🌑 O QUEBRAR DE ETHAN
Eu ainda sentia o calor da mão de Caleb entrelaçada à minha quando ouvi o barulho da porta atrás de nós.
Não foi grande. Nem violento. Nem dramático.
Foi um som simples — madeira contra metal — mas ecoou pelo meu corpo como se uma avalanche tivesse despencado sobre mim.
Eu virei devagar.
E lá estava ele.
Ethan.
Parado no vão da porta. A neve derretendo nos ombros do casaco. Os olhos azul-claros arregalados, dilacerados, tentando processar tudo o que via… e tudo o que não precisava ouvir para entender.
O mundo ficou mudo.
A aurora boreal continuava dançando acima de nós, indiferente, cruel na sua beleza. As cores refletiam no rosto dele, criando sombras que tornavam sua expressão ainda mais devastadora.
Ethan não olhou para Caleb.
Ele não precisava.
Ele olhou só para mim.
E naquele olhar — naquela fração de segundo — eu vi algo que nunca tinha visto em cinco anos de casamento: o momento exato em que o coração de um homem se quebra.
Eu soltei a mão de Caleb como se estivesse largando um objeto em chamas. Mas a queimadura já estava feita.
— Ethan — minha voz saiu falhada — não é o que… não aconteceu nada, por favor…
Ele piscou devagar, como se estivesse lutando para não desmoronar ali mesmo.
Mas quando finalmente falou, sua voz saiu baixa, calma demais. Calma que dói mais do que grito.
— Eu vi… o suficiente.
Meu peito se fechou.
— Ethan, espera…
Ele deu um passo para trás. Depois outro. Como se cada centímetro de distância fosse um golpe que ele mesmo precisava aplicar para sobreviver.
— Eu preciso… — ele quase engasgou — eu preciso sair daqui.
— Ethan, por favor, não vá assim. A gente conversa, eu explico, eu…
Mas ele não escutou.
Ou escutou, mas não aguentou. Virou o rosto, desviando como se meus olhos o machucassem fisicamente.
E então, simplesmente se afastou.
Entrou de volta no resort pelo mesmo corredor por onde tinha vindo — passos rápidos, duros, silenciosos — e desapareceu entre as portas, entre as luzes, entre as sombras.
Ele não correu. Ele não gritou.
Ele só… sumiu.
E isso foi mil vezes pior.
Eu fui atrás.
Claro que fui. Como uma louca, como uma ferida aberta, tropeçando pelo deck, pela neve, pelos corredores quentes demais e estreitos demais.
— ETHAN! Ethan, por favor! PARA! DEIXA EU FALAR!
Nenhuma resposta.
Eu virei esquinas, subi degraus, desci rampas, perguntei a estranhos, forcei portas.
Nada.
Meu marido tinha evaporado no ar frio de Golden.
E então uma mão segurou meu braço. Firme. Quente. Inevitável.
— Zoe. — Caleb me puxou para perto. — Para. Você não vai achá-lo assim.
Eu tremia. Do frio. Do medo. De mim mesma.
— Caleb, eu… eu destruí tudo. Eu preciso achá-lo. Eu preciso…
— Eu vou procurar por ele — Caleb disse, com aquela voz baixa que sempre me desmonta. — Você está em pânico. Vai se perder. Deixa que eu procuro. Zoe, olhe pra mim.
Eu olhei.
E a pior parte? Ele conseguia me acalmar.
Ele era tempestade para o mundo, mas para mim… sempre foi fogo que aquece antes de queimar.
— Vai para o chalé — ele disse. — Eu encontro o Ethan. Te prometo.
Voltei ao chalé sozinha.
O som da neve contra as janelas parecia mais alto do que antes, como se o mundo lá fora estivesse impaciente, batendo ritmado para lembrar que a noite ainda tinha muitas horas pela frente.
A lareira crepitava. O calor preenchia o ambiente. Mas eu estava fria por dentro.
Sentei-me no sofá, abraçando os braços em volta do corpo, repetindo o nome de Ethan baixinho, como uma oração que não encontrava santo.
Minutos escorreram em horas.
Então…
TOC… TOC…
Meu coração saltou.
Corri para a porta, imaginando — implorando — que fosse Ethan voltando, pronto para me ouvir, pronto para tentar.
Mas quando abri…
Não era Ethan.
Era Caleb.
Sozinho.
Com o olhar grave, frio, preocupado e… algo mais.
— Não o encontrei — ele disse.
O chão fugiu debaixo dos meus pés.
— Ele não está no bar, não está no chalé, não está no saguão. Perguntei discretamente. Ele se afastou de todo mundo. Zoe… ele desapareceu.
