Dia 03
Terceiro dia e já tinha um ménage na conta. Puta que pariu, ainda bem que meu relacionamento é aberto, senão estaria correndo em culpa agora. Até quis contar para ela sobre o ménage que ela mesma vive propondo, porém nosso acordo não permite contar nossas aventuras. Melhor assim; não sei se estou preparado para ouvir as histórias dela. Abro os olhos, o quarto está um forno. Ande precisa pôr um ar neste quarto, pelo amor de Deus.
Meu amigo dorme nesse inferno como se não fosse nada; deve ser o costume. Me levanto e sigo minha nova rotina de ir ao banheiro tomar meu banho, escovar os dentes e trocar de roupa. Quando volto para o quarto, Ande está acordando, o que é um milagre; ele não é mesmo de acordar cedo.
— Que horas são? — ele pergunta.
— São nove e meia. — Ficamos vendo Jujutsu ontem até tarde.
— Vamos comer alguma coisa e ir para a academia — ele fala.
— Meu corpo está dolorido até as minhas próximas encarnações. Malhei e transei; isso é emoção demais para o meu organismo em um dia — falo e ele ri.
— É assim mesmo, no pain, no gain.
— Ah, tá, esqueci que você agora é marombeiro — tiro onda com ele.
— Marombeiro é meu pau, me respeita que eu sou um otaku arrumado. E por falar nisso, meus amigos confirmaram que no final de semana vai ter um evento de Magic.
— Pobres almas, nem queria voltar para casa com cartas novas — falo com confiança.
Enquanto meu amigo foi tomar o banho dele, aproveitei para dar uma arrumada no meu deck. Fazia maior cota que não via nossas cartas de Magic; era estranho olhar para elas e ver que estavam do exato jeito em que as devolvi. Isso me fez pensar que Ande também não jogou com elas enquanto não estávamos nos falando; pode até parecer meio bobo, entretanto gostei de ele não as ter usado, isso me mostrou que ele também se importou com nosso distanciamento de alguma forma.
— Anderson, cadê o cartão? — Tomei um susto quando Alisson apareceu na porta do quarto, usando apenas um calção, falando com meu amigo.
— Ele está tomando banho — respondo. Tento não olhar diretamente para ele; Alisson meio que me assusta, ele me deixa estranho.
— Beleza — ele fala e sai, me deixando sozinho no quarto.
Ande e o irmão tinham uma relação um pouco mais complicada do que eu tinha imaginado. Tipo, eles parecem se odiar, porém fazem coisas de irmãos. É mais do que só se aturar; tipo, descobri que Alisson deixa o Ande usar seu cartão e que às vezes até paga a fatura sem pedir dinheiro para o meu amigo. É confuso. Pensei que eles se odiassem, só que na real está mais para não se aproximarem mesmo.
A mãe dele fez ovos e comemos com pão e uma vitamina que me recuperou as forças. Embora não quisesse ir para a academia com meu amigo, era isso ou ficar em casa; sou muito envergonhado para passar tanto tempo assim no quarto do Ande sozinho, então só me resta ir para meu inferno pessoal que é a academia. No caminho, nossa discussão agora era se o Gojo realmente morreu ou não.
— Ele vai voltar, cara, tenho certeza — Ande defendia a ideia de seu personagem favorito voltar.
— Não faz sentido, o Sukuna já está muito forte. A menos que o Itadori use o poder do protagonismo, não tem como vencer o Sukuna — falei.
— Por isso que estou te falando que ele vai voltar e comer o cu do Sukuna.
— Aceita que ele morreu, cara. Aceita que dói menos.
Chegamos na academia e logo o personal veio falar com a gente. Ele fez questão de me explicar cada exercício e passou uma série ideal para mim, que não tenho costume de malhar. O cara é profissional mesmo. Ande se acabava de rir toda vez que me via sofrendo em um exercício que ele fazia sem esforço. Mesmo assim não desanimei, e John Lennon, o personal, não me deixava desanimar.
John mandou que eu fizesse um pouco mais do que ontem; ele disse que seria bom meu corpo ir se adaptando gradualmente. Ande treinava, postava foto e flertava; por isso demora tanto na academia. Segundo ele, se não postar não cresce. Vai entender esses marombeiros. Já estava indo para a esteira para finalizar meu treino quando Ande vem todo saltitante falar comigo.
— Júlia ficou doidinha com o chá que levou ontem; ela quer sair com a gente hoje de novo.
— Vai dar não — respondo ligando a esteira.
— Como assim vai dar não? — Ande estava em completo choque.
— Ande, prometi para minha gata que nada de segundo encontro. Foi nosso acordo.
— Ela não vai saber.
