Primo, eu ainda te amo! | Capítulo 04: Qual o meu destino?

Um conto erótico de Th1ago-
Categoria: Gay
Contém 3793 palavras
Data: 02/12/2025 17:03:53
Última revisão: 02/12/2025 17:31:28

Quando eu abri a porta de casa, o cheiro veio antes de qualquer pensamento, quente, envolvente, quase físico.

Era aquele aroma que parece abraçar a gente pela garganta: alho dourando na manteiga, o perfume gorduroso do frango cozinhando devagar, cheiro de arroz soltinho, feijão encorpado… como se cada panela tivesse vida própria.

A casa respirava aquilo.

Respirava calor, cuidado, rotina.

E, de algum jeito, respirava pertencimento, algo que eu não sabia que procurava até sentir.

E, junto com o cheiro, veio a voz que sempre preenchia os espaços.

— Meu Deus do céu, cadê o Caíque? — reclamou a Olga, surgindo na porta da cozinha.

Ela era pequena, baixinha, com o coque sempre meio torto e aquele avental floral que parecia parte do corpo dela. A luz amarela da cozinha deixava o rosto dela ainda mais redondo, acolhedor… um tipo de carinho visual que eu também não sabia que fazia falta.

Quando ela me viu, abriu um sorriso que parecia até maior que ela mesma.

— Ué… não veio com o Caíque? Pensei que vocês iam chegar juntos.

— Ele ficou na escola — respondi. — Eu quis vir de ônibus hoje. Queria aprender o caminho.

A expressão dela mudou como se eu tivesse confessado um crime.

— De ônibus? Sozinho? — ela cruzou os braços, indignada. — Esse menino devia saber que você ainda não conhece o bairro direito! Ai, meu Pai Eterno…

Antes que eu explicasse, ela já estava me puxando para a cozinha.

— Vem comer. Você deve estar desmaiando de fome.

A cozinha parecia um abraço morno. Panelas abertas, vapor subindo, cheiro de tempero caseiro envolvendo tudo como se fosse uma manta invisível.

Meu estômago roncou alto — e eu juro que não foi de propósito.

— Senta aí, Alec — ela disse, já pegando um prato. — Vou montar sua comida.

Eu tentei protestar:

— Não precisa arrumar mesa, Olga…

— Claro que precisa! Menino crescido acha que vive de vento? Senta e fica quieto.

Eu sentei.

E assistir a Olga servir foi quase tão bom quanto comer: o arroz soltinho, o feijão grosso, o frango com batata e cheiro-verde, tudo quente o suficiente para aquecer mais do que o corpo.

— Você cozinha muito bem — falei, sem exagero.

Ela sorriu com orgulho.

— Eu tô nessa casa faz uns dezessete anos, Alec. Vi o Caíque nascer quase. Ele… ai, aquele menino dava trabalho. Uma vez pintou o cachorro todo de verde. Disse que queria um dinossauro.

Eu ri, e foi uma risada leve, fácil — coisa rara pra mim.

Ela continuou falando enquanto eu comia, e a cozinha parecia um porto seguro. O tipo de lugar onde o tempo anda mais devagar e a gente respira sem se perceber.

E então ela disse algo que me pegou de surpresa:

— Você faz bem pra casa, sabia? Pro Caíque também. Deu pra sentir.

Eu parei o garfo no ar.

— Como assim?

Ela limpou a bancada com o pano, pensativa.

— O Caíque sempre foi da bagunça, da rua, da adrenalina. Mas desde que você chegou… ele tá mais… caseiro. Olhando mais pra dentro. Sei lá… acho que ele gosta de ter você aqui.

E antes que eu soubesse como reagir, ela concluiu:

— E eu também gosto. Você é um menino bom. Vai se dar bem aqui.

Aquilo mexeu comigo.

Mexeu de verdade.

Porque era raro, quase inexistente, alguém me enxergar assim — como alguém que traz algo, e não que atrapalha.

