Oi, curte uma história fofa e tranquila? Esse é o conto certo para você. Só não esquece de curtir, compartilhar e comentar para ajudar esse humilde escritor.
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BRUNO ASSIS
Para de encarar, Bruno. Para de encarar.
Sério, o que tá acontecendo comigo? Na minha frente está Miguel Torres. Sim, O Miguel. O cara é praticamente uma entidade viva da TV Mundo. Conhecido como o rei da tragédia. E não é meme, tá? É real. Onde tem tragédia, tem Miguel. E olha... Se ele é bonito na TV, pessoalmente ele é, sei lá... ilegal. Só pode ser.
Porque não é possível alguém ser tão bonito assim. É um homem alto, negro, com olhos castanhos que, sinceramente, parecem duas pedras preciosas. E aquela camisa social? Jura que precisa ser tão bem ajustada assim? Parece que foi feita sob medida, costurada no próprio corpo. Desço os olhos — discretamente, tá? — e lá estão aquelas pernas fortes, bem desenhadas, dentro de uma calça social que... Nossa, até engolir saliva fica difícil.
— Para, Bruno. P-A-R-A. — murmuro pra mim mesmo.
Volto pro mundo real quando vejo um homem grande, tipo montanha, bater com a mão no pescoço do Miguel. Ele fica meio sem graça, dá aquele sorrisinho fofo e segue andando. Ok, respira. Foco.
Caminho até a recepção da TV Mundo, já depois de passar no RH pra pegar meu crachá. Agora ele balança no meu peito, todo bonitinho, com minha foto que, claro, ficou péssima. Me encaminharam pra encontrar a diretora de jornalismo, Alessandra Garcia.
E olha... não foi difícil encontrá-la.
Uma mulher loira, maravilhosa, cabelos presos em uma trança. Usa um vestido florido que, se fosse só pela roupa, passaria uma vibe fofa, tranquila, quase "vamos tomar um café e falar de astrologia". Mas a verdade? Só até ela abrir a boca.
— Aqui é a redação da TV Mundo Rio de Janeiro. — Ela começou, numa voz firme, grave, daquelas que não deixam espaço pra gracinha. — Sei que você já passou pelo treinamento nesta segunda-feira e hoje já veio pra batalha.
Engoli seco. Batalha. Tá.
— Você tem uma missão hoje, Bruno. — continuou, olhando direto nos meus olhos. — Acompanhar o nosso repórter Miguel Torres. Ele está no almoxarifado pegando os equipamentos. Neste momento inicial, eu quero que você só acompanhe e faça anotações. Se familiarizar com a rotina, entende?
— Claro, Alessandra. — Respondi, sorrindo meio torto, tentando parecer tranquilo. — Onde fica o almoxarifado?
E aí... Puta que pariu. Sério. Eu? Acompanhar o Miguel? Depois de pagar aquele mico olhando pra ele como se fosse obra de museu? Valeu, destino. Eu não acerto uma, né? Será que finjo um desmaio? Uma diarreia? Qualquer coisa serve. Eu sou um idiota, que vergonha, que droga, Bruno!
Seguindo as orientações da Alessandra, ando pelos corredores até chegar no almoxarifado. Um galpão enorme, cheio de tripés, câmeras, luzes, mochilas, cabos — sério, se alguém tropeça aqui, some. Lá no fundo, vejo ele. Miguel. Assinando uns papéis. Lindo. De novo. Ainda mais de perto.
Ok, Bruno, finge naturalidade. Vai.
Chego perto.
— A... A minha irmã é uma grande fã. — soltei, assim, do nada. A única coisa que minha cabeça conseguiu fabricar. E não é mentira. A Raquel era loucura pelo Miguel e a banda Axis.
Miguel levanta o olhar, dá um sorriso meio tímido e responde:
— Obrigado.
Gente, até agradecendo ele é fofo.
— Esse cara aqui é um ícone! — fala o cinegrafista que tá ao lado dele. Um homem corpulento, daqueles que você olha e pensa "se der ruim, é ele que me salva". Olho pro crachá: Amarildo.
