Há quase dois anos, minha esposa decidiu fazer terapia com um (a) psicanalista. Não que tivesse algum tipo de problema mais sério (depressão, angústia, etc.), na verdade, especialistas dizem que todos deveriam fazer esse tipo de terapia para se conhecerem de fato, resolverem conflitos internos, traumas do passado, etc. Entretanto, Carla era muito sistemática, entendia um pouco sobre a área, e por isso descartou uns 5, 6 da região por notar que não eram capacitados a altura do que ela esperava.
Até que conheceu uma psicanalista que era de São Paulo, mas também atendia por videochamada e passou a fazer terapia online com ela, pois considerou a mesma excelente. Obviamente, eu não sabia sobre o que conversavam, mas aprovava.
Nesse dia em que voltei para casa apenas para pegar alguns documentos, entrei pela porta da cozinha, pois vi que estava aberta, nesse momento, ouvi a voz de Carla vindo da sala, ela estava numa sessão online com a psicanalista.
-Burra! Burra! Estava bem debaixo do meu nariz e deixei passar. Quando Thiago começou a sair apenas com essa japonesa, eu deveria ter me atentado que alguma coisa de especial ela tinha, afinal de contas, desde que passamos a nos envolver com outras pessoas, ele nunca repetia, queria curtir com uma diferente a cada semana, por que de uma hora para outra, se fixou nessa? Eu fui muito idiota.
Fiquei parado na cozinha sem saber se interrompia ou se saía, mas o desejo de ouvir foi maior e permaneci ali.
Como todo (a) psicanalista, essa não julgava ou dizia o que era certo ou errado, só fazia perguntas tentando fazer com que a analisada, no caso minha esposa, chegasse às respostas.
-Mas por que você acha que não se importou quando ele passou a ter um caso fixo um outra?
-Não sei! Como eu estava saindo toda semana com o Maike, achei que seria a mesma coisa, algo apenas carnal, uma coisa gostosa para fugir da rotina, sem abalar nosso casamento, mas não imaginei que fosse chegar a esse ponto.
-A que ponto você acha que chegou?
-Dele estar interessado nela. Talvez amando! É claro que tem algo a mais entre os dois além de sexo, como te falei no começo da sessão, ontem fui à chácara e ouvi a vozinha melada dela dizendo que queria vê-lo mais vezes, passarem 15 dias juntos. Sem contar que antes, já falei isso para você em outras sessões, antes o Thiago curtia demais me ver com o Maike, receber vídeos e fotos, e transar depois, o homem me pegava de um jeito que mesmo cansada por já ter transado, me acendia de um jeito e me dava mais prazer, mas de um mês e pouco para cá, notei que estava quieto, pensativo, meio que tanto faz tanto fez. Agora entendi tudo, ele começou a ficar dividido, gostando dela e eu não percebi.
-Mas você não cogita que essa mudança dele possa ter outro motivo?
-Sim, no começo achei que era por causa do Maike. Desde o começo, o Thiago se mostrava preocupado, achando que eu estava amando o Maike... affffffff, mas depois parou e há poucos dias, disse algo mais ou menos assim “que imaginar que me perderia para o Maike, o machucou muito e por isso queria que eu parasse, mas viu que não adiantava mais”. Veja, ele usou os verbos no passado e para me botar mais confusa, ainda disse que depois da viagem que faremos, teremos uma conversa, ou seja, é para pôr um fim em tudo e ir ficar com a japonesa. E depois de todo aquele...vexame que dei ontem... acredita que o cara de pau ainda riu, debochando da minha cara de trouxa.
-Durante a briga sua com a outra mulher?
-Não, nessa hora, ele ficou bravo, até deu uns berros que me assustaram, mas era porque eu bati na japinha dele. Agora, na volta, ele começou a rir de mim e do meu papelão.
-Pelo fato dessa briga ter ocorrido ontem, você não considera a hipótese de estar interpretando errado os fatos e reações?
-Não foi só por ontem, como te disse, ele tá mudado, durante o sexo, até o sinto com vontade, mas depois, está muito distante. Estamos casados há mais de 15 anos, conheço meu marido, ele está diferente.
-Se a sua interpretação estiver correta, o que acha que ocorrerá agora?
Com voz aflita e aparentando estar caminhando pela sala, Carla disse:
-Sei lá! Ele já mandou uma mensagem dizendo que quer ter uma conversa hoje, talvez queira usar a confusão de ontem para adiantar o que diria em janeiro e pedir a separação.
-Sendo isso verdade ou não, ou seja, vocês continuando juntos ou se separando, como ficará a sua relação com Maike? Mas antes, queria te pedir para se sentar, perto do note porque fica difícil ouvi-la caminhando.
Carla respondeu irritada:
-E eu lá quero saber de Maike no meio desse furacão? Essa madrugada, sem conseguir dormir, mandei uma mensagem para ele, expliquei por alto que minha vida estava desabando e terminei tudo, não vai ter mais encontro em motel, chácara, chega. Ele mandou um áudio, mas nem ouvi, não tô com cabeça para isso...talvez, se o Thiago ver que não quero mais saber do Maike, pode refletir melhor e não me deixar, isso se ainda estiver dividido, porque se já deixou de me amar, aí esquece... ele vai ficar com a japonesa melosa.
