Rafael não testava limites com pressa. Ele fazia pior: esperava.
Durante a semana, cruzava comigo como se nada tivesse acontecido naquela tarde na minha casa. Um aceno curto, um comentário banal, um sorriso neutro. Era isso que me inquietava, a ausência de ameaça direta.
Júlia, ao contrário, apertava.
Ela falava de futuro com naturalidade excessiva: festas que iríamos juntos, viagens que combinaríamos, fotos que precisavam ser postadas. Era como se tivesse decidido ocupar o espaço de namorada antes que alguém pudesse contestar.
Eu sorria, escapava, adiava.
Nunca dizia “não”.
Nunca dizia “sim”.
E talvez aí estivesse o problema.
Desde Leandro, eu aprendera algo sobre mim mesmo, algo que ainda não tinha coragem de nomear por completo. Eu não era tímido, nem apenas introvertido. Nem apenas ingênuo.
Na verdade, eu gostava de ser escolhido.
Não no sentido raso da vaidade, mas naquele ponto mais fundo onde o desejo do outro parece revelar quem sou eu. Com Leandro, me senti visto. Com Heitor, desejado. Com Júlia, necessário. E agora, com Rafael… observado.
Eu não avançava. Mas também não recuava.
Havia em mim uma ética própria, frágil, moldada mais pelo medo de ferir do que por convicções firmes. E isso me tornava moralmente ambíguo: não por crueldade, mas por indecisão; não por cálculo, mas por desejo de não perder ninguém.
Apesar da pouca idade e da inexperiência, foi assim que eu me relacionei, conscientemente, com um homem casado e, agora, estava jogando um jogo perigosíssimo e imoral entre três irmãos.
Eu não mentia, apenas omitia. Não traía, apenas me deixava levar.
Foi num sábado à tarde que Rafael apareceu. O sol de sábado caía a pique sobre a nossa cidade, no interior de Minas, pintando de ouro as ruas de pedra e os telhados de cerâmica. Eu estava deitado na cama, um livro aberto sobre o peito, quando ouvi uma buzina de carro ecoar na rua.
Depois a campainha soou e ouvi batidas insistentes no portão. Já me levantei irritado, detestava visitas não anunciadas. No interior, não é incomum que as pessoas aparecessem sem aviso, mas eu nunca gostei desse hábito, sempre o achei extremamente inconveniente.
Quando abri o portão, vi Rafael encostado no carro, braços cruzados, um sorriso que era metade provocação, metade convite.
— Tá tendo a exposição agropecuária — disse — Vai rolar show hoje à noite. Tá a fim de ir?
Eu hesitei. O convite era casual demais para ser inocente. Sabia que Rafael não fazia nada por acaso. O convite para a festa da exposição, um evento cheio de gente, barulho e poeira, parecia despretensioso demais para vir dele.
Em uma fração de segundo, eu pensei em Heitor. Pensei em Júlia. Pensei em tudo que podia dar errado. E, ainda assim:
— Tá… — respondi — Eu vou.
Talvez fosse curiosidade. Talvez desafio. Talvez autossabotagem.
— Vem, tô te esperando – ele gritou, como se fosse a coisa mais natural do mundo, quando eu entrei para poder me vestir.
"Por que eu?", pensei, enquanto descia as escadas. Rafael já tinha fama: as conquistas, as festas, o jeito de brincar com as pessoas como se fossem peças de um jogo que só ele entendia. E eu? Um jovem magro, de ombros estreitos, que ainda corava quando alguém me olhava por muito tempo. Mas ali estava eu, entrando no carro, o cheiro de estofado quente e colônia barata de Rafael me envolvendo como uma promessa perigosa.
O parque de exposições fervilhava, cheio daquele caos familiar do interior: cheiro de milho cozido, poeira, música sertaneja misturada ao som dos brinquedos, famílias caminhando entre tratores enormes e animais premiados.
Entre os currais, onde bois musculosos eram exibidos como troféus, e as barracas de comida que exalavam o cheiro de pastel frito e churrasco, eu me sentia pequeno, quase invisível. Rafael, ao contrário, circulava com facilidade, movia-se como se fosse dono do lugar, era conhecido, cumprimentando aqui, rindo ali, recebendo olhares, principalmente femininos. Algumas meninas cochichavam ao passar. Eu percebi.
