Heitor d’Alencastro, professor de Literatura Clássica e defensor fervoroso do uso da mesóclise no cotidiano, tinha o hábito peculiar de narrar tudo o que fazia. Desde a escovação matinal —
“Escovar-me-ei agora com a força de mil centuriões romanos!” —
até suas evacuações intestinais —
“Oh, descarga redentora, que levas contigo o fardo das vísceras cansadas!”
Mas foi no campo sexual que sua verve arcaica encontrou terreno fértil e úmido.
Vanessa, sua namorada, conheceu-o numa palestra chamada “O Tesão Linguístico de Bentinho por Capitu: Análise do Frisson Literário”. Ela não entendeu quase nada. Mas Heitor, com seus gestos teatrais e palavras como "ventosidade glútea" e "múrmura epiderme", deixou sua calcinha mais úmida do que suco detox derramado na bolsa térmica.
O primeiro beijo ocorreu numa calçada irregular de paralelepípedos, e o primeiro coito, num estacionamento escuro atrás de uma casa de sucos chamada "Sucoterapia da Graça Divina". Foi ali que tudo começou.
No ápice do tesão, enquanto Vanessa desabotoava a calça bege dele com a urgência de uma fuga de incêndio, Heitor sussurrou:
“Ó ninfa libidinosa, permiti-me escalavrar vossos vales interiores com meu estandarte de carne em riste!”
Vanessa gemeu como uma cabra escaldada, perdeu o ar e teve um orgasmo cataclísmico, tremendo como gelatina numa rave. Ali, entre sucos naturais e o cheiro de gasolina, ela descobriu que seu ponto G não era apenas físico — era gramatical.
Cenas subsequentes tornaram-se episódios burlescos de pura insanidade semântica.
Num domingo à tarde, durante uma rapidinha na lavanderia da mãe dela (enquanto o tanquinho batia panos de chão), Heitor a virou contra a parede de azulejos floridos e, entre estocadas e respingos de sabão, declamou:
“Permiti, ó flor das auroras, que este vosso orifício traseiro, que ora se apresenta tímido como um camafeu, seja possuído com respeito e fogo!”
Vanessa gritou enquanto ele arrombava o seu cu “FAZ A MESÓCLISE, SEU DESGRAÇADO!”
Ele obedeceu:
“Penetrar-te-ei! Tocar-te-ei! Fazer-te-ei mulher e verbo e vulcão!”
Ela goza, ele goza, a máquina centrifuga.
Aos poucos, a fama do casal começou a crescer.
Foram expulsos de uma livraria após transarem na sessão de literatura russa, enquanto ele recitava Tolstói em cima de um puff. Foram denunciados por atentado ao pudor após uma cavalgada frenética dentro de um pedalinho de cisne no Parque das Águas. Ele gritava:
“Galope-me, ó Minerva equina! Deixai que vossos seios resplandeçam sob o sol da concupiscência!”
As pessoas em volta aplaudiram rindo sem entender.
Mas a tragicomédia sempre espera agachada.
Vanessa começou a sentir que por trás de todo aquele discurso florido, Heitor escondia uma ausência: ele sabia narrar o tesão, mas não sabia viver o amor.
Na cama, ele era Camões. No cotidiano, era um parágrafo sem sentido.
Cansada de só ouvir verbos e jamais escutar sentimentos, ela lhe pediu, entre lágrimas e tesão:
— Heitor… por favor… só uma vez… me chama de “minha”, sem florilégios. Me ama sem metáfora. Me toca com a mão do agora, não da Grécia Antiga.
Ele engasgou. Tentou, com esforço real:
— Amo-te… digo, amo… Vanessa.
O pau dele amoleceu pela primeira vez desde 2004.
Vanessa se vestiu. Deixou o apartamento. Levou apenas o “Aurélio” que usavam como apoio para fazer o “cachorrinho helênico”.
Sem ela, Heitor murchou como uma vírgula fora do lugar.
Tentou transar com outras, mas ninguém gozava com palavras como "pudendo" ou "períneo exsudante".
Fez um blog: "Erotismo Anacrônico: Ensaios e Estocadas". Ninguém lia.
Mas uma noite, enquanto corrigia redações do Enem e se masturbava lendo O Primo Basílio, a campainha tocou.
Era Vanessa.
Pelada.
Com um dicionário na mão.
— Trouxe o Dicionário de Sinônimos. Vamos ver quantas formas de chamar o meu cu a gente consegue antes do terceiro orgasmo?
Heitor não respondeu.
Apenas murmurou:
“Regressara-me a ninfa. E de joelhos, declamarei, pois verbo é carne, e carne — tua — é verbo que me fode por completo.”
E então, enfim, ele a amou. Sem parênteses. Sem reticências.
Mas com muita, muita crase.
FIM
“Pois entre fonemas e fendas, entre adjetivos e gemidos, descubro que o amor é, sim, uma oração completa com sujeito, predicado, e uma porrada de vírgulas úmidas.”
— Heitor, em sua autobiografia “Trepo, Logo Existo”
