Capítulo 13 — Arqueologia de um Predador
A manhã de sábado chegou com uma luz leitosa que se infiltrava pelas frestas da persiana da cobertura, pintando listras pálidas sobre os corpos emaranhados. O cheiro no quarto era uma mistura complexa e agora familiar: o suor seco da noite anterior, o algodão egípcio dos lençóis, o perfume amadeirado de Bruno e o cheiro mais íntimo de pele sobre pele. Pela primeira vez, Rafael acordou com o peso de um braço de Bruno sobre sua cintura, um gesto de posse inconsciente feito durante o sono, uma âncora que o prendia àquela nova realidade.
Ele ficou imóvel, observando o homem que dormia ao seu lado. O predador em repouso. A mandíbula, geralmente tensa, estava relaxada; a respiração, profunda e regular. Sem a armadura da arrogância e do poder, Bruno parecia mais jovem, quase vulnerável. Mas Rafael não se enganava. Ele estava apenas olhando para a cratera de um vulcão adormecido. A noite anterior, a aparição de Marcos, o ciúme feio e cru que o corroera... tudo aquilo havia despertado nele uma nova fome. Não era mais apenas de sexo, mas de conhecimento. Era uma necessidade estratégica. Para entender o rei ao seu lado, ele precisava escavar as ruínas do príncipe que ele fora.
Quando Bruno acordou, seus olhos focaram em Rafael com uma clareza imediata. Não houve palavras. Apenas um reconhecimento silencioso da nova paisagem entre eles. Bruno se levantou, a nudez casual e confiante, e foi para a cozinha. Voltou minutos depois com duas xícaras de café preto, forte.
Sentaram-se na beirada da cama, o silêncio preenchido apenas pelo som da cidade despertando lá embaixo.
— Marcos — disse Rafael, a palavra flutuando no ar como uma pluma de fumaça. Não era uma acusação. Era a primeira pá de terra sendo removida. — Ele parece te conhecer de um tempo em que as coisas eram... mais simples para você.
Bruno tomou um gole de café, os olhos fixos no horizonte. — "Simples" é uma forma de dizer. "Vazias" é outra.
— Ele te chamou de 'campeão'. Falou de você como um troféu. — Rafael continuou, sua voz um bisturi, dissecando a memória. — Aquele tipo de adoração, de poder que vinha do seu corpo, da sua fama como atleta... Era isso que você buscava? Era esse o jogo que você jogava antes?
Bruno soltou uma risada baixa, sem humor, um som que parecia vir de um lugar distante. — Jogo? Aquilo não era um jogo, Rafa. Era um circo. E eu era a atração principal. Na quadra, a vitória era limpa, era real. Era sobre força, estratégia, sobre quebrar o outro time. Mas o apito soava, e tudo acabava. Lá fora... a adoração era oca, tinha o cheiro de cloro e champanhe barato. Os aplausos soavam vazios. As pessoas, como Marcos, não me viam. Viam o campeão, o corpo, o dinheiro que eu poderia vir a ter. Eram vitórias fáceis, conquistas sem mérito. Homens queriam minha influência, mulheres queriam meu status. Eram todos... descartáveis.
A honestidade brutal na voz de Bruno era algo que Rafael nunca tinha ouvido antes. Ele se sentia como um arqueólogo que acabara de encontrar uma câmara secreta, cheia de artefatos frágeis e empoeirados.
— E foi por isso que você veio para o mundo dos negócios? Para encontrar um jogo que não acabasse com o apito final?
— Eu vim para encontrar um jogo que valesse a pena — corrigiu Bruno, virando-se para encará-lo, a intensidade em seu olhar fazendo o ar crepitar. — Um jogo onde as apostas fossem reais. Onde o poder não fosse sobre quantos pontos você marca, mas sobre quantas almas você consegue dobrar à sua vontade. Onde o oponente não admira seus músculos, mas teme a sua mente.
Rafael sentiu um arrepio. A pergunta que ele precisava fazer queimava em sua garganta.
— E eu? Quando me conheceu... eu era só mais um adversário que você queria dobrar? Uma peça mais difícil no tabuleiro?
Bruno pousou a xícara na mesa de cabeceira e se aproximou, o corpo dele irradiando um calor que não era apenas físico. Ele segurou o queixo de Rafael com uma firmeza que era mais íntima do que dominadora, forçando-o a manter o contato visual.
— Não — disse ele, a voz grave e definitiva. — Desde o primeiro dia, eu soube. Você não era uma peça. Você era o outro jogador. O único outro rei no tabuleiro. Marcos e todos os outros... eles queriam algo de mim. Um favor, uma foda, uma foto. Você... você queria me destruir. Você olhava para a minha fome com o mais absoluto desprezo, e eu via nos seus olhos o reflexo exato da minha. Você não queria um pedaço de mim, Rafa. Você queria o meu reino. Não para dividi-lo. Para tomá-lo para si.
A confissão pairou entre eles, uma verdade tão nua e íntima quanto seus corpos. O ciúme de Rafael por Marcos se dissolveu, substituído por uma compreensão vertiginosa. Ele não estava com ciúmes do passado de Bruno. Estava com ciúmes de qualquer um que tivesse conhecido uma versão de Bruno que não fosse a que estava inextricavelmente ligada a ele, forjada no fogo do ódio e do desejo deles.
Em vez de responder, Rafael se inclinou e o beijou.
Foi um beijo diferente de todos os outros. Não tinha raiva, nem desespero, nem luxúria calculada. Tinha... entendimento. Era lento, profundo. A língua de Rafael traçou os lábios de Bruno não para provocar, mas para assimilar. Era um beijo que dizia: Eu vejo você. O verdadeiro você. E eu não tenho medo.
Quando se afastaram, Bruno o encarava com uma expressão de assombro, como se Rafael tivesse acabado de redesenhar todos os mapas que ele conhecia. O aperto em seu queixo afrouxou, transformando-se de um gesto de controle para um simples toque.
Rafael levou a mão livre ao peito de Bruno, sentindo o coração bater forte e constante sob a palma.
— O reino... — sussurrou Rafael, a voz firme com uma nova e perigosa certeza. — Eu não quero mais tomá-lo.
Os olhos de Bruno buscaram os seus, questionadores, confusos.
— Eu quero que ele se renda. Voluntariamente.
Um sorriso lento, genuíno e devastador se espalhou pelo rosto de Bruno. Ele havia passado a vida inteira buscando o domínio através da força, da conquista. E ali estava Rafael, o único homem que ele não conseguiu quebrar, mudando as regras do jogo de uma forma que ele nunca poderia ter previsto. Oferecendo-lhe a única coisa que ele nunca soube que queria: uma capitulação que era, em si, a forma mais absoluta de poder.
A arqueologia havia terminado. Rafael não encontrara as fraquezas de um predador. Encontrara o coração dele. E agora, a verdadeira guerra, a batalha pela rendição voluntária de uma alma, estava apenas começando.
Continua...
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