Anos Depois — Germânia

Um conto erótico de Leandro Gomes
Categoria: Homossexual
Contém 779 palavras
Data: 12/12/2025 21:43:00

27 de Janeiro, A.D. LXV

Escrevo agora no limite das forças que me restam. O vento da Germânia sopra como lâmina, cortando a pele, mas não encontro alívio no frio. Minha alma arde — não em febre, mas em memória.

Passaram-se muitos anos desde a morte de Caius. Anos em que procurei apagá-lo pela poeira das estradas, pelo estrondo das batalhas, pelo peso das honrarias — e falhei. Nada substituiu o calor breve e humano que ele deixou em mim. E, ainda assim, nunca estive verdadeiramente só. Porque Valek permaneceu.

O vampiro nunca se foi. Nunca me abandonou. Nunca me concedeu paz. Aparecia quando queria — não importando cidade, fronteira, inverno ou deserto. Às vezes à sombra da minha tenda; outras, à beira da fogueira; por vezes caminhando ao meu lado como se fosse, desde sempre, meu companheiro de armas. E sempre me tomava.

No início, resisti. Ou acreditei resistir. Com o tempo compreendi que toda resistência era fingimento: meu corpo o reconhecia antes mesmo que meus olhos o buscassem. Havia nele um domínio antigo, impresso fundo demais em mim. A culpa que vinha depois tornou-se rotina, tão constante quanto o amanhecer.

Amor? Não.

Amor foi Caius — breve, cálido, humano.

O que Valek me deu foi destino.

Prisão.

Febre.

Uma eternidade estreita demais para um homem que ainda recorda o sol.

Ele me moldou ao longo dos anos. Minha força cresceu; minhas feridas fecharam-se com rapidez indevida. Alguns homens murmuravam que meus olhos refletiam a luz como os de uma fera. Minhas vitórias — estratégias que ele sussurrava quando eu dormia — trouxeram glória… e isolamento. Não porque meus homens me temessem. Mas porque eu os temia.

Temia perdê-los como perdi Caius. Temia que Valek, por ciúme ou capricho, decidisse tomá-los também. Assim, afastei-me.

Tornei-me comandante respeitado, jamais amado.

Na Germânia, o inverno parece maior do que o mundo. As noites são longas demais — e nelas sinto a presença dele com mais intensidade. Às vezes vem com suavidade cruel; outras, com fome antiga. E eu cedo. Sempre cedo. Mas não mais sem pensar.

Foi aqui, entre florestas antigas e solos que jamais conheceram Roma, que comecei a buscar libertação. Descobri — por vias que não ouso registrar — um lugar onde Valek não pode entrar. Um espaço que repele sua natureza, como se o próprio mundo o rejeitasse.

Ali, pela primeira vez em muitos anos, dormi sem sentir seu olhar sobre mim. Ali, o silêncio não me feriu.

E no dia seguinte à descoberta deste lugar, sagrado talvez, Valek estava perturbado por não ter me encontrado. Eu percebi sua inquietação, mas em nenhum momento ele disse algo a respeito, e tampouco eu. Entendi naquele instante que pelo menos naquele lugar eu estaria livre dele.

Não direi onde fica. Não direi como cheguei. Alguns segredos não sobrevivem à tinta. Mas direi isto: longe dele, percebi o quanto estava acorrentado. Descobri mais a respeito do lugar, e me parece um solo sagrado de algum deus que não é nenhum dos que nós romanos cultuamos, embora ali não haja nenhuma estátua, nenhum ídolo, apenas inscrições nas paredes. Desde então, passei a traçar um plano. Não apenas para quebrar o vínculo que nos une — mas para encerrar sua existência. Aprendi que nem mesmo criaturas como ele são eternas. Há limites. Há fraquezas. Há finais que exigem paciência, sacrifício… e vontade de perder tudo.

Se terei êxito, não sei. Talvez já tenha falhado. Talvez ele leia estas linhas enquanto escrevo. Talvez esteja mais próximo do que ouso admitir.

Tenho pesadelos constantes: vejo Caius morrer repetidas vezes; vejo Valek arrancar-lhe a vida; vejo minhas mãos imóveis.

E, nos sonhos, o vampiro se aproxima… e me beija. Acordo com o corpo em chamas, como se o sonho fosse real. Talvez seja.

A fronteira entre vigília e delírio dissolve-se a cada inverno. A cada lembrança. A cada ausência dele.

Sei que estou mudando. Meu coração cansa menos. A fome some por dias.

Mas há outra sede — profunda, vergonhosa — que luta para me chamar de volta à noite.

A Germânia é vasta. Mas o mundo que habito dentro de mim é menor que um cárcere.

Carrego nele a memória de um amor morto, o peso de uma alma dividida… e a esperança frágil — talvez insensata — de que ainda seja possível romper as correntes do destino.

Se este for meu último relato, que sirva como aviso: há pactos que não se firmam com palavras, e há beijos que custam uma vida inteira.

Não sei se Valek morrerá. Não sei se eu sobreviverei ao intento. Mas sei que, se falhar, ele estará lá.

Como sempre esteve.

E temo — mais do que tudo — que, no instante final, eu ainda deseje seus lábios.

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Comentários

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Opa! Fiquei animado com esse prospecto de liberdade! E o Varro é tão consciente de si mesmo, pqp

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