Helena sempre foi uma mulher comum, daquelas que passam despercebidas no meio de uma multidão em São Paulo. Aos 31 anos, professora de literatura em uma escola pública na periferia, ela vivia sozinha em um apartamento apertado no Bom Retiro, rodeada de livros velhos e pilhas de provas para corrigir. Seu corpo era médio: seios firmes mas não chamativos, quadris que não viravam cabeças na rua, uma buceta que ela mal tocava exceto para higiene ou naqueles raros dias de tesão solitário, quando se masturbava mecanicamente com os dedos, gozando sem graça alguma, sem fogo. Nunca havia engravidado, nunca quis. Homens? Alguns namoros curtos, fodas insalubres que terminavam em um silêncio constrangedor. Ela achava que seu útero era só um órgão inútil, um peso morto no ventre.
Tudo mudou em uma tarde de julho, chuvosa e cinzenta. Sentada na sala de aula, corrigindo redações sobre Machado de Assis, sentiu um formigamento no ovário esquerdo. Não era dor, era... movimento. Como se uma bolha de ar estivesse presa ali, borbulhando devagar. Pensou em gases, talvez indigestão. Tomou um chá de erva-cidreira e ignorou. Mas à noite, deitada na cama com as pernas cruzadas, o formigamento virou coceira interna, profunda, como se algo vivo estivesse raspando as paredes do ovário com unhas minúsculas. Ela enfiou a mão na calcinha, tocou o clitóris por reflexo, mas não era tesão. Era pavor. "Deve ser um cisto", pensou. Marcou ginecologista para a semana seguinte.
A menstruação veio antes.
Era o ciclo de outubro, sempre pontual como um relógio suíço. Helena acordou com cólicas leves, foi ao banheiro, sentou no vaso com o absorvente já no lugar. O sangue veio espesso, marrom no início, como sempre. Mas então veio uma contração forte, uma pontada que a fez dobrar o corpo. "Que porra é essa?", murmurou. Olhou para baixo e viu: não era só sangue. Um fio viscoso, translúcido, como um cordão umbilical de silicone, descia pela fenda vaginal, pulsando levemente. No fim do fio, algo se mexia. Helena piscou, achando que era alucinação. Mas não: era um homem. Minúsculo, não maior que cinco centímetros, pele rosada e úmida como um recém-nascido, nu, com um pauzinho ereto apontando para cima como uma seta ridícula. Ele caiu no absorvente com um ploft molhado, tossiu um pouco de muco cervical e abriu os olhos — olhos pretos, adultos, cheios de fúria.
— QUERO VOTAR PRA CASA, CARALHO! — berrou ele, voz aguda como um rato esganiçado, mas clara, articulada.
Helena gritou tão alto que os vizinhos bateram na parede. Pegou o absorvente com nojo, o homenzinho se debatendo dentro dele, o pauzinho duro roçando o algodão como se tentasse foder o tecido. Correu para a cozinha, ligou o triturador de lixo na pia e jogou tudo lá. O barulho foi horrendo: um zumbido mecânico misturado a um grito minúsculo que foi abafado pelo giro das lâminas. Quando abriu a torneira, não sobrou nada além de uma gosma vermelha escorrendo pelo ralo. O cheiro era de esperma fresco, metálico e doce, subindo pelas narinas como um perfume amaldiçoado.
Ela vomitou na pia, depois se masturbou compulsivamente na cama, enfiando três dedos na xoxota ainda latejante, gozando em ondas de pânico e alívio, como se quisesse expelir qualquer resquício daquilo. Dormiu exausta, sonhando com vermes rastejando para dentro dela.
Na manhã seguinte, ele estava lá.
No pé da cama, coberto de restos de comida do lixo — pedaços de macarrão velho grudados no ombros como um suspensório —, o pauzinho ainda ereto, brilhando com uma umidade visível. Olhava para ela com uma mistura de ódio e desejo, olhos pretos fixos na calcinha dela. Antes que Helena pudesse reagir, ele correu pelo lençol como um rato treinado, subiu pela perna dela com mãozinhas ágeis, roçando a pele com o pauzinho duro que deixava um rastro pegajoso. Ela tentou bater como se quisse matar uma barata, mas ele foi mais rápido: mergulhou direto na vulva. Não foi uma penetração comum — a vulva se abriu de repente, como se virasse uma porta elástica, e o corpinho inteiro entrou de uma vez para dentro do canal vaginal, com um som de sucção úmida, como um dedo saindo de uma buceta ensopada. Helena sentiu um arrepio violento, as pernas se abrindo sozinhas, o corpo caindo de costas na cama. O homenzinho nadava dentro dela, roçando as paredes vaginais com o pauzinho, subindo em direção ao útero como um espermatozoide gigante. Ela gozou sem querer, um jato claro e quente que molhou o colchão, as contrações ajudando a empurrá-lo para cima. "Voltei pra casa, mamãe", ela jurou ouvir uma vozinha ecoar dentro da cabeça.