A angústia apertou minha garganta.
Eu me virei para dentro, cambaleando até o sofá. E Caleb entrou atrás de mim.
Fechou a porta devagar.
Se aproximou sem pressa.
E quando se sentou ao meu lado, o calor do seu corpo dissolveu qualquer fragmento de estabilidade que ainda restava em mim.
Eu estava assustada. Culpada. Despedaçada.
Mas quando Caleb pegou minha mão — como se fosse natural, como se fosse inevitável — a verdade cruel, proibida, inconfessável queimou dentro de mim:
Eu ainda o queria. Mesmo agora. Mesmo assim. Mesmo destruída por dentro.
— Zoe… olha para mim — Caleb pediu, aproximando-se.
Eu olhei.
E foi como se meu corpo descobrisse que estava faminto há anos.
Ele aproximou o rosto do meu — sem pedir, sem hesitar — e a tensão entre nós rompeu com um estalo silencioso.
A respiração dele bateu na minha boca, quente demais para ser suportável.
— Eu não posso… — tentei dizer, mas a frase morreu quando ele encostou a testa na minha, firme, total, prendendo meu queixo entre os dedos.
— Pode — ele murmurou, a voz baixa, grave, rasgando a minha resistência por dentro. — E você quer.
E quando a palavra “quer” saiu da boca dele, eu explodi.
Não houve lentidão. Não houve incerteza. Não houve espaço entre nós.
Eu agarrei a gola da jaqueta dele e o puxei, colidindo nossas bocas com a força de uma queda livre. Caleb respondeu na mesma intensidade — como se estivesse esperando esse exato segundo desde o dia em que nos separamos.
O beijo não foi suave. Foi um choque. Dois mundos se chocando, duas pessoas arrancando anos de silêncio com os dentes.
A mão dele entrou no meu cabelo, puxando com força suficiente para me arrancar um gemido abafado. Minha cintura foi tomada pela outra mão dele — firme, quente, exigente — e meu corpo se moldou ao dele sem pedir permissão.
Caleb me virou contra o sofá com urgência, como se meu corpo fosse a única coisa que pudesse impedir o colapso dele.
Caí de costas nas almofadas, e ele veio junto, peso, calor, respiração pesada e rápida contra meu pescoço.
Meu casaco era um obstáculo. O dele também.
E num gesto rápido, quase agressivo de desejo, ele deslizou os dedos sob o zíper e o puxou para baixo, abrindo espaço para a boca dele encontrar a pele quente entre meus seios, arrepiada, clamando por toque.
Eu arfava — não pensando, não raciocinando, apenas reagindo ao calor absoluto do corpo de Caleb sobre o meu.
— Zoe… — ele rosnou contra minha clavícula, mordendo leve — por que você fugiu de mim por tanto tempo?
Eu segurava o cabelo dele com as duas mãos, puxando, trazendo-o ainda mais perto, como se quisesse arrancar séculos de distância com um único gesto.
— Porque eu tive medo — confessei entre respirações falhas. — Medo de você. Medo de mim.
Ele levantou o olhar, os olhos verdes incendiados.
— Então deixa o medo morrer agora.
E quando ele voltou a me beijar, foi como se estivesse me devorando — lábios, boca, garganta. Não existia pausa. Não existia hesitação. Só a fome.
A mão dele subiu por baixo da minha roupa térmica, encontrando pele quente demais.
Eu arqueei o corpo por reflexo, um gemido escapando antes que eu pudesse controlar.
— Zoe… — A voz dele era quase um aviso, quase um pedido, quase uma rendição. — Eu te quero há anos. Não pede pra eu parar agora.
Eu não pedi. Eu não conseguia.
Minhas pernas se enroscaram no quadril dele. As mãos dele correram pela minha cintura, pelas minhas costas, pelo meu corpo inteiro como se estivessem tentando aprender de novo cada centímetro que deixaram para trás.
Nos movíamos juntos, urgentes, ofegantes, criando calor onde não deveria haver calor. As roupas ficaram pesadas, demais, quentes demais, sufocando o incêndio que precisava respirar.
E uma a uma, elas foram caindo. Deslizavam da pele, arrastadas por mãos tremendo de desejo reprimido, jogadas ao chão como se fossem lembranças inúteis.
Quando finalmente não havia mais camadas entre nós, o mundo desapareceu completamente.
O toque de Caleb era fogo puro. O meu, gasolina. E quando ele me puxou contra o corpo dele, sentindo pele contra pele, calor contra calor, desejo bruto contra desejo bruto, eu perdi qualquer fragmento de racionalidade que ainda tinha.
