Vamos Nós Três - Parte 17

Um conto erótico de calango86
Categoria: Homossexual
Contém 2389 palavras
Data: 22/03/2016 08:26:03

PARTE 17

Não deu nem tempo de me virar ou me levantar para cumprimentá-lo após as pancadinhas no ombro. Quando vi, o Leandro já havia dado um beijo na bochecha da Alexia, ao se abaixar para abraçá-la, e se dirigido para o outro lado da mesa, puxando a cadeira e falando com um sorriso no rosto:

– Não precisa se incomodar e ficar de pé, gente! Tá tão frio e vocês estão tão agarradinhos que dá dó desfazer esse embrulho.

A Alexia sorriu, soltou seu braço do meu e estendeu a mão por cima da mesa para alcançar a dele.

– Tava com saudades de ouvir sua voz, seu chato. Pelo telefone não é a mesma coisa – ela disse, enquanto acariciava os dedos do Leandro com os seus.

– Eu também, Alê. Já faz um tempinho, né?

Enquanto contemplava aquela demonstração de intimidade dos dois, reparei que o Leandro evitava me olhar. Além disso, ter chegado pelas minhas costas e me cumprimentado com um aperto no ombro pareceu uma maneira de evitar contato direto. De certa forma, isso foi bom. Assim poderia fixar meus olhos nele sem receio de ser surpreendido por um cruzamento de olhares que me faria corar à vista de todos, mesmo no escuro. Acho que o vinho estava me dando coragem para cometer essas indiscrições. O Leandro trajava uma camisa polo preta, calça jeans bem escura e sapatênis brancos. Junte-se tudo isso ao seu sorriso à luz de velas e fica clara a razão de meus olhos serem magnetizados pela sua figura. A fala da Alexia me retirou desse estupor mental:

– E cadê o ser misterioso que finalmente acorrentou seu coração?

– O César foi estacionar o carro e já deve tá chegando – o Leandro falou se erguendo um pouco da cadeira e esticando o pescoço, procurando o namorado na entrada do jardim. – E vamos com calma nesse negócio de acorrentar porque a relação tá muito no começo. Ainda não entramos no regime fechado, é no máximo uma prisão provisória.

Tentei rir da piadinha, mas o som que soltei estava mais próximo de um grasnado esquisito do que de uma risada. Mais um ponto pro nervosismo. Então esse era seu nome. César.

– E me conta... Vocês dois, como estão? – e dessa vez ele olhou bem nos meus olhos quando fez a pergunta. Estremeci.

– Bem... Tá tudo de boa. Passamos na recuperação de português, comecei a fazer autoescola... Só falta descobrir o que quero fazer da minha vida, mas isso é mero detalhe... – respondi, interrompendo uma Alexia que estava doida pra falar.

– Du, você esqueceu de dizer que minha nota foi maior que a sua! E o mais importante: sem cola!

O Leandro riu e ergueu a palma da mão no ar pra que ela batesse, falando:

– Gostei de ver, Alê! Quer dizer que existe aprovação além dos papeizinhos com fórmulas e olhadas por cima dos ombros?

– Palhaço! Claro que existe, eu sou uma gênia! Mas só quando eu quero... – e jogou um pedaço de queijo canastra na direção dele, que desviou com uma gargalhada.

Eles seguiram conversando, relembrando sobre uma vez em que a Alexia foi pega colando dele e tiveram que explicar para o professor que ela estava, na verdade, tentando alertá-lo sobre um erro de impressão na prova. Enquanto isso eu, meio aéreo, continuava a beber vinho. A quantidade de vezes que a taça ia até meus lábios aumentou consideravelmente desde que ele havia se sentado conosco. Já ficando alto, via o Leandro emoldurado por contornos desfocados. Por alguns segundos, esqueci todas as cicatrizes emocionais e voltei a olhá-lo como fiz da primeira vez, no jogo de boliche. Estava tudo lá novamente: o riso fácil, os cabelos castanhos e revoltos, a mania que ele tinha de cruzar e descruzar os braços (que me fazia ter consciência de um fetiche por antebraços que eu nem sabia possuir até conhecê-lo). E também tinha aquele brilho no olhar... Eu só havia reparado que ele sorria com os olhos naquele momento, à meia-luz.

“Eduardo, não seja estúpido de cair nessa novamente! Você já tava esquecendo esse cara... Você tem namorada e ele tem namorado. E o mais importante: ele não te quer. Não te quer. Não te...”, e de repente meu monólogo interno foi interrompido pela chegada de um cara bem alto e de camisa social grafite.

– César! – e o Leandro se levantou, indicando a Alexia ao falar. – Eis aqui a “minha pentelha favorita”, famosa Alexia. E Alê, esse é o César, que finalmente me acorrentou.

