Quando amar demais, ainda dói!

Um conto erótico de Mark da nanda
Categoria: Heterossexual
Contém 3900 palavras
Data: 19/12/2025 16:49:09

Os dias que se seguiram na casa de Felipe foram de um silêncio ensurdecedor. A casa, antes cheia de risos, cheiros, de passos apressados, de comidas carinhosamente preparadas, agora ecoava apenas os seus próprios movimentos. Ele agora vivia para o trabalho, saía cedo e voltava tarde, evitando os cômodos que carregavam memórias demais. Dormia no quarto de hóspedes, porque a suíte ainda cheirava a ela. Comia comida pronta ou pedia um “delivery” e foi assim que conheceu Rafaela, uma bela morena de olhos ferinos e língua ágil que passou a brincar com ele sempre que lhe entregava um lanche:

- Sou o quê?

- Desculpa, moço. – Pediu Rafaela, com leve tremor nos lábios.

- Não, não... Está tudo bem. Eu só não entendi a piada mesmo. Pode repetir, de boa...

- Ah, é que... – Ela deu um leve sorriso travesso e completou: - É que você parece um urso entocado. Só sai pra comer...

Felipe ficou surpreso, levemente invocado, mas sua invocação se transformou em sorriso e depois em uma gostosa risada. Sim, Rafaela foi a primeira que conseguira arrancar de Felipe o primeiro sorriso depois da separação. Mas ele não se sentia pronto para um relacionamento, aliás, ele se sentia insuficiente para qualquer mulher naquele momento. Felipe também conheceu Alceu, dono de uma adega, pois passou a comprar com maior frequência uma garrafa de uísque por semana, pois passou a bebê-lo em doses controladas, como quem medicava uma ferida aberta. A raiva inicial deu lugar a uma dor surda, constante, que latejava atrás dos olhos. Mas Felipe não chorava, não gritava, não falava. Apenas funcionava, como uma máquina que aprendera a ignorar o próprio desgaste e seguia até o dia em que inevitavelmente iria falhar.

Betão, por sua vez, também passou a carregar um peso, mas diferente do de Felipe, o amigo que magoara e que agora lhe fazia tanta falta. Voltara para o pequeno apartamento que alugara após a morte de Marina, um lugar que nunca conseguira tornar um lar de verdade. As paredes nuas, a cama desarrumada, o cheiro de pó misturado ao suor de academia. Ele treinava até o corpo doer, como se a dor física pudesse apagar aquela que viu nos olhos de Felipe.

Betão também passou a ligar para Anália todos os dias, como se ela fosse a solução de todos os males. Mal sabia ele que ele fora o mal maior causado a ela. Betão mandava mensagens curtas, médias, longas, verdadeiras declarações que talvez nunca tenha mandado sequer para Marina. Pedia para vê-la. Prometia que juntos poderiam se amparar. Jurava que agora ele queria fazer tudo certo e mais do que isso, que ele queria fazê-la feliz de verdade. Sonhava com ela desde aquele fatídico dia, e agora que a tinha sentido, mesmo que por caminhos tortos, não queria abrir mão. A culpa existia, sim, mas era abafada pelo desejo antigo, pela sensação de vitória tardia. Não! Vitória não, talvez um empate técnico. Ele tentava se convencer dia após dia de que Felipe entenderia seus sentimentos e suas ações com o tempo. “Irmãos de verdade perdoam”, pensava.

Anália, assim que foi expulsa de casa por Felipe, não aceitou ficar com Betão. Ela estava confusa, mas mais do que isso, o culpava por seu infortúnio. A seu pedido, Betão a levou até à casa de seus pais, munida apenas de malas e olhos inchados. A mãe, Dona Lúcia, mulher prática e de palavras doces, abriu a porta e, ao vê-la naquele estado, a abraçou forte, sem perguntas, sem condições. O pai, Seu Geraldo, não se conformou e cobrou respostas:

- Como assim não pode falar?

- Seu Geraldo, é... complicado. – Dizia Betão: - Talvez amanhã a Anália te responda, mas eu não me sinto em condições de falar sobre isso.