— Caleb… — Eu não tinha mais voz, só necessidade. — Agora…
Ele me segurou pelos quadris, firme, decidido, alinhando nossos corpos com um instinto primitivo e inevitável.
— Eu esperei tempo demais — ele disse, ofegante. — Tempo demais…
E então o ápice aconteceu.
Não devagar. Não suave. Mas com a violência deliciosa de algo que estava destinado a acontecer desde a primeira vez que nos olhamos anos atrás.
Eu arqueei, gemi, agarrei, perdi o ar. Caleb segurou meu corpo como se estivesse se segurando no próprio mundo. O ritmo entre nós era urgente, sem controle, sem pausa, sem lógica — puro impulso, puro desejo, puro reencontro.
O incêndio tomou conta de tudo.
A lareira explodia em estalos. Minhas unhas marcavam as costas dele. Os gemidos baixos dele se misturavam aos meus. E a sala inteira parecia girar ao redor do nosso colapso.
Quando chegamos ao ápice — juntos, intensos, impossíveis — a sensação foi tão forte que precisei agarrar o sofá com uma das mãos para não perder o corpo.
Caleb me envolveu imediatamente, ainda ofegante, ainda quente, ainda tremendo com o último impacto da explosão.
— Zoe… meu Deus… — ele sussurrou, enterrando o rosto no meu pescoço. — Isso nunca devia ter acabado entre nós.
Eu tremia, tentando encontrar minha própria respiração, perdida entre culpa e prazer, amor e caos, emoção e desejo.
E a frase que escapou da minha boca, fraca demais, verdadeira demais, mudou tudo:
— Eu sei.
Nós dois sabíamos o que aquilo significava.
E nada — absolutamente nada — seria igual depois daquela noite.
🔥 O INCÊNDIO QUE NÃO ESPERA PERMISSÃO
Eu pensei que o incêndio tivesse acabado quando caí ofegante sobre o peito de Caleb, o corpo ainda pulsando com a explosão que rasgou minha alma ao meio. Pensei que a culpa chegaria rápido. Que a consciência desabaria sobre mim como neve solta no topo da montanha.
Mas não.
Quando tentei recuperar o fôlego, o silêncio não trouxe paz. Trouxe fome.
A mão de Caleb deslizou lentamente pela minha espinha, traçando meu corpo.
E foi nesse toque — lento, consciente, inevitável — que percebi:
A noite não tinha acabado. Ela estava só começando.
Caleb ergueu o rosto do meu pescoço. Os olhos verdes estavam escuros, intensos, quase famintos.
— Eu ainda não terminei com você — ele disse, voz grave, baixa, quente demais para não incendiar de novo o que me restava de lucidez.
Minha respiração enganchou.
— Caleb… — era um pedido e uma rendição ao mesmo tempo.
Ele sorriu de lado, aquele sorriso que sempre significou problema.
— Você sabe que não acabou. — Sua mão agarrou meu quadril. — A gente esperou anos. Você acha mesmo que uma vez basta?
Eu tremi. Não de medo — mas da força com que meu corpo respondeu antes de qualquer palavra formar sentido.
Caleb me virou com controle total, como se estivesse guiando uma dança que nós dois já conhecíamos de outra vida. Eu mal senti o sofá sob mim quando ele puxou meu quadril, arrastando-me para perto, o corpo dele encontrando o meu em um ângulo novo — dominado, decidido, sem hesitação.
Meu coração disparou tão forte que eu ouvi.
— Caleb, eu… — tentei protestar, mas minha voz se dissolveu em ar quando ele passou a mão pela minha coxa, firmemente, como se estivesse reclamando território.
— Olha pra mim — ele ordenou suave, mas com força.
Eu o olhei por cima do ombro. E me perdi de novo.
Ele me segurou, inclinou meu corpo, mudou o apoio, aproximou o quadril do meu — e o mundo se ajustou em volta da gente de um jeito que só o desejo selvagem consegue fazer.
A segunda explosão não veio lenta. Veio urgente. Violenta. Com a força acumulada de anos de saudade e frustração.
Eu agarrei o braço do sofá, minhas unhas marcando o tecido Caleb mordeu meu ombro com um gemido grave, quente, que fez meu corpo inteiro arquear por reflexo.
— Assim… — ele murmurou contra minha pele — é assim que você sempre foi comigo.
Eu não conseguia falar. Não conseguia pensar. Só sentia.
Ele mudou o ângulo outra vez — rápido, ousado, exato — e eu perdi a voz num suspiro alto que eu jamais deixaria escapar em sã consciência.
