A verdade é que eu passei o resto daquele dia meio desligado. Eu tentava agir normal, tentava conversar, tentava até rir das piadas do Samuel, mas por dentro eu só conseguia pensar no Robinho saindo pela porta daquele jeito.
Ainda assim, quando o Samuel sugeriu que a gente saísse pra jantar naquela noite, eu aceitei na mesma hora. Eu não queria que ele pensasse que tinha algo errado entre nós. E eu também não queria ficar sozinho com os meus pensamentos.
O jantar foi leve. Samuel fazia piada de tudo. Até do garçom que gaguejou quando veio anotar o pedido e acabou entendendo “macarrão ao suco” em vez de “sugo”. O Samuel olhou pra mim, fez aquela sobrancelha arqueada dele e sussurrou:
– Se vier um copo de macarrão eu vou embora correndo, e te deixo pagar a conta sozinho.
Eu ri. Pela primeira vez no dia, eu realmente ri.
E ele percebeu.
Ele sempre percebe.
A semana passou rápido. Rápido até demais.
Robinho simplesmente não apareceu na faculdade. Nenhum dia. Eu cheguei a mandar mensagem pra ele, claro. Duas, na verdade. Depois parei, porque ele visualizou e não respondeu.
No terceiro dia, a angústia bateu forte e eu mandei mensagem pro Samuel perguntando se estava tudo bem lá em casa, se o Robinho voltou, se alguém tinha visto ele.
A resposta veio quase na hora:
“Ele não voltou. Pegou umas roupas, saiu antes do nascer do sol e deixou um bilhete dizendo que ia viajar. Não disse pra onde. Já tem dias. Mas ele tá bem. Eu sinto que tá.”
Eu reli aquela mensagem várias vezes.
A parte do “eu sinto que tá” pesou mais do que deveria.
Mesmo com esse vazio estranho, Samuel e eu fomos nos aproximando ainda mais. Talvez porque o silêncio do Robinho empurrava nós dois pra frente, talvez porque eu precisava de algo quente, firme e presente… e o Samuel era exatamente isso.
No fim da semana, tínhamos virado quase um casal oficial sem nem perceber.
Samuel aparecia na porta da faculdade me esperando, segurando um cappuccino e dizendo:
– Eu comprei outro porque sei que tu fica irritado quando vem muito leite. Olha, tá perfeito. Prova.
Eu provava, e ele ficava me olhando como se eu fosse cometer um crime gastronômico se dissesse que não estava bom.
Fomos ao cinema numa quarta-feira à noite, porque o Samuel disse que “filme bom mesmo é quando a sala tá vazia e ninguém fica mastigando do teu lado”.
Acabamos entrando numa comédia romântica boba, dessas que você sabe exatamente como vai terminar. No meio do filme, teve uma cena em que os protagonistas se beijavam debaixo de chuva, e o Samuel sussurrou:
– Se tu quiser um beijo desses, eu finjo até que tá chovendo aqui dentro.
Eu quase cuspi a pipoca.
– Cala a boca, Samuel!
– Tô falando sério – ele riu baixinho. – Eu faço a chuva, tu faz o protagonista perdido e apaixonado. A gente combina.
– Tu é muito besta – sussurrei, empurrando o ombro dele.
– Pelo menos te fiz sorrir, né?
E fez.
Fazia sempre.
Na saída, tropecei no degrau do estacionamento porque estava mexendo no celular, e Samuel me segurou pela cintura como se estivesse ensaiando uma cena de novela.
– Calma, amor – ele disse rindo. – Se tu cair aqui eu vou ter que te carregar no ombro, e aí tu vai virar o assunto do mês na faculdade.
– Cala a boca, Samuel – falei, rindo e morrendo de vergonha.
Ele passou o braço pelos meus ombros, natural demais. Como se sempre tivesse sido assim.
As noites também ficaram intensas. Não só sexualmente – apesar disso também – mas emocionalmente.
Teve uma noite em que ele ficou deitado comigo na cama, mexendo no meu cabelo enquanto eu falava sobre meus medos, sobre não entender direito o que estava acontecendo com Robinho… e sobre achar que eu tinha ferrado tudo.
Ele me ouviu em silêncio, coisa rara pra ele. Depois disse:
– Eu sei que ele vai voltar, Yuri. Só dá um tempo. E quando ele voltar, a gente resolve tudo. Juntos.
Ele sempre dava um jeito de me acalmar.
Quando percebi, já era sexta-feira, e o sumiço do Robinho tinha virado um buraco estranho na minha rotina – mas um buraco que Samuel preenchia com presença, carinho, piadas idiotas e beijos inesperados.