Dois dias depois, a segunda onda da menstruação veio.
Não era ciclo normal — era quase parto. Helena sentiu as contrações durante o dia inteiro na escola, suando frio enquanto explicava Dom Casmurro para adolescentes desinteressados. Correu para casa, trancou a porta, tirou a roupa e sentou no vaso com um espelho na mão. Os lábios vaginais se abriram sozinhos, inchados e roxos, e saíram três. Três homenzinhos idênticos, nus, eretos, gritando em coro agudo: "MAMÃE! QUEREMOS VOLTAR PARA CASA!" Eles caíram no absorvente, se debatendo em muco, os pauzinhos duros se esfregando uns nos outros como em uma orgia involuntária. Helena os pegou com uma pinça de sobrancelha e os jogou no vaso, dando descarga. Ouviu os gritinhos ecoando pelo encanamento enquanto giravam no redemoinho.
Mas à noite eles voltaram.
Subiram pelo ralo da banheira, molhados e fedendo a esgoto, escalando as paredes como aranhas minúsculas. Helena acordou com eles rastejando pela perna, três pauzinhos eretos deixando rastros pegajosos na pele. Um por um, mergulharam para dentro da buceta, que se abria como uma boca faminta, sugando-os para dentro com sons visguentos. Cada entrada era um mini-orgasmo: Helena se contorcia na cama, os seios balançando, o clitóris latejando como um coração exposto, gozando em jatos que encharcavam os lençóis. Dentro dela, sentia-os nadando, se esfregando nas paredes úmidas, fodendo microscópicamente as dobras do endométrio.
A multiplicação virou rotina.
A cada ciclo — agora irregulares, vindo a cada poucos dias —, mais saíam. Sete na terceira vez. Dezenove na quarta. Helena parou de trabalhar: pediu licença médica, alegando "problemas ginecológicos". Ficava em casa, nua o tempo todo, pernas abertas sobre toalhas velhas no chão da sala, esperando as contrações. Quando vinham, era um espetáculo grotesco: o canal vaginal se dilatava sozinho, os lábios se abrindo como cortinas de teatro, e os homenzinhos saíam em fila, nus, eretos, cobertos de muco cervical brilhante, gritando em coro: "NÃO NOS EXPULSE! O PARAÍSO É LÁ DENTRO!" Ela tentava matá-los de formas cada vez mais desesperadas: queimava com isqueiro (as cinzas se reagrupavam no ar e voavam de volta para dentro dela durante o sono, renascendo no útero); bebia cachaça com limão (os homenzinhos faziam festa no estômago, bebendo a pinga como néctar, e voltavam mais fortes, mais eretos).
Em poucos meses, milhares.
A xoxota de Helena virou uma colônia inteira, uma cidade-estado pulsante dentro do ventre. Ela sentia o movimento constante: formigamentos que viravam vibrações, vibrações que viravam terremotos internos. Deitada na cama com um espelho entre as pernas, via sombras minúsculas se mexendo sob a pele translúcida da vulva, como piabas em um aquário de carne. Os homenzinhos construíram coisas com o que tinham: ruas pavimentadas com coágulos menstruais endurecidos, vermelhos e irregulares como tijolos de sangue seco; casas feitas com crostas de corrimento, moldadas em iglus minúsculos que cheiravam a leite azedo; pontes tecidas com fios de absorventes internos, esticados como teias de aranha sobre as dobras vaginais. No centro, um templo erguido de muco seco que ela mesma ejaculava nos orgasmos involuntários — gozava sem se tocar, só de sentir a colônia se mexer, pedaços de óvulos que os homenzinhos coletavam e moldavam em pilares rígidos, como paus fossilizados.