- Você sabe de alguma coisa?

Betão respondeu com um aceno, desviando o olhar:

- E por que não pode me contar? Cê tá envolvido nisso, Betão?

Betão negou com um movimento de cabeça, sem coragem de encarar o pai de Anália:

- Estranho, hein!? Mas eu vou descobrir, nem que eu tenha que pegar o Felipe pelo colarinho. Eu vou descobrir.

Sem respostas, Seu Geraldo passou a carregar suas coisas para o antigo quarto da filha. Anália disse apenas que o casamento acabara, que precisava de um lugar para ficar. Mentiu que fora uma decisão mútua, que as coisas simplesmente acabaram. A vergonha a impedia de olhar nos olhos deles por mais de segundos sem arder em lágrimas que pareciam incandescentes.

Nos dias seguintes, os pais de Anália passaram a cobrar respostas, mas a filha, sem coragem de assumir a traição, desviava, e quando eles a pressionavam, ela chorava. O pior é que eram lágrimas sinceras, de arrependimento, de saudade do marido que amava mais do que ela própria imaginava.

Betão, por sua vez, não desistiu. Aparecia na porta da casa dos pais, mandava flores, mensagens de voz chorosas à meia-noite. Insistia que agora era a chance deles, que o destino corrigira o erro do passado. Anália resistia, pois o amor por Felipe era mais forte. Mas esta frágil, vulnerável. O casamento destruído, a culpa que a corroía, a saudade confusa do corpo de Betão, tudo tornava uma decisão definitiva ainda mais difícil. Numa noite chuvosa, após mais uma discussão interna com sua consciência, decidiu que conversaria com Betão e pediria para ele a esquecer. Marcou de ir ao apartamento dele “só para conversar”.

Não conversaram muito.

Betão a recebeu vestido exemplarmente: calça jeans, sapatênis, camisa polo e um sorriso de comercial de pasta de dentes. O perfume era o de sempre, um estilo mais forte para ocultar um pouco do odor de seu corpo malhado. Um buquê de rosas vermelhas brilhava em suas mãos. Ela aceitou o mimo e não conseguiu evitar de correr o olhar por todo aquele corpo que já conhecia tão bem. Foi inconsciente, sem maldade, sem pretensão. Mas a porta se fechou atrás de si, Betão a encostou na parede, beijando-a com fome. Anália tentou resistir e por segundos conseguiu, mas o corpo respondeu antes da mente falar. As mãos dele passaram a despi-la com urgência, como quem recupera um tesouro perdido.

Da sala para a cama foram sem registros, um branco se instalou em sua cabeça. Lá, Betão a devorou com a mesma intensidade de sempre. Lambeu cada centímetros de sua buceta, desde o clitóris até o ânus, que ele fazia questão de beijar e chupar, pois ele fora o primeiro, o maior, o dono daquela lembrança. Já nua e sendo chupada como uma manga, Anália chegou ao primeiro orgasmo, travando as pernas na cabeça de Betão. Ele se deitou e a puxou a cabeça dela para seu pau, altivo feito um carvalho, duro feito pedra, imbatível feito o ferro fundido. Anália se sufocou chupando, lacrimejou, mas não retrocedeu até vê-lo gemer seu nome em forma de prosa e verso. Ele queria mais e a puxou para si, para o beijo dos pecadores. E a penetrou, profundamente. O pau de Betão não encontrava resistência na excitação de Anália e embora ela tenha hesitado por um instante, agora ela também o queria, seu corpo era réu confesso.

Ali, sendo comida, violada, praticamente abusada pela violência das penetrações, ela gritou nomes proibidos, inclusive, o do próprio marido. Ela gozou chorando, ele gozou sorrindo. Mas a noite prosseguiria e ele gozaria outra vez, fazendo-a beber todo o seu leite como uma cadela adestrada, marcando território e ela perderia a conta dos orgasmos. No final, só restaria um corpo marcado, trêmulo e uma mente em branco. Dormiram entrelaçados, suados, gozados, sujos, como se o mundo lá fora não existisse ou não importasse.