E por mais errado que parecesse admitir… eu estava começando a achar bom demais ter ele assim, tão perto.
Quase perto demais.
Eu já tinha perdido as esperanças.
Segunda semana. Sete dias completos sem uma única resposta do Robin. Eu já tinha tentado de tudo: mensagem curta, mensagem longa, áudio… silêncio total.
Quando o Samuel parou o carro em frente ao meu prédio naquela manhã, eu só entrei calado. Ele deu aquele sorriso de sempre, luminoso demais pra mim naquele estado, mas eu não consegui retribuir.
– Bom dia pra ti também, rabugento – ele brincou.
– É cedo demais pra tua energia de cantor de forró – murmurei.
– Cantor de forró? Eu tô mais pra príncipe encantado dirigindo tua carruagem.
Eu revirei os olhos, mas sorri um pouco.
O carro entrou na avenida, o rádio tocando baixo, e eu tirei o celular só pra ver as horas. Mas assim que a tela acendeu, meu estômago afundou.
Notificação:
Robin atualizou o Instagram.
1 novo story.
1 nova publicação.
Abri a publicação.
Era uma foto dele, camisa social clara, calça preta, crachá pendurado no bolso. Em frente ao Hospital Estadual Padre Bento, em São Paulo. Sorriso tímido, cansado. Diferente.
A legenda me acertou:
“Novos recomeços.
Depois de tanto tempo afastado da área, voltar à enfermagem me trouxe um sentimento que eu nem lembrava mais.
Passei no concurso pra técnico e hoje tomo posse oficialmente.
Não vou abandonar a medicina – já estou vendo tudo pra transferência pra São Paulo.
Dói deixar pessoas e histórias pra trás, mas às vezes crescer exige partir.”
Eu não respirava.
Samuel percebeu.
– O que foi? Teu rosto ficou branco.
Virei a tela pra ele.
– O Robinho… tomou posse em São Paulo. Passou num concurso. Vai transferir a faculdade. E ele nem… – minha voz falhou – Ele nem falou nada.
A expressão do Samuel mudou. Ficou dura. Irritada.
– Ah – ele disse, frio. – Então ele tá vivendo a vida dele. Ótimo. E tu aí se corroendo por alguém que te deixou falando sozinho.
Aquilo me atingiu.
– Não é isso, Samuel…
– Não é? Tu tá duas semanas mal, sem dormir direito, preocupado com ele. E ele? Consegue emprego, muda de estado e posta foto como se nada tivesse acontecido. Parece até que gosta de te ver sofrendo.
– Ei. Não fala assim. Ele não faz de propósito.
Samuel riu – uma risada curta, cínica.
– Tá. Tu que sabe. Eu só acho engraçado que tu tá aqui comigo, eu cuidando de ti todo dia, te levando, te trazendo, te fazendo rir, e basta UM story daquele moleque pra tu ficar desse jeito.
A frase acertou um ponto sensível demais.
Fiquei quieto.
Ele percebeu que tinha passado do limite.
Respirou fundo.
– Desculpa. Eu fui idiota. É que… eu não gosto de te ver mal por causa dos outros. Me irrita. Só isso.
Ele segurou minha mão.
– A gente tá junto, né? Tu e eu. Eu só quero te proteger. Não quero que ninguém te machuque.
Eu assenti, mesmo com o estômago revirado.
O carro parou na faculdade. Antes de eu descer, ele segurou minha mão com força.
– Hoje à noite eu passo na tua casa. Fica pronto pra gente ir na Pedra do Sal.
– Tá bom.
Ele me puxou pra um beijo intenso.
– Vai estudar, meu príncipe. E para de olhar Instagram de gente que não te merece.
Saí do carro sem responder.
Fiquei ali parado, tentando entender quando tudo ficou tão confuso.
A aula começou às oito, mas às oito e três eu já estava com o celular escondido embaixo da mesa.
Abri o Instagram do Robinho de novo.
A mesma foto.
A mesma legenda.
Às nove, eu não aguentava mais.
Abri o chat.
“Mano, responde. Tô preocupado.”
Nove dias atrás.
Respirei fundo e escrevi:
“Robinho… olha, eu realmente não sei o que está acontecendo contigo.
Eu vi teu post hoje, e eu fiquei feliz por ti, de verdade.
Mas ao mesmo tempo, doeu.
O mínimo que tu podia ter feito era avisar que ia embora.
A gente sempre foi melhor amigo. Sempre.
Eu nunca fiquei sem saber de ti por tanto tempo.
Eu te procurei. Te chamei. Esperei.