— Então... A Alessandra pediu pra eu acompanhar vocês nas pautas de hoje. — falei, tentando parecer profissional, sério, competente... e, claro, não babar.
— Claro, ela já avisou. Pedi um colete pra você também. — respondeu Miguel, simpático.
— Co... co... coleque? — Gaguejei igual uma porta. — Digo... Colete? Pra quê o colete?
Amarildo não se aguentou. Soltou uma gargalhada tão alta que, se duvidar, tremeu o prédio. Miguel olhou pra ele, deu um soquinho no braço do cara e falou num tom paciente, mas tentando segurar o riso:
— É que... encontraram uma bomba no Grajaú. A polícia isolou a área, e a gente conseguiu o furo.
— Bomba? — repeti, praticamente sem voz.
Sério. Eu. No meu primeiro dia. Podia ser uma pauta leve, né? Tipo: "Feira de adoção de gatos", "Festival de coxinha vegana", "Dona Cida faz 100 anos e ensina que a receita para longevidade é cerveja". Mas não. É bomba. BOMBA!
E é assim que começa minha vida no jornalismo.
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MIGUEL TORRES
Se tem uma coisa que aprendi nesses mais de 10 anos de jornalismo, é que nada supera a rotina... até que algo, ou alguém, resolve bagunçá-la. Desde a saída da redação, o caminho até o Grajaú — 14 quilômetros, pra ser exato — já virou quase um ritual pra mim e pro Amarildo. Sabe aquele tipo de parceiro que, sem precisar falar, já entende o que você quer? Pois é. Mas, hoje, nosso ritual sagrado ganhou um elemento novo: Bruno.
Recém-chegado, novato na comunicação, olhar meio perdido... típico. Desde que entramos no carro, não soltou uma palavra sequer. Deve ser o nervosismo da primeira externa. Até aí, tudo bem. O que me surpreende é que, quando dou uma olhada no retrovisor, o garoto tá dormindo.
Dormindo.
Como alguém consegue dormir a caminho de uma pauta que envolve uma possível bomba? E mais... como alguém consegue ser tão bonito assim? Sério. Esse moleque, daqui a pouco, vai ter fã-clube, fã-page, grupo no zap...
Tava até me distraindo com esse pensamento — o que, pra mim, é raro em dias de pauta tensa — quando, do nada, o Amarildo pisa no freio como se tivesse visto um muro surgir no meio da rua. O tranco me joga contra o cinto, e, de brinde, acordo o Bruno, que solta um grito sufocado, perdido entre o susto e o sono.
— Que p... é essa, Amarildo?! — Esbravejo, segurando no painel.
O Amarildo só dá aquele risinho sem vergonha dele. Aquele mesmo que eu conheço desde que começamos a trabalhar juntos, faz uns bons anos. Ele é gente boa, de verdade, mas tem essa mania de passar dos limites de vez em quando.
— Foi só pra acordar o garoto, pô. — Ele dá de ombros.
— Pô, Amarildo... — Suspiro, tentando não perder a paciência. Viro pro retrovisor, olho pro Bruno, que tá mais branco que papel de ofício. — Desculpa o comportamento do Amarildo, Bruno. — Digo, e tento descontrair. — Ele cresceu perdido no meio do mato, lá no Parque da Tijuca.
— Foi mal, parceiro. — Amarildo levanta uma mão em sinal de paz.
— Tudo bem... — Bruno ajeita os óculos, ainda meio sem entender se acordou num pesadelo ou numa van de reportagem. — Sei que vocês já têm uma dinâmica... A mim cabe o papel de observador.
— Observador, nada. — Falo, dando uma risada. — Se quiser perguntar, perguntar de tudo. Não se acanhe, não.
E, pra não perder a chance de me zoar, o Amarildo solta:
— O Miguel é um unraculo do jornalismo, Bruno.
— É oráculo, cabeça de bagre! — Corrijo, segurando o riso. — Mas é isso aí, um negócio desses.