Na manhã seguinte, Anália acordou com o sol batendo em seu rosto através da janela empoeirada. Olhou para Betão dormindo, o rosto sereno, o pau duro talvez de algum sonho com ela, e sentiu náuseas. Ela suspirou profundamente, culpando-se por ter ido até seu apartamento, culpando-se por não ter dito um não sequer. Vestiu-se em silêncio, pegou um Uber e voltou para a casa dos pais. Chegou pálida, os olhos vazios, os cabelos desgrenhados, o cheiro dele ainda na pele.

Dona Lúcia estava na cozinha. Olhou para a filha e não precisou perguntar muito:

— Você traiu o Felipe, não foi?

Anália tentou expressar surpresa, mas nada mais conseguiu que uma cara de pau:

- Você traiu o Felipe com o Betão, não foi?

Anália tentou negar, mas a voz falhou. Sua consciência, embora confusa, sabia que mentir para a mãe estava fora de questão. Omitir era um erro menor, mas mentir, nunca! Por fim, ela desabou. Chorou como criança, contou tudo: o motel, a edícula, a traição repetida, o flagra e o fim do casamento. Dona Lúcia ouviu em silêncio, o rosto endurecendo a cada detalhe. Quando a filha terminou, apenas disse:

- E você esteve com esse filho da mãe até agora, não foi?

Anália apenas anuiu. Sua mãe olhou para o teto, mordeu os lábios para se causar dor e não à filha infiel. Depois a encarou, tentando manter o monstro da raiva contido:

— Vai tomar um banho! E tira esse cheiro de perversão do corpo. Depois a gente conversa.

O banho foi longo. Anália pensava que talvez sua mãe desistisse, mas ela não desistiu. Esperou pacientemente sua filha retornar e quando retornou, a conversa entre mãe e filha foi das mais difíceis que alguém poderia ter. Acusações. Condenações. Lembranças de exemplos não seguidos. Dona Lúcia não aliviou para desespero da filha. Mas quanto mais ouvia, mais entendia o tamanho da dor que causara a Felipe e concluiu que, no mínimo, lhe devia um pedido de perdão, sincero, de alma e coração. As lagrimas da filha, enfim, tocaram o coração da mãe, e ela a abraçou, acolhendo-a como quando criança.

Naquela noite, Dona Lúcia, após o jantar, e na presença de Anália, contou ao marido, Seu Geraldo, o motivo da separação dela e Felipe. Seu Geraldo não acreditou de imediato. Sorriu. Pensou que fosse uma piada de mau gosto da esposa. Mas o olhar envergonhado da filha mostrou a ele uma realidade que nunca imaginara. Ele se levantou, esbravejando, e chegou a tirar a cinta da calça para dar um corretivo na filha. Anália, mesmo surpresa, aceitou seu destino. Era pecadora, traiçoeira, e o açoite seria o menor de suas penas. Mas Dona Lúcia se agarrou ao peito do marido, abraçando-o com força, cochichando palavras de apego e perdão em seu ouvido. Ele cedeu e sozinho no banheiro, vomitou naquela noite, com nojo da própria filha.

A partir daquele dia, Dona Lúcia tornou-se muralha para Anália. Atendia o telefone e execrava Betão. Se ele ousasse bater na porta, mandava-o embora como a um cão sarnento. Quando ele quis enfrenta-la, ameaçou chamar a polícia, porque se contasse ao Seu Geraldo, Betão correria o risco de enfrentar o capeta na sequência.

Betão parou de ir a porta da casa dos pais de Anália, mas não de tentar contato. Anália contou à mãe e pediu conselho:

- Como é que é!?

- Não sei, mãe, mas ele... o Betão... Ele me disse que me amava desde antes de eu conhecer o Felipe. Sei lá. Talvez seja melhor eu... lhe dar uma chance...

- Cê só pode tá mangando de mim!

- A senhora acha que...

- Acho que cê precisa se tratar. Uma psicóloga. Isso! A Marisinha, filha da Tomásia, tá clinicando faz anos. Cê vai falar com ela.