Depois de almoçar, subi pro quarto com a sensação estranha de que o cheiro da cozinha e as palavras da Olga tinham entrado na minha roupa, na minha pele, talvez até mais fundo.

O banho quente ajudou a organizar um pouco os pensamentos… mas não o suficiente. Saí, coloquei uma camiseta leve e me joguei de costas na cama.

E foi só aí, deitado no silêncio, que eu senti o incômodo no peito, aquele aperto confuso, como um segredo que eu não sabia que estava guardando.

Eu estava assim quando a porta abriu devagar.

A luz do corredor desenhou uma linha fina no chão.

E então ele apareceu.

A porta do quarto abriu devagar, e eu juro... naquele exato instante, alguma coisa dentro de mim simplesmente travou. Foi como se o ar tivesse ficado preso no meu peito.

E eu acho que... talvez... tenha sido a primeira vez na vida que eu senti uma atração física real por outro homem.

Eu nunca tinha parado pra pensar nisso antes. Na fazenda, minha vida era basicamente trabalho, estudo, silêncio. Eu mal tinha amigos, não tinha contato com muita gente. Quando comecei a entrar na puberdade, é claro que descobri meu próprio corpo, acabei me masturbando algumas vezes... mas nunca pensando em alguém específico. Nunca desejei um rosto. Um corpo. Nem de homem, nem de mulher. Era só... biológico. Automático.

Mas ali... vendo o Caíque parado na porta...

Era diferente.

Ele estava com um kimono azul-escuro de jiu-jitsu, só que aberto, amarrado na cintura, deixando o peito todo à mostra. A pele dele brilhava com o suor recente do treino, e uma gota escorreu do pescoço até o começo do peito enquanto ele respirava um pouco mais rápido, como se tivesse subido as escadas correndo. O cabelo grudado na testa, úmido... bagunçado de um jeito bonito.

E eu simplesmente congelei.

— Onde você tava? — ele perguntou, como se não tivesse ideia do efeito que estava causando em mim. — Eu procurei você no pátio... achei que ia comigo no meu treino. Eu estava ansioso pra te levar hoje, sabia? Ia ser maneiro.

Eu pisquei, tentando lembrar como se respirava.

— Eu... eu fui embora com um amigo — consegui dizer, a voz mais baixa do que eu queria. — Depois de tudo que aconteceu no intervalo, eu tava meio sem cabeça.

Caíque deu dois passos e sentou na ponta da minha cama, perto da minha perna. Quase perto demais. O cheiro dele, o suor, sabonete, e aquele perfume meio cítrico que ele sempre usava me atingiu como um golpe.

— O Matheus é um idiota — ele disse firme, sério. — Não deixa ele mexer contigo. Ele sempre foi assim, desde o primeiro ano. Problema de gente frustrada.

Eu só conseguia olhar para a gotinha de suor que descia de forma lenta pelo ombro dele.

— Mas você tá bem? — ele insistiu, virando o rosto pra olhar direto nos meus olhos.

Eu senti o estômago revirar.

— Tô... tô sim — menti.

Ele me avaliou por um segundo, como se não tivesse acreditado muito. Mas não insistiu. Apenas sorriu pequeno, aquele sorriso torto que levantava só um lado da boca.

— Tá. Qualquer coisa... fala comigo. Beleza?

E eu só assenti. Enquanto isso, minha cabeça girava. Meu peito apertado. Meu rosto quente. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Só sabia que ver ele daquele jeito estava bagunçando tudo dentro de mim.

— Vou tomar um banho — Caíque disse de repente, se levantando.

E começou a tirar o kimono ali.

Na minha frente.

Sem pressa.

Sem perceber, ou percebendo demais o estrago que estava fazendo.

Primeiro ele desfez o nó.

Depois deixou o tecido escorregar pelos ombros, revelando tudo, ombro, peitoral, a linha do abdômen, a V profunda que aparecia discretamente acima da toalha imaginária que ainda não estava ali.

O kimono caiu no chão com um som suave.

Ele ficou só de cueca preta.

E era forte.

Marcado.