— Mas eu vou e não quero isso para minha consciência.
— Vai dar uma de Sheldon agora?
— Não, Ande, eu prometi. Odiaria se ela quebrasse nosso acordo. Mas você pode ir, man.
— E te deixar sozinho? Não sou tão vacilão.
— Cara, uns amigos vão lá para casa, vamos comemorar o aniversário do meu irmão. Se quiserem ir... — John falou nos convidando.
— Faz assim: sai com a Júlia, eu vou para essa festa na casa do John, depois você passa lá e voltamos para casa — falei, porque sabia o quanto era importante para o Ande comer o máximo de meninas possível para não querer voltar com a desgraçada da ex dele.
— Não vai mesmo ficar chateado comigo?
— Não.
— Pois hoje vou dar outro chá nela e encontro vocês na festa depois.
— É um comedor mesmo esse menino — falei tirando onda com ele.
Ficou acertado que Ande me levaria para a festa, depois iria para seu date e voltaria para curtir o final da festa; assim voltaríamos juntos para casa. Não gosto de ir para lugares estranhos, porém John já era como um amigo para mim; iria ser legal. Fiquei pensando nisso enquanto esperava o Ande terminar o treino dele.
Perto da hora de irmos embora, vejo Alisson entrando na academia. Desvio o olhar. Ele está com a noiva; vão malhar juntos provavelmente. É estranho porque só o vejo vestido na rua; em casa ele está sempre “nu”. Por sorte Ande termina e podemos ir embora. Fico desconfortável só em saber que Alisson está no mesmo lugar; cheguei a ter a impressão de que ele não gostou de mim nem um pouco.
— Vão banhar para almoçar — disse a mãe do Ande quando chegamos.
Meu amigo foi no banheiro de cima e me mandou banhar no de baixo. Odiei a ideia, porque ficava na cozinha. Mesmo morrendo de vergonha, tive que ir. Esperar pelo de cima pegaria meio mal, então peguei minhas coisas e fui tomar banho no banheiro de baixo. Entrei, tranquei a porta e tirei minha roupa. No cabide na parede do banheiro, meus olhos encontraram a cueca samba-canção que Alisson usava mais cedo. Meu coração gelou na hora, nem sei por que, mas era como se ele estivesse ali dentro do banheiro comigo. Fiquei nervoso. Fui direto para o chuveiro para tentar aliviar a mente, mas meus olhos não saíam daquela peça de roupa, usada mais cedo pelo homem que me colocava medo só no olhar.
Meio que sem pensar, me aproximei e peguei a cueca. Aproximei do rosto e senti o cheiro de homem. A imagem do volume na cueca que reparei sutilmente mais cedo tomou minha mente agora. Meu pau foi criando vida e, quando percebi, estava sentindo o cheiro do Alisson e me masturbando. Isso me pareceu tão errado, mas não consegui evitar. Quando escutei um barulho na cozinha, voltei a mim e larguei a cueca no lugar em que estava. Voltei para debaixo do chuveiro e me concentrei no ménage para terminar minha punheta e gozar.
Saí do banheiro pensando na loucura que tinha feito. Tinha algo de errado comigo ou podia ser apenas curiosidade? Alisson é um homem feito; vai ver só queria saber como era, se tinha um cheiro diferente, sei lá. Essas coisas acontecem. Não é bom ficar pensando nisso, pelo menos não agora.
Ande e eu almoçamos um baião com bisteca de porco. Olha, a mãe dele cozinha como uma deusa. Depois subimos. Fui escovar os dentes no banheiro, vi a cueca do Ande e me lembrei novamente da loucura. Afastei esses pensamentos e voltei para o quarto. Por sorte Ande tinha conseguido o jogo do Mortal Kombat II e eu poderia afastar esses pensamentos insanos dando na cara dele no jogo.
— Caralho, Renan, como você consegue ser tão bom nessa porra? — Ande puto depois de perder duas seguidas.
— O que posso falar? É um dom natural.
— Anderson, chegou encomenda para você — Alisson entrou no quarto com um pacote. Tomei um susto porque ele deveria estar no trabalho. — Estão jogando Mortal Kombat?
— Jogando é uma palavra forte. Renan é um apelão desgraçado nesse jogo — meu amigo falou rindo.
— Passa aí — ele disse isso pegando o controle do Ande. Gelei na hora.
