Sementes do Coração (ROMANCE LGBT) - Capítulo 1 - A Herança

Um conto erótico de Sr Tumnus
Categoria: Homossexual
Contém 2667 palavras
Data: 04/12/2025 21:26:05

Capítulo 1 – A Herança

Estudar em uma outra cidade é um desafio e tanto, sai de Pernambuco e vim a São Paulo, cursar Biomedicina e aqui fiquei, há 10 anos atrás minha vida mudou com aquele resultado do vestibular. Aprovado em primeiro lugar no curso que sempre sonhei, desde criança sempre quis me tornar um grande cientista, apesar de amar plantas e terra, e quase ter escolhido biologia para seguir na botânica, meu desejo mesmo era os laboratórios, era estudar sobre doenças e sobre como podemos ajudar a curar as pessoas delas. Mas não podemos sempre salvar quem podemos, hoje pela manhã recebi a ligação de minha mãe me comunicando sobre o falecimento de minha vó Carmelita, como carinhosamente chamada de vó Lita. Ela foi uma das pessoas mais importantes para mim, não quero que mainha me escute dizendo isso, mas eu a tinha como uma mãe. Apesar da distância, a gente nunca deixou de se falar, eu ligava pra ela todos os finais de semana, ela me contava sobretudo, o que fazia no sítio, seu trabalho incansável com as sementes crioulas, a distribuidora que ela ajudou a criar e como César a tinha ajudado. Ao falar no nome dele, me vinha na mente inúmeras lembranças, a maioria delas boas, mas algumas nem tanto. César era meu primo e foi o meu grande e único amor, mas o destino quis a nossa distância.

Agora estava eu aqui, com o telefone na mão e as lágrimas rolando no rosto com a triste notícia que tinha recebido. Não pensei duas vezes, organizei minhas coisas, numa única bolsa e comprei uma passagem de avião direto pra Recife. Minha vó seria velada e enterrada em dois dias, então busquei me adiantar para chegar a tempo. No caminho do aeroporto me peguei pensando em tudo que vivi naquele sítio, todas as férias e feriados prolongados que passei lá, os ensinamentos de minha avó e o que ela tinha me dito na última ligação que fizemos, “as sementes do coração sempre estarão esperando, prontas para serem cultivadas”. Vó Lita me disse quando tocamos no nome do César e ela me disse que ele ultimamente tinha se fechado e se tornado um rapaz frio e que só pensava no trabalho. Ainda existia uma mágoa em relação a nossa despedida, ele não aceitou muito bem a minha partida, na verdade ele queria vir junto comigo, vim estudar também em São Paulo. Mas eu o impedi, disse que ele não deveria fazer isso e que o sítio e a terra de nossa avó precisavam dele. Ele viu aquilo como um desdém e uma falta de importância para com ele de minha parte, o que nunca foi verdade. O seu olhar triste debaixo daquele pé de acerola eu nunca mais vou esquecer e isso me parte o coração.

Voltando dos pensamentos antigos, estava eu no aeroporto de Guarulhos na sala de espera esperando embarque começar. Mandei mensagem para minha mãe falando que já estava a caminho, ela me respondeu dizendo que iria me aguardar no aeroporto e de lá iriamos imediatamente de carro pegar a estrada para Canindé de São Félix, no sertão de Pernambuco. Uma outra viagem, longa, duraria por volta de umas 6 a 7 horas de carro.

A voz do alto falante chamava os passageiros do voo e eu segui para a fila. A viagem de avião foi tranquila, desembarquei em Recife pela manhã, por volta das 7h e minha mãe esperava bem entusiasmada quando me viu passando pelo portão de desembarque. Abraçar ela naquele momento foi um alívio, mas também trouxe à tona todas as emoções que eu estava tentando manter sob controle. Seu rosto carregava o peso do luto, mas ela ainda conseguia sorrir para mim, e isso me dava forças.

— Filho, como você está? — ela perguntou, enquanto me apertava num abraço que parecia querer me deixar ali com ela para sempre.

— Eu... vou ficar bem, mãe. Só preciso de um tempo para aceitar a partida de voinha — respondi, tentando soar mais confiante do que realmente me sentia.