Eu tentei entender.
Mas tu simplesmente sumiu.
E agora aparece em outro estado, em outro emprego, com outra vida, como se nada tivesse acontecido.
Só queria saber o que eu fiz.
Ou se tu só… cansou de mim.
Seja lá o motivo, eu espero que tu esteja bem.
Mas eu queria – precisava – que tu falasse alguma coisa.”
Enviei.
Dois minutos depois:
“Robinho está digitando…”
Meu coração disparou.
A mensagem chegou:
“Yuri… desculpa.
De verdade.
Eu devia ter falado contigo antes, mas eu não tava bem.
Não era contigo. Era comigo.
Eu fiquei… confuso.
Perdido da cabeça.
E fugir acabou sendo mais fácil do que encarar.
Semana que vem eu passo aí pra pegar o resto das minhas coisas.
A gente pode conversar.
Eu não quero ir embora brigado contigo.
Tu sempre vai ser meu melhor amigo.
Prometo que explico quando a gente se ver.”
Eu li várias vezes.
Alívio.
Raiva.
Saudade.
Medo.
Tudo misturado.
E uma certeza pequena, incômoda, roendo minhas costelas por dentro:
Samuel ia odiar isso.
E eu precisava pensar muito bem em como – e quando – contar.
Os dias seguintes pareceram deslizar por cima de mim como uma neblina pesada. A semana avançou com um ritmo estranho: lento quando eu estava sozinho, rápido demais quando o Samuel estava perto. E ele estava perto o tempo inteiro. Mais perto do que nunca.
Ele começou a aparecer com mais frequência na porta da minha sala de aula. Dizia que "passou ali na rua da minha faculdade por ali por acaso", mas ninguém passa por acaso três vezes na semana no prédio de Medicina às dez da manhã. Eu só olhava pra ele e ria, porque no fundo... eu gostava daquela presença. Gostava de saber que tinha alguém esperando por mim, alguém que parecia ansioso pra me ver, como se eu fosse a melhor parte do dia dele.
No fundo, eu sabia que tinha algo errado nisso. Sabia que havia um tipo de intensidade diferente demais no jeito que ele se aproximava, um tipo de precisão calculada na forma como ele sempre sabia onde eu estava, com quem estava, o que estava fazendo. Mas eu me deixava levar. Eu precisava me sentir querido. E ele sabia exatamente como fazer isso.
Cada gesto do Samuel parecia planejado pra ser perfeito. Ele aparecia com café, com chocolate, com gripal quando eu espirrava, com blusa extra quando chovia. Ele fazia piada, me abraçava pelas costas, esquentava minhas mãos frias entre as dele. Às vezes eu pensava se aquilo ali era real demais pra ser tão fácil. Outras vezes eu não pensava nada, só deixava acontecer.
E enquanto isso... o Robinho respondia minhas mensagens em monosílabos. Eu tentava não olhar, não comparar, não medir o tamanho da falta que ele fazia. Mas toda noite, antes de dormir, eu acabava abrindo aquela conversa e lendo tudo de novo. As palavras dele soavam cansadas, distantes, como se ele estivesse falando de um lugar muito longe, não só geograficamente.
Eu tentava me convencer de que estava tudo bem. Que ele voltaria. Que a gente conversaria. Que tudo se ajeitaria. Mas a verdade... a verdade é que eu estava começando a me segurar no Samuel pra não despencar no vazio.
E talvez ele soubesse disso.
A semana passou num piscar de olhos e quando dei por mim já era um quinta-feira a noite.
Eu e Samuel estávamos voltando da faculdade. Ele tinha me esperado na saída com o cabelo meio rebelde por causa do vento e uma camiseta preta que grudava nos ombros fortes, provavelmente de propósito. Ele sabia que eu olhava. E gostava de me pegar olhando.
Dentro do carro, o rádio tocava alguma música dos anos 2000 que ele dizia que era "clássico indispensável", mas que na minha opinião soava mais como trilha sonora de comercial antigo de perfume. Mesmo assim, eu deixei tocar. Ele batucava no volante, cantarolava errado e me olhava de canto como se estivesse testando até onde eu aguentava antes de rir.
— Tu tá estranho hoje — ele disse, virando na avenida.
— Estranho como?
— Estranho tipo... distraído. Pensando demais. — Ele fez aquela expressão de quem sabe exatamente do que está falando. — Pensando em alguém.
Eu girei os olhos.
— Não começa.
— Não tô começando. Só tô... observando.
— Observa menos.
Ele riu e estacionou perto da minha casa. Desligou o carro, mas ficou ali, me encarando no silêncio. Um silêncio denso, confortável, cheio de expectativa.