Precisava ganhar essa partida, então escolhi meu melhor personagem, o Baraka. Ele escolheu a Kitana. Alisson joga bem melhor que o irmão e ganha o primeiro round. Ele está sorrindo — eu acho — mesmo que discretamente. Enxugo minhas mãos na roupa e seguro o controle com mais firmeza. Vou para cima, uso tudo que sei, não dou tempo para ele reagir e ganhei o segundo round. No jogo, o vencedor deve vencer numa melhor de três, o que nos leva para o terceiro round. Tenho certeza que nunca suei tanto na minha vida. A Kitana avança querendo sangue, mas o Baraka é um doido sagitário e não tem como; mesmo com quase nada na minha barra de vida, consigo derrotar o Alisson. Nós dois chutamos alto, mas o meu pegou antes do dele. Para finalizar, faço o Baraka atravessar a Kitana com suas lâminas, erguendo-a enquanto as lâminas afundam mais ainda nela. Um digno fatality.
— Foi por pouco, Alisson — Ande fala.
— Pega, tenho que trabalhar — ele entrega o controle e sai do quarto.
— Por que ele está em casa uma hora dessas?
— Ele trabalha aqui perto. Sempre que arruma uma desculpa vem para casa para ver a noiva dele, que praticamente mora aqui. Um saco desses dois.
— Ele está mesmo apaixonado por ela, né? — pergunto.
— Sei lá, acho que sim — Ande diz sem se importar muito com o irmão.
Mudamos para o Naruto: Ultimate Ninja Storm 3 para pôr um fim em nossa discussão. Ele escolheu o Sasuke e eu o Lee. Jogamos a tarde toda, parando só para lanchar. Nem consigo lembrar a última vez que me diverti tanto assim. Perto da hora da festa fui me arrumar, dessa vez no banheiro de cima só para ter certeza que não teria nada fora do comum. Meu amigo se arrumou para seu encontro; passou até um perfume do irmão dele.
Quando subimos na moto, senti o perfume amadeirado que Ande havia passado. Imaginei esse cheiro no Alisson, mas logo desviei minha mente para outra coisa. Tinha coisas melhores para focar minha mente, tipo na festa que estava indo. É um aniversário, então certeza que vai ter bolo.
Na casa do John, a porta da garagem estava aberta. Tinha mesas na garagem e na calçada. Já tinha algumas pessoas. Senti que Ande até queria ficar, mas mulher sempre vence, então ele se despediu e disse que voltava outra hora. Tinha uma caixa de som tocando pagode — aqui tenho que dizer, não sei se dá para perceber, mas pagode não é minha praia — e tinha umas minas gostosas dançando. Nessas horas é que eu prefiro funk; no pagode não tem tanta bunda quanto no funk. John veio me oferecendo uma cerveja, mas como não bebo, recusei gentilmente.
— Desculpe, não sabia.
— Relaxa, tranquilo. Você não tinha como saber. Mas olha, se tiver um refri, eu aceito.
— Claro, cara. Ali no isopor tem Coca, pega lá para ti — respondeu todo animado.
Tinha bastante comida e muita gente foi chegando. John me apresentou ao seu irmão, que era o aniversariante, e a metade da galera, que também eram amigos dele. Enchi meu copo de Coca-Cola e tratei de pegar salgadinhos e docinhos. Depois fiz o que qualquer jovem da minha idade faria: procurei um lugar tranquilo para sentar e comer sossegado. Me sentei numa mesa que só tinha uma garota gótica.
— Perdeu uma aposta? — perguntei, já que ela estava com uma cara de que estava odiando.
— Quase isso. Meu namorado me obrigou.
— Quem é seu namorado?
— O aniversariante — ela disse revirando os olhos. — E você, foi sequestrado?
— Na verdade foi quase isso. Estou na casa de um amigo, mas ele foi comer um esquema dele e, para não ficar só em casa, vim comer de graça — falei, arrancando a primeira risada dela.
— Mônica.
— Renan.
— Então, Renan, você é amigo do Anderson? — ela perguntou despretensiosamente.
— Sou sim. Como sabe?
— Vi quando ele te trouxe.
— Você o conhece? — pergunto.
— Sim, ele já ficou com duas amigas minhas. Aí começou a namorar e agora que está solteiro está querendo pegar as meninas que faltam na lista dele — ela pareceu não gostar dele.
— Ande não é assim. Ele só está solto depois de uma relação abusiva.
— Coitadinho. Acho que o que ele passou com a ex foi carma — é, ela não gosta mesmo dele.
— Por que está dizendo isso? Ande não traiu as ex dele — colocaria minha mão no fogo pelo meu melhor amigo.
— Como você acha que ele ficou com minhas amigas? Primeiro ele pegou a Priscila, aí no dia em que ela não estava disponível, ele foi lá e ficou com a Narjara.
— Mas ele não namorava nenhuma das duas — ela me olhou incrédula. — Tá, entendo seu ponto, ficar com amigas é paia, porém a Narjara sabia.