O resto do caminho foi mais tranquilo, dentro do possível. Usei o tempo pra revisar a pauta — aquele arquivo sagrado que a produção manda, com o resumo de tudo: contexto, contatos, informações já apuradas... Nessa cobertura, como de costume, eu faria uma entrada ao vivo, um VT pra edição do jornal e, claro, um resumo pra redes sociais. A vida do repórter moderno é assim: multiplataforma, na marra.
Quando chegamos ao Grajaú, demos de cara com uma viatura da Polícia Civil bloqueando uma das ruas. A equipe da CORE já tava na área, cães farejadores circulando, policiais conferindo cada canto como quem procura agulha em palheiro. Segundo o capitão Eduardo, a denúncia sobre o artefato tinha sido feita, mas, até aquele momento, nada encontrado.
Mal deu tempo de descer do carro, e meu celular vibrou. Era a produção. Queriam a primeira entrada ao vivo. Olhei pro Bruno — o garoto tava paralisado, olhos arregalados, segurando o tripé como se fosse um escudo. A primeira externa dele já era uma pauta de bomba. Bem-vindo ao jornalismo, parceiro.
Mas eu não podia cuidar dele agora. Vesti o colete, ajeitei o microfone e me conectei com o diretor do jornal, o Ademar Araújo.
— Ademar, situação aqui é a seguinte... — Comecei, atualizando ele sobre o que sabíamos até então. — Nada encontrado ainda, mas a busca segue.
A tensão antes de entrar no ar é sempre a mesma. Pode ser a primeira ou a milésima vez, não muda. A cabeça roda pensando em tudo que pode dar errado: som, luz, gente gritando, cachorro passando, carro buzinando... e, claro, uma bomba de verdade.
— Já tá enquadrado, Torres. — Disse Amarildo, ajeitando a câmera. Vi que ele cochichava alguma coisa pro Bruno, passando umas dicas, orientando onde ficar, como ajudar. Por mais doido que seja, o Amarildo tem esse coração mole pra quem tá começando.
Ele faz a contagem:
— Atenção... 4, 3, 2... vai!
Puxo o ar e disparo:
— Olá, Luana. Olá a todos que acompanham a programação da TV Mundo. É isso mesmo, Luana. Uma equipe da CORE está em busca de uma possível bomba aqui no bairro Grajaú. Os policiais receberam uma denúncia anônima sobre um artefato supostamente instalado nas proximidades da Escola Estadual Juscelino Kubitschek. Nossa equipe acompanha de perto os desdobramentos e a qualquer momento voltamos com mais informações.
Assim que fecho o texto, fico estático, esperando o "corta" do diretor. E é nesse exato instante que ouço um latido — não qualquer latido, mas aquele latido específico, tenso, insistente, do cachorro farejador. Olho pro lado e vejo o Bruno, que deu dois passos pra trás, tentando se afastar do bicho... e acabou pisando, sem perceber, em uma mochila jogada bem ali, no meio da calçada.
O cachorro enlouqueceu. Começou a puxar a guia, latindo, rodando em volta do Bruno, que congelou, me olhando como quem pede socorro sem dizer uma palavra.
— Achamos o artefato, Capitão! — gritou o policial que segurava o cão.
Senti meu estômago despencar. Vi o Bruno pálido, olhando pra mim, enquanto a equipe da CORE corria na direção da mochila.
E, naquele momento, eu só pensava em duas coisas: que Deus nos proteja... e que isso vai dar uma baita matéria.
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BRUNO ASSIS
Eu vou morrer.
É isso. Simples assim. Eu, Bruno, 23 anos, jornalista recém-contratado da TV Mundo, estou prestes a explodir em praça pública. Espero que seja rápido. Espero que eu suma numa bola cor-de-rosa e que pelo menos não sobre nada para a internet fazer piada.