Templado pelo treino.

Perfeito de um jeito que doeu.

Eu virei o rosto por reflexo, mas meus olhos voltaram sozinhos, traindo qualquer boa intenção. Caíque parecia não notar meu desespero.

Ou talvez ele notasse, e fingisse não notar.

Ele pegou a toalha, passou por mim, abriu o banheiro e entrou. A porta fechou. A água começou a cair.

E eu fiquei lá, parado, respirando como se tivesse corrido uma maratona. Meu peito apertava. Minhas mãos estavam suadas. Meu corpo inteiro parecia acordado de um jeito novo, assustador… e inevitável.

Quando a porta do banheiro abriu de novo, eu só ouvi o trinco e meu corpo reagiu antes de eu ver qualquer coisa. Meus músculos ficaram tensos. Meu coração subiu para a garganta.

E então…

Ele saiu.

Cabelo pingando. Peito brilhando. Pele quente. E só uma toalha branca na cintura.

Aquele impacto… eu nunca tinha sentido nada parecido.

Eu não respirei.

Eu só olhei.

A água escorria pelo peito dele, descendo pela barriga, desaparecendo na borda da toalha, e aquilo fez um calor subir por dentro de mim tão rápido que eu quase me assustei.

A toalha marcava tudo.

E eu não deveria olhar.

Mas olhei.

Olhei como se meus olhos tivessem vontade própria.

Um calor começou devagar no meu peito e se espalhou pelo meu corpo, subiu pro meu rosto, para minhas orelhas, para tudo. Comecei a sentir meu coração batendo tão forte que parecia que alguém podia ouvir.

Eu estava encarando. Sem medo. Sem disfarce.

Até que a voz dele me arrancou daquele transe:

— Quer fazer alguma coisa?

Eu quase pulei da cama.

— F-fa… fazer… quê? — gaguejei, completamente exposto.

Ele virou para pegar uma cueca limpa na gaveta, deixando as costas largas e úmidas à mostra. Vestiu a cueca por baixo da toalha com naturalidade cruel. Depois pegou uma bermuda e colocou. Tirou a toalha com um gesto rápido, seco. Passou a mão no cabelo.

E aí sorriu.

— A gente podia assistir um filme. O que acha?

Filme.

Eu não conseguia formar frases completas, quem dirá assistir alguma coisa.

— F-fi... filme? — repeti, ainda preso na gagueira.

— É — ele insistiu. — Você já viu Jogos Vorazes? É muito bom.

— Não... nunca vi... — respondi, ainda tentando voltar à vida.

Aí, antes de eu pensar, eu soltei:

— Eu tenho TDAH... diagnosticado... então filme é meio difícil pra mim. Às vezes eu demoro semanas pra ver um. Não consigo ficar preso muito tempo...

Ele riu, mas não riu de mim. Riu do jeito que alguém ri quando acha algo fofo.

E então, do nada, ele deu um pulo na cama por cima de mim.

Eu arregalei os olhos na hora, o coração explodiu. Ele caiu do meu lado, sem camisa, com aquele corpo quente e recém-banho, e ficou ali, com os braços abertos atrás da cabeça, relaxado, confortável como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

— Relaxa, vaqueirinho — ele falou, sorrindo de canto. — A gente tem a vida toda pra terminar todos os filmes.

A VIDA TODA.

A frase ficou ecoando na minha cabeça como se alguém tivesse gritado dentro de um quarto vazio. E eu estava ali, deitado ao lado dele, tão perto que eu sentia o calor do corpo dele batendo no meu braço.

Caíque deu o comando para a Alexa apagar a luz e pegou o controle da TV que estava na mesa de cabeceira ao meu lado, assim, virando seu corpo e esfregando o corpo dele ao meu para alcançar o controle.

E eu fiquei lá... imóvel. Sem saber se olhava para a tela, ou para ele, ou para lugar nenhum. É isso tudo porque, pela primeira vez, desde que cheguei na casa dele eu estava sentindo alguma coisa que eu não sabia nomear. Algo quente, forte, confuso. Algo que eu nunca tinha sentido por ninguém.