No caminho até o carro, o cheiro de mar e o calor de Recife me acolheram, uma lembrança reconfortante do lar que, apesar de distante, nunca deixou de ser meu. Minha mãe tentou manter uma conversa leve durante o trajeto até o carro, mas minha mente estava a quilômetros de distância, perdida em lembranças do sítio, da vó Lita e, inevitavelmente, de César.

Assim que nos acomodamos no carro, minha mãe deu partida. Pegamos a estrada se afastando de Recife com destino ao sertão, o caminho à nossa frente parecia se estender infinitamente, tanto no tempo quanto nas lembranças que começavam a inundar minha mente. O silêncio no carro foi quebrado apenas pelo som da música que minha mãe sempre gostou de ouvir durante as viagens — aquelas melodias antigas que pareciam carregar em si a nostalgia de tempos mais simples. E fomos ouvindo Alceu Valença, aquelas músicas me davam a nostalgia do carnaval de Recife e de como há muito tempo eu não vivia mais essa cultura. Uma coisa que lembrarei de fazer mais a frente quando as emoções de agora se acalmarem.

Enquanto o carro avançava pelo interior de Pernambuco, meu olhar se perdia nas paisagens que passavam rapidamente pelas janelas. O sertão tinha sua própria beleza; uma beleza crua, resistente, assim como as pessoas que viviam ali. Fui absorvido pelas lembranças das muitas vezes que viajei por essas mesmas estradas em direção ao sítio. Eu e César, com a janela do carro aberta, sentindo o vento quente e o cheiro de terra seca, rindo de coisas banais e fazendo planos para o futuro.

Mas esse futuro nunca aconteceu. Pelo menos, não da forma como havíamos imaginado.

A estrada parecia interminável, e eu me peguei pensando na última vez que vi César. Naquela despedida amarga, que ainda me assombrava. Ele não era o mesmo garoto cheio de vida que conheci na infância. Os anos o endureceram, e minha decisão de abandoná-lo contribuiu para isso. Na época, achei que estava fazendo o certo, convencido de que o sítio precisava mais dele do que eu. Mas e se eu tivesse permitido que ele viesse comigo? E se tivéssemos enfrentado o mundo junto?

— Jonas, você sabe que sua vó sempre acreditou que as coisas acontecem por uma razão. Minha mãe disse, interrompendo meus pensamentos.

— Ela ficaria feliz de saber que você veio.

Balancei a cabeça, tentando concordar, mas a verdade era que eu ainda estava tentando entender qual era essa razão. Qual era o propósito por trás de tudo isso? Voltar para o sítio agora, sem a vó Lita, parecia estranho. E encontrar César depois de tantos anos... eu não sabia o que esperar.

— Ela sempre falava sobre vocês dois — minha mãe continuou. — Sobre como vocês eram inseparáveis, sobre o quanto ela se orgulhava do homem que você se tornou. E do César também.

O nome dele trouxe um aperto no meu peito, mas eu permaneci em silêncio. Tudo o que eu conseguia pensar era na última coisa que vó Lita me disse: “As sementes do coração sempre estarão esperando, prontas para serem cultivadas.” Talvez ela estivesse falando sobre mais do que apenas sementes. Talvez ela estivesse falando sobre o amor que eu deixei para trás. Vó Lita sabia, apesar de nunca termos feito nada na frente de ninguém, ela sabia que o que havia entre César e eu era algo além de uma amizade.

O carro deslizou por mais algumas horas até que, finalmente, o sítio apareceu no horizonte. Mesmo de longe, ele parecia exatamente como eu me lembrava: os campos verdejantes, a casa de madeira e agora bem mais reformada imponente ao centro, a porteira onde eu e César passávamos horas conversando sobre a vida e o pomar gigantesco que vó Lita cultivava. Ao chegarmos, o carro de mainha passou pela porteira e não pude reparar que o arco que continha o nome do sítio, ‘Recanto do Amor Perpétuo’. Não pude deixar de sorrir ao ler novamente o nome do sítio, sempre achei um tanto exagerado, mas minha avó e meu avô eram muito apaixonados e aquele sítio foi resultado desse amo genuíno. Amor esse que lhe rendeu dois filhos, minha mãe Amália e tio Pedro, pai de César. Um tanto inconveniente, desde que me lembre. Ele nunca gostou da nossa amizade.