— Posso subir contigo? — ele perguntou.
A pergunta não era realmente uma pergunta. Era mais uma frase no ar, como se ele já tivesse decidido. Ou como se esperasse que eu decidisse o óbvio.
— Pode — respondi, e minha voz saiu baixa demais.
Quando eu desci do carro, ele desceu também. O vento bateu na minha camisa e eu estremeci ligeiro. Ele colocou o braço em volta dos meus ombros num gesto que parecia natural demais, íntimo demais. Um gesto que dizia "tu é meu" sem precisar de palavra nenhuma.
Subimos o prédio em silêncio. O elevador estava vazio, mas o espaço parecia menor. Era como se o corpo dele ocupasse o ar inteiro, como se estivesse cada vez mais perto, mesmo parado. Quando a porta abriu no meu andar, eu estava com o coração batendo num ritmo que não fazia sentido nenhum.
Entrei em casa e percebi que tudo estava apagado. Nenhuma luz da sala, nenhum barulho vindo do corredor. A casa respirava um silêncio profundo, daqueles que só existem quando você está realmente sozinho.
— Acho que Erick cedo ou saiu — murmurei, jogando a mochila no sofá.
— Ótimo — Samuel respondeu com um sorriso que eu conhecia bem. — Melhor pra nós.
Ele se aproximou antes que eu pudesse pensar. A mão dele veio até meu rosto, quente, firme. O toque dele sempre parecia mais quente do que deveria ser. Como se queimasse. Como se marcasse.
Quando a boca dele encontrou a minha, eu perdi o ar.
O beijo era intenso, urgente, mas ao mesmo tempo calculado. O Samuel beijava como se soubesse exatamente o que estava fazendo comigo. As mãos dele desceram pra minha cintura, me puxando mais perto, como se quisesse me colar nele. Eu senti as costas baterem na porta que ele fechou sem desviar a boca da minha.
— Tu é tão lindo, Yuri... — ele murmurou contra meus lábios, a voz baixa e rouca. — Eu fico doido contigo.
Eu não consegui responder. Só puxei ele pra mais perto, sentindo a respiração dele misturada com a minha, o calor do corpo dele pressionado no meu.
Ele me pegou pela cintura e me levantou um pouco, me guiando até o corredor. Eu ria contra a boca dele porque Samuel sempre fazia parecer que eu tinha o dobro do meu peso quando, na verdade, ele me carregava com facilidade demais. Ele me colocou contra a parede, beijando meu pescoço, minha mandíbula, meu queixo, como se quisesse mapear cada pedaço de mim.
— A casa toda apagada - ele sussurrou no meu ouvido. — Só nós dois aqui. Eu quase não acredito.
Minha pele arrepiou inteira.
Eu desabotoei a camisa dele com mãos meio trêmulas. Ele riu quando a peça caiu no chão, e tirou a minha logo em seguida, com uma pressa que me deixava quente por dentro. O corredor estava escuro, mas eu conseguia ver o brilho dos olhos dele, aquele brilho intenso que me deixava zonzo.
— Vem — ele disse, me puxando pela mão.
Nos jogamos no sofá tropeçando um pouco, rindo, semi-beijando no caminho. O sofá estava bagunçado, cheio de almofadas e cobertas em cima devido a mania de Erick de ficar dormindo no sofá, e antes que eu pudesse arrumar qualquer coisa, ele me empurrou suavemente de costas pra ele. Eu caí rindo, e ele subiu por cima de mim, beijando minha barriga, meu peito, meu pescoço - lento agora, vagaroso, como se estivesse saboreando.
— Tu não tem ideia do quanto eu senti saudade de ti hoje... — ele murmurou contra minha pele.
Eu arfei quando ele desceu a boca mais um pouco. As mãos dele seguravam minha cintura, firme, quente, possessiva. Eu fechei os olhos e me deixei levar, sentindo tudo, cada toque, cada respiração dele.
Estávamos os dois nus, Samuel com a língua no meu mamilo e um dedo na minha boca enquanto eu chupava.
E foi exatamente nesse momento que alguém acendeu a luz.
A luz inteira.
Clara. Aberta. Cruel.
Eu gelei.
Samuel congelou.
E uma terceira voz ecoou no quarto:
— MEU DEUS DO CÉU, YURI!!!
Eu arregalei os olhos.
— Erick?!?!
Erick estava na porta, segurando um pacote de pão na mão e um olhar de puro choque misturado com vontade de rir — ou de morrer.