-Mas por que quando ele te pediu outras vezes para parar de sair com o Maike, você nem cogitou essa hipótese? Lembro-me de termos tido essa conversa mais de uma vez.
-Ah... Por quê? O Thiago me deixava confusa, dizia que queria que eu parasse, mas a cada semana ficava mais doido de tesão quando eu voltava de um encontro com o Maike, me beijava, me chupava, me possuía com fúria. Depois começava a reclamar, achei que era uma implicância boba e que no fundo ele queria que continuássemos nessa vida liberal.
-Mas ele não pediu que parassem com a vida liberal, pediu que você fizesse com outros parceiros. Não foi isso que você me disse antes?
-Verdade, mas aí entra uma coisa minha que é difícil de explicar. Talvez, para quase todas as mulheres, seja um presentão poder transar com homens diferentes, altos, baixos, assim, assado, mas eu me sinto estranha com isso, nunca quis ter outro homem além do Thiago, me envolvi com o Maike porque achei que o meu casamento tinha acabado após a traição do Thiago com a secretária, e mesmo assim só foi rolar 4 meses depois de eu descobrir o casinho dele. O Maike é um puta de um amante, sem dúvida, me levou a orgasmos incríveis, cada minuto com ele vale a pena, mas imaginar que eu deixaria meu marido para viver uma história de amor com ele, isso é ridículo, nunca teve um clima de romance, namorinho, era só sexo, sexo fantástico e ponto. Ficou ainda melhor quando Thiago demonstrou gostar de saber e ver, sei lá, me dava mais tesão, saber que meu marido ficava extremamente excitado com toda essa situação. Até pensei em transar com outro para ele desencanar, mas seria literalmente fazer sexo sem estar com vontade.
-Como você acha que o Thiago reagirá a uma conversa franca sua sobre o Maike, a mulher que ele está se envolvendo e sobre os seus sentimentos?
Carla ficou em silêncio, pensando, depois falou:
-Acho que não adiantará nada, a menos que ele ainda me ame, quem sabe se eu me abrisse...deixasse de bancar a orgulhosa e contasse que não quero mais Maike, mais casamento aberto, nem ele com outras, quero apenas a nossa vida de antes de volta... Tenho tanto medo de perde-lo... (Carla mudou a voz no final, chorando forte, como nunca tinha ouvido e a psicanalista ficou em silêncio).
Minha vontade foi de entrar na sala e acalmá-la, mas isso daria um rolo danado. Decidi sair pela mesma porta e fingir que nem estive lá. De repente, foi como se eu tivesse feito terapia e aprendido a ressignificar as coisas e também a entender o outro lado, no caso, o de Carla. Havia motivos para ela continuar transando com Maike (tinha dificuldades para se envolver com outros, sentia que eu gostava de dividi-la, o sexo era bom), mas nenhum desses motivos estava ligado a sentimentos dela por ele, tanto que a mesma, no momento em que achou que estava me perdendo, não pensou 2 vezes em dispensá-lo por uma mensagem de Whats. Alguém que sentisse algo, mesmo que leve, não agiria com tamanho desdém com o amante.
Também entendi que por trás da mulher forte que Carla aparentava ser, existia uma pessoa com as suas inseguranças. Do mesmo jeito que interpretei errado a ligação dela com Maike, ela interpretou a minha com Luiza. Minha esposa juntou o fato de eu estar mais introspectivo no último mês com as informações que contei sobre os presentes e do meu receio da japa estar gostando de mim e pronto, criou o fantasma de que eu estava apaixonado por outra. Exatamente como eu criei o meu de que ela iria ficar com Maike.
E esse era o resumo de tudo, apesar do sexo extremamente prazeroso que Carla tinha com Maike e que eu tinha com Luiza, nenhum dos dois sentia nada por eles, além de prazer sexual, um continuava amando o outro como desde o começo.
Botei a cabeça no lugar naquela tarde. Fui para casa quando já estava quase escurecendo. Carla estava na sala junto com Maisa, notei que ficou tensa. Cumprimentei-as e disse que iria tomar um banho.
Mais tarde, já de banho tomado, chamei Carla que veio ao quarto com um semblante bem preocupado. Antes que eu começasse a falar, ela disse:
-Antes de você falar o que tem para falar, gostaria de...
-Não, deixa eu falar, creio que serei breve.
Sentei-me na poltrona confortável que tínhamos perto da janela e Carla se sentou na beirada da cama de frente para mim. Respirei fundo e disse:
-Sabe, Carla, eu ia esperar a gente voltar das férias na África para pedir o divórcio, mas...
Minha esposa se desesperou:
-Que loucura é essa, Thiago? Você não pode fazer isso comigo e com os nossos filhos nem depois das férias e nem agora tão perto do Natal. Me ouve primeiro, por favor.
-Mas quem disse que vou pedir o divórcio assim, em cima das festas de fim de ano?
-Não é isso que você ia dizer?