O carro estacionou bem à frente da casa do sítio e ao descer, reconheço a voz de Maria Célia, a moça que sempre viveu com voinha, ajudando-a no trabalho com as sementes.

— Jonas, meu filho, quanto tempo! Ela vinha em minha direção com os braços abertos, o rosto marcado pelo tempo, mas ainda radiante de afeto.

— Dona Maria Célia, é bom te ver — respondi, retribuindo o abraço caloroso.

— Sua vó falava muito de você. Dizia que estava orgulhosa demais do seu trabalho em São Paulo — ela disse, me olhando nos olhos com aquele carinho que só ela sabia expressar. — Mas agora você tá aqui, né? Era só o que ela queria.

— Eu queria ter vindo antes, mas... — comecei a falar, mas minha voz falhou. Maria Célia apenas assentiu, compreendendo o que eu não conseguia colocar em palavras.

Antes que a conversa pudesse continuar, percebi um homem de terno se aproximando. Ele tinha uma postura rígida e carregava uma pasta nas mãos. Suas feições eram sérias, mas havia uma gentileza em seu olhar.

— Jonas? — ele perguntou, estendendo a mão para mim. — Sou o doutor Omar, advogado da sua avó. Sinto muito pela sua perda.

Apertei a mão dele, ainda tentando processar a presença de um advogado ali, naquele momento tão delicado.

— Obrigado, doutor. O que o senhor está fazendo aqui? — perguntei, confuso.

— Sua avó me pediu para cuidar de alguns detalhes após o seu falecimento. Ela deixou um testamento — ele explicou, mantendo um tom de voz respeitoso. — Mas não se preocupe, Jonas. Lerei o testamento apenas após o velório e o enterro, conforme foi o desejo dela.

Minha cabeça girava com essa informação. Um testamento? Não fazia ideia de que vó Lita havia deixado algo tão formal. Sabia que ela se preocupava com o sítio, mas um testamento sugeria algo mais.

Enquanto tentava absorver a notícia, senti um olhar penetrante em minha direção. Olhei ao redor e, finalmente, meus olhos se encontraram com os de César. Ele estava ali, parado a poucos metros de mim, com uma expressão séria. Por um instante, o mundo ao redor pareceu parar.

César não disse nada. Apenas me olhou, seus olhos escuros me avaliando com uma intensidade que me deixou sem ar. O silêncio entre nós parecia pesado, cheio de palavras não ditas, de sentimentos não resolvidos. Ele se aproximou lentamente, e por um momento, pensei que iria me dizer algo. Mas tudo o que fez foi me cumprimentar com um leve aceno de cabeça.

— César... — murmurei, sentindo meu coração acelerar. Mas ele não respondeu. Apenas continuou a me encarar por mais um segundo antes de se virar e caminhar em direção à casa.

Fiquei parado ali, tentando entender o que acabara de acontecer. Havia tantas coisas que eu queria dizer a ele, tantas explicações que nunca dei, tantas desculpas que nunca fiz. Mas, naquele momento, tudo o que restava era o silêncio.

Maria Célia, percebendo a tensão no ar, colocou a mão no meu ombro.

— Vem, Jonas. Vamos entrar. Tem muita coisa pra fazer antes do velório.

Eu assenti, mas meu olhar permaneceu fixo em César enquanto ele se afastava. Aquele reencontro, tão carregado de tensão, foi apenas o começo do que eu sabia que seria uma longa e difícil jornada. O passado estava ali, pronto para ser desenterrado, e eu não tinha escolha a não ser enfrentá-lo, um passo de cada vez. Mas não sei se estaria disposto, minha mente agora estava focava no velório de minha vó e no seu enterro devido. E assim transcorreu, muitas pessoas vieram funcionários da distribuidora, alguns clientes e muitas pessoas da cidade. Voinha era bastante conhecida, principalmente pelos feirantes onde ela vendia suas sementes, bem como as frutas e verduras que ela mesma plantava e colhia. Era muita gente, típica cidade do interior. Assim que acabou o enterro o pessoal foi se dispersando, alguns se despediram e eu não puder deixar de observar César, com seu olhar frio e distante se manteve sempre um pouco afastado em todo o momento da despedida de vó Lita.

