Inimigo intimo - Rendição velada (Pt 7)

Da série Inimigo Íntimo
Um conto erótico de Regard
Categoria: Gay
Contém 1099 palavras
Data: 23/06/2025 18:59:36

Capítulo 7 — Rendição Velada

A manhã seguinte trouxe um céu de chumbo sobre São Paulo, um reflexo perfeito do peso que se instalara na alma de Rafael. Ele acordou antes do despertador, num quarto de hotel que já não parecia impessoal. O ar estava impregnado com o cheiro de pele, de lençóis de algodão egípcio amarrotados e do resquício agridoce da noite anterior. Na imensa janela, a chuva fina redesenhava as marcas que seus corpos haviam deixado no vidro, uma obra de arte efêmera e transgressora.

Ele passou a mão pelo rosto, o corpo uma sinfonia de dores sutis e prazerosas, e percebeu, com uma clareza desarmante, que o cheiro de Bruno era agora parte dele. Não era mais uma marca externa, mas uma alteração em sua própria química, um fantasma no paladar, uma memória nos nervos de sua pele. O pensamento que se formou em sua mente era um anátema para o homem que ele fora há uma semana: "Não dá mais pra fingir que isso é só uma guerra pelo poder." A guerra pelo cargo de CEO, o prêmio que por anos guiara cada um de seus movimentos, agora parecia um objetivo distante, quase trivial. A verdadeira batalha, a única que importava, era travada em suítes de hotel, salas de servidor e dentro de si mesmo. E ele estava perdendo. Ou, talvez, se rendendo.

Vestiu-se com a precisão de um autômato. Cueca boxer preta, nova. Camisa azul-clara, colarinho impecável. O terno cinza-chumbo, perfeitamente ajustado. A armadura do executivo. Mas enquanto se olhava no espelho, Rafael via as rachaduras. Por mais que camuflasse o exterior, por dentro estava indelevelmente marcado. E a parte mais aterrorizante era o desejo pulsante e faminto por mais.

No escritório, a rotina polida da Omnia Corp seguia seu curso implacável. Telefones tocando com discrição, reuniões agendadas com eficiência, o aroma de café caro no ar. Uma normalidade que, para Rafael, parecia uma farsa elaborada.

Ele sentia-se como um agente infiltrado, guardando um segredo sujo e explosivo no coração daquele ambiente estéril.

Bruno chegou minutos depois, e sua entrada alterou a atmosfera da sala. Terno cinza-escuro, sem gravata, a camisa branca com o colarinho levemente aberto. A barba, perfeitamente desenhada, o cabelo impecável. Um predador disfarçado de civilização. Mas seus olhos, ao cruzarem com os de Rafael por cima das baias, tinham a mesma intensidade da noite anterior. Eram cúmplices. Carregados de uma memória compartilhada.

A tensão, que antes era um segredo entre os dois, começava a vazar. Juliana, ao entregar um relatório a Rafael, demorou o olhar. Ela notou a forma como os ombros de Rafael se enrijeceram com a proximidade de Bruno, e como este, ao passar, deixou sua mão pairar por uma fração de segundo sobre as costas da cadeira de Rafael, um gesto que não era um toque, mas a sombra de um. Pequenos gestos, invisíveis para a maioria, mas para um observador astuto, eram o suficiente. Ela sabia que algo havia mudado fundamentalmente.

O verdadeiro teste veio à tarde. Eles foram convocados para a "Sala de Guerra", uma pequena sala de estratégia com paredes de vidro, para finalizar a apresentação do projeto de expansão. Apenas os dois, trancados por horas, com a missão de dissecar planilhas e consolidar dados. A proximidade forçada e prolongada era uma nova forma de tortura.

O calor do corpo de Bruno ao seu lado era uma distração constante. O cheiro sutil de seu perfume misturado à pele.

Por uma hora, eles trabalharam em um silêncio tenso, cada um em seu notebook. Mas o impasse veio. A abordagem de Bruno para o mercado europeu era agressiva, baseada em força e investimento massivo.

"Isso é força bruta, Bruno. Um desperdício de capital. Queimar pontes antes mesmo de construí-las", disse Rafael, a voz cortante, aliviado por voltar a um terreno que dominava.

"É sobre impacto, Rafael. Chegar mostrando quem manda."

"Não. É sobre inteligência." Rafael se levantou. Pegou um marcador e se postou diante do enorme quadro branco que dominava a parede. E ali, em seu elemento, o poder mudou de mãos.

Por uma hora, Rafael comandou. Sua caligrafia era precisa, seus gestos, econômicos e cheios de autoridade. Ele desenhou gráficos, fluxos, conectou dados, sua mente estratégica trabalhando a toda velocidade. Ele desconstruiu o plano de Bruno não com desprezo, mas com uma lógica fria e irrefutável, e depois construiu uma nova estratégia, mais elegante, mais letal, mais inteligente.

Pela primeira vez, Bruno ficou em silêncio. Sentado, ele observava. Não o quadro, mas Rafael. Ele via a paixão que Rafael tinha não por ele, mas por aquilo: pela ordem, pela estratégia, pela vitória intelectual. Via a forma como os olhos de Rafael brilhavam ao conectar uma ideia complexa, a maneira como ele gesticulava, o corpo antes tenso agora fluido e cheio de um poder diferente, um que Bruno não podia igualar com músculos ou intimidação. E no rosto de Bruno, uma expressão nova surgiu: uma mistura de frustração, respeito e uma admiração relutante que era, em si, uma forma de desejo. Ele não estava apenas vendo um rival. Estava vendo o homem por trás da fachada.

Quando Rafael terminou, o quadro branco era uma obra-prima de estratégia. Ele se virou, ofegante pela adrenalina intelectual, e encontrou o olhar de Bruno. O ar na sala estava elétrico, mas a corrente era outra.

"Ok", disse Bruno, a voz rouca. "Faça do seu jeito." Foi a maior concessão que ele já fizera.

A reunião acabou. Esgotados, eles arrumaram suas coisas em silêncio. Bruno saiu primeiro, sem esperar. A batalha na Sala de Guerra havia terminado com a vitória de Rafael.

Mas no instante em que Rafael guardou seu notebook, seu celular pessoal, deixado sobre a mesa, vibrou. Não era o dele.

Era o de Bruno. Ele havia trocado os aparelhos. Uma mensagem na tela de bloqueio:

"Você domina no seu campo. Eu domino no meu. 21h. Cobertura. Última vez."

Rafael pegou o aparelho, o coração martelando. O cheiro de Bruno estava no metal e no couro da capa. A rendição agora não era uma fraqueza, era uma escolha. Uma resposta a um desafio entre iguais. Ele respirou fundo, digitou a resposta e colocou o celular no bolso.

Ele encontrou Bruno perto do elevador, entregando-lhe o aparelho.

"Você esqueceu isso."

Bruno pegou o celular, o seu próprio já na mão, e leu a resposta de Rafael na tela.

"Nem finge que vai ser a última."

Um sorriso lento, perigoso, se espalhou pelo rosto de Bruno. Ele olhou para Rafael, um olhar que era ao mesmo tempo uma promessa de submissão e de guerra.

A rendição estava selada. E era mútua.

Continua...

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Comentários

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Maravilhoso quanta adrenalina, jogo de poder e sedução, combinação perfeita.

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