— Zoe… — Caleb segurou minha cintura com as duas mãos, erguendo meu corpo para encontrá-lo — eu esperei tanto por isso que eu não consigo… parar…
E eu também não.
A noite engoliu nossos sons. O fogo da lareira iluminava nossos corpos em flashes quentes, sombras longas na parede. O tempo virou algo elástico, sem contorno, como se cada movimento reacendesse outra camada de desejo que eu desconhecia em mim.
Caleb me deitou de costas no sofá — mas não ficou ali. Ele deslizou a mão pela minha cintura, puxou meu quadril, aproximou-se com um domínio tão absoluto que meu corpo respondeu antes que minha mente percebesse a mudança.
Um novo ritmo. Uma nova posição. Um novo tipo de urgência.
Eu gemi seu nome — sem controle, sem filtro — e Caleb perdeu o ar, inclinando-se sobre mim como se aquela palavra tivesse derrubado o resto da armadura dele.
— De novo — ele pediu, a voz partida. — Fala de novo pra mim.
— Caleb…
— Assim.
E quando falei outra vez, ele inclinou minha perna, mudou o peso do corpo, entrou num ritmo ainda mais profundo, mais possessivo, mais faminto — e eu desabei inteira.
A terceira explosão — sim, terceira — veio como se meu corpo estivesse ouvindo uma música antiga que finalmente reencontrara.
Eu tremi. Arfei. Me desfiz.
E Caleb caiu junto, um gemido abafado contra minha garganta, segurando-me com força, como se pudesse me quebrar e salvar ao mesmo tempo.
Eu não sei quanto tempo ficamos ali — entre respirações pesadas, suor misturado, pernas entrelaçadas, pele quente.
Mas quando consegui abrir os olhos, Caleb me olhava como se eu fosse uma estrela caída na palma da mão dele.
— Eu disse que ainda não tinha acabado — ele murmurou.
E então me puxou de novo.
A noite não nos perdoou. Nem tentou.
Nós queimamos até não termos mais voz. Até o corpo falhar. Até o mundo inteiro virar calor e sombra e toque.
E antes que o sono finalmente nos derrubasse, exaustos, Caleb passou o braço por baixo da minha cintura, me puxando para o peito dele, e sussurrou:
— Eu nunca devia ter deixado você ir.
Eu queria responder. Queria dizer o que doía. Queria dizer o que queimava.
Mas dormi.
Nos braços dele.
E o mundo acordaria de um jeito diferente demais.
❄️ A AURORA DO DEPOIS
A primeira coisa que senti foi o calor.
Não o da lareira — essa já tinha virado brasas tímidas, respirando baixo. Era o calor do corpo de Caleb, pesado e morno atrás de mim, um braço descansando firme na curva da minha cintura, como se meu corpo tivesse sido moldado para caber ali.
Por um instante cego, esquecido, perigoso… eu permiti que a sensação me envolvesse.
A respiração dele, lenta e profunda, roçava meu ombro nu. Sua mão ainda tocava a minha barriga, possessiva até no sono. O lençol amassado guardava o cheiro da noite, da pele, da entrega absoluta.
E então, como um golpe…
Ethan.
Meu peito afundou.
A memória da noite voltou inteira, violenta, ardente, esmagadora. O beijo que devorou anos. O calor que destruiu limites. As posições, o ritmo, o fogo, o colapso. As promessas sussurradas na escuridão que eu jamais deveria ter ouvido de novo.
Eu traí Ethan. Não em pensamento. Não em intenção.
Mas em corpo. Em gesto. Em paixão.
E pior — parte de mim não se arrependia na intensidade que deveria.
Soltei um gemido quase inaudível, apertando o lençol entre os dedos. Caleb se mexeu atrás de mim.
— Zoe…? — a voz dele saiu rouca, quente, carregada do que vivemos. — Você está bem?
Eu não respondi. Virei rapidamente para sentar à beira do sofá, puxando o lençol para cobrir meu corpo.
O impacto emocional veio como uma avalanche: frio, pesado, impossível de conter.
Caleb sentou devagar atrás de mim, ainda sem vestir nada, o peito largo se aproximando das minhas costas.
— Ei… — ele pousou a mão no meu ombro. — Não foge de mim agora.
Eu fechei os olhos.
— Caleb… eu preciso encontrar o Ethan.
Silêncio. Um silêncio que pesou mais do que qualquer resposta.
Quando virei para encará-lo, os olhos verdes dele estavam mais fechados, sombras densas de possessão, e algo que parecia obscuro.
Mas ele assentiu.
— Então vamos.