A atmosfera no sítio estava carregada de tensão. Todos se reuniram na sala principal, onde doutor Omar, o advogado, nos aguardava com a pasta nas mãos. Além de mim e César, minha mãe, Amália, e meu tio Pedro estavam presentes. Podia sentir a ansiedade de todos enquanto o advogado se preparava para ler o testamento de vó Lita.

— Agradeço por estarem aqui — começou, sua voz calma, mas firme. — Sua avó, dona Carmelita, deixou instruções muito claras sobre como desejava que suas propriedades e bens fossem distribuídos. Peço que ouçam com atenção.

O silêncio tomou conta da sala enquanto ele abria a pasta e retirava os documentos.

— Primeiramente, dona Carmelita deixou uma quantia de 100 mil reais para cada um de seus filhos, Amália e Pedro. Esse valor já se encontra disponível nas respectivas contas bancárias — ele anunciou, fazendo uma pausa para que a informação fosse absorvida.

Vi meu tio Pedro cruzar os braços, sua expressão se tornando cada vez mais fechada. Sabia que ele esperava algo mais substancial. Minha mãe, por outro lado, apenas assentiu, seu rosto sereno como sempre.

— Quanto ao sítio e à distribuidora de sementes crioulas, dona Carmelita expressou claramente que deseja que ambos sejam deixados aos seus netos, Jonas e César, para que continuem o trabalho que ela tanto amava — continuou doutor Omar, olhando diretamente para nós.

O choque percorreu meu corpo. Não estava preparado para isso. Olhei para César, que estava imóvel, a expressão impenetrável. Ele não parecia surpreso, mas havia algo em seus olhos que eu não conseguia decifrar.

— O quê? — explodiu tio Pedro, quebrando o silêncio com sua voz irritada. — Ela deixou o sítio e a distribuidora para os netos? E nós, os filhos, ficamos apenas com o dinheiro?

Mainha se adiantou, com seu tom firme e decidido.

— Pedro, você nunca se importou com esse sítio. Nunca esteve presente aqui. Quem cuidou de tudo, quem esteve ao lado de mamãe, foi César. Ele parecia mais filho dela do que você — ela disse, sem um traço de hesitação.

Tio Pedro abriu a boca para responder, mas recuou com olhar impiedoso que mainha lançou em sua direção. Ele sabia que ela estava certa, mas isso não diminuía a amargura em seu coração. Murmurando algo entre dentes, ele se recostou na cadeira, claramente descontente. Enquanto o silêncio voltava a dominar a sala, uma avalanche de pensamentos tomava conta da minha mente. A responsabilidade de administrar o sítio e a distribuidora era algo que eu nunca imaginei carregar. Minha vida estava em São Paulo, nos laboratórios, na minha pesquisa de doutorado, no trabalho que eu estava prestes a assumir.

— Eu... Eu posso passar tudo para César? — perguntei de repente, interrompendo o momento. O advogado me olhou com surpresa, mas logo assentiu.

— Sim, Jonas. A herança pode ser transferida legalmente para seu primo, se essa for a sua vontade — respondeu ele, sem esconder a curiosidade em sua voz.

Antes que eu pudesse formular outra frase, César finalmente se manifestou. Ele deu um passo à frente, seus olhos se cravando nos meus com uma fúria que me surpreendeu.

— Covarde! — rosnou César, com uma voz cheia de desprezo. — Vai embora mais uma vez, Jonas? Fugir como sempre fez?

Cada palavra dele era como uma facada, e eu fiquei completamente sem reação. Tudo o que eu queria era evitar um conflito, mas parecia que só consegui piorar as coisas. César me lançou um último olhar, cheio de mágoa e raiva, antes de se virar bruscamente e sair da sala, deixando todos em silêncio.

Eu queria correr atrás dele, explicar que minhas intenções eram as melhores, mas as palavras simplesmente não vinham. Fiquei parado, vendo-o ir embora, sentindo o peso do que acabara de acontecer.

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