se você soubesse o que eu fiz… você não estaria me abraçando agora.
Senti como se o chão tivesse sumido debaixo dos meus pés. Meu corpo gelou.
— Como é que é? — perguntei, tentando segurar a voz firme. — Do que você tá falando, Mônica?
Ela ergueu os olhos para mim, brilhando de lágrimas. Mas antes que eu pudesse puxar mais alguma palavra, ela avançou. Me beijou com uma força que eu nunca tinha sentido antes, quase desesperada, como se quisesse apagar tudo o que tinha acabado de dizer.
As mãos dela agarraram minha nuca, os lábios famintos, e por um instante, meu instinto venceu qualquer dúvida. Eu retribuí. Mas dentro da minha cabeça, aquela frase martelava sem parar:
"Se você soubesse o que eu fiz…"
No momento em que os lábios dela tocaram os meus, alguma coisa em mim gritou para parar. Eu queria aquela boca. Queria ela inteira. Mas não daquele jeito. Não com aquela sombra pairando entre nós.
Segurei os ombros dela e afastei devagar. Mônica me olhou confusa, quase ferida.
— Amor, por quê? — ela sussurrou.
Apontei para o celular dela, largado no sofá. A tela ainda acesa com a notificação.
— Abre — falei firme.
Ela piscou, surpresa.
— Pedro…
— Abre agora, Mônica.
Com as mãos trêmulas, ela pegou o aparelho e desbloqueou. Lá estava: a solicitação de amizade do tal Vítor Martins Ferreira. E logo abaixo, a mensagem nojenta: “Vai me aceitar, bonequinha gostosa?”
Ela gelou. Os dedos apertaram a borda do celular como se quisesse esmagá-lo. Em segundos, bloqueou o contato e largou o aparelho na mesa.
— Pronto. Bloqueei. — Olhou pra mim, tentando respirar. — Pedro… você tá assim só por causa disso?
— Não é só isso — retruquei, sentindo minha voz endurecer. — É tudo. É você estranha desde que voltou. É Elisa falando merda no parque. É você fugindo de toda conversa séria. É essa tatuagem que apareceu do nada.
— Como assim Elisa falando merda no parque? — Ela me encarava de forma séria.
— O que ela falou no parque é o de menos, Mônica. Eu quero saber mesmo é o que diabos ta acontecendo? Tu por acaso me traiu, é isso?
Ela mordeu o lábio e baixou os olhos. Depois, levantou a cabeça e disse:
— Eu tenho uma coisa pra te contar. Mas… só me dá um tempo.
— Tempo pra quê, Mônica? — falei, mais alto do que queria. — Não tem que ter tempo. Conta agora. A gente resolve juntos.
Ela então desabou, e começou a chorar.
— Você não sabe a merda que me fizeram passar nessa viagem e o erro que eu acabei cometendo por ser emocionada demais. Eu só pedi um tempo, é pedir muito?
Ela então continuou.
— Só até amanhã. Por favor. Amanhã eu falo.
Fiquei parado, sentindo meu sangue ferver. Mas no fim, soltei um riso curto, sem humor.
— Tá. Amanhã. Mas se prepara, porque eu tô perdendo a paciência.
Levantei do sofá, peguei uma coberta no quarto e voltei para a sala.
— Vou dormir aqui. Fica à vontade no quarto.
— Pedro… — ela começou, mas parou quando viu minha expressão.
Me virei, sem dar chance para mais palavras.
A noite foi um inferno. Não dormi. Só fiquei encarando o teto, com aquela frase dela ecoando: “Você não sabe a merda que me fizeram passar nessa viagem e o erro que eu acabei cometendo por ser emocionada demais…”
Quando o relógio marcou seis, levantei, vesti a camiseta e saí. Precisava respirar. Precisava correr até sumir de mim mesmo.
Corri pelas ruas ainda vazias, tentando limpar a cabeça. Mas a cada passo, mais perguntas. Até que, sem planejar, meus pés me levaram para frente do prédio onde Rafael disse que morava.
E foi ali que o chão começou a abrir.
O prédio estava intacto. Nada de reforma. Nada de interdição. E, como se o destino quisesse me ferrar mais, a porta abriu e saiu ela: a tal loira que encontrei aquele dia.