— Pior que não. O santo Anderson fez a Priscila guardar segredo. Isso porque ele tinha acabado de começar a namorar com a namorada tóxica dele — Mônica fez aspas na parte do tóxica.
— Não creio que isso seja realmente verdade — mesmo com a mão em chamas, resolvi manter ela no fogo mais um pouco.
— Pergunta a ele depois — ela disse.
— Vou perguntar — falei. — Mas fala aí: como uma mina trevosa que nem você namora um pagodeiro que nem ele? — gesticulo para o namorado dela que está tocando e cantando com os amigos agora.
— Ele tem um pauzão — disse ela, me fazendo engasgar com meu refri.
— Justo — ficamos sérios por um tempo, porém não aguentamos e caímos na risada.
— O que é tão engraçado a ponto de fazer a serva das trevas rir? — John pergunta ao se sentar junto com a gente.
— Seu amigo politicamente incorreto e ingênuo — ela fala olhando para mim.
— Ingênuo talvez, politicamente correto acho que não. Conheço pelo menos umas sete piadas de loiras e umas quatro de deficiente — falei, fazendo todos rirem de novo.
Mônica até que era engraçada; ela é dessas que têm um humor ácido. John fora da academia também parecia ser ainda mais gente boa; tipo, quando ele não está torturando seus alunos, até é um ser humano com compaixão. Com tantas risadas, nossa mesa, que era a dos excluídos, passou a ser a dos populares. Até a banda já estava na nossa mesa. Teve até música dedicada para uma certa namorada trevosa — “Essa música não é para mim” (Momento Mônica interrompendo minha narração) — só sei que fui de um não apreciador de pagode para alguém que está a plenos pulmões:
“Tá vendo aquela lua que brilha lá no céu? Se você me pedir, vou buscar só para te dar.”
É oficial, minha Coca deve ter sido batizada ou eu estava enganado e pagode é bom sim. “É que o brilho dela nem se compara ao seu...” Tá bom, parei. A festa está sendo mesmo divertida e continuei acrescentando coisas à minha lista de “coisas que nunca pensei que faria na vida até hoje”. John e o irmão são dois palhaços, e os amigos não ficam atrás. Porém a festa ficou boa mesmo quando uma das gostosas me puxou para dançar e me beijou assim que me abraçou. As minas aqui são ligeiras. Fui me beijando com a gostosa até a parede do vizinho. Ficamos aos beijos quentes até ouvir a voz do pessoal nos chamando para bater os parabéns.
Depois dos parabéns, a gostosa me beijou de novo e pediu meu número, mas disse a ela que tinha namorada e que não podia passar meu número para ela; afinal, a regra de não ter segundos encontros ainda está valendo. Ela até que ficou de boas e foi embora com umas amigas. À medida que a festa vai caminhando para o final, os convidados começam a ir embora. John está um pouco alto, dedilhando o violão enquanto tento convencer a Mônica que depois que a Tarja saiu da banda não teve mais nada de bom.
— Olha, Tarja Turunen é uma deusa? Sim. Mas isso não quer dizer que a banda acabou depois da saída dela — Mônica defendia a nova vocalista com unhas e dentes.
— Ah, então me diz uma música boa depois que ela saiu.
— Amaranth.
— Tá, essa foi boa, mas tenho certeza que ficaria melhor na voz da Tarja, sem dúvidas. Que nem quando a Jessica saiu do GG e tiveram que regravar Catch Me If You Can e ficou uma bosta. E não, não gosto de K-pop, mas minha namorada é viciada, então eu sei.
— Que isso, que heresia. A Jessica é foda, isso não posso questionar, mas a Anette é uma deusa e sim, ela é diferente da Tarja, isso porque só existe uma Tarja. Mas ela é incrível, dê uma chance e garanto que não vai se arrepender.
— Oi, vocês podem voltar a falar no nosso idioma? — John falou.
— Foi mal, é que é tão difícil achar alguém que conheça todas as minhas referências de vida.
— Digo o mesmo — disse Mônica.
— Irmão, sua namorada está prestes a ser roubada.
— Mentira, amor. Sou viciada no seu pau para te deixar assim — Mônica falou e quase me engasguei com sua espontaneidade de novo.
— Deixa de falar besteira, não sou fura-olho. Passa esse violão para cá, vou te mostrar o que é música boa — falei pegando o violão do John.
— Você sabe tocar? — John perguntou.
— Tá brincando? Isso é um ímã para mulher; é só começar a tocar os primeiros acordes que as pernas se abrem — falei, simulando um hétero top, o que deve ter sido engraçado, já que os outros riram.