– Muito prazer! – ele disse ao abraçá-la e beijar sua bochecha. Depois, deu um passo para trás, observou-a melhor e completou. – Uau! O Leandro disse que você era bonita, mas eu não esperava isso tudo. Você é linda, garota.

Ao ouvir o elogio ela pareceu mais simular vergonha do que realmente senti-la.

– Ai, meu Deus! Obrigada! Assim eu fico sem jeito... – e pensou em alguma piadinha para fazer; era sua maneira de descontrair a situação sempre que se tornava o foco das atenções. – E olha que eu esqueci meus filtros e meu photoshop antes de sair de casa!

– Mas da tonelada de maquiagem você se lembrou, né? Haha – brincou o Leandro, que se desviou do segundo pedaço de queijo atirado. Enquanto ríamos, ele se virou para mim e me apresentou para o César. – E esse aqui é o namorado da Alê, o Edu.

Demos um aperto de mão bem forte, ao mesmo tempo em que trocamos um “muito prazer” e “o prazer é meu, cara” de maneira efusiva da parte dele e apenas polida da minha. O cumprimento firme foi decorrência da força acima da média que ambos empregavam numa saudação. Havia descoberto um ponto em comum entre nós.

Com todos sentados à mesa olhando o cardápio, chamamos uma garçonete que estava no topo da escadaria. Leandro e César pediram cerveja enquanto eu pedi outra garrafa de vinho, mesmo com a Alexia insistindo que eu parasse de beber por não estar acostumado. Ela substituiu o álcool pelo suco de morango na esperança de que eu fizesse o mesmo. Minha namorada não entendia que eu não apenas queria, mas precisava beber. E naquela hora, com os dois na minha frente de mãos dadas por debaixo da mesa, mais do que nunca.

Enquanto bebíamos, decidimos pedir uma tábua de frios e um escondidinho de filé mignon com batata-baroa. Sem que eu visse, a Alexia também pediu uma água para a garçonete de forma discreta, alegando que eu precisava tomar junto com o vinho para não passar mal (“Meu bem, se você vomitar no táxi ao voltar pra casa eu nunca mais saio pra beber com você!”). A contragosto, cedi e tentei alternar uma taça de vinho com um copo d’água, mesmo que esquecesse às vezes. Para me lembrar, a Alexia trocava a posição das bebidas e ria quando eu colocava água na taça de vinho sem querer.

Durante a refeição, a conversa mudava mais que o figurino da Lady Gaga. Cada final de história era o gancho para que alguém se lembrasse de outra coisa, por vezes completamente diferente do assunto inicial. E foi assim que fomos do impeachment da Dilma até a decisão de fazer ou não o cachorro da Alexia cruzar, passando por todos os níveis de importância dentro dessa escala. Em um desses papos, enquanto o César falava de sua rotina de plantões como enfermeiro, reparei melhor nele. O cabelo, bem curto e de um castanho mais claro que o do Leandro, era espetado para cima. À exceção do nariz um pouco grande e das sobrancelhas muito espessas, ele tinha um rosto bastante bonito. Seu corpo também era em forma e eu podia apostar que ele o mantinha assim na base de jogos de vôlei, já que sua altura era a mesma de um boneco de Olinda.

O tempo foi passando, as taças de vinho foram se esvaziando e meu humor ficava mais azedo a cada carícia que o Leandro fazia ou recebia do namorado. Seja um apoio de mão na perna do outro, a limpada de canto de boca com o guardanapo que o César deu no Leandro, os selinhos que eles trocavam discretamente quando ninguém parecia ver. As risadinhas eram o pior. Risadinhas por algo que só eles sabiam, típico do estágio da relação em que tudo vira piada interna. Aquela intimidade de casal era insuportável para alguém que já havia sonhado tanto em fazer o mesmo com outro cara e não podia.

Assim que a conversa sobre profissões terminou e o violinista parecia fazer uma transição de músicas de casamento para músicas de funeral, o assunto mudou para o novo filme do Woody Allen que o Leandro tinha visto com o César no final de semana anterior.

– ... e então a personagem da Emma Stone termina o filme contando o que ela tava sentindo pra um estranho num banco de praça, que é o próprio diretor. Ela se abre e solta altas lágrimas de tristeza e raiva durante sua fala, mas conclui com um sorriso bem discreto. E é isso que deixa o final em aberto! – o César nos contava, empolgado e usando as mãos para gesticular e frisar alguns pontos. – Dá pra entender que ela vai terminar tudo com o cara e fazer o maior barraco, se você for uma pessoa mais cínica, ou imaginar que ela irá perdoar o sujeito e continuar o casamento, se tu tá mais pra romântico. E esse é o brilhantismo da cena, essa sutileza de deixar o desfecho nas mãos do telespectador, de acordo com a vivência e o histórico de cada um... Puts, eu acho genial, cara...