Eu vesti minhas roupas com mãos trêmulas, como se vestir fosse um ato de culpa. Caleb fez o mesmo com calma demais, segurando meu olhar toda vez que eu desviava.
Saímos juntos para o frio da manhã.
O resort estava desperto — turistas conversando, funcionários limpando a neve, instrutores organizando equipamentos.
Mas nada parecia real.
Eu descia os degraus como se meu corpo fosse feito de vidro.
— Você viu meu marido? — perguntei à primeira pessoa que encontrei, a voz instável.
— Lockwood? — o recepcionista franziu a testa. — Ele não voltou para o chalé?
Meu estômago afundou.
— Não — respondi. — Desde ontem à noite.
O recepcionista trocou um olhar preocupado com uma colega.
— Estranho. Eu vi um homem subindo o caminho leste durante a madrugada. Me pareceu… perturbado.
Outra pessoa, ao lado, completou:
— Eu também vi. Subiu sozinho. Sem equipamento completo. Foi pela trilha leste.
O chão desapareceu sob meus pés.
Eu agarrei o balcão para não desmoronar de vez.
A trilha leste era a mais traiçoeira. A mais isolada. A mais mortal depois de uma tempestade.
— Meu Deus… Ethan… — minha voz falhou completamente. — Ele pode estar ferido. Ele pode…
— Zoe — Caleb segurou meu braço antes que eu caísse.
A firmeza dele foi uma âncora no caos.
— Calma. Vamos encontrá-lo.
— Mas e se… — Eu cobri a boca com a mão. — Caleb, e se ele se machucou? E se ele caiu? E se…
Caleb me puxou para perto, quase colando sua testa na minha, numa tentativa desesperada de me ancorar.
— Ele está vivo — ele disse, como se quisesse convencer a mim e a si mesmo. — Nós vamos buscá-lo.
— Caleb…
— Eu não vou deixar nada acontecer com você. Com ele. Com ninguém.
Eu inspirei fundo, engolindo lágrimas quentes demais para a temperatura ao meu redor.
O coração batendo em dois ritmos diferentes: o de Caleb, ainda marcado na minha pele, o de Ethan, desaparecendo na neve
Meu mundo estava dividido — e agora, um deles podia estar lutando pela própria vida.
Eu fechei a mão com força.
— Vamos subir a montanha. Agora.
Caleb assentiu, já percebendo a gravidade na minha voz.
— Vou preparar o equipamento. Te encontro na base em cinco minutos.
Ele saiu em passos firmes.
E eu fiquei sozinha no saguão, com a respiração presa, o coração esmagado e a neve lá fora caindo lenta, irônica, indiferente.
Eu não sabia como encontrar Ethan. Eu não sabia como encarar Caleb. Eu não sabia mais quem eu era depois da noite que vivi.
Mas sabia de uma verdade cruel:
Se Ethan tivesse subido a montanha quebrado por minha causa… então eu era a única que precisava trazê-lo de volta. Vivo.
Ou morrer tentando.
💔 A CAÇADA NA NEVE
Eu não consegui esperar.
Aquela frase – “Te encontro na base em cinco minutos” – não fez sentido suficiente para segurar minhas pernas no chão. Cinco minutos eram um luxo que eu não tinha.
Ethan podia estar ferido. Ethan podia estar perdido. Ethan podia estar morrendo.
Por minha causa.
A culpa explodiu no peito como um clarão quente, caótico, que expulsou qualquer raciocínio. Antes que percebesse, já tinha arrancado da parede o primeiro par de esquis disponível, sem verificar modelo, sem verificar estrutura, sem pensar se eram adequados.
Eu só sabia que precisava ir.
Sozinha.
A porta automática do resort se abriu e o vento frio me atingiu como um tapa. A temperatura tinha despencado — o tipo de frio que faz o ar morder o rosto e a pele arder imediatamente. O céu, antes claro, começava a se fechar numa manta cinza-escura. A luz de tempestade.
Uma nevasca vinha aí.
E eu ainda assim avancei.
A trilha leste ficava à direita, um caminho mais estreito que o restante, ladeado por árvores negras e altas. Eu não sabia para onde Ethan teria ido. A região era mais isolada. O lugar onde ninguém iria procurá-lo instintivamente. O lugar onde uma pessoa quebrada se esconderia.
O vento cortava, assobiando entre os galhos secos, empurrando neve solta contra meu corpo. Cada passo era mais lento que o anterior.
Eu tentei gritar.
— ETHAAAAAN!
O nome rasgou minha garganta, ecoando por um segundo — apenas um — antes de se dissolver no vento.
O som do mundo era apenas o da fúria da montanha.