Dona Lúcia Convenceu Anália a procurar a psicóloga. As sessões começaram tímidas, mas logo se aprofundaram.

A dra. Marisa, mulher de voz calma, fez Anália revisitar cada momento, mesmo que dolorosa a lembrança, na busca de se entender. A primeira vez, no motel, concluíram que foi fruto de uma decisão impulsiva, errada, pois baseada no álcool, num momento de raiva contra Felipe. Anália culpou Betão:

- Sim, ele abusou de sua confiança, da dos dois na verdade. Mas será que ele foi o único culpado? Você podia ter resistido, não podia? Ou ele te forçou, te violentou?

- Não... – Anália suspirou: - Não houve violência, não fui forçada, nem nada. Eu bebi, estava confusa, mais fraca, mas sabia o que estava fazendo.

- Valeu a pena?

- Olha o inferno que a minha vida se tornou. – Falou Anália, consternada.

- Valeu a pena?

Anália suspirou e deu uma resposta que surpreendeu a ela mesma:

- O sexo foi bom, mais do que eu imaginava, mas não o suficiente.

- E por que não parou?

- Eu queria ter parado. Falei para o Betão que iria confessar tudo ao Felipe e pedir seu perdão. Eu... Eu iria falar que foi a bebida, confusão, sei lá...

- E por que não falou?

Novo suspiro, profundo, buscando respostas no fundo da alma:

- Porque na edícula, o Betão confessou que sempre me amou, desde antes de eu conhecer o Felipe. Isso... mexeu comigo.

- Como assim?

- Não sei explicar... Mas acho que saber que um homem te ama, mexe com o nosso ego e o Betão, ao falar que me amava desde antes do Felipe, e que nunca me esqueceu, somado ao sexo que foi realmente muito bom, me fez... querer mais.

A psicóloga anotou algo em seu caderno, olhos fixos numa verdade analítica que somente a ela cabia saber. Depois, encarou Anália e fez uma pergunta que a desconcertou:

- Você ama o Felipe?

A surpresa nos olhos de Anália nem precisariam de confirmação, mas ela a deu mesmo assim:

- De todo o meu coração.

- Ok... – Marisa anotou mais alguma coisa e a olhou por cima dos óculos: - E você ama o Betão?

Anália fechou a cara e ia negar, mas algo dentro de si a segurou e a fez encarar a psicóloga em dúvida. Sua resposta foi a similaridade oral de seu semblante:

- Nã-Não... Acho que não...

- Acha!? Por quê?

- Porque... não sei.

Marisa então perguntou sobre o sexo com Felipe e Anália explicou que sempre foi muito bom, mas que, depois, passou a ser mais comedido:

- Comedido? – Insistiu a psicóloga.

- É. Ele... – Anália buscou uma palavra: - Ficou previsível demais. Ele não me procurava sempre e quando a gente fazia amor era meio... mecânico. Era carinhoso, mas... Sabe quando não tem aquela pegada?

- Mas era ruim?

- Não. Não era ruim. Só que com o Betão era diferente. Ele tinha desejo, intensidade. Ele fazia sexo para me dar prazer, sabe? Ele se esforçava mesmo. Ele demonstrava que me queria e me usava até me fazer... – Ela ficou vermelha, suspirou e falou: - Até me fazer gozar.

- Entendo... – Disse Marisa, novamente anotando: - Mas amantes tentam se provar melhores que nossos parceiros, Anália. É instintivo. Eles capricham para terem a chance de repetir.

- É... – Anália concordou e a surpreendeu: - Mas o Felipe, às vezes, parecia que tinha medo de mim. Sei lá... Medo de me machucar.

Marisa anotou algo em seu caderno e pensou com a caneta na boca por instantes:

- Felipe foi o seu primeiro homem?

- Não, em nada.

- Como foi sua primeira experiência?

- Foi... normal. Acho... – Anália mordeu o lábio e completou: - O pior é que a única coisa em que eu poderia tê-lo deixado ser o primeiro, acabei negando.