E então, esse foi o momento em que todo o álcool que eu havia bebido na esperança de superar aquela noite agiu contra mim. Com a cabeça girando e a voz começando a engrolar, soltei com a voz agressiva:

– Pfffff... Fala sério, velho! Pagar vinte contos no ingresso pra não saber o que aconteceu com o personagem do filme e ainda ser forçado a imaginar? Tá mais pra preguiça do diretor, isso sim – e completei, alheio à cara de tensão do Leandro e à mão da Alexia apertando meu braço. – E você ainda me vem com esse papo de “genial”? A palavra “ridículo” mudou de nome?

O César ia comer uma fatia de salame, mas foi pego tão desprevenido por meu ataque gratuito que repousou a comida de volta no prato. Desviou o olhar do meu rosto e, concentrando sua atenção no palito que tinha entre os dedos, tentou se explicar:

– Bom... Só quis dizer que acho interessantes esses filmes que fazem a gente pensar, que não entregam tudo mastigado... Mas cada pessoa pensa de um jeito, é claro...

– Pois eu acho que isso é conversa de gente metida a intelectualoide, na boa... Mas isso sou eu pensando do meu jeito, como você disse.

A verdade é que toda a intelectualidade que eu adorava no Leandro eu detestava ver no César. No fundo, o que eu odiava mesmo era não ser tão culto na presença do cara que eu era a fim. Já constrangida com minha falta de tato, a Alexia beliscou com força minha perna e disse enquanto afastava a taça de vinho para bem longe de mim:

– César, não liga pro que o Du fala, por favor! Ele é do tipo que só vê filme se tiver explosão ou super-herói, de preferência os dois juntos – e vendo que eu ia protestar após entender o que ela tinha dito em minha lentidão alcoólica, a Alexia já engatou outro assunto. – E aproveitando que esse filme falava sobre relacionamentos... Vocês ainda não contaram como se conheceram! Vamos lá, detalhes, detalhes, detalhes!

Um pouco embaraçado com a situação anterior e com essa pergunta, o Leandro falou primeiro:

– Então, Alê, foi numa festa de som barulhento e bebida barata – e continuou, arriscando uma piadinha para quebrar o gelo que eu tinha deixado com minha falta de noção. – Eu bem que gostaria de contar que foi em um parque durante o pôr do sol ou alguma parada mais romântica, mas foi numa festa mesmo. E...

– ... e o tema era aquele reality show de drag queen, sabe? Então só tocou músicas do RuPaul a noite toda. Como eu e Leandro éramos uns dos únicos que não sabiam as letras, acho que nos identificamos no meio da pista de dança. Calados e tentando pegar pelo menos o refrão – completou o César, rindo. E continuou, enquanto entrelaçava os dedos da sua mão com os do Leandro e piscava para ele. – Enfim, não foi o primeiro encontro mais original, mas mesmo assim será um dia que ficará na memória. 22 de fevereiro.

Assim que ele falou essa data eu levantei a cabeça, que estava abaixada e apoiada na mesa. Não fazia sentido. Por um momento, achei que a tontura causada pelo vinho tinha embotado meu raciocínio. Mas não, eu me lembrava daquele dia como se fosse ontem. O dia em que ficamos e que fui dispensado horas depois, em uma ligação de celular. Essa última vez que havia falado com o Leandro tinha sido em 17 de fevereiro, cinco dias ANTES deles se conhecerem. E ele havia me falado que já estava com alguém especial na época. “Por que... Por que razão você mentiu pra mim, Leandro”, minha voz interna berrava. Irritado por reparar nessa mentira e ainda mais por ter visto eles se beijando de língua assim que ergui a cabeça, falei de modo irônico:

– Não podia ser mais clichê, né? Dois gays se conhecem em uma festa e decidem largar a vida de balada juntos... torcendo... Hic! desculpem – e reprimi um soluço enquanto cobria a boca com as costas da mão. – Torcendo pra não caírem na tentação de trair um ao outro com o próximo que der mole na pista de dança. Ou que mijar do lado no mictório do banheiro.

E então tudo aconteceu de uma vez só. A Alexia falou bem alto “EDUARDO!”, o César deu um soco na mesa fazendo os copos tremerem e eu ameacei golfar em cima dos restos do jantar, já sentindo o vômito chegando e tapando a boca com as mãos. Antes que mais esse desastre acontecesse, saí em disparada para o banheiro, cambaleando. Mas não sem antes escutar o Leandro falar:

– Gente, esperem aqui que eu vou lá com ele!

(FIM DA PARTE 17)

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Comentários

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O Leandro me deu até raiva, já imagino o motivo disso: não magoat a alexia, maa ele ta sendo um idiota...

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Ai que raiva do Leandro,sem mentira nenhuma, cheguei tremer de ódio dele

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