Samuel, que estava praticamente deitado sobre mim, pelado, levantou devagar, como se temesse que qualquer movimento brusco ativasse uma bomba e apenas pegou sua cueca pelo chão correndo.
Eu tentei puxar o lençol pra cobrir alguma coisa, mas o lençol estava caindo do outro lado da sala. E eu também estava sem nenhuma roupa por perto, então me sobrou uma almofada para me tapar.
Erick piscou várias vezes, claramente tentando processar a cena. Então ele ergueu a mão, como se dissesse "não fala nada, por favor" e virou de costas.
— É... eu... eu só vim pegar um carregador que deixei aqui — ele disse, a voz embargada numa mistura absurda de constrangimento e risada contida. — Mas assim... porra... aviso, né? Uma meia luz... um barulho... QUALQUER coisa!
Samuel passou a mão no rosto, vermelho. Eu nunca tinha visto ele tão envergonhado. Nunca.
— Cara... foi mal — ele disse, ainda ofegante. - Eu achei que não tinha ninguém.
— CLARAMENTE — Erick gritou de costas, balançando o pacote de pão no ar. — Eu vi mais pele tua do que eu vi no vestiário da academia!
Eu coloquei as mãos no rosto, rindo e morrendo de vergonha ao mesmo tempo.
— Erick... por favor... só... espera eu botar uma roupa — eu implorei.
— Eu tô de costas! — ele respondeu se virando — Mas se vocês começarem de novo aí atrás de mim, eu juro que me jogo da janela.
— Ninguém vai começar nada — Samuel disse, tentando recuperar a dignidade e pegando a própria camisa do chão.
— ÓTIMO. — Erick respirou fundo. — Eu vou contar até dez. Se depois de dez segundos alguém estiver pelado, eu vou internar vocês dois.
— Erick, pelo amor de Deus — eu respondi, já tropeçando nas minhas roupas.
— Um! Dois! — ele começou, teatral, como se estivesse educando duas crianças pegando doce escondido.
Samuel ria baixinho enquanto vestia a camisa, mas eu vi na expressão dele um resquício de irritação. Uma tensão fina. Ele não gostava de interrupções. Não gostava de perder o controle da situação. E por um segundo, bem curto, eu vi um brilho estranho nos olhos dele.
Mas passou.
Quando Erick virou de novo, eu já estava sentado na beira da cama, de camiseta. Samuel estava mais composto, apesar do cabelo completamente bagunçado.
Erick olhou pra nós, respirou fundo e então começou a rir. Rir de verdade. Rir como se tivesse acabado de assistir a melhor comédia da vida dele.
— Vocês são um desastre — ele disse. — Eu juro... um desastre completo. Se meu coração fosse fraco eu morria ali na porta.
Eu ri porque não tinha opção. Samuel riu também, mas riu daquele jeito dele - com um sorriso amplo demais, controlado demais, quase como se estivesse mascarando alguma coisa.
— Tá — Erick concluiu. — Eu vim só pegar o carregador. Peguei. Agora eu tô indo. E vocês... pelo amor de Deus... façam o que forem fazer ATRÁS DE UMA PORTA TRANCADA.
Ele levantou o carregador como se fosse um troféu e saiu da sala
O silêncio voltou.
Eu respirei fundo e encarei Samuel.
Ele me encarava de volta e então sorriu, aquele sorriso puxado, cheio de covinhas, que sempre parecia carregar algo mais.
— Bom... — ele disse, se aproximando da cama. — Onde é que a gente tava mesmo?
Eu ri e joguei um travesseiro nele.
— Em lugar nenhum. Acabou. Sem clima.
Ele pegou o travesseiro no ar e jogou de volta, rindo.
— Nenhum clima? Tem certeza?
- Absoluta.
Ele se aproximou um pouco mais. O olhar dele era quente, firme, insistente.
— Eu recupero o clima em dois segundos. — Ele passou o dedo na minha mandíbula, devagar. — Menos, talvez.
Meu coração deu um salto involuntário. Ele sabia exatamente o que fazia comigo exatamente, .as antes que eu pudesse responder, Erick gritou da sala:
— SAMUEL, SE TU ENCOSTAR NO YURI DE NOVO EU VOU SABER! EU TENHO OUVINDO FINO!
Samuel olhou pra porta, respirou fundo... e começou a rir de um jeito tão sincero que eu me joguei pra trás no sofá.
E pela primeira vez no dia, eu ri junto. Riso leve, riso grande, riso bom, mesmo com a vergonha, mesmo com o susto. Mesmo com o clima quebrado.
Eu ri.
E o Samuel me olhou como se aquilo fosse tudo o que ele precisava ver no mundo.