O gelo sob meus esquis estalava alto, como se estivesse prestes a quebrar. A trilha ficava mais íngreme. Mais irregular.
— Ethan… por favor… me escuta…
Mas o vento uivava em resposta, preenchendo cada espaço, cada fresta, abafando minha voz como um predador que cala a presa antes de atacá-la.
Eu continuei subindo, as pernas queimando, o peito ardendo com cada respiração. Mas o que doía não era o esforço físico — era a culpa latejando, pulsando, me perfurando por dentro.
O que eu fiz? O que eu fiz?
A pergunta se repetia como tambor.
Eu tinha quebrado meu marido. Eu tinha quebrado minha vida. Eu tinha alimentado um fogo que eu sabia que destruiria tudo se reacendesse.
E agora… Ethan estava sozinho na montanha, talvez congelando, talvez perdido, talvez…
Eu não consegui terminar o pensamento. Meu coração não deixou.
Subi mais. E mais.
As árvores se tornaram silhuetas indistintas, nebulosas, engolidas pela neve que começava a cair pesada, grossa, antecipando a tempestade.
O vento mudou de tom — ficou mais grave, mais contínuo, o rugido de algo grande se aproximando.
A nevasca estava chegando. E eu estava presa nela.
Mas nada disso importava.
— Ethan! — eu gritei novamente, e desta vez minha voz quebrou no meio do nome. — Ethan, por favor, volta pra mim! Eu… eu tô aqui! Me escuta… por favor…
Nada.
Só o estrondo do vento. Só a neve cobrindo minhas pegadas atrás de mim, apagando meu caminho como se a montanha quisesse me engolir também.
Meu peito começou a doer de verdade — dor física, aguda, profunda — uma pontada entre as costelas que fez minhas mãos tremerem no bastão dos esquis. Uma lágrima quente escorreu pelo meu rosto, mas congelou antes de chegar ao queixo.
— Deus… Ethan… onde você está?
De repente, um galho estalou à minha direita — alto, seco, próximo.
Eu virei imediatamente, o coração disparando.
Nada.
Só neve caindo. Árvores rangendo. Sombra se movendo com o vento.
Mas eu sabia… sabia que meu marido estava ali em algum lugar. A montanha não o engoliria sem deixar rastros.
Eu avancei mais um metro — e quase caí quando um redemoinho de vento me empurrou para trás. A nevasca começava a se formar, fechando o mundo ao meu redor em um casulo branco e frio.
— Ethan… por favor… volta…
Minha voz sumiu na tempestade.
E foi ali, no meio da trilha leste, no meio da neve crescente, perdida entre árvores que pareciam vigiar minha ruína, que a verdade me atravessou como uma lâmina gelada:
Eu poderia perder Ethan. De verdade. Para sempre.
E eu — eu era a razão de tudo.
Minha perna falhou. Eu caí de joelhos na neve fofa, as mãos afundando até o pulso, o ar rasgando minha garganta como vidro quebrado.
A montanha uivava. O mundo girava. E eu não sabia se estava chorando ou só congelando.
Mas uma certeza queimou, mesmo em meio ao gelo:
Eu não sairia dali sem ele. Ou não sairia viva.
❄️ ENTRE A NEVE E O NADA
Eu não senti quando desmaiei.
Só lembro do vento cortando, da neve subindo até meus joelhos, do desespero queimando meu peito — e então, escuridão.
Quando abri os olhos, o primeiro som que ouvi foi o crepitar de uma fogueira. O segundo… foi a minha própria respiração áspera, fraca, como se meus pulmões estivessem congelados.
O teto acima de mim não era o do resort. Nem da cabana.
Era rocha pura.
Uma caverna.
Eu tentei me levantar, mas meu corpo protestou com uma dor profunda nas pernas e nos braços. Mesmo assim, me forcei a sentar. A fogueira lançava sombras quentes sobre a parede irregular, dançando como criaturas antigas presas no fogo.
E então o vi.
Ethan.
Sentado a poucos metros, encostado na rocha, me observando com uma expressão impossível de ler.
Não ódio. Não raiva.
Algo pior: frieza absoluta.
— Ethan… — minha voz falhou. — Meu Deus… você está vivo…
Ele piscou devagar, como se estivesse olhando para um animal ferido — e não para a esposa dele.
— Eu deveria estar? — perguntou, sem emoção.
A dor atravessou meu peito.
— Ethan, por favor… me escuta… eu…
— Não. — A palavra veio seca. Gélida. Mortal. — Não quero suas explicações.
Eu arrastei os joelhos, aproximando-me dele.