- Não entendi... – Disse Marisa, ajeitando o óculos enquanto a encarava.

- Sexo... anal. Eu era virgem quando comecei a namorar o Felipe e, mesmo depois de casados, a gente...

Marisa a encarou, colocando dois dedos a frente da boca e concluiu:

- Betão?

- Foi... – Respondeu Anália, cabisbaixa.

- O Felipe... sabe disso?

Anália não tinha certeza, mas também não duvidava. Por isso, deu de ombros. Instalou-se um breve silêncio entre elas, enquanto Marisa observava Anália chorar em silêncio, olhando para uma parede. Quando ela se acalmou e a encarou, Marisa perguntou:

— E você já conversou com Felipe? Já pediu perdão de verdade? Já explicou o que sentiu?

Anália balançou a cabeça, negando. Explicou que tentara contato com o marido, mandando mensagens, fazendo ligações, mas ele ignorava, atendia e encerrava chamadas. A dra. Marisa insistiu:

— Você precisa fechar esse ciclo. Não para voltarem, necessariamente. Mas para seguir em frente sem carregar esse peso sozinha.

- Mas esse peso é meu.

Marisa se inclinou para a frente, na direção de Anália, apoiando-se em seus próprios joelhos:

- Nenhum relacionamento termina por erro de um só. Não digo que Felipe tem culpa, mas ele poderia ter agido diferente em ocasiões que poderiam ter te dado uma certeza maior de que manter sua fidelidade era o acertado. Veja bem, o sexo entre vocês não era ruim, mas também já não estava bom. Isso é culpa de ambos, dele também.

- Mas não justifica eu ter traído...

- Não, não justifica. Mas justifica o porquê de você ter feito outras vezes com o Betão. Você teve com ele o que teve um dia com o Felipe. Mesmo inconscientemente, você revivia com o Betão as emoções que um dia teve com seu marido.

- Mas eu dei para o Betão algo que deveria ter sido do meu marido...

- Pois é... Mas seu marido, se tivesse sido mais presente e incisivo, teria obtido isso de você há mais tempo. Afinal, vocês estavam casados há oito anos e ele nunca, né?

As sessões continuaram. Anália, cada vez mais, se convencia de que havia errado, mas não só. Betão fora um catalisador para um casamento que já não vinha bem. Felipe também tinha sua parcela, menor, mas tinha.

Anália começou a insistir numa conversa. Mensagens longas, áudios chorosos, cartas deixadas na empresa. Pediu ajuda a amigos em comum, e alguns se compadeceram dela. Felipe resistia, mas a persistência dela o desgastou. Ele achava que uma conversa definitiva poderia convencê-la a aceitar o divórcio consensual, poupando tempo e dinheiro. Ela, por sua vez, achava que poderia obter o seu perdão se o fizesse entender o seu lado. Marcaram num café, um campo neutro, numa tarde de sábado nublada.

Ela chegou primeiro, nervosa, vestindo um vestido simples, sem maquiagem pesada, mas nem por isso menos bela e bem arrumada para o homem que amava. Felipe, sempre pontual, chegou sem faltar ou passar um minuto sequer, o rosto fechado, a expressão séria. Ele a viu e se aproximou sem olhá-la diretamente nos olhos. Ao se sentar, Anália entendeu que a conversa não seria fácil:

— Você queria conversar. Fale.

Anália respirou fundo, sentindo a coração titubear:

— Felipe… eu sei que não mereço nem que você esteja aqui. Mas preciso te pedir perdão. De verdade. De coração...

Ele deu um sorriso amargo:

— Perdão? Por quê, exatamente? Pelas vezes que transou com ele na minha cama? Pelas vezes que riu de mim enquanto eu trabalhava para sustentar vocês? Pelo beijo que me deu com o gosto dele na boca?

Anália baixou a cabeça, as lágrimas caindo no colo:

— Por tudo. Eu destruí o que a gente tinha. Eu sei...