— Pedro! — ela chamou, sorrindo. — Nossa, quanto tempo! Você ta melhor?
— Melhor...? Você é...? — perguntei.
— Ué, não lembra de mim? Eu sou a loiraça que te deu uma boquete aquele dia na sua casa. — rs — Prazer, meu nome é Talita.
— Eu lembro, só fiquei espantado... E assim. — murmurei. — Eu não quero ficar me lembrando do que aconteceu...
— Achei que você tinha sumido do mapa — ela continuou. — Como você tá? Não deu B.O. aquele dia com a sua namorada?
Aquela frase bateu como um soco no estômago.
— Olha, Talita… aquilo foi um erro. — Falei rápido, tentando cortar o assunto.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— O Rafael fez uma mancada, ele nem me disse que você namorava. Não sabia disso.
—Rafael? Como assim, o que ele disse? — perguntei, gelado.
— Ué, o Rafael me falou que você tinha acabado de virar corno e que tava sozinho em casa. Que tinha terminado com a namorada e que tava pensando em fazer uma besteira. Que queria te dar uma animada, por isso que ele tinha se mudado pra ficar com você e queria que você participasse de uma festinha comigo e com ele. Como vi sua foto e te achei gostoso, pensei, por que não?
Fiquei parado, olhando pra ela, sem acreditar.
— O Rafael… falou isso? — perguntei devagar.
— Falou. E depois, eu achei estranho sua atitude, você do nada saiu fora, parecia arrependido. Foi ai que ele me falou que vocês ainda namoravam.
Eu fiquei incrédulo com aquilo, mas segui ouvindo ela.
— Então, eu fiquei sabendo que você namorava e tal, eu até pensei em tentar consertar a situação. — Ela deu de ombros. — Mas aí o Rafa falou que já tinha dado um jeito nisso.
Senti meu peito explodir. Cada palavra dela me desmontava.
— E você ainda ta falando com ele? — perguntei.
— Não. Depois disso ai eu achei uma puta mancada do cara e paramos de nos falar.
Tentei então sondar ainda mais.
— Me diz uma coisa, Talita… — falei, engolindo seco. — Esse prédio aqui teve algum problema? Reforma, interdição?
Ela riu.
— Interdição? Que nada! Moro aqui até hoje. Nunca teve problema nenhum.
Meu mundo caiu de vez. Ele mentiu pra mim. Rafael mentiu na minha cara.
Olhei pra ela e soltei, num misto de raiva e ironia:
— Só falta agora você me dizer que não é casada.
Ela arregalou os olhos, chocada.
— Casada?! Nunca fui casada na vida! De onde você tirou isso?
— O Rafael disse isso também. — Falei entre os dentes.
Ela balançou a cabeça, indignada.
— Esse cara… sério, eu não sei qual é a dele, mas isso é doentio.
Eu fiquei parado ali, vendo ela se afastar, enquanto tudo na minha cabeça virava um redemoinho. Mônica com seus segredos. Rafael com suas mentiras. E eu no meio de um jogo que nem sei como começou.
Eu resolvi ir tirar essa história a limpo com Rafael, por que ele mentiu pra mim sobre tantas coisas. Um milhão de pensamentos começaram a rondar em minha mente. Será que... Não, isso não pode ser verdade.
Enfim, depois de alguns minutos, eu finalmente cheguei em frente a casa dele. Nem o carro dele estava, mas eu me arrisquei para ver se o mesmo estaria em casa. Toquei a campainha uma, duas, três vezes. Nada.
Quando eu já ia desistir, a porta se abriu com um estalo seco. E quem aparece ali? Elisa.
— Ué, Pedro...?
Ficamos alguns segundos nos encarando. Eu ri. Um riso cheio de raiva e desprezo. Ela estava praticamente nua, envolta apenas com uma toalha, cabelos molhados. Mordendo o lábio ao me ver. Disparei:
— Claro. Não sei por que eu ainda me surpreendo — falei, cruzando os braços. — Tão oferecida a ponto de agora até com o Rafael passar a trepar agora. Bem a cara dos dois.