— Eu preciso pedir perdão. Eu preciso te dizer que…
— Você me destruiu. — Ele não precisou elevar a voz; a frieza era uma lâmina. — Isso é tudo que eu preciso ouvir.
As lágrimas queimaram minha pele, mais quentes que o fogo ao lado.
— Ethan, eu te amo…
Ele desviou o olhar, apertando a mandíbula.
— Você amou ele ontem à noite.
Silêncio. Como se até a fogueira tivesse parado para ouvir.
Eu abri a boca, mas nada saiu. A culpa era tão pesada que chegava a doer fisicamente.
Antes que eu pudesse tentar de novo…
PASSOS.
Profundos. Firmes. Ecoando pela entrada da caverna como batidas de um tambor de guerra.
Eu gelei.
Não era vento. Não era animal.
Era ele.
Caleb.
Mas não era o Caleb que me segurou no deck. Ou o Caleb que me incendiou no chalé.
Era um Caleb obscuro, tenso, movido por uma ferida antiga e recente ao mesmo tempo. Os olhos verdes estavam sombrios, semicerrados, não com desejo — mas com amargura.
— Finalmente encontrei vocês — ele disse, a voz grave, baixa, perigosamente calma.
Ethan se levantou de imediato, mesmo trêmulo, mesmo exausto. Os dois ficaram frente a frente.
E naquele instante…
Tudo explodiu.
— Você — Ethan cuspiu. — Você. Tudo começou e terminou com você!
— Não se engane — Caleb rosnou. — Zoe veio até mim porque você a perdeu muito antes de eu aparecer.
— Ela é minha esposa!
— Ela era muito mais do que isso quando esteve comigo.
Eu gritei:
— PAREM! POR FAVOR!
Mas já era tarde.
Ethan avançou primeiro, com um soco rápido que acertou Caleb no maxilar, virando sua cabeça com força. Caleb cambaleou — mas só por um segundo — antes de atacar de volta, atingindo Ethan no peito com um empurrão que o jogou contra a parede da caverna.
O som ecoou como trovão.
— Caleb, PARA! — eu gritei, tentando alcançá-los. — Ethan, POR FAVOR!
Eles não ouviram. Ou não quiseram ouvir.
Agora eram dois animais lutando não por uma mulher, mas por orgulho, dor, território — cada um tentando expulsar o outro da própria existência.
Ethan acertou um golpe na costela de Caleb. Caleb respondeu com o ombro no estômago de Ethan, derrubando-o no chão.
A caverna inteira tremia.
A neve lá fora rugia como se estivesse torcendo por sangue.
E então — antes que eu pudesse entender — Caleb montou sobre Ethan, prendendo-o ao chão, o antebraço pressionando seu pescoço.
— Caleb, NÃO! — meu grito saiu seco, desesperado.
Ethan tentou levantar os braços, mas Caleb estava mais forte, mais pesado, movido por algo que eu não reconhecia nele.
O olhar dele… Era o de alguém que já tinha perdido tudo e não pretendia perder de novo.
— Você nunca mereceu ela — Caleb rosnou entre os dentes. — NUNCA.
Ethan tentava se soltar, as mãos empurrando o peito de Caleb, mas os olhos dele já estavam vermelhos de esforço.
— CALEB, POR FAVOR! — Minha voz rompeu, rasgando o ar. — Para! Você vai…
Foi então que vi:
Do lado dos meus pés, semi-enterrado na neve trazida pelo vento, estava um dos meus esquis.
Leve. Afiado. Longo o bastante para separar dois homens…
…ou para encerrar algo para sempre.
E Caleb — cego de raiva — nem percebeu que eu o olhava.
Nem percebeu que Ethan já não conseguia respirar direito.
Eu não tinha escolha. Eu não tinha forças. Eu não tinha tempo.
Mas eu tinha um esqui.
Segurei-o. Com as duas mãos. Os dedos tremendo, a mente em colapso, o coração dividido entre dois homens e esmagado por ambos.
— Zoe… — Ethan engasgou, a voz fraca. — Ajuda…
Caleb pressionou mais forte.
E eu…Eu fiz o que ninguém mais podia. Eu ergui o esqui. E desci o golpe, mais forte do que eu pretendia.
🖤 O QUE RESTOU EM NÓS
— …e foi assim que aconteceu.
Minha própria voz me pareceu distante quando terminei de falar.
Cada palavra tinha saído arrastada da minha garganta, pesada demais, cheia demais.
Eu não sabia quanto tempo havia passado desde que comecei — minutos, horas, uma vida inteira.
Só sabia que, quando finalmente me calei, o silêncio era maior do que a caverna.