E Caíque... deitado ao meu lado... tão perto... tão natural... Bom, isso não estava ajudando em absolutamente nada.

Eu queria muito focar no filme. De verdade. Eu estava decidido a prestar atenção porque... sei lá, parecia importante para ele que eu estivesse ali.

Só que a minha cabeça não ajudava. Eu até tentei acompanhar as primeiras cenas, mas não era só sobre o filme em si. Era sobre ele estar do meu lado. O jeito como o ombro dele esbarrava no meu sem querer. A respiração calma. A proximidade. Tudo isso me deixava nervoso de um jeito irritante e bom ao mesmo tempo.

O filme até era legal, eu estava gostando. Mas depois do almoço, com aquele ar-condicionado gelando o quarto inteiro, a luz baixa e o barulho suave da TV, começou a bater um sono que eu simplesmente não consegui lutar contra. Sabe quando o olho vai fechando sozinho? Então. Várias vezes eu senti isso acontecendo.

E ele percebia todas elas.

Cada vez que ele me flagrava piscando mais devagar do que o normal puxava algum assunto. Comentava uma cena. Me fazia uma pergunta. Dava um toque no meu braço de forma leve, mas suficiente pra me acordar.

Ele realmente tentava me manter ali com ele.

Eu tentei. Juro que tentei. Mas vinte e cinco minutos foi o máximo que eu aguentei antes do meu olho começar a fechar de vez.

Ele percebeu antes de mim que o sono tinha vencido. Então, Caíque pausou o filme e como se fosse a coisa mais natural do mundo, me puxou para o peito dele. Não perguntou nada. Só... fez. E eu não falei nada também. Deixei que ele me guiasse, como se meu corpo já soubesse exatamente onde queria ficar.

Deitei a cabeça no peito dele que estava reclinado na cama, e abracei sua cintura sem pensar duas vezes. O cheiro dele, o calor, o jeito tranquilo como respirava... tudo isso me acalmou tanto que eu senti o sono aumentar na hora. Ele começou a fazer cafuné no meu cabelo, devagar, num movimento repetido que parecia dizer "fica aqui".

O carinho que ele fazia no meu cabelo… nossa.

Era lento demais, íntimo demais, proibido demais.

Era o tipo de toque que ninguém dá em alguém por acaso.

E foi exatamente por isso que eu soltei:

— Caíque… qual o nome da sua namorada?

Os dedos dele pararam.

O toque congelou.

E, por um segundo, parecia que o tempo tinha congelado junto.

Ele inclinou o rosto pra entender se tinha ouvido certo.

— Hã?

Engolir seco foi automático.

— Eu vi hoje — murmurei, com a voz ficando arrastada de sono. — Na saída da escola… você deu um selinho numa menina. Não é da minha conta. Eu só… só queria saber. É que… se eu tiver te atrapalhando aqui no quarto… eu posso dormir na sala, até a reforma acabar… caso você queira trazer ela pra cá e tal…

A frase saiu torta. Meio apagada. Meio entregue.

E, no segundo em que terminou de sair, me arrependi.

Será que eu tinha falado demais?

Será que ele ia se afastar?

Será que o toque ia acabar?

Mas Caíque voltou a mexer no meu cabelo como se não tivesse acontecido nada.

Na verdade… como se a minha pergunta tivesse deixado ele mais calmo.

— Eu não quero trazer ninguém pra cá, Alec — ele disse, com uma firmeza que arrepiou minha nuca. — Eu já tenho tudo o que eu quero aqui.

Meu coração tropeçou dentro do peito.

Abri um olho, só um pedacinho, e vi o queixo dele, a curva da boca, aquela expressão que eu nunca entendi — meio séria, meio cuidadosa, meio como se estivesse olhando pra algo que queria guardar pra si.

— Ela é só uma garota — ele continuou, sem que eu perguntasse nada. — A gente vai e volta… mas eu sei que não vai ser nