Entre Irmãos

Da série Entre Irmãos
Um conto erótico de Mateus
Categoria: Gay
Contém 2256 palavras
Data: 04/12/2025 22:59:34
Última revisão: 04/12/2025 23:51:41
Assuntos: Atração, Festa, Gay, Paixão

Eu não percebi de imediato a ausência de Leandro.

Depois da conversa dura, madura, inevitável, aquela que desmontou o castelo secreto que nós dois havíamos erguido, eu passei dias caminhando pela minha casa como quem reaprende a usar o corpo. O silêncio parecia pesar mais que antes. As noites eram longas, dilatadas. Eu dormia mal. Tinha sonhos fragmentados. Acordava às vezes com a sensação do toque de Leandro no meu corpo, o cheiro dele preso na memória, e demorava alguns segundos até entender que aquilo não era real.

Mas a vida não perguntou se eu estava pronto. A vida veio e continuou, bem no momento em que eu tentava colar os pedaços, sem admitir pra ninguém que havia algo quebrado.

De qualquer maneira, eu não era mais exatamente o mesmo jovem tímido e disperso que havia caminhado pela estrada de terra ao lado de Leandro, tantas vezes. Algo dentro de mim havia se alinhado, como se finalmente tivesse encontrado o eixo que antes faltava.

Eu havia mudado de escola, para começar a cursar o ensino médio, e parecia mais presente, mais inteiro. Ainda era quieto, ainda era reservado, ainda carregava no olhar aquela doçura melancólica típica… mas agora eu sabia quem eu era. E isso, por si só, já mudava tudo.

Mesmo assim, socializar continuava sendo um território estrangeiro. E eu navegava por esse território como quem atravessa um campo minado: com cuidado, com hesitação, com alguma graça desengonçada.

Foi nesse cenário que surgiu Júlia. Julia era uma garota do segundo ano que eu conheci na escola nova.

Júlia, com seu sorriso impecável, seu perfume caro, seu vestido sempre claro demais, florido demais, doce demais. Ela também era novata, recém-chegada de outra cidade, com uma família tão numerosa quanto barulhenta e uma casa ainda mais agitada.

Quando Júlia chegou ao bairro, ninguém imaginava que aquela família recém-instalada iria, tão rapidamente, alterar o ritmo silencioso das ruas. Eles vinham de outra cidade, maior, mais movimentada, e traziam consigo algo de sofisticado, ousado e barulhento que contrastava com o cotidiano mais tradicional dos moradores dali.

A mãe era o tipo de mulher que chamava atenção sem pedir licença. Morena, bonita de um jeito luminoso, sempre arrumada, sorriso fácil e segura de si. Tinha passado por momentos difíceis: o marido e pai de seus quatro filhos havia morrido poucos anos antes, deixando-lhe uma herança generosa, terras, imóveis, investimentos e um patrimônio líquido expressivo.

Mas ela era ainda nova. Nova demais para vestir luto pelo resto da vida. No processo de reorganizar a própria história, conheceu um empresário influente e bem mais velho, dono de construtora, terrenos e participações em empreendimentos da região. Viúvo há anos, tinha apenas um filho, já adulto e casado. Era sozinho, rico, discreto e com fama de homem sério.

O casamento dos dois surgiu rápido, comentado, criticado, observado, mas ela nunca pareceu perder uma noite de sono por causa disso. Com o novo marido, ganhou mais estabilidade, mais conforto e a oportunidade de recomeçar a vida em uma cidade tranquila.

Com ela, vieram os quatro filhos do primeiro casamento. Cada um, a seu modo, carregando sombras e brilhos herdados tanto da mãe intensa quanto do pai falecido.

O filho mais velho, Heitor, de 23 anos, era a figura que primeiro chamava atenção entre os quatro irmãos. Alto, magro, elegante sem esforço, rosto bonito quase esculpido, tinha algo de melancólico que só aumentava seu charme.

Os olhos azuis acinzentados, uma herança rara do pai, contrastavam com os fios de cabelos escuros que caíam alinhados sobre o rosto simétrico.

Heitor era naturalmente descolado: tocava violão e teclado como se tivesse nascido com eles nas mãos, andava de moto com a mesma naturalidade com que tocava músicas tristes na varanda, tinha um carro velho herdado do pai, um xodó barulhento que ele dirigia com paixão nostálgica.

Não era exatamente extrovertido. Mas a vizinhança, especialmente as garotas, começou a disputar qualquer oportunidade de cruzar com ele na rua.

Havia nele um ar de luto não verbalizado, uma tristeza bonita, sofisticada, profunda. E, talvez, por isso mesmo, era o irmão que mais sentia a mudança de cidade.

O segundo filho era Miguel, de 21 anos. Miguel era o mais sociável. O mais “popular”. O mais falado.

O mais alto dos irmãos, também magro, loiro de cabelo curtíssimo e olhos castanhos curiosos, tinha um charme mais simples que o do irmão mais velho, menos poético, mais terreno. Mas chamava atenção porque era carismático, falante, espontâneo e engraçado.

Era aquele que conseguia entrar em qualquer roda de conversa, fazer qualquer pessoa rir, quebrar qualquer clima pesado. Tocava violão e guitarra, e dizia que “aprendeu tudo vendo Heitor”. Mesmo que fosse bravata, funcionava: os dois, juntos, eram um espetáculo.

As meninas do bairro suspiravam. Os meninos do bairro queriam ser amigos dele. Miguel floresceu com a mudança. Para ele, era novo público, novas amizades, novas oportunidades.

O terceiro era Rafael, com 19 anos. Ele destoava do restante da família. E sabia disso.

Enquanto os irmãos eram altos, magros e quase etéreos, Rafael tinha um corpo compacto, musculoso, prático: baixo, atarracado, braços fortes, pernas robustas, abdômen socado como quem nasceu para trabalho físico e não para palcos.

Pele morena, olhos escuros e expressão séria. Ele não tinha a beleza clássica dos irmãos, mas tinha algo sólido, terreno, garantido.

Sempre sentiu, mesmo sem querer admitir, que vivia na sombra dos dois irmãos mais velhos. Não tocava nenhum instrumento. Não chamava atenção. Não tinha nenhuma habilidade especial. Não tinha o mesmo magnetismo instantâneo.

Rafael era aquele que, ao chegar na nova cidade, passou semanas observando tudo: quem era quem, quais eram as famílias, quais eram os sinais de perigo. Sujeito esperto e sagaz, que enxergava tudo.

A caçula, Julia, era o retrato vivo do que a mãe sempre quis proteger. Loira, magrinha, olhos castanhos, delicada, doce até o limite. Se parecia com Miguel, tanto fisicamente quanto no charme suave, mas sem o exagero da falação dele.

Sempre bem-vestida, alinhada, perfumada, comportada. Era daquele tipo de menina que despertava imediatamente simpatia… e ao mesmo tempo uma ponta de irritação em quem não se sentia tão perfeito assim.

Mas o que ninguém via era a força interna. Júlia podia ser doce, mas não era boba. Sabia observar. Sabia encantar. Sabia quando calar e quando falar.

A mudança de cidade a perturbou menos do que aos irmãos; ela se adaptou rápido, como fazem aqueles que possuem beleza e suavidade como passaporte.

A família comprou uma das maiores casas do bairro: dois andares, piscina, churrasqueira, varandas amplas e garagem para vários carros.

Logo, o endereço se tornou ponto de encontro: festas pequenas, depois grandes. Gente entrando e saindo todo fim de semana. Música na varanda tocada pelos irmãos. Carros estacionados pelas calçadas. Risadas até tarde.

A casa era viva. Barulhenta. Carismática. E rapidamente se tornou famosa e inevitavelmente alvo de comentários.

Foi nesse cenário que eu primeiro percebi a chegada dos novos vizinhos… e também onde acontecimentos futuros, tensos, perigosos, irresistíveis, começariam a se costurar na minha vida.

Como disse, eu conheci a Julia na escola nova. Ela também recém-chegada, acabamos fazendo amizade através de alguns conhecidos em comum. Tínhamos a mesma idade, mas ela estava um ano na minha frente. Sempre conversávamos nos recreios e nas atividades extraclasse.

Eu a achava simpática… mas cansativa. Não era por mal, era só que a perfeição dela, aquela alegria constante, aquele ar de bonequinha polida, me deixava desconfortável. Eu preferia coisas mais reais, mais imperfeitas, mais vivas.

Mesmo assim, fomos nos aproximando. Ou melhor: ela foi se aproximando de mim.

E um dia, no intervalo da escola, com uma caixinha de suco nas mãos e um entusiasmo infantil brilhando no olhar, Júlia soltou:

— Vai ter uma festa lá em casa no sábado! Você tem que ir, Mateus. Tem que ir mesmo, viu? Eu conto com você!

Eu sorri, meio sem jeito.

— Ah, não sei se…

— Você vai sim — ela cortou, segura demais — É do lado da sua casa.

Ela achou que mandava em mim.

De fato, a casa ficava duas ruas atrás da minha. Era grande, nova, reformada pelo padrasto rico: dois andares, varandas largas nos dois pisos, piscina iluminada em azul-turquesa, um quintal que parecia cenário de revista. O portão sempre aberto. Os carros entrando e saindo. Música alta. Gente nas sacadas. Risadas ecoando.

Os quatro irmãos eram praticamente celebridades do bairro. Eu nunca tinha visto os quatro reunidos pessoalmente. Até aquela noite.

Eu cheguei à festa por volta das sete da noite, com uma camisa simples e jeans, o coração batendo acelerado demais. O som vibrava no peito. As luzes da piscina refletiam no rosto dos convidados.

Logo na entrada, Júlia veio até mim como se fosse dona do mundo.

— Você veio! — ela quase pulou em cima de mim — Eu sabia que viria.

Eu sorri, tímido, educado, tentando não transmitir que já estava arrependido.

— Vem, vou te apresentar pro pessoal!

E lá foi eu, puxado pela mão como um objeto precioso que ela exibiria para os amigos. Eu cumprimentei algumas pessoas, sorri para outras… até que Júlia parou bem em frente ao mais velho dos irmãos.