Os olhos dela se estreitaram como lâminas.
— Pelo menos ele é homem. Não um broxa igual a você que vê uma gostosa e não consegue encarar.
— Não tenho tempo pra discutir com gente baixa. Onde ele tá? — disparei.
Ela girou os olhos, debochada.
— Saiu cedo. Foi buscar um conhecido.
Respirei fundo, segurando a vontade de estourar ali mesmo.
— Pois muito bem. Eu volto depois, no momento eu não tenho mais nada a fazer aqui.
— Ué... já vai? Não vai querer dar o troco na namoradinha? — Ela então deixou sua toalha cair e mostrou seu corpo. Tinha ali um par de seios pelo menos três vezes maiores que os seios da minha namoradinha, além de um corpo com muitas tatuagens, inclusive, uma delas, era da mesma diabinha. A tal diabinha na bunda da Mônica.
— Não tenho por que dar o troco em ninguém. — disparei.
— Deveria, corno. — Ela disse novamente. Meu sangue ferveu naquele momento, e eu levantei a mão, prestes a dar um tapa nela. Mas, acabei impedido por minha consciência, e voltei meu braço para trás.
Dei um passo pra trás, pronto pra ir embora, mas virei o rosto de novo pra ela.
— Você é baixa demais. Não quero mais que procure, nem a mim, nem a minha namorada.
Elisa sorriu torto. Aquele sorriso que só gente venenosa sabe dar.
— Pode deixar, seu corno. Eu mesma vou avisar pra sua namoradinha não me procurar mais quando precisar de ajuda. — respondeu. — E você não é tudo isso também.
Foi como levar um soco no estômago.
— O que você disse? — minha voz saiu baixa, quase rouca.
Mas ela já estava fechando a porta.
— Abre essa porta, Elisa! — gritei, batendo forte. — ABRE ESSA PORRA!
Nada. Silêncio.
Afastei-me da porta com o coração disparado, a respiração curta. Cada palavra dela me corroía por dentro. Eu já tinha quase certeza, que Mônica havia me traído. Mas agora, restava saber isso da boca dela.
Mas não foi apenas Mônica. Agora, tinha sido traído até mesmo por Rafael.
Entrei no carro feito um animal enjaulado, tentando decidir se ia atrás da Mônica agora, se ia quebrar tudo, se ia ligar pra ela e fazer ela falar tudo na marra. Mas aí...
O ronco do motor.
Parei. Instintivamente me abaixei dentro do carro e vi: era o carro do Rafael, estacionando a poucos metros dali.
Quando a porta abriu, meu mundo desabou.
Rafael desceu, rindo alto, aquela risada despreocupada que sempre teve. Tinha uma figura conhecida no lado dele, a tal da Vanessa, a mina que levou a Mônica bêbada aquele dia para casa, e eu fiquei me perguntando, como ele conhece essas duas... E, por último, a figura que congelou meu sangue: Vítor.
O mesmo Vítor da mensagem nojenta. Alto, porte de academia, cabelo grisalho. Gargalhando, como se fosse íntimo deles.
— Ai irmão, tu vai adorar as cocotinha do Rio, são tudo putas. — disparou Rafael.
— Você parece que não cresce, não é? Mas essas belezas aqui eu já conheço, tracei em São Paulo. — ele falou.
Vejo então Elisa abrir a porta para eles, e falar alguma coisa que não consegui escutar direito. Só consegui ouvir Rafael soltar um " Puta que pariu, o mala veio aqui? E tu falou o que? " possivelmente se referindo a mim.
Eles ali do lado de fora, falavam sobre besteiras, piadas, futilidades. Uma panelinha perfeita. Logo entraram.
Naquele instante, percebi que nada era como eu pensava. Nada. Na verdade, eu comecei a me pegar em um verdadeiro complô armado por todas as pessoas, queriam me enlouquecer.
Me escondi ainda mais no carro, o coração martelando. Quantas pessoas estão mentindo pra mim? Até onde vai essa farsa?
E, pior: o que Mônica tem a ver com tudo isso?
Eu decidi ir pra casa.
