Capítulo 8 — O Preço
O relógio na parede da sala de estar de Rafael marcava nove e quinze da noite. O som da cidade, abafado pelas janelas fechadas de seu apartamento no Itaim Bibi, era um zumbido distante e impessoal. Diferente da cobertura do Aurora, aqui não havia uma vista panorâmica para a guerra lá fora; havia apenas o silêncio controlado de sua vida, o cheiro de livros, madeira polida e a solidão organizada que ele chamava de lar.
Ele não fora para o hotel. Ir seria obedecer a uma ordem, e depois da vitória na Sala de Guerra, ele não estava mais disposto a ser apenas o convocado.
Ele serviu-se de uma dose de uísque — seu uísque, em seu copo — e sentou-se em sua poltrona de couro, o celular sobre a mesa de centro. A rendição era mútua, sim, mas os termos ainda estavam sendo negociados. O aparelho vibrou, o nome de Bruno iluminando a tela escura. Rafael ignorou a chamada.
Um minuto depois, uma mensagem.
"Onde você está?"
A pergunta não era uma ordem, mas um reconhecimento de sua ausência. Havia uma pitada de impaciência, talvez até de vulnerabilidade, que fez o coração de Rafael acelerar. Ele poderia terminar ali. Poderia ignorar, e talvez, com o tempo, a febre passasse. Mas ele sabia que era uma mentira. Ele não queria a cura. Queria a doença. Com os dedos firmes, digitou seu endereço e enviou. Um ato de suicídio e de poder absoluto. Ele não estava indo até Bruno. Estava fazendo Bruno vir até ele.
Vinte e sete minutos depois, o interfone tocou.
A presença de Bruno no apartamento de Rafael era uma anomalia, uma força da natureza contida em um ambiente de ordem e intelecto. Ele entrou devagar, o olhar percorrendo o espaço: a estante de livros que ia do chão ao teto, a iluminação indireta, a ausência de desordem. Não era um quarto de hotel impessoal; era o santuário de Rafael, e Bruno, pela primeira vez, era o invasor.
Ele vestia a mesma roupa do escritório, mas o cansaço do dia e a frustração da espera haviam vincado o tecido e a sua expressão. Ele parou a poucos metros de Rafael. O ar estava denso com o não dito.
— Aqui é... silencioso — disse Bruno, a voz mais baixa que o habitual.
— Eu gosto de silêncio — respondeu Rafael. — Me ajuda a pensar.
— E no que você estava pensando? — Bruno deu um passo à frente, o cheiro dele — suor, perfume caro e pura masculinidade — começando a preencher o espaço, a contaminar a ordem de Rafael.
— No preço — disse Rafael, encarando-o. — Em qual seria o preço de tudo isso.
Bruno sorriu, um sorriso sem humor. — E descobriu?
— Estou começando a achar que o preço é a única coisa que me interessa pagar.
Foi a única confissão necessária. Rafael deixou o copo na mesa e foi até ele. O beijo que se seguiu não foi de fúria nem de luxúria desenfreada. Foi hesitante, quase questionador, como se ambos estivessem tateando no escuro, aprendendo a gramática de um novo idioma. As mãos de Rafael não foram para os cabelos de Bruno em um ato de raiva, mas para seu rosto, o polegar traçando a linha de sua mandíbula.
Bruno, por sua vez, não o agarrou; suas mãos pousaram na cintura de Rafael com uma surpreendente gentileza.
Eles se despiram lentamente, no meio da sala de estar de Rafael, sob o olhar de centenas de autores silenciosos nas prateleiras. As roupas caíram no chão de madeira, uma poça de tecido escuro. Nus, eles não eram rivais. Eram apenas dois homens presos na mesma órbita de necessidade.
Desta vez, foi Rafael quem o guiou para o tapete felpudo. Foi ele quem o deitou, quem se posicionou sobre ele, invertendo o roteiro de todas as noites anteriores. Ele explorou o corpo de Bruno com uma curiosidade quase acadêmica, beijando os músculos do peito, a curva do quadril, descendo até o membro que latejava de desejo. Ele queria entender a fonte do poder de Bruno, prová-la, e ao fazê-lo, tomá-la para si.
O sexo foi diferente. Mais lento, mais profundo. Era uma conversa de corpos, uma negociação de poder e prazer. O som da pele, os gemidos abafados e os suspiros se misturavam ao silêncio do apartamento. Quando chegaram ao clímax, foi juntos, um emaranhado de membros e suor, os olhos fixos um no outro, em um reconhecimento mudo de que haviam cruzado um limiar final.
Ficaram ali, deitados no chão da sala, o mundo exterior esquecido. Por um instante, existia apenas o som de suas respirações e o calor dos corpos. A paz era precária, mas real.
Foi quando o celular de Rafael, esquecido na mesa de centro, tocou, o som estridente rasgando o silêncio como uma navalha.
O nome na tela fez o sangue de Rafael gelar: "Antônio Alencar - Presidente do Conselho".
Ele se desvencilhou de Bruno, o corpo subitamente frio, e atendeu, a voz tentando soar profissional.
— Alencar. Boa noite.
Do outro lado, a voz do velho era grave e não admitia recusas.
— Rafael. Espero não interromper. Uma decisão foi tomada. Quero você e o Bruno na minha sala amanhã. Oito da manhã. Sem atrasos.
A ligação terminou e o celular de Bruno recebeu a mesma ligação. O silêncio que caiu na sala era agora pesado, gélido. A paz havia se estilhaçado.
Bruno se sentou, o corpo tenso.
— Uma reunião. Amanhã. Oito da manhã — disse Rafael, a voz vazia. — Nós dois.
O preço. Ali estava ele.
Não era a perda do cargo. Era aquele momento. O momento em que a intimidade crua de seus corpos no chão era invadida pela realidade fria e implacável da guerra que eles ainda travavam. O preço era a impossibilidade de ter os dois mundos. A impossibilidade de serem amantes sem serem inimigos.
Eles se levantaram em silêncio e começaram a se vestir. O ritual de abotoar as camisas, fechar os zíperes, calçar os sapatos. A armadura sendo reconstruída, peça por peça. Não se olharam. O cheiro de sexo no ar agora parecia o cheiro de uma conspiração que estava prestes a ruir.
Bruno parou na porta, já vestido, já o rival novamente.
— A gente se vê amanhã, então.
A frase era neutra, mas soou como uma declaração de guerra. A trégua havia acabado.
Continua...
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