— Você não para quieto — comentei.
Rafael sorriu.
— E você acha mesmo que eu pararia por você?
A frase era meio brincadeira, meio provocação. Eu não respondi, preferi ignorar.
Acabamos encontrando alguns conhecidos. Um deles comentou, rindo, sobre a morena com quem Rafael vinha saindo, “aquela de tirar o fôlego”. Eu já tinha visto os dois andando de mãos dadas pelas ruas do bairro, de fato, eu a conhecia e ela era maravilhosa. Eu fiquei sem entender.
O que Rafael via em mim?
Rafael, no pouco tempo que havia se mudado para a cidade, era conhecido por passar o rodo nas menininhas da vizinhança. Eu não entendia o que Rafael estava querendo comigo, um rapaz magro, pequeno e introvertido. Não que eu não fosse bonito, eu até era, para a minha idade e padrão, mas era difícil não pensar que havia ali algo além do desejo: uma espécie de afronta silenciosa aos irmãos e ao equilíbrio da família.
Mesmo assim, Rafael se mostrou uma companhia inesperadamente boa. Prestava atenção, fazia comentários inteligentes, ria nos momentos certos. E eu acabei relaxando. Sua mão, sempre quente demais, volta e meia se encostava no meu ombro, com a desculpa de me guiar entre a multidão.
— Vem, vou te mostrar uma coisa — ele disse, me puxando para perto de um ringue onde cavalos eram domados.
O suor dos animais misturava-se à terra que subia com cada pisada, e eu senti o calor do corpo de Rafael colado ao meu, a respiração quente no meu pescoço quando ele se inclinou para sussurrar:
"Gosta de ver eles assim, todo esse poder sendo controlado?"
A pergunta era uma armadilha, eu sabia. Mas antes que eu pudesse responder, Rafael já se afastava, acenando para uma morena de cabelos afro e vestido justo que se aproximava.
— Priscila, amor, você veio! — ele exclamou, abraçando-a com intimidade.
A moça era linda, confiante, tudo que eu não era. Rafael nos apresentou, o que não era necessário, visto que nós já nos conhecíamos. Os olhos dele não largavam os meus, como se quisesse ver a minha reação por dentro.
— Fica à vontade, vou buscar umas cervejas — ele disse, deixando nós dois sozinhos.
Priscila sorriu, simpática, mas eu mal conseguia disfarçar o tremor nas minhas mãos.
— Esse Rafael é terrível, não é? Ele gosta de brincar, não leva nada a sério — ela comentou, puxando assunto, de maneira despretensiosa.
Mas eu não tinha certeza se isso me consolava ou me deixava ainda mais perdido.
Quando Rafael voltou, foi com três garrafas geladas e um sorriso que prometia problemas.
— Toma, bebe — ele disse, entregando uma garrafa para mim.
Aceitei uma bebida. Depois outra. O primeiro gole desceu gelado, o álcool misturado com o gosto metálico do medo. Mas Rafael não deixou espaço para dúvidas.
— Relaxa, hoje é pra curtir — ele murmurou, encostando-se tão perto que eu senti o joelho dele pressionar o meu.
O flerte continuou quase sem forma: olhares que demoravam um segundo a mais, comentários com duplo sentido, proximidade física que não precisava ser justificada no meio da multidão que se apertava.
A música sertaneja ecoava dos palcos, as letras falando de amor e traição, enquanto Rafael deslizava os dedos pela minha coxa, devagar, como se testasse até onde poderia ir.
— Ninguém tá olhando — ele sussurrou, quando tentei me afastar — Ou você não gosta?
A pergunta era uma faca. Por um lado, eu tinha vontade de socar a cara de Rafael. Ele me irritava com o comportamento sacana e barato dele. Mas, ao mesmo tempo, eu estava gostando, sim. Gostava demais do calor da mão de Rafael, dos olhos escuros que me fitavam como se fosse a única pessoa no mundo, mesmo com Priscila ainda por perto, rindo com umas amigas a poucos metros dali.
— Não sei — admiti, minha voz tão baixa que quase se perdeu no barulho todo.
Rafael sorriu, como se tivesse ganhado algo.