Me ajeitei na cadeira, comecei a sentir o violão e, para aquecer, toquei a música que sempre toco primeiro quando pego num violão, que foi justo a primeira que aprendi: “Come As You Are”. Percebi uma certa surpresa no John; ele não estava mesmo botando fé que eu sabia tocar. Agora que já me familiarizei com o instrumento, vou para a música que aprendi por ser um otaku.
— Espera, conheço essa música — fala o aniversariante.
— É uma das aberturas de Naruto, amor, Blue Bird — responde Mônica. Estou começando a achar que, se ela não odiasse o Ande, seriam facilmente um trio de nerds.
Ande chega bem na parte do refrão e, como um bom nerd que não consegue se conter, já vem cantando. E quando percebo, Mônica, John e Ande estão cantando Blue Bird enquanto toco no violão — se você não conhece, deveria conhecer, ela é muito boa. E como sempre, vira um momento mágico; toda vez que um bando de nerds canta uma abertura de anime é aquela felicidade. Melhor que isso só se fosse “Pegasus Fantasy”.
Toco outras de anime que conheço, até umas do Asian Kung-Fu Generation só porque sou muito fanboy da banda. Depois começo a atender a pedidos; todos ficam impressionados por eu conhecer tantas músicas. Claro, não vou revelar meu segredo para eles — tenho ouvido absoluto. Por fim, John me pede para tocar minha favorita para a saideira; isso é uma coisa muito difícil de se pedir para uma pessoa eclética.
Mas quando fecho meus olhos, só uma música vem à cabeça. Quando começo a tocar, vejo mais uma vez a cara de surpresa deles; afinal, é impossível não reconhecer “Equalize”, da Pitty, nos primeiros acordes.
— Tá, você sabe mesmo tocar violão — John falou.
Depois disso me despedi de todos e fui para casa com o Ande. Ele estava todo feliz; imagino que sexo dois dias seguidos faz isso com as pessoas. Em casa, os pais dele estavam na calçada sentados e conversando com alguns vizinhos. Cumprimentei a todos e entrei junto com meu amigo. Na cozinha, Alisson estava jantando com a noiva. Ele estava só de toalha; quero dizer que estou me acostumando com isso, porém não estou. O fato de ele estar sempre seminu mexe com minha cabeça. Passo rápido pela cozinha só dando boa noite mesmo, mas antes que chegue na escada escuto a voz do Alisson me chamando. Sua voz grave me arrepia a nuca.
— Oi — falo tentando disfarçar meu nervosismo.
— Compramos sorvete, você quer? — Ele estava me oferecendo algo; levei meio segundo para processar.
— Quero sim — a noiva dele pegou na geladeira, depois uma taça e me entregou para que me servisse. Ela é simpática, mesmo assim não consigo relaxar na presença do Alisson.
— Tu comprou napolitano, Alisson? Porra, cara — Ande reclamou.
— Se tu quer escolher o sabor do sorvete, tu mesmo vai comprar, seu folgado — Alisson responde de forma ríspida.
— Devia mesmo ter ido. Sabe que odeio morango.
— É só não pegar a parte do morango — falei tentando apaziguar as coisas.
— É que fica o gosto mesmo assim, por isso odeio napolitano. Ele sabe e compra de propósito.
Subimos para o quarto. Pego meu sorvete e como quietinho sentado na cama do Ande. Ele continua reclamando um pouco mais do irmão, até que a mãe deles aparece no quarto com sorvete de chocolate para o Ande. Aparentemente ela sabia que o filho iria reclamar do napolitano e foi comprar outro sorvete só de chocolate. Ela queria agradar os dois filhos a qualquer custo. Pensei que minha mãe jamais faria isso por mim e nem posso culpá-la.
Depois de Ande me contar todos os detalhes de como comeu a Júlia de novo na casa dela, assistimos a um filme desses de adolescente apaixonada; o nome do filme é “Não é sua culpa”. Gostei, mas é um filme bem clichê. Depois fomos dormir; estava exausto. A academia está me matando aos poucos, tenho certeza disso. Assim se foi meu terceiro dia.
Dia 04
Dormimos assim que o filme acabou, o que é um milagre, já que desde que cheguei só dormimos de madrugada. Porém, como uma grande ironia do destino, faltou luz por volta das três da manhã. Acordei com um calor insuportável. Percebi que estava chovendo lá fora e, em vez de esfriar, a chuva deixou o quarto ainda mais abafado; sem o ventilador, íamos cozinhar ali dentro, com certeza. O calor era tanto que até o Ande, que é acostumado, acordou.
— Odeio isso, velho. Toda vez que chove é a mesma coisa — Ande falou, indignado.