— Então por que, Anália? Por quê? Me explica por que você fez isso! Eu te dei tudo, cara. Casa, segurança, respeito. Tudo! E você me trai!? Porra! Por que ele? Por que você escolheu justamente ele, um cara que eu considerava meu irmão. Por quê?

Ela ergueu o rosto, os olhos vermelhos e suspirou antes de falar:

— No começo… foi um erro. Eu estava bêbada, magoada com a nossa briga. Ele foi me buscar na choperia e ia me levar para casa, eu pedi para parar, porque não queria que você me visse daquele jeito. Daí terminamos no motel. A ideia era só eu tomar um banho, dar uma cochilada, mas... Foi impulsivo, estúpido e acabamos transando.

- Cê tá tentando justificar que... – Felipe se calou, o semblante carregado, mas racional: - Tá. Vamos dizer que você tenha feito o que fez porque estava bêbada... E depois? Cê bebeu também antes de ir para a edícula? Bebeu antes de todas as vezes em que deu para ele em casa, na nossa cama e sei lá mais onde?

Anália pigarreou, controlando as lágrimas que já se acumulavam nos olhos:

- Na edícula... Ele me confessou que sempre foi apaixonado por mim, desde o dia que nos apresentou e aquilo...

- Como é que é!? Apaixonado!?

- Pois é, também me surpreendi. E isso me abalou. Eu me senti… sei lá... desejada de um jeito que eu não me sentia há muito tempo.

Felipe apertou o copo de água com força:

- E eu não te desejava o suficiente?

- Felipe... – Anália murmurou, enxugando uma lágrima fujona.

— Tá! – Ele resmungou e respirou fundo: - E depois? Porque não parou aí.

— Eu devia ter parado. Mas… o sexo com ele era diferente. Ele se esforçava muito, se desdobrava, Felipe. Me fazia gozar de jeitos que… - Ela repensou e decidiu aliviar a verdade, para não comprometer a comunicação: - A gente tinha parado de fazer, de se querer de verdade. A rotina nos pegou. Você era carinhoso, mas previsível. Eu me sentia invisível, às vezes. Com ele não, eu me sentia viva. Desejada até o osso. E eu me odiei por isso. Ainda me odeio...

Felipe olhou pela janela, a voz baixa:

— Então foi isso? Eu não te fodia bem o suficiente e você decidiu abrir as pernas pro meu melhor amigo porque ele é todo bonzão, bombadão. Aposto que é dotado também, não é?

— Não foi só isso. Foi tudo junto. A culpa, o tesão, a confusão. Eu me perdi. Eu traí você de um jeito que não tem... – Ela novamente se calou, temerosa que a sua verdade pudesse afastá-lo ainda mais: - E traí a mim mesma.

Ele a encarou, os olhos duros:

— Você sabe o que mais doeu? Acho que nem o chifre. Foi saber que vocês riam de mim. Que me chamavam de otário. Que ele gozava na sua boca e você vinha me beijar logo depois. Isso me matou por dentro.

Anália escondeu o rosto com as mãos, a vergonha da lembrança queimando sua alma:

— Eu sei. Eu fui cruel. Idiotamente, cruel. Fui uma pessoa horrível. Não tenho palavras para justificar aquilo. Só tenho arrependimento. Eu te amava, Felipe, e nada, nunca, vai justificar aquela idiotice. Ainda amo. Mas destruí tudo e sei que você deve me odiar agora. Só queria que você soubesse que eu reconheço o quanto te machuquei. E que sinto muito. Do fundo do coração.

Felipe ficou em silêncio por longos segundos, olhando por vezes seu copo, por vezes o movimento da rua lá fora:

— Eu acreditei em você. Em vocês dois. Nunca imaginei que me trairiam, e vocês me fizeram de palhaço.

— Eu sei.

Ele respirou fundo:

— Talvez um dia eu te perdoe. Não agora. Talvez nunca. Mas… eu queria que você assinasse o divórcio sem briga. Você fica com a parte que te cabe por lei. Não quero mais guerra. Só quero esquecer que vocês existiram.

Anália assentiu a dura verdade, engolindo o choro:

— Eu assino. Pode pedir para o advogado preparar tudo que eu assino.