Eu dirigi no automático. Nem sei como cheguei. A cabeça era um redemoinho. Elisa. Rafael. Vanessa. Vítor. Todos rindo como se nada. Como se eu fosse um idiota, um brinquedo pra eles.
Quando parei o carro na frente de casa, minha respiração já era só raiva pura. Saí batendo a porta com força, o corpo inteiro tremendo. Andei em círculos na calçada, puxando o cabelo, rindo. Rindo alto, como um maluco.
— HAHAHAHAHA! — a risada saiu rasgando, doída, amarga. — Eu sou um palhaço! Olha só... HAHAHAHAHAHA!
Levantei as mãos pro céu, andando pelo jardim como se tivesse plateia. Logo, eu pego qualquer coisa na rua, e jogo direto pra porta da minha casa, continuando a dar risada de forma insana.
— VOCÊS SÃO TUDO UM BANDO DE FILHOS DA PUTA! HAHAHAHAHAHA... — Puta que pariu, Mônica! PUTA QUE PARIU!
A porta se abriu devagar, e ela apareceu ali, assustada, com a voz tremendo:
— Pedro?! Meu Deus, o que é isso? O que aconteceu?!
Eu parei no meio do gramado. Olhei pra ela com um olhar que devia cortar como faca. Um riso seco escapou, e depois o silêncio. Caminhei devagar até a porta, firme, sem piscar.
— Não tem mais escapatória, Mônica. Eu quero saber tudo, porque você ta me escondendo que você me traiu quando eu mesmo te contei o que aconteceu?
Ela não falou nada, apenas começou a choramingar.
Quando cheguei bem perto dela, falei baixo, cada palavra cuspida com veneno:
— Entra. AGORA. Sua VADIA.
Ela recuou, nervosa.
— Pedro, você tá me assustando...
— ENTRA, MÔNICA! — gritei tão alto que até os vidros tremeram.
Ela obedeceu. Entrou, e eu fechei a porta com um estrondo que ecoou na casa inteira. Me aproximei dela, os olhos fixos, o peito arfando.
— Agora você vai me falar TUDO. TUDO, PORRA! — bati a mão na mesa, fazendo o copo cair no chão. — Eu tô cansado, Mônica! CANSADO DE BRINCADEIRA!
Ela começou a chorar, tentando segurar as lágrimas.
— Pedro, pelo amor de Deus, você tá parecendo um louco!
— LOUCO?! — comecei a rir de novo, um riso amargo, doente. — Louco é o que fizeram comigo! Louco é eu achar que tinha uma porra de um relacionamento sincero, enquanto todo mundo ri de mim por trás!
Cheguei mais perto, tão perto que eu sentia a respiração dela batendo no meu rosto.
— Eu quero saber agora, Mônica. — falei num tom baixo, quase sussurrando, mas com uma fúria que queimava. — Quem é Vítor? E não mente. Porque se você mentir... — dei uma risada seca — eu juro que não sei do que sou capaz.
As lágrimas caíram de vez. Ela tentou falar, mas a voz falhou. Então, soluçando, ela disse:
— Eu já sabia que você tinha feito a tal boquete naquela mulher, o nome dela é Talita né? Eu soube, muito antes do que aconteceu. Eu soube Pedro. Eu assisti isso. Ao vivo.
Os punhos, que estavam cerrados, foram se abrindo aos poucos. Eu não podia acreditar no que ouvi, e simplesmente o fato dela saber até o nome da pessoa, indicava que isso era verdade.
— Como é que é?
— Pedro... — a voz dela saiu embargada, o rosto ainda molhado pelas lágrimas. — Senta. Por favor.
Eu ainda estava com a respiração pesada, tentando processar tudo quando ela se aproximou e segurou minhas mãos com força. Os olhos vermelhos, molhados.
— Pedro... por favor, senta. — A voz dela tremia. — Senta e me escuta.
Eu hesitei. Cada célula do meu corpo gritava pra explodir, mas alguma coisa no olhar dela... não era mentira. Era desespero puro. Então me sentei no sofá, de frente pra ela.
— Sim Pedro. Eu já sabia — disse, quase num sussurro. — Do que aconteceu entre você, a Talita e... o Rafael. Por isso que quando voltei da viagem, eu te perdoei. E bem, eu conhecia já o Rafael, na verdade, não pessoalmente. Mas ele era meio que peguete de uma das meninas.