— Claro que sabe — ele disse, rindo, acho que da minha cara.
Quando o primeiro show terminou, já era bem tarde. Eu olhei o relógio.
— Preciso ir.
— Eu te levo — Rafael disse, simples e, então, se inclinou, os lábios roçando a minha orelha tão rápido que poderia ser um acidente — Vamos embora logo.
A saída do parque foi um borrão de luzes e risadas.
— Você podia ter ficado com a Priscila —soltei, sem conseguir segurar a pergunta.
Rafael riu, um som baixo e sujo.
— Mas eu não queria ela, não hoje — ele disse, e então parou bruscamente.
À frente, um antigo casarão colonial, parte da arquitetura do parque e, por causa disso, bastante limpo e conservado. Escuro, fechado, esquecido, suas janelas de vidro colorido brilhando como olhos cegos.
— Já entrou ali? — Rafael perguntou.
— Não.
— Vamos lá — Rafael ordenou.
— O que a gente vai fazer lá? —perguntei, mas já estava o seguindo, o coração batendo tão forte que doía.
Rafael pulou o portão de ferro com facilidade, depois estendeu a mão para mim.
— Algo que você vai gostar — ele prometeu, a voz grossa de desejo.
Era um portãozinho baixo. Um gesto rápido. Um limite simbólico demais para ser ignorado.
Eu hesitei. Depois pulei.
A varanda era ampla, de alvenaria antiga, envolta em sombra. Dentro, o cheiro era de madeira e tijolo úmido. O som distante do segundo show chegava abafado. A varanda coberta oferecia sombra e privacidade, longe dos holofotes do parque. Ali, o mundo parecia suspenso.
Rafael se aproximou devagar.
— Você podia ter ido embora — disse.
— Eu sei — respondi.
Não houve beijo imediato. Houve silêncio. Uma proximidade que se construiu com cuidado perigoso. Rafael tocou o meu braço, leve, como quem pede permissão.
Eu não recuei.
O contato cresceu aos poucos: mãos que exploravam limites, respirações que se encontravam, corpos que se reconheciam no escuro. Não havia a intensidade bruta de Heitor, nem a idealização de Júlia, havia algo mais inquietante: curiosidade mútua, risco puro.
Eu me senti fora de mim e, ao mesmo tempo, estranhamente consciente. Cada toque parecia um passo mais fundo em algo que eu já não controlava (ou não queria controlar?).
Rafael me empurrou contra a parede de tijolos, o corpo dele pressionando o meu com uma urgência que não deixava espaço para pensamentos.
— Você tá tremendo — Rafael murmurou, mordiscando o lóbulo da minha orelha antes de capturar meus lábios em um beijo que foi puro fogo.
Não havia doçura, só fome, dentes batendo, línguas lutando, as mãos de Rafael deslizando sob a minha camisa, as unhas arranhando a pele quente das minhas costas.
— Rafael… — gemi, mas o nome se perdeu quando ele ajoelhou-se na minha frente, os dedos ágeis desabotoando a minha calça com uma habilidade que me deixou sem ar.
— Deixa eu ver — Rafael ordenou, puxando a minha calça e a cueca para baixo em um movimento só.
O ar fresco da noite beijou a minha pele exposta, mas foi a boca de Rafael que me fez estremecer.
— Porra, Mateus… — ele murmurou, como se estivesse descobrindo um segredo, antes de envolver o meu pau já duro com os lábios quentes.
A sensação foi tão intensa que eu tive que morder o punho para não gritar. Rafael não tinha pressa, lambeu a ponta, depois o comprimento todo, a língua traçando as veias enquanto a mão massageava as minhas bolas, apertando só o suficiente para doer de levinho.
— Você é tão sensível — Rafael provocou, soprando ar frio sobre a minha pele úmida antes de engolir o meu cacete até a base, a garganta contraindo-se em torno da cabeça do meu pau de um jeito que me fez ver estrelas.
Eu simplesmente não conseguia acreditar que Rafael estava me chupando daquela maneira. Achei que ele seria egoísta e só pensaria nele, mas, ao contrário, ele estava se mostrando um amante generoso e demonstrando satisfação em me dar prazer.