Olhei ao redor. A cara do Miguel, meu novo colega de trabalho, estava indecifrável. Um misto de choque e cálculo jornalístico. Amarildo, o cinegrafista, continuava filmando como se estivesse diante de um show pirotécnico prestes a começar — e, tecnicamente, estava. Um dos policiais se aproximou devagar da minha mochila no chão, analisando a situação. Então confirmou, com aquele tom calmo que só piora tudo:
— Ele tá em cima de um artefato explosivo.
Maravilha. A bomba é real.
— Como é seu nome, jovem? — perguntou um dos policiais, mantendo a voz firme, mas gentil.
— Sou Bruno. — respondi, tentando parecer menos em pânico do que estava. Ele olhou para a minha farda — o colete azul da emissora — e caminhou até Miguel.
Ficaram um bom tempo conversando, e o calor começou a me incomodar como nunca antes. A roupa social grudava no corpo, o colete abafava tudo, e o suor descia pelo meu rosto como se alguém tivesse aberto uma torneira. Olhei ao redor: a multidão crescia. A equipe do CORE tentava conter as pessoas, mas era inútil. Gente com celular, com câmera, com microfone. As outras emissoras chegaram. Todos esperando o furo de reportagem — literalmente. O repórter que virou manchete por explodir ao vivo. Grande momento do jornalismo brasileiro.
— Bruno, me chamo Capitão Eduardo. Tá tudo bem?
Respirei fundo. — Bem, Capitão, não querendo ser indelicado, mas tá tudo meio bosta.
Ele não riu. Só assentiu com seriedade, como quem já viu coisa pior.
— O nosso melhor soldado está se preparando para desarmar a bomba. Por favor, não faça movimentos brutos. — E saiu dali com passos largos e precisos.
Fiquei parado. Muito parado. Mais parado do que qualquer ser humano deveria ficar. E nesse silêncio forçado, comecei a pensar.
Quantas vezes estive do outro lado? Eu era o telespectador. Consumia notícias nas telinhas e internet. Na faculdade, quantas vezes me ensinaram a não sensacionalizar, a respeitar o tempo do entrevistado, a não transformar gente em espetáculo? Pois é. Agora sou o espetáculo. A notícia. O caso curioso do repórter que pisou numa bomba no segundo dia de trabalho. E o pior: com a camisa amassada.
Pensei na minha mãe. No quanto ela me alertava para ter mais cuidado, prestar atenção, não ser apressado. Pensei na minha irmã. A última coisa que disse a ela foi: "Não esquece de passar as minhas camisas." Ela riu e respondeu alguma coisa que não ouvi porque já estava na porta.
Droga. Milhares de vezes, droga.
E por que tá tão quente, meu Deus? O sol parecia uma frigideira virada para baixo. Tentei pegar o celular no bolso, mas o policial me cortou de novo:
— Não se mexe!
Ok. Pensar. Respirar. Não se tremer. Fácil.
Ou não. Porque Miguel, o anjo da imprudência, decide entrar ao vivo. "Boa tarde, telespectadores da TV Mundo. Estamos acompanhando um acontecimento inédito: um repórter da nossa equipe encontra-se em situação delicada, com risco iminente..."
Eu juro que se sair vivo dessa, ele vai ver o que é uma situação delicada.
É isso. Se eu sobreviver, vou ser demitido. Tenho certeza de que a diretoria da TV Mundo está me odiando neste momento. Funcionário novo fazendo merda ao vivo. Segundo dia. Nenhuma chance de reverter isso. Talvez seja melhor explodir logo e deixar de enrolação.
Foi aí que um homem se aproximou.
Eu não sabia de onde ele tinha vindo, mas a multidão pareceu silenciar à medida que ele avançava. Estava vestido com... olha, é difícil de explicar. Era uma roupa que parecia uma mistura de armadura tática com fantasia de filme. Lembra o Homem de Ferro, só que versão caseira, meio improvisada, meio assustadoramente real. O visor cobria o rosto, e os movimentos dele eram calculados, como os de alguém que sabe exatamente o que está fazendo.
E foi nesse momento que percebi: ou eu ia morrer... ou ia viver pra contar a história mais insana da minha vida.
Talvez até virasse especial de fim de ano.