O sol atravessava a cortina fina do quarto, tingindo os lençóis com um dourado suave. Matheus abriu os olhos devagar, sentindo no corpo a lembrança da noite anterior — o sexo, o vinho, os olhares que falaram mais do que qualquer promessa. Ao virar-se, viu Amanda dormindo ao seu lado, os cabelos bagunçados sobre o travesseiro, o rosto sereno, vulnerável.
Por um instante, desejou não pensar em nada. Só sentir. Só viver ali, naquela imagem tranquila. Mas a mente já tinha iniciado sua rotina de conflitos, como se a paz fosse proibida por muito tempo.
"Ela o reencontrou."
A ideia surgia como um sussurro irritante, como uma porta que rangia ao vento. Tentava afastar, mas ela voltava, sempre mais clara. Cadu. O nome agora tinha forma, presença, cheiro, voz. Amanda o viu. Conversou com ele. Sentiu coisas. E teve coragem de lhe contar.
"Ela me contou. Não mentiu."
Mas isso não bastava para acalmar o que queimava por dentro. Sentou-se na cama, olhou o corpo nu de Amanda parcialmente coberto pelo lençol, e uma fisgada o atingiu: não era medo de ela amá-lo menos — era o medo de ela descobrir outro tipo de amor. Um desejo não resolvido, uma memória adormecida que, ao despertar, poderia vir com força demais.
Seguiu em silêncio até a cozinha. Passou o café como de costume, mas com gestos mecânicos. Colocou duas canecas sobre a mesa e esperou. Amanda apareceu pouco depois, com os olhos ainda sonolentos, vestindo uma das camisetas dele, larga e puída. Sorriu ao vê-lo, um sorriso que ele retribuiu, mas sem a mesma firmeza.
— Dormiu bem? — ela perguntou, pegando a caneca com as duas mãos.
— Dormi — ele respondeu, olhando para o fundo da xícara. — Você?
Amanda assentiu e sentou-se à frente dele. Por alguns segundos, só se ouviu o som dos dois soprando o vapor do café. A naturalidade deles ainda estava ali — mas coberta por uma névoa de tensão tênue, como se ambos soubessem que qualquer movimento poderia romper algo delicado.
Matheus observava Amanda com olhos de amante e de estranho. Queria compreendê-la. Queria invadi-la por dentro e saber o que, de fato, tinha ficado daquele reencontro. Mas tudo o que ela lhe dissera ainda ecoava de forma embaralhada.
"Um fantasma do passado..."
"Alguém que me balançou e que nunca consegui explicar o porquê."
Ele não sabia o que fazer com isso. Parte dele a admirava pela honestidade. Outra parte o destruía por dentro com a imagem de Amanda sendo levada por outra memória, outro desejo. Queria perguntar mais. Queria questionar o que, de fato, ela sentiu. Mas não agora. Não ali, com a luz da manhã pintando uma calma falsa sobre tudo.
Ela tocou sua mão por cima da mesa.
— Obrigada por ontem.
Matheus olhou para ela. Sorriu. Mas no fundo... era como se aquela gratidão soasse como um pedido de desculpas antecipado.
A tarde avançava lenta, como se o mundo ao redor tivesse desacelerado para dar espaço ao turbilhão que se passava dentro dele.
Matheus caminhava pela sala sem rumo. O silêncio da casa o pressionava, como se cada parede soubesse o que ele ainda tentava entender. Amanda estava no trabalho. Cadu também. E só o nome daquele homem já parecia ocupar espaço demais entre eles.
"Será que ela pensou nele hoje? Será que ficou lembrando do jeito que ele a olhava? Do que viveram?"
Ele sentia o peito apertado. Uma dor antiga e infantil, que ele não lembrava de ter sentido nem em relacionamentos anteriores. Mas agora era diferente. Porque Amanda não era uma namorada qualquer. Era sua mulher. Sua parceira. Seu tudo.
E, paradoxalmente, esse tudo era também o motivo da dor.
Matheus sentou-se no sofá e levou as mãos ao rosto. Estava exausto. O cansaço de quem ama e precisa entender limites que nunca imaginou ter que traçar. Mas entre a dor, uma fagulha de algo mais sombrio e intenso se acendia. Uma imagem o atravessou: Amanda com Cadu. Não como traição, mas como libertação.
Ele não queria ver. Não queria aceitar.
Mas aquela fantasia entrava como uma brasa quente em sua mente. Amanda entregando-se ao desejo. Amanda despida por outra história. Amanda, livre, forte, viva. Não por falta de amor... mas por excesso de algo que ele ainda tentava nomear.
"E se eu não permitir que ela tenha o fim dessa história?"
Essa pergunta surgiu como um soco.
"Será que ela conseguiria seguir comigo... sem que aquilo ainda a afetasse?"
Talvez, ao impedir, ele acabasse virando o vilão da história dela. Talvez ele mesmo acabasse preso a um ressentimento que nem sabia descrever. Amanda tinha sido clara: não queria traição, não queria segredo, não queria se perder — mas também não queria se afogar no medo.
E ele?
Ele a queria por inteira. Mesmo que isso significasse atravessar o fogo.
As imagens continuavam vindo, como flashes sensuais e perturbadores. Amanda mordendo os lábios. Amanda arqueando o corpo sob o toque de outro. Amanda voltando para ele com os olhos brilhando por algo que só o tempo poderia apagar.