A vida dentro dela era uma orgia constante. Helena ouvia as vozes o tempo inteiro, um coral abafado ecoando na cabeça como um sussurro vindo da buceta: "Aqui é quente... úmido... cheira a mamãe... vamos foder o endométrio!" Eles realizavam rituais na praça central: centenas de pauzinhos eretos se esfregando nas paredes vaginais como quem reza em uma catedral viva, criando fricção que a fazia gozar involuntariamente, os fluidos inundando a cidade como uma enchente bíblica. Helena ficava permanentemente molhada, os lençóis sempre encharcados de um cheiro primal de sexo e útero invadido, doce e salgado, como mel misturado a suor de virilha. Ela masturbava-se compulsivamente, enfiando os dedos até o fundo só para sentir os homenzinhos subirem nas suas falanges como marinheiros nas velas de um navio, lambendo as unhas com linguinhas microscópicas, tentando voltar para o útero. Cada orgasmo era uma catástrofe para eles: contrações que derrubavam prédios de coágulo, mas eles reconstruíam mais fortes, mais devotos.
Helena enlouqueceu de tesão e terror misturados.
Não saía mais de casa. Comia pouco, dormia menos. Sua barriga inchava não de gravidez única, mas da multidão crescente: pele esticada, veias azuis salientes como rios em um mapa hidrográfico. À noite, com a lua cheia filtrando pela janela, ela abria as pernas e deixava os homenzinhos "passearem": saíam em grupos exploratórios, rastejando pelo uretra como se fosse uma saída de emergência, escalando as coxas, lambendo os mamilos como quem escala montanhas carnais. Alguns tentavam entrar pela boca ou pelo ânus, mas sempre voltavam pela buceta, gritando "CASA QUENTINHA!" Ela gozava sem parar, o clitóris inchado como um pau pequeno, os orgasmos virando dor, o corpo inteiro latejando como uma genitália gigante.
No sétimo mês, não aguentou mais.
A colônia havia crescido demais: milhares de homenzinhos, uma metrópole pulsante que a fazia andar curvada, a buceta escancarada permanentemente, lábios roxos tremendo de exaustão. Deitou-se no chão do banheiro, azulejos frios grudando na pele suada, espelho na mão para ver o espetáculo final. Começou a fazer força, como quem quer cagar um planeta inteiro. As contrações vieram voluntárias, fortes, lancinantes, o útero se fechando como um punho gigante, expelindo a multidão em ondas.
A migração foi sangrenta, épica, bíblica.
O canal vaginal se abriu até o limite, os lábios roxos tremendo, rasgando levemente nas bordas com gotas de sangue fresco. Os homenzinhos saíram aos milhares, em filas organizadas como refugiados de guerra, nus, eretos, cobertos de muco, sangue e algo parecido com fluido amniótico que cheirava mal. Carregavam nas costas pedaços de coágulo como malas de exílio: miniaturas de templos de muco, ferramentas de fio de Tampax, relíquias de crosta branca. Alguns choravam lágrimas minúsculas que se misturavam ao fluxo. Outros cantavam hinos agudos, vozes ecoando no banheiro como um coral de ratos. Muitos paravam no clitóris para dar um último beijo de despedida, lambendo-o com linguinhas coletivas, criando um último arrepio que a fazia gozar involuntariamente, jatos claros espirrando buceta afora e afogando os mais lentos.
Helena fazia força e gozava ao mesmo tempo, o corpo convulsionando no chão frio, os seios balançando pesados, mamilos duros roçando o azulejo gelado. Cada contração expelia centenas, o chão virando um tapete vivo de corpos minúsculos se arrastando em direção ao basculante aberto, deixando rastros pegajosos de sêmen que saíam dos pauzinhos eretos e que ainda pulsavam. O cheiro era insuportável: sangue fresco, muco vaginal, esperma seco derretendo no calor do corpo, suor do esforço misturado a tesão residual. Ela gritava de dor e prazer, as contrações virando orgasmos múltiplos, ondas que irradiavam da pelve para o corpo inteiro, o cu piscando como se participasse da festa.
Quando o último saiu — um homenzinho solitário, o mais velho, com barba microscópica de pelos pubianos —, o silêncio foi ensurdecedor. A buceta dela estava vazia, enrugada, sangrando um pouco pelas bordas rasgadas, mas finalmente vazia, latejando como após uma maratona de pica.