— Nossa, que paia. Pior que a chuva deveria deixar o clima mais fresco. O tempo aqui é meio maluco, né? Um dia faz frio, no outro um calor de matar — reclamei da instabilidade climática da cidade.
— Aqui é uma bosta por causa disso.
— Ande, posso perguntar uma coisa? — Já que não tinha como dormir, o jeito era conversar.
— Renan, sabe que não existe segredo na nossa amizade. Manda.
— Você traiu sua ex primeiro?
— Quem te contou isso? — Ele não pareceu irritado.
— A Mônica.
— Ah, sei quem é. Essa mina é toda ressentida comigo porque comi as duas amigas dela e não quis comer ela. Cara, eu não traí minha namorada.
— Mas quando você ficou com as amigas dela, você já estava com sua ex?
— Não, Renan. Eu peguei a Priscila, depois fiquei com a Ana Clara, minha ex. Aí, depois, fiquei com a Narjara. Foi aí que a Ana Clara soube e, por causa disso, me deu um ultimato. Então parei de comer a Pri e a Narjara para ficar sério com a Ana Clara.
— Mas como você pega as amigas sem elas saberem?
— Macho, a Narjara já era a fim de mim fazia uma cota e a Pri sabia. Daí, quando a Pri veio na minha DM, me pediu para ser no sigilo. Eu aceitei; até pensei na época que era porque ela tinha namorado, mas era só piranhagem dela mesmo.
— Nossa, e no final quem levou a fama de boy lixo foi tu.
— Pois é, mas nem ligo — e, realmente, ele não pareceu se importar.
A luz não dava sinais de que ia voltar. Ande foi tomar mais um banho e eu fui beber água para ver se o calor diminuía. Quando desci as escadas, vi o Alisson bebendo água. Ele estava apenas de cueca box preta, que marcava bem o volume. Desviei a lanterna do celular assim que o vi. Ele parecia puto com a falta de luz também; sua pele estava escorrendo suor. Não sei por que, mas tive a sensação de que ele estava transando com a noiva; senti um cheiro diferente vindo dele que me levou a essa teoria, mas disfarcei qualquer reação e peguei minha água.
Quando voltei para o andar de cima, foi minha vez de tomar banho. O impulso foi mais forte e acabei me masturbando no chuveiro. Segurei meu pau com força e imaginei como seria o Alisson transando. Imaginei a rola dele, a noiva dele toda molhada por estar com um macho gostoso daqueles. Ele tem cara de quem mete sem pena. Escutei na minha mente ele gemendo enquanto o pau enorme dele a possuía. Imaginei o suor caindo no peito dele, o rosto sério e concentrado para não gozar logo. Ele batendo nela com força, ela de quatro, ele a puxando pelos cabelos enquanto ela desfrutava da dominação.
Imaginei ele metendo cada vez mais rápido, transando no pelo porque, sendo noiva, eles não ligariam se ela engravidasse. A rola dele entrando e saindo, ela gemendo alto, e ele tampando a boca dela porque os pais dormiam no quarto ao lado. Em minha mente, ele apertava os seios dela com uma mão e enfiava os dedos na boca dela com a outra. Imaginei-o como um animal insaciável, jogando-a na cama, entrando entre suas pernas e socando fundo, abafando os gemidos com beijos. Alisson tem um quadril solto, uma pegada deliciosa; ele tem cara de quem sabe dar um trato.
Imaginei ela arranhando as costas dele, gozando loucamente, enquanto ele a colocava de quatro e acelerava as estocadas até despejar tudo nas costas dela em uma gozada farta. Com essa imagem, acabei explodindo também, mais uma vez sujando a parede do banheiro.
Quando voltei para o quarto, Ande estava trocando mensagens com alguém, todo sorridente. Imaginei que fosse a Júlia pedindo outro encontro. Me sentei na cama ao lado dele.
— Que calor dos infernos — falei, já suado de novo, mesmo tendo acabado de sair do banho.
— Foda, cara.
— Com quem está falando?
— Com a Verônica. Ela soube que saí com a Júlia hoje e disse que quer uma sessão só com ela também. Ela até me pediu para te chamar, disse que quer dar para nós dois, mas não se preocupe, já falei que você não pode.
— Por mais tentador que seja, é melhor recusar mesmo. Não quero problemas com minha gata.
— Nem vejo você falando com ela — ele comentou.
— Combinamos um lance mais solto, lembra? E não somos esse tipo de casal. Na verdade, o que a gente mais faz quando está junto é transar. Adoro quando ela quer transar usando cosplay. Maluco, melhor coisa. Quando ela se vestiu de Ino na última vez, foi coisa de louco.