Ele odiava tudo aquilo.
Mas, no fundo, também... excitava-se.
Não era loucura? Não era doença? Ou era apenas a forma mais crua do amor — aquela que se mede entre a posse e a liberdade?
Ele se levantou de novo. Precisava pensar. Precisava respirar. Precisava dela. Mas quando? E de que forma?
O celular vibrou. Era uma mensagem curta de Amanda:
“Chego em casa em meia hora. Podemos conversar?”
Ele olhou para a tela por longos segundos antes de digitar:
“Sim. Estarei te esperando.”
Amanda entrou no apartamento em silêncio. A luz da tarde invadia a sala com um tom morno, como se o mundo lá fora permanecesse calmo enquanto dentro dela algo ainda tremia. Matheus estava à mesa, terminando um café frio, o rosto carregado de pensamentos que pareciam não encontrar fim. Ao vê-la, apenas a fitou — sem falar, mas pedindo com os olhos que ela dissesse algo. Qualquer coisa.
Ela largou a bolsa sobre o encosto da cadeira, respirou fundo e se aproximou.
— Eu fui. Tomei café com ele.
Matheus não reagiu de imediato. Nem surpresa, nem reprovação. Era o tipo de silêncio que antecede uma verdade impossível de reverter.
— E aí? — ele perguntou, voz contida.
Amanda mordeu o lábio, caminhou devagar até a janela. Precisava do céu, do mundo aberto à frente, para não sufocar.
— Não aconteceu nada. A gente falou de trabalho. De como eu era sua monitora. Ele me levou para ver o campus, e eu fui lembrando... de tudo. Dos olhares. Da tensão. Das salas vazias, do toque que nunca aconteceu. Eu entendi, ali, que o que me consome não é ele. É o que ele representa: o desejo que nunca virou corpo.
Ela se virou para Matheus. Seus olhos estavam marejados.
— Eu quero você. Isso não muda. Mas esse desejo que Cadu desperta é físico, é mental... é um feitiço do que ficou inacabado. Eu preciso encarar isso. Terminar isso. E só posso fazer isso sendo honesta com você.
Matheus se levantou devagar. Seu corpo parecia carregar o peso da dúvida e do desejo ao mesmo tempo.
— Você quer transar com ele?
Amanda hesitou. O silêncio foi resposta.
— Mas não quer me deixar. Nem me trair.
— Nunca. Eu quero viver isso com você. Do nosso jeito.
Ele aproximou-se. Os olhos fixos nos dela, como se procurasse algum sinal de mentira, de fuga, mas tudo que encontrou foi verdade.
— Isso é loucura — murmurou. — Mas amar você também é. Sempre foi.
Amanda sorriu fraco, aliviada por ser acolhida, mesmo sem merecer certezas.
— Eu só não quero que a gente se perca no meio disso.
— Nem eu — respondeu Matheus. — E é por isso que agora… eu preciso de você. Aqui. Agora.
Ela assentiu, e ele a puxou com firmeza, os lábios colidindo em um beijo cheio de urgência e alívio. As mãos de Matheus encontraram sua cintura, depois as costas, depois a nuca, como se quisesse segurar todas as partes dela ao mesmo tempo.
O jantar improvisado, as palavras carregadas de tensão, a dor e o amor misturados — tudo isso se dissolveu à medida que os corpos se aproximavam. Ele a levou até a sala, a deitou devagar sobre o tapete, entre almofadas jogadas e a penumbra quente que entrava pela janela.
Ali, Matheus despiu Amanda como quem abre um presente que esperou por anos. Beijou cada parte dela com reverência — o pescoço, os ombros, o colo — e quando chegou entre suas pernas, não teve pressa. A língua dançava como quem decifrava um segredo, e Amanda arqueava o corpo, os dedos emaranhados no cabelo dele, pedindo mais.
Ela veio pela primeira vez ainda sob sua boca, em um gemido abafado e trêmulo. Matheus subiu por seu corpo, os olhos cravados nos dela, e a penetrou devagar, sentindo cada centímetro dela recebê-lo com calor e entrega.
Não foi uma foda. Foi um rito. Um pacto silencioso.
Ele se movimentava dentro dela com um ritmo hipnótico, ora lento, ora firme, sempre olhando em seus olhos, como se dissesse: “Ainda somos nós”.
Amanda sentia o corpo inteiro vibrar, o prazer se acumulando como maré alta. Os dois estavam tão conectados que pareciam dançar sem música. Ele a virou, a tomou por trás, as mãos firmes em sua cintura, os corpos suados, ofegantes, e quando ela virou o rosto para olhá-lo, Matheus se inclinou e sussurrou:
— Eu nunca vou deixar você sozinha nisso. Mesmo quando doer.
Amanda chorou. Mas não era tristeza. Era gratidão. Era o amor mais difícil de todos: o que sobrevive à verdade.
Ela gozou mais uma vez, o corpo inteiro tremendo, a respiração descompassada. Matheus veio logo depois, explodindo dentro dela com um gemido contido, a testa colada em suas costas, os dois arfando como se tivessem cruzado um deserto.
Depois, ficaram ali. Nus, entrelaçados. O cheiro de sexo no ar, o coração ainda em guerra, mas em paz um com o outro.
Amanda virou-se de lado e tocou o rosto dele.
— Seja o que for... a gente vai juntos.
Matheus assentiu, cansado e calmo.
— Até o fim.