Os homenzinhos se reuniram no parapeito do basculante, uns em cima dos outros, centenas de pauzinhos duros apontando para a lua como uma floresta de homenagens finais. Antes de pular para a noite — para onde? Para o mundo, para bucetas alheias, para o esquecimento? —, viraram-se para ela uma última vez e cantaram em coro, vozes agudas como sinos de cristal rachados:
— O paraíso era quente, úmido e cheirava a xoxota…
Por que nos expulsou, mamãe?
Lá era escuro e bom, lá éramos deuses e vivíamos bem…
Por que nos mandou para o frio seco desse mundo aqui fora?
Helena, ainda de pernas abertas, buceta escancarada e vazia, o corpo coberto de fluidos íntimos que grudavam como cola, respondeu com a voz rouca de quem ejaculou um mundo inteiro para fora do corpo:
— Porque até o paraíso cansa, seus filhos da puta. Porque uma buceta não é casa pra ninguém além de si mesma.
Fechou as pernas pela primeira vez em meses, sentindo a carne selar a vulva devagar, como uma porta trancada que nunca mais se abriria para ninguém. Os lábios vaginais, antes inchados e roxos de tanto uso involuntário, agora se colavam um ao outro com uma secreção viscosa e quente, formando uma linha lisa, rosada, perfeita. Era como se o corpo estivesse costurando a si mesmo, célula por célula, apagando qualquer vestígio de entrada ou saída. Helena passou a mão ali embaixo, com cuidado, uma quase reverência, e sentiu apenas pele lisa, quente, sem fenda, sem clitóris protuberante, sem nada que lembrasse a buceta que havia sido cidade, templo, útero-mãe de milhares. Só carne. Só silêncio.
O silêncio dentro dela foi maior que qualquer orgasmo, maior que qualquer grito. Pela primeira vez em sete meses não havia coral, não havia formigamento, não havia o peso de uma civilização inteira se mexendo entre suas pernas. O útero, antes dilatado e habitado, agora era um órgão pequeno, encolhido, adormecido, como se tivesse se cansado de parir sangue menstrual e resolvesse morrer de propósito. Helena chorou naquela noite, não de tristeza, mas de alívio tão profundo que doía nos ossos. Chorou até o travesseiro ficar encharcado, até o corpo tremer de cansaço, até dormir de pernas fechadas como uma criança que nunca precisou nascer.
Nunca mais menstruou.
O corpo simplesmente desligou o ciclo. Os hormônios se equilibraram sozinhos, como se dissessem: chega. Chega de sangue, chega de ovulação, chega de ser porta. A barriga desinchou em semanas. A pele voltou ao tom normal, sem veias saltadas, sem translucidez doentia. Os seios murcharam um pouco, os mamilos perderam a sensibilidade exagerada. Helena voltou a andar ereta, sem aquela curvatura de grávida de homúnculos. Voltou a usar calcinha, depois nem isso — porque não precisava mais proteger nada, não precisava mais conter nada.
Voltou a dar aula.
As alunas notavam algo diferente: a professora de literatura agora falava mais baixo, sorria sem motivo, olhava para o vazio como quem ouve uma música que ninguém mais escuta. Quando perguntavam se estava tudo bem, ela respondia apenas:
— Estou inteira.
E era verdade.
Às vezes, à noite, jurava ouvir ecos distantes de vozes agudas na rua — gritinhos minúsculos, como de ratos falando português, cantando hinos sobre uma buceta desaparecida. Uma vez achou ter visto, no reflexo da janela do ônibus, uma fila de homenzinhos nus correndo pela calçada, pauzinhos eretos apontando para o céu. Outra vez, no banheiro da escola, encontrou um coágulo seco no chão, perfeito, em forma de templo. Catou com papel higiênico e jogou fora sem olhar duas vezes. Porque sabia: eles não voltariam mais. Não podiam. A porta estava trancada para sempre.
Helena nunca mais transou.
Nem com homem, nem com mulher, nem com os próprios dedos, não havia mais orifício vaginal. O desejo não morreu — ele simplesmente mudou de endereço. Às vezes, no silêncio da madrugada, sentia um calor suave na pelve, como se o útero adormecido lembrasse do peso antigo e, por um segundo, tivesse saudade. Mas era saudade de si mesma, não deles. Ela se tocava ali, na carne lisa, sem fenda, e sorria. Não gozava mais como antes. Gozava de outro jeito: um gozo seco anal, ao redor do esfíncter, que não precisava de ninguém.