Meu corpo gelou.
— Mas que diabos está acontecendo aqui? — perguntei, minha voz saindo dura, quase fria. — Quer dizer então que...?
Ela respirou fundo, mordeu o lábio, e então deixou escapar:
— Calma. Eu vou te explicar, é que esse assunto me revira o estômago, porque eu fico lembrando de uma parada que o Marcos fez e... Porra eu fui uma idiota!
Foi como levar outro soco no estômago.
— O quê? — me inclinei pra frente, sentindo meu coração martelar. — Como assim, Mônica? O que tem o filho da puta daquele mané talarico?
— Pedro... — ela começou a chorar de novo, a voz falhando. — Eu preciso que você me ouça agora. Tudo. Desde o começo. Você merece saber a verdade.
Fechei os olhos por um segundo, tentando conter a raiva. Quando voltei a olhar pra ela, falei baixo, mas carregado:
— Então fala. Agora.
Ela respirou fundo e disparou:
— Eu no começo achei que era besteira, mas depois de ver o Rafael aqui, e sendo seu "amigo do peito" mesmo depois de ter te sacaneado e mandado uma das meninas me mandarem o vídeo, eu sei lá... Pra mim ele armou ai pra você. E pra mim. Mas não sei porquê. Mas de boa, ta, eu te trai sim. Se é isso que quer saber.
— Tá bom, Mônica. Beleza, você me traiu. Não posso falar nada, porque eu te trai também. Mas eu quero saber porque. O que aconteceu, como foi, com quem foi? Foi o Marcos?
— Não. A coisa é bem mais embaixo do que isso.
Eu fiquei parado. O silêncio entre nós pesava mais que qualquer palavra. Minha mente girava, tentando juntar as peças.
— Como assim “mais embaixo”? — perguntei devagar, cada sílaba como uma lâmina. — Explica, Mônica. Explica direito, porque se isso for verdade, eu juro que...
Ela levantou a cabeça, os olhos vermelhos cravados nos meus.
— Então eu vou te contar a minha versão da história.
Meu sangue ferveu. Tudo começou a fazer sentido: as mentiras sobre o prédio, a loira, as histórias furadas. E agora isso. Mas eu sabia que era apenas o começo. O que Mônica iria contar, com certeza iria bagunçar ainda mais a minha mente.
— Tá certo. Fala. — falei, a voz baixa, mas carregada de raiva.
Mônica respirou fundo, as mãos agarrando o tecido da calça.
— Eu vou te contar tudo, Pedro. Mas você precisa prometer que vai me ouvir até o fim.
Meu olhar queimava nela.
— Fala, Mônica. Só fala.
VERSÃO DE MÔNICA.
Quando eu entrei na faculdade, parecia que estava entrando em outro mundo. Eu não conhecia ninguém, e no começo isso foi assustador. Eu sempre fui aquela garota que gosta de rotina, de previsibilidade. De repente, eu estava ali, no meio de um monte de gente nova, veteranos passando, alguns simpáticos, outros nem tanto.
E dentre as pessoas mais malas que eu poderia conhecer, é o Marcos. Quer dizer, conheci é força de expressão. Ele se apresentou como se eu tivesse pedido, com aquele sorriso torto e os olhos que não paravam quietos. Desde o primeiro dia ele fez questão de se aproximar, puxar conversa, dar “boas-vindas”. No começo, eu achei que era só gentileza. Mas com o tempo, os comentários começaram a mudar. Ele vinha com piadinhas, mãos perto demais, olhares que me faziam querer sumir.
Eu tentava desviar, fingia que não ouvia, me afastava sempre que podia. Mas ele parecia sempre estar por perto. Um dia, ele chegou no intervalo, com aquele jeito todo cheio de si, me encurralando perto do bebedouro, perguntando se eu já tinha um “veterano preferido”. Eu sorri sem graça, disse que não, que tinha namorado. Ele riu. “Namorado? Isso é coisa de caloura. Aqui você vai aprender a se divertir de verdade.”