— Do Clássico ou do Shippuden?
— Shippuden, claro. Não sou pedófilo — ele riu.
A luz voltou depois de quase uma hora. Assim que agradeci pela providência divina e liguei o ventilador, o universo resolveu brincar com a minha paciência: o clima mudou e o quarto finalmente esfriou por causa da chuva. Era de deixar qualquer um puto.
— Ande, sei que você quer muito comer a Verônica de novo.
— Disse a ela que não vou poder. Estou com meu melhor amigo em casa e tenho que dar atenção a ele. Nada de colocar mulher no meio da nossa amizade de novo, esse foi o combinado.
— Obrigado — respondi, e voltei a dormir.
Acordamos tarde por termos ido deitar depois das quatro da manhã. Quando abri os olhos, já era quase meio-dia. Ande levantou e foi para a cozinha, enquanto eu segui meu ritual matinal. Quando desci, ele já tinha banhado também. Pulamos o café e fomos direto para o almoço. Como de costume, todos já tinham comido, ficando apenas nós dois à mesa. Quando terminei, levei meu prato até a pia e aproveitei para lavar o que estava lá; estava me sentindo mal por não ajudar em nada na casa.
Ande tentou me impedir, mas acabei lavando a louça toda. Em casa, essa é uma das minhas tarefas, então faço sem nem perceber. Depois, subimos para o quarto e ele colocou um jogo.
— Não vamos para a academia? — perguntei.
— Só à tarde agora. Esse horário é o Alisson que vai — ele respondeu naturalmente.
— E qual o problema de ir no mesmo horário que ele?
— Já tenho que conviver com ele em casa, não quero conviver na rua também. Podemos ir umas duas horas; o John Lennon ainda vai estar lá, não se preocupa.
— O que tem a ver o John estar lá ou não?
— Ele te ajuda, enquanto eu foco no meu shape — Ande falou, beijando os próprios músculos.
— Acho que todo esse exercício está te transformando em um ogro.
— Nada, continuo sendo um elfo lindo, só que agora com músculos.
— Um mago marombeiro — brinquei.
Voltamos para o Fifa e ainda jogamos um pouco de Need for Speed II — que, na minha opinião, é o melhor. Umas três da tarde, paramos e nos aprontamos para a academia. Tive que pegar um calção do Ande emprestado. Ele é estranho: se exercita todo dia, mas não sai de casa se não for de moto. Não faz sentido na minha cabeça.
Na academia, a primeira pessoa que vi foi o John. Ele nos cumprimentou e já passou minha série do dia. Dizem que a gente se acostuma com academia e aprende a gostar, mas vou dizer logo: é mentira. Terceiro dia consecutivo e eu só estou adiando a dor. Alguns exercícios são legais, mas quando o corpo inteiro dói, fica difícil apreciar a rotina.
Recusei-me a postar fotos e nem quis aparecer nos vídeos que o Ande grava. Em vez de aparecer, eu filmava ele; assim não passava vergonha no Instagram. Na academia, o Ande é uma pessoa totalmente diferente. Como eu não perdia tempo, acabava antes dele e aproveitava para conversar com o John, que tem se mostrado um bom amigo.
— Cara, meu irmão e minha cunhada te adoraram. Eles me pediram para te chamar lá em casa de novo — disse John.
— Podemos marcar — respondi.
— Marcar o quê? — Ande perguntou, chegando perto.
— De ir na casa do John.
— Cara, eu até te deixo lá e busco depois, mas ficar lá não rola.
— Ele e minha cunhada não se dão mesmo — comentou John.
— É, estou vendo.
Ande não mentiria para mim, então eu só tinha duas hipóteses: ou as amigas não foram sinceras com a Mônica, ou a Mônica realmente queria ter sido a "quarta" na cama do Ande. Por hora, fiquei com a versão menos polêmica. Ande terminou a rotina dele e me surpreendeu com um convite para irmos tomar um açaí.
Assim que chegamos e tirei o capacete, vi o Alisson comprando açaí também. Essa cidade deve ser minúscula, ou ele é o funcionário mais vagabundo do mundo, porque está em toda parte. Pelo menos agora ele estava vestido: calça jeans e camisa social.
Peguei meu açaí e o Ande o dele. Enquanto comia, eu pensava em como fazer meu dinheiro render, já que paguei quase trinta reais. O lugar era caro, mas tinha qualidade. Eu fazia as contas mentalmente para estipular um teto de gastos diários — coisa de nerd liso.
— Amo açaí — Ande falou.
— Também gosto. Lembra daquele perto do colégio que íamos toda sexta?
— Lembro sim! — Ele se animou e ficamos nostálgicos relembrando histórias do primeiro ano.