Eu não estava aguentando. Minhas mãos afundaram nos cabelos negros de Rafael, puxando sem gentileza, e quando Rafael gemeu em torno do meu pau, a vibração quase me fez gozar na hora.
— Vai devagar, caralho — sussurrei, mas Rafael só riu, a voz abafada, antes de chupar com mais força, os dedos apertando a base do meu pau para segurar o orgasmo.
— Não quero que você goze ainda — ele disse, levantando-se de repente.
Antes que eu pudesse protestar, Rafael me girou, me pressionando contra a parede, a barriga quente colada nas minhas costas.
— Agora é minha vez — ele murmurou, desabotoando a própria calça.
O pau de Rafael era grosso, pesado, e quando ele o esfregou entre as minhas nádegas, eu senti um calor novo, perigoso, me inundando.
— Abre pra mim — Rafael ordenou, cuspindo na própria mão e, então, pressionando um dedo contra o meu cuzinho, circular, insistente.
— Não… não cabe — gaguejei, mas meu corpo traía minhas palavras, relaxando quando Rafael empurrou o dedo para dentro, devagar, até os nós dos dedos.
— Cabe sim — Rafael sussurrou, a voz rouca de excitação — Você foi feito pra isso.
O dedo se moveu, encontrando aquele ponto dentro de mim que me fez arquear as costas, um gemido escapando sem controle.
— Isso, gostoso, assim — Rafael murmurou, adicionando um segundo dedo, me dilatando com cuidado enquanto a outra mão voltava a bombear o meu pau, agora molhado de pré-gozo — Heitor já te fez gozar assim? Me fala, se aquele corno te faz gozar desse jeito? Vou te fazer gozar, com meus dedos dentro de você, e você vai adorar.
E eu adorei. Cada movimento dos dedos de Rafael, cada palavra suja sussurrada em meu ouvido, cada vez que Rafael me chamava de "putinho" ou "gostoso", era como gasolina no fogo.
Quando Rafael curvou os dedos justamente ali, dentro de mim, atingindo a minha próstata, enquanto a mão no meu pau acelerava, o orgasmo me atingiu como um raio, jorrando sobre os dedos de Rafael, minhas pernas tremendo, o corpo todo contraindo-se em torno daqueles dedos que não paravam de mexer, prolongando o prazer até doer.
— Isso, goza tudo — Rafael ordenou, e só quando eu estava ofegante, esgotado, é que ele retirou os dedos, com um sorriso satisfatório.
Rafael não demorou a gozar também. Com a minha mão envolvendo seu pau, os quadris empurrando para frente e para trás sofregamente em movimentos curtos e urgentes, ele jorrou sobre a minha barriga, o sêmen quente escorrendo pela minha pele.
Eu, ainda tonto, levei os dedos à boca, lambendo o que restava, e Rafael me observou com um olhar que era metade admiração, metade algo mais sombrio.
— Você é cheio de surpresas — ele murmurou, passando o polegar pelos meus lábios inchados.
Quando nos afastamos, o silêncio era pesado.
— Isso complica tudo — murmurei.
Rafael sorriu, encostando-se na coluna da varanda.
— Tudo já tava complicado.
No escuro da varanda, com o som distante da festa ainda ecoando, eu senti o peso do que tinha acontecido. Rafael se ajustou, abotoando a calça com calma, como se aquilo fosse normal. Como se não tivesse acabado de me desmontar peça por peça.
— A gente deveria ir — Rafael disse, mas não se mexeu.
Em vez disso, passou um braço em volta dos meus ombros, me puxando para perto
— Ou você quer mais?
Eu não sabia o que queria. Só sabia que, quando Rafael me beijou novamente, dessa vez devagar, como se saboreasse algo raro, eu não resisti. E isso, mais do que tudo, me aterrorizou.
No caminho de volta, eu olhava pela janela do carro, o coração acelerado, a mente em tumulto. Rafael dirigia com uma mão no volante, a outra descansando sobre a minha coxa, os dedos desenhando círculos que queimavam através do tecido da minha calça.
Agora não era apenas amado. Era disputado.
E comecei a entender, com um frio no estômago, que o jogo emocional em que eu tinha entrado não era sobre escolha, mas, agora, sobre consequências. E algumas delas já estavam em movimento.