-Não. Deixa eu falar e aí você entenderá. Pensei em pedir o divórcio porque vi que você não ia largar mais o Maike porque...
Carla me interrompeu novamente:
-Terminei tudo com ele! Não tem volta e o bom é que ele pegou mais aulas em outra instituição em São Paulo e não mais nos veremos nem na universidade, juro pelos nossos filhos que não tem mais Maike.
-Você está me cortando, assim não consigo dizer o que quero.
-Ok. Desculpa, estou nervosa.
-Como eu disse, “pensei” em pedir o divórcio, já estava com o plano feito para não estragar nem as festas de fim de ano nem as férias da Maisa e do Diego, mas houve algo que me fez repensar tudo.
-O quê?
-Pensei muito e cheguei à conclusão que nós dois estamos alimentando fantasmas.
-Como assim? Pode ser mais concreto?
-Eu vinha, veja bem, vinha, mas agora não, sofrendo porque achava que você estava apaixonada pelo Maike e você também começou a sofrer por achar que estou sei lá gostando ou mesmo amando a Luiza. Tudo isso foi apenas fruto da nossa imaginação, falta de comunicação, insegurança, chame do que quiser.
-Mas você não sente nada mesmo por ela?
-Só a coisa física, assim como você pelo Maike.
Carla era muito esperta e segundos depois, fez uma cara de desconfiada e perguntou:
-Tá, mas se há tanto tempo, você vinha preocupado de eu estar apaixonada pelo Maike, o que te fez mudar de ideia assim de uma hora para outra?
O olhar dela era de quem começa a perceber que tem gato na tuba, mais um pouco e deduziria que de alguma forma eu tinha ouvido a conversa dela com a psicanalista. Por sorte, eu tinha uma boa justificativa:
-O que me deu certeza de que você me ama, foi toda aquela presepada digna do Programa do Ratinho que você armou ontem na chácara. Uma mulher que não ama o marido, não teria erguido e atacado um vaso que tinha no mínimo uns 30, 35 quilos e depois feito todo aquele escarcéu, com direito a estapear a Luiza e me dar vários socos, que por sinal doeram depois que a adrenalina abaixou. Definitivamente, se estivesse apaixonada pelo Maike, você estaria era feliz sabendo que ficaria mais fácil pedir a sepração e cada um seguir sua vida.
Carla engoliu seco e deu um leve sorriso, mas não totalmente aliviada.
-Sim, admito, perdi o chão quando vi as mensagens dela para você no Whats e depois a ouvi lá na chácara, toda melosa falando um mundo de bobagens sobre passar 15 dias com você. Nem eu mesma sabia que era capaz de tal comportamento.
Carla respirou aliviada, mas ainda tinha uma pergunta:
-Certeza mesmo que você não vai mais vê-la? Ontem, ficaram num papinho longo no carro.
-Quanto a isso fique tranquila, mesmo que eu quisesse, a Luiza é quem não quer mais.
-Ué? Mas ela não tava toda carente, dizendo que não aguentava esperar uma semana para te ver? E dando presentes...
-Também pensei, mas assim como você não está apaixonada pelo Maike, eu não estou pela Luiza, ela também não está por mim e disse isso ontem no carro. Falou que o sexo era ótimo, mas que era melhor pararmos
-Mas por que ela quis parar?
Me fiz de surpreso:
-Você nem desconfia? A coitada além de apanhar, ainda me disse que tinha medo de você aprontar outros barracos na porta da casa dela, na empresa... se bobear, é capaz dela, ontem, ter até passado da entrada de Atibaia e só ter percebido quando já estava em São Paulo.
Carla gargalhou. Em seguida, perguntei.
-E quanto ao Maike? Você falou algo sobre ter terminado. O que ele disse?
-Depois que o despachei num áudio, ele mandou outro, só fui ouvir agora há pouco, veio bancando o compreensivo, dizendo que entendia nem acabei de ouvir. Bloqueei. Estava com tanto medo de você chegar falando em separação, pegando uma mala, nossa! Sofri horrores imaginando como seria essa conversa e não dava para perder tempo com Maike, tenha dó.
Eu me levantei, ela também e nos abraçamos. Carla chorou em meu ombro. Entretanto, mais tarde, tivemos uma noite espetacular de sexo.
Concluímos que a experiência com outras pessoas tinha tido muitos pontos bons, mas não era para nós, decidimos voltar à monogamia.
No sábado, a mesma loucura se repetiu e entre uma transa e outra, Carla disse:
-Uma coisa que queria entender melhor, que coisa foi aquela de você amarrar e vendar a japonesa e ela te chamar de caseiro rude?
Expliquei a mania de Luiza de fantasiar, onde nos tornávamos personagens, caseiro, fotógrafo, etc., e detalhei essa específica. Carla ficou surpresa:
-Ei! Mas essa fantasia do caseiro é muito interessante, só me admiro, você nunca ter sugerido para fazer isso comigo.
-É só você querer.
Alguns dias depois, lá estava eu levando Carla para o mesmo sítio em que fui com Luiza para amarrá-la, vendá-la e termos uma tarde de sexo selvagem.
Fim