Não sentamos com o Alisson, o que eu preferi, já que ele me intimida. Ele foi embora antes da gente, mas passou na mesa e falou algo com o Ande que só os dois entenderam. Às vezes parecem irmãos normais, depois viram estranhos de novo. Nunca vou entender.
— Vamos — disse Ande.
— Tá, só temos que pagar.
— O Alisson já pagou tudo.
— Foi isso que ele falou naquela hora?
— Não, ele sempre paga quando estamos aqui juntos.
— Mas eu tenho que pagar o meu.
— Renan, ele já pagou, estou te falando.
— Quer dizer que se a gente sair agora, ninguém vai barrar a gente?
— Não — ele falou, confiante.
— Tá, agora estou curioso. O que ele te falou naquela hora?
— A gente apostou em time de futebol. Ele entende dessas coisas. Só me falou que nossa aposta da semana deu certo e que vai me transferir minha parte.
— Não entendo vocês. Hora se odeiam, hora são amigos.
— Não odeio o Alisson, só às vezes. Só quero que ele se mude.
— Eu queria minhas irmãs morando comigo — comentei; minha família é muito unida.
— Isso porque você não é irmão do folgado do Alisson.
— O mesmo folgado que pagou nossa conta.
— Ele tem obrigação — Ande falou, levantando-se.
De fato, a mulher do balcão nos viu sair e não esboçou reação. Fiquei convencido de que o Alisson tinha mesmo pago tudo. Saber que ele recebia bem e quase não tinha gastos não impedia o meu incômodo; tive receio de ele achar que eu era um encostado.
Assim que entramos em casa, o tempo mudou e voltou a chover forte, com trovões e tudo. A chuva atrapalhou nossos planos de sair, então resolvemos ver outro filme.
— Pizza ou pastel? — Ande perguntou.
— Pastel é mais barato.
Pedimos pastel e aproveitamos o refri que já estava na geladeira. O filme escolhido foi "Belo Desastre" — mais um daqueles clichês com bad boys. Assistimos enquanto comíamos, tecendo críticas "profissionais" sobre o roteiro e a atuação, rindo como dois idiotas.
— O livro deve ser melhor — comentei.
— Sim, cortaram coisas importantes, provavelmente — disse Ande.
Depois do filme, jogamos Resident Evil 2 — o melhor de todos na nossa opinião. Cada um jogava uma parte, como fazíamos antigamente. Mesmo já tendo zerado várias vezes, eu ainda me assustava nas mesmas partes.
A chuva lá fora ficou mais intensa, então desligamos tudo. Fui para a minha rede. O frio que finalmente chegou me ajudou a apagar rápido.
Do nada, me vi em um sonho: eu estava na cozinha bebendo água quando o Alisson aparecia, só de toalha. O volume estava bem marcado e eu não conseguia desviar o olhar. Ele chegava perto, eu sentia o perfume amadeirado dele. Então, ele soltava a toalha, ficando totalmente nu na minha frente... e foi aí que acordei com um trovão que fez a casa tremer. Acordei de pau duro e, não importava a posição, o bicho não cedia.
Fui ao banheiro lavar o rosto e a curiosidade me tomou: será que a cueca dele ainda estava no banheiro de baixo? Tomei coragem e desci as escadas em silêncio. Fui me esgueirando até o banheiro e lá estava a peça, no mesmo lugar. Naquele momento, recuperei a lucidez e ia saindo, quando dei de cara com ele. O infeliz parece que adivinha! Estava de samba-canção.
— Ainda acordado? — ele perguntou com aquela voz grossa e séria.
— O trovão me acordou. Desci para beber água e ir ao banheiro — falei, tentando evitar contato visual.
— Não se preocupe, tem um para-raios aqui perto — ele disse.
— De boa, não estou com medo. Alisson... qual é o seu Pix? — perguntei, sem pensar.
— Meu Pix? Para quê?
— Para te pagar o açaí. O Ande é seu irmão, mas você não precisava ter pago o meu.
— Não foi nada demais, não precisa me pagar — ele tentou soar gentil, mas mantendo o jeito marrento.
— Foi caro, o meu deu quase trinta reais.
— Renan, não precisa me pagar — ele falou de forma mais firme. Senti minhas pernas tremerem; a presença dele realmente me tirava do eixo.
— Obrigado, então.
— De nada. Agora melhor ir dormir para não perder a hora da academia de novo — ele falou, entrando no banheiro.
Agradeci mentalmente por não ter feito nenhuma besteira, senão teria sido pego em flagrante. Voltei para cima, tentei me acalmar e finalmente voltei para a rede, encerrando meu quarto dia de férias.