Felipe a encarou por um instante, satisfeito e ao mesmo tempo triste com sua resposta:

- Obrigada por vir. Por me ouvir. – Disse Anália, pegando sua bolsa.

Felipe se levantou antes dela:

— Não agradeça. Foi só para fechar isso de uma vez.

Ele jogou uma nota de R$ 50,00 sobre a mesa e saiu sem olhar para trás. Anália ficou ali, sozinha, chorando em silêncio enquanto o café esfriava. Mas ali, em meio a dor, sabendo que seu casamento acabara, ela também soube que Felipe a amava, seu olhar machucado confessara em silêncio, o indizível. E ela se agarrou a essa verdade, havia esperança, e esta é a última que morre.

OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO SÃO FICTÍCIOS E OS FATOS MENCIONADOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL SÃO MERA COINCIDÊNCIA.

FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.

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Foto de perfil de Mark da NandaMark da NandaContos: 327Seguidores: 699Seguindo: 29Mensagem Apenas alguém fascinado pela arte literária e apaixonado pela vida, suas possibilidades e surpresas. Liberal ou não, seja bem vindo. Comentários? Tragam! Mas o respeito deverá pautar sempre a conduta de todos, leitores, autores, comentaristas e visitantes. Forte abraço.

Comentários

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Somente o fato dela não resistir e dar novamente do amigo Talarico, já mostra q ela está apaixonada por ele, na minha opinião o único arrependimento q ela tem e o de ser flagrada, descoberta, mas não de ter traído, tanto q mesmo antes de se separar de verdade já estava gozando na picona do Talarico, e o fato q mais me incomoda é q sempre colocam a traição como sendo parte culpa do traído, isso é simplesmente algo inaceitável, afinal o sexo com seu companheiro não está bom?, procure se resolver com ele, procure uma forma de aquecerem novamente a relação, mas usar isso como pretexto pra uma traição é no mínimo leviano e egoísta

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Contra fatos, não há argumentos. Apenas fracas justificativas.

Ja dizia o meu avô.

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Foto de perfil de Majases ♠️♥️♠️

A confissão do ocorrido aos pais foi cruel mas corajosa.

Adoramos a narrativa excitante e sugestiva para leitura de casais liberais se cuidarem com a mentira e traições.

O que o amor nos mostrará heimmm...

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Muito bom , bem difícil a situação do casal s confiança quebrada difícil concerto

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Foto de perfil de Id@

Pode até, ainda, existir amor. Mas será suficiente?

Acho que já contei sobre a metáfora do banquinho …

Um relacionamento se mantém da mesma forma que aqueles velhos banquinhos de madeira com três pernas. Uma perna representa o AMOR, outra perna a CONFIANÇA e, a terceira perna o RESPEITO.

Se o banquinho perde uma (ou mais) das pernas, da mesma forma, um relacionamento, ele não para em pé.

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Primeiro de tudo, obrigado por essa continuação. Eu pensei, realmente, que a história morria no primeiro capítulo.

A atitude do Felipe continua sensacional, porém, mais uma vez, ela o humilhou enquanto descrevia o que fazia com o Betão. Praticamente confirmou que o cara era melhor em tudo.

Fico a pensar: é possível amar o titular mesmo que o amante seja mil vezes melhor? Eu acho que o sexo, mesmo sendo apenas sexo no cameço, acaba carregando o amor junto. Acho que ela já ama o Betão, deveria dar logo uma chance para ele e seguir em frente. E, claro, deixar meu mano Felipe em paz.

Espero que Felipe não seja um novo Lucas, um corno bravo que vira manso e faz as pazes com Anália. Ela humilhou porque quis, porque estava com vontade, não tem como se redimir disso.

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Na questão Betão e Anália, depois de ler esse capítulo, acredito que o amigo Osoriohorse tem razão mesmo. Eles se merecem e devem ficar juntos mesmo. Meu mano Felipe merece mais, principalmente depois de aprender com seus erros, afinal, não se leva amigo pra morar na sua casa. Isso é básico!

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