— Heitor, esse é o Mateus! Ele estuda comigo.

Eu virei a cabeça e senti o chão afundar sob meus pés.

Heitor era… bonito demais para ser real.

Alto, magro, postura relaxada. A pele branca parecia iluminada pela luz da varanda. O cabelo escuro, liso, caía sobre o rosto como nas fotos de revistas antigas. E os olhos, Deus, os olhos, eram de um azul frio, quase cinza, que parecia atravessar a pessoa em vez de apenas olhar para ela.

Ele segurava um violão apoiado na perna, como se fosse extensão de seu próprio corpo. Como se Bob Dylan tivesse brotado no interior de Minas Gerais. E, quando sorriu ao me ver, aquele sorriso foi simples, discreto, mas totalmente devastador para o meu eu garoto adolescente.

— Oi, cara — a voz dele era baixa, arrastada, ligeiramente rouca — Bem-vindo.

Eu engoli seco.

— Oi… prazer.

Os olhares se encontraram por meio segundo. Só meio segundo. Mas foi o suficiente para acender uma faísca tão clara, tão direta, tão elétrica, que eu senti o rosto esquentar.

Eu desviei o olhar imediatamente, com medo que alguém percebesse.

A festa seguiu. Júlia não desgrudava de mim. Mas, para mim, tudo parecia abafado, distante. Meus olhos procuravam Heitor sem que eu pudesse evitar. E, em alguns momentos, eu o encontrava: Heitor conversando com amigos, tocando alguma coisa no violão, mexendo no cabelo… e às vezes olhando de volta.

Eu sentia o estômago virar.

Não pode.

Não aqui.

Não assim.

Eu estava em um ambiente onde não era seguro demonstrar interesse por outro homem, especialmente por alguém como Heitor, o ídolo local, desejado por metade da vizinhança. E, ainda por cima, na casa dele.

Mas quanto mais eu tentava evitar, mais curioso ficava. Em um momento, Júlia foi buscar bebidas. Eu fiquei sozinho na beira da piscina, observando as luzes se mexendo na água. Foi então que uma sombra se aproximou.

— Tá achando a festa chata?

A voz estava perto. Muito perto.

Me virei devagar.

Era Heitor.

Sozinho.

Com as mãos nos bolsos e aquele sorriso pequeno, intrigado, que não deixava claro se estava brincando ou flertando. Talvez as duas coisas.

Eu tentei disfarçar, mas a respiração falhou um pouco.

— Não… não é isso — ri, nervoso — Só não tô acostumado com tanta gente.

— Percebi — Heitor se sentou no banco de madeira ao meu lado — Você parece… deslocado. No bom sentido.

— Como assim?

— Tipo… alguém que pensa demais pra estar num lugar barulhento — ele virou o rosto, me encarando — Acertei?

Eu senti o coração acelerar.

— Talvez — respondi, baixinho.

Heitor manteve o olhar em mim. Não era um olhar casual. Era um olhar atento, curioso… e algo mais. Algo indefinido, mas que me deixava completamente sem ar.

Por instinto, desviei os olhos, fingindo olhar para a piscina. Mas Heitor inclinou o corpo um pouco para aproximar o rosto do meu.

Não muito. Só alguns centímetros. O suficiente para tornar impossível ignorar.

— Você mora aqui perto, não mora? — perguntou ele, a voz mais baixa agora.

Eu assenti.

— Duas ruas acima.

— Já te vi passando por aí.

Meu coração disparou.

Meu Deus. Ele me percebeu?

Não… pare. Não viaja.

— Jura? — tentei parecer casual, mas a voz saiu instável.

— Juro — disse Heitor, com aquele sorriso que parecia saber mais do que dizia.

O silêncio entre nós ficou pesado, tenso. Um silêncio carregado.

Eu podia sentir o cheiro de Heitor, algo amadeirado, fresco, e a coisa toda me deixou enjoado de nervoso, como se estivesse vivendo um déjà vu emocional, uma lembrança distante de outra paixão proibida.

Finalmente, Heitor perguntou:

— Quer dar uma volta lá fora? Aqui tá meio abafado.

Eu pisquei, surpreso.

— Agora?

— Agora — disse ele, levantando — Só pra respirar um pouco.

Eu fiquei imóvel por alguns segundos. Naquele instante, veio tudo: a memória da fazenda, da estrada de terra, de Leandro. O medo de desejar alguém de novo. A insegurança de não saber como agir. O pânico de ser descoberto. E, ao mesmo tempo, o desejo feroz de seguir Heitor até o fim do mundo.

Respirei fundo.

— Vamos.

Heitor sorriu, satisfeito, e o gesto fez os olhos azulados brilharem na luz da varanda. Ele saiu primeiro, andando devagar.

Eu o segui.

E, enquanto passava pela porta que dava acesso ao quintal lateral, meu coração batia rápido demais, o mesmo medo, a mesma angústia, a mesma excitação proibida que achei que nunca sentiria de novo.

A noite estava só começando. E algo dentro de mim sabia: aquilo não era só uma festa.

Era o início de outra história.

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