Eu estava pronta pra sair dali quando ouvi uma voz atrás dele:
— Qual é, Marcos, pegando no pé da menina de novo? — Era Vanessa. Eu não sabia o nome dela ainda, mas nunca vou esquecer a expressão de deboche no rosto dela.
Marcos riu, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, outra garota apareceu: Elisa. Ela parou do lado de Vanessa, cruzou os braços e falou:
— Some, vai, seu frouxo. Ou vai querer que a gente conte pros veteranos que você anda pagando de macho em cima das calouras?
Marcos fechou a cara, resmungou alguma coisa e foi embora, cuspindo no chão. Eu ainda estava sem acreditar no que tinha acontecido, quando Vanessa olhou pra mim e sorriu:
— Relaxe, ele é um babaca. Mulherengo barato. Ele só serve pra dar trabalho.
Elisa completou, rindo:
— Homem assim gostam de se sentir caçador. Mas ó, eu já fiquei com ele. Pintinho pequeno. Hahahaha
Naquele dia, eu senti um alívio enorme. E, junto com ele, uma gratidão absurda. A partir dali, começamos a conversar. Elas me puxaram pra almoçar com elas, e eu aceitei. Pela primeira vez, eu não me senti sozinha.
Um mês depois, Isa chegou. E pronto: viramos um quarteto. A gente ria de tudo, estudava juntas, fazia trabalhos no campus. Eu confiava nelas. Achava que éramos como irmãs.
— Sabe gata, eu tô pensando em fazer uma tatoo nova pra surpreender meu namorado. — Disparou Isa.
— Mas vai fazer qual? — perguntou Vanessa.
— Um diabinho na bunda. Assim quando ele for tirar a virgindade do meu cuzinho, ele vai ficar só olhando.
— Não consigo pensar em como vocês tem namorados fixos. O cara que eu saio mesmo, a gente nem tem nada a sério e ta tudo bem. — disse Vanessa.
— Bom.. — Eu dizia. — Será que o Pedro iria gostar se eu fizesse uma tatoo?
— Claro que ia, homem é tudo doido por tatuagem na bunda. Quem sabe assim ele não se anima e tira esse seu cabaço? — Disse Elisa.
Vanessa sempre foi a mais livre. Não se prendia a ninguém, dizia que não nasceu pra relacionamento sério. Elisa… bem, Elisa era outra história. Ela namorava, mas isso nunca a impediu de fazer o que queria. “Namorado é só pra não faltar companhia”, ela dizia, rindo. Eu e Isa éramos as mais quietas. As que preferiam ouvir do que falar. Apesar que, isso, aos poucos, começou a me ajudar com relação ao Pedro.
Eu sei que Pedro não era mais virgem. Eu sei disso. Pedro não tinha um passado que ele se orgulhasse, mas ele sempre foi sincero comigo.
Eu tinha um sonho desde menina, casar de branco na igreja e perder minha virgindade com o meu marido. Assim como a mamãe fez. Eu tinha sim bastante tentação quando estava perto do meu namorado. Queria dar pra ele, mas isso eu fazia questão de preservar. A minha virgindade. E amava muito Pedro porque, mesmo sentindo as necessidades dele, ele respeitava a minha.
Nos conhecemos desde muito jovens, ele era um grande amigo do meu irmão. Quando começamos a namorar ele ainda era um veterano na faculdade, enquanto eu era uma estudante do ensino médio. Adorava me gabar pelo fato de namorar um universitário que logo se formou e se tornou um adulto responsável.
Estava tomando sorvete com as meninas, e um dia, Vanessa apresentou um cara: Rafael.
Rafael era… diferente. Carioca, cheio de ginga, aquele sorriso fácil que fazia qualquer garota prestar atenção. Ele não tinha nada a ver comigo, eu sabia disso. Mas eu não podia negar que era bonito. Alto, tatuado, com um jeito seguro que fazia todo mundo rir. Vanessa disse que ele era só um ficante, que ela não queria nada sério. E, pelo jeito dele, eu acreditei. Ele era o tipo que todo mundo sabia que não queria compromisso.
Eu continuei na minha.
Mas aí chegou o dia do aniversário da Elisa. Foi ali que se iniciaram todos os problemas.