Lorena acendia cigarros com o isqueiro de Darlan, só para vê-lo ficar puto. Darlan gritava, rosnava, batia nela. Às vezes enfiava a cara dela contra a parede da cozinha, sem aviso, só porque o arroz estava empapado ou porque ela se arrumava demais para ir “ao curso de estética”. Mas Lorena? Ela absorvia as porradas como quem bebe vinho caro. Porque no fundo, bem fundo — fundo como a alma de uma puta que pariu o próprio destino — ela sabia que ele ia pagar.
O curso de estética era uma mentira. Toda terça e quinta, Lorena entrava num Uber e ia até um antigo clube de striptease desativado na rua do Gasômetro. Lá dentro, o Clube da Chaga pulsava. Um lugar onde o sexo era cru, ritualístico, onde cada gozada vinha com um tapa na cara ou uma mordida no mamilo. Não havia amor ali. Havia teatro. Havia selvageria com significado. Havia Davi.
Davi era um artista plástico com barba rala, sorriso sarcástico e o olhar de quem já matou um passarinho esmagado na mão só pra ver como era. Ele pintava quadros com coisas que não deviam sair do corpo. Sangue menstrual, esperma de três homens diferentes, secreções que Lorena nem sabia que tinha. Ele a olhava como se quisesse desenterrar sua alma pela buceta.
Na primeira noite, ela chegou com a boca roxa de uma pancada de Darlan. Davi só disse:
— Isso é tinta. Vem cá.
E ela foi.
Foderam em cima de uma mesa de acrílico suja, com tinta fresca e vidro estalando sob o peso dos corpos. Ele penetrou sua buceta com os dedos cheios de nanquim, depois com a língua, depois o cu com uma cinta fálica cravejada de pregos de borracha. Ela gritou. Riu. Gozou duas vezes e depois chorou. Davi filmou tudo. Chamou de “O Nascimento de Lilith em Loop Invertido”. Vendeu por sete mil euros.
A partir dali, Lorena não era mais mulher. Era lâmina, suor e faísca.
E decidiu que faria o mesmo com Darlan.
Na quarta-feira seguinte, fez lasanha. Cortou as folhas de massa ouvindo Björk e pingando de uma seringa gotas de porra fresca de Davi no recheio. Enquanto o forno assava sua vingança, Lorena retocava o batom vermelho com a calma de quem já matou gente em outra vida. Darlan chegou bêbado, começando a assistir um pornô no celular com a música tocando alto…”É o Brazino, o jogo da galera, vem jogar Brazino…” Nem a olhou. Comeu. Arrotou. Peidou. E depois apagou no sofá.
Estava tudo correndo dentro do previsto.
Ela o acordou com beijos falsos, sorrisos, e uma história inventada sobre um "jogo erótico experimental", com venda nos olhos, cordas e surpresas. Darlan, idiota e excitado, topou. Lorena colocou-o no carro e foi até o galpão abandonado do Clube da Chaga. Lá, os outros membros esperavam em silêncio, nus, mascarados, com objetos cortantes nas mãos e um poeta travesti declamando versos de Plath em slow motion ao fundo.
Quando Darlan foi amarrado e percebeu que havia mais gente, tentou gritar. Alguém enfiou uma cueca usada na boca dele. Lorena apenas cochichou:
— Agora você vai sentir o que é ser propriedade de alguém.
Davi entrou. Nu. Suado. Com a máscara de gás e o chicote de arame farpado na mão.
A performance começou.
O que se seguiu não pode ser descrito com pudor. Mas é preciso dizer: houve cortes superficiais no peito de Darlan. Cada gota de sangue foi usada para escrever a palavra CULPADO nas costas dele. Davi penetrou a buceta de Lorena ali mesmo, em cima da barriga do marido. Ela gozou gritando o nome do pai ausente e depois urinou no rosto de Darlan, enquanto dançava uma música do Massive Attack.
A platéia aplaudiu.
A performance foi transmitida para um grupo fechado de colecionadores de arte degenerada. Um dos vídeos escapou. Viralizou. A polícia investigou — mas ninguém falou. Darlan ficou vivo, mas deixou de falar. Começou a cagar nas calças. Deixou de olhar o mundo como gente. Foi parar num sanatório.
Lorena e Davi sumiram por um tempo.
Berlim, seis meses depois.
Na inauguração da galeria, Lorena entrou nua, coberta apenas com tinta dourada e cicatrizes. Davi segura uma vela acesa e a pinga sobre sua língua enquanto ela lê um manifesto sobre a morte do pênis punitivo e a glória do clitóris iluminado.
A platéia chora, aplaude e se masturba sem pudor
É o renascimento do prazer como vingança.
É o mundo incendiando e gozando ao mesmo tempo.
E no último instante, enquanto sorriem com os dedos entrelaçados e os corpos suados, Lorena sussurrou para Davi:
— Eu menti sobre ser solteira.
Ele responde:
— E eu menti sobre ser artista.
Os dois riram.
O amor, às vezes, é uma mentira bem contada com orgasmos espasmódicos e sangue de coito selvagem.
Fim (ou talvez só o começo).