Ethan estava encostado na parede oposta, o rosto ainda marcado pela exaustão e pelos golpes, mas nada — absolutamente nada — era mais devastador que o olhar dele.
Ele não piscava.
Não respirava direito.
Apenas me encarava como se cada pedaço dele estivesse tentando decidir se ainda existia amor… ou só ruína.
Eu senti a garganta fechar.
— Ethan… eu precisava te contar tudo — murmurei, a voz rouca. — Não podia deixar nada escondido. Depois de… tudo o que fiz.
Um músculo tremeu na mandíbula dele.
Ainda silêncio.
Eu engoli seco, as mãos sujas de neve derretida apoiadas nos próprios joelhos.
— Eu… eu sei que errei. Sei que te magoei de um jeito que talvez não tenha volta. Mas eu te amo. Mesmo agora. Mesmo depois de tudo.
Nada.
A fogueira crepitou.
Uma pequena fagulha saltou e apagou no chão de pedra.
Ethan finalmente respirou fundo, os ombros subindo e descendo como se estivesse carregando o peso da montanha inteira sobre as costas.
— Zoe… — disse ele enfim, a voz baixa, firme, humana de uma forma que doía ouvir. — Você me destruiu.
Fechei os olhos com força, sentindo as lágrimas ameaçarem de novo.
— Eu sei.
— E ainda assim… — ele continuou, mas a frase caiu, perdida, como se as palavras não encontrassem forma.
Eu levantei o rosto devagar.
— Ethan, eu não quero perder você. Eu não vim atrás de você por culpa. Eu vim porque… porque eu não consigo existir sabendo que você pode estar machucado, ou pior. Eu vim porque você é… você é minha vida.
Ele virou o rosto para a fogueira, esfregando o polegar na palma da mão, um gesto que sempre fazia quando tentava segurar algo dentro de si.
— E você acha que isso é suficiente? — perguntou com voz baixa.
Eu senti a pergunta perfurar meu peito.
— Eu não sei — respondi com sinceridade. — Eu só sei que… eu faria qualquer coisa pra consertar o que quebrei.
Ethan riu — um riso fraco, sem humor, sem vida.
— E o que exatamente você acha que quebrou, Zoe? — Ele apontou para si. — O casamento? — Depois para o fogo. — A confiança? — E por fim, seus olhos voltaram para os meus, e nesse instante eu vi o abismo. — Ou você mesma?
Eu não consegui responder.
Porque era verdade. Eu tinha quebrado tudo. Nós dois estávamos despedaçados — cada um por motivos diferentes, mas pela mesma causa.
Eu.
— Ethan… — minha voz saiu num sussurro — eu estou aqui. Agora. Com você.
Ele fechou os olhos por um momento longo demais. Quando abriu, algo havia mudado.
Não era perdão. Não era amor.
Era… cumplicidade trágica.
Aquela que só nasce quando duas pessoas atravessam algo que ninguém mais entenderia.
Ele me estudou por longos segundos. Depois olhou para trás — para algo fora do meu campo de visão, algo que a fogueira não alcançava.
Eu não precisei me virar para entender.
Era Caleb.
O nome não dito entre nós era um fantasma que enchia a caverna inteira.
Ethan inspirou fundo.
— Zoe… — ele disse devagar — o que quer que aconteça daqui pra frente…
A respiração dele era um tremor quase imperceptível.
— …tem coisas que precisam ficar aqui.
Meu coração disparou.
— Ethan…
Ele me encarou, e no olhar dele havia algo sombrio, mas sólido. Um pacto silencioso. Uma decisão que não tinha mais volta.
— “Isso”… — disse ele, com a voz firme, quebrada, definitiva — morre aqui.
Eu senti o corpo inteiro tremer.
Porque eu sabia exatamente do que ele estava falando.
Do que seria enterrado ali dentro. De tudo que nunca seria contado. De tudo que viveria com a gente para sempre, na sombra.
Eu balancei a cabeça num movimento lento, pesado, aceitando algo que nenhum dos dois ousaria nomear.
— Então… — sussurrei — a gente deixa aqui?
Ethan olhou de novo para trás. Depois para mim.
— Sim. — E completou, num tom tão frio quanto a tempestade do lado de fora — Tudo.
A fogueira estalou. A neve caía. E a caverna fechava seu segredo ao nosso redor como uma lápide silenciosa.
Era isso.
A história acabava ali. Não com perdão. Não com amor.
Mas com um acordo.
E a certeza de que, a partir daquele momento… não éramos mais vítimas. Éramos cúmplices.
Alguns segredos nos salvam; outros nos condenam. O nosso fez as duas coisas.
Fim.