Anos depois, quando já tinha quase quarenta, Helena publicou um livro de contos. Ninguém entendeu direito. Eram histórias estranhas, sobre cidades dentro de ventres, sobre exílios de homens minúsculos, sobre paraísos úmidos que se fecham para sempre. O último conto se chamava “A Porta”. Nele, uma mulher expulsa um povoado inteiro de dentro de sua buceta e, ao final, trancou-a para sempre. A última frase era:
“E aprendeu que o maior orgasmo da vida não é abrir as pernas para o mundo entrar.
É fechá-las para sempre e descobrir que, lá dentro, já havia todo o necessário.”
Helena morreu aos 68 anos, sozinha, de causas naturais.
Disseram que o corpo estava leve, quase vazio.
No laudo do IML, o legista anotou, confuso:
“Útero atrofiado, vagina costurada com fio de nylon.”
Ninguém entendeu.
Mas Helena, onde quer que estivesse, sorriu com a sua buceta selada.
Porque, pela primeira vez na vida,
ela era só dela.
Vazia, leve, livre.
E inteira.
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NOTA DO AUTOR
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Prezado leitor,
Ao escrever esse conto, quis explorar, através de uma alegoria grotesca, a pseudo-obrigação social e familiar que muitas mulheres enfrentam em relação à maternidade — uma pressão que, embora disfarçada de "destino natural" ou "dever familiar", pode se tornar um fardo psicológico avassalador. Helena, a protagonista, encarna essa realidade de forma extrema: filha única de uma família tradicional, ela cresceu sob o peso constante de ser a "continuadora da linhagem". Seus pais, pastores evangélicos que viam na procriação um mandamento divino, a pressionavam com expectativas sutis, mas implacáveis: "Você é a única, Helena. Quem vai carregar o sobrenome? A quem vamos chamar de netos?". Nunca se casou, não por falta de oportunidades, mas por uma relutância profunda em dividir seu espaço interno — literal e metaforicamente — com outro. Essa pressão a abalou severamente durante anos, levando-a a crises de ansiedade e depressão, onde se sentia como um útero vendido para as expectativas alheias, um recipiente vazio aguardando preenchimento obrigatório. Os homenzinhos que brotam de seus ovários representam não apenas os filhos hipotéticos que a sociedade exige, mas também as vozes internalizadas dessa cobrança: familiares, igreja, cultura, todos colonizando seu corpo como parasitas que constroem "cidades" e "templos" com o que extraem dela, sem perguntar se ela quer ou têm necessidade.
A expulsão final da colônia — essa migração sangrenta e caótica — pode ser correlacionada à terapia que Helena vinha fazendo com sucesso nos meses anteriores ao "parto coletivo". Em sessões semanais com uma terapeuta especializada em traumas familiares e pressões desse gênero, ela aprendeu a identificar e confrontar essas vozes parasitas, externalizando-as através de exercícios de visualização e diários. A terapia a ajudou a "expulsar" metaforicamente esses intrusos: as expectativas alheias que a faziam se sentir culpada por não procriar, por não perpetuar o sobrenome, por não cumprir o "papel sagrado" de mãe. Cada sessão era uma contração voluntária, um empurrão consciente para fora, até que o silêncio interno se instalasse como uma vitória dura, mas libertadora.
Por fim, o selamento da vagina — essa carne que se fecha como uma porta trancada — alegoriza uma decisão pessoal e irrevogável de Helena: nunca mais permitir relações sexuais penetrativas pela vagina, eliminando qualquer risco de gravidez acidental que pudesse reativar o ciclo de pressão familiar. Filha única, solteira, ela optou por uma assexualidade parcial, permitindo apenas esporadicamente contatos pelo ânus, como uma forma de prazer controlado, sem o peso reprodutivo. É uma escolha conservadora no sentido mais profundo: conservar a si mesma, intacta, sem mais invasões. Não é rejeição ao sexo, mas uma redireção dele para um território que não carrega o fardo da linhagem. Helena, enfim, torna-se soberana de seu vazio — um vazio que não é ausência, mas plenitude sem obrigações.
Que essa história sirva de reflexão sobre os parasitas invisíveis que todos carregamos dentro de si, e sobre o alívio de, um dia, trancar essa porta.
Atenciosamente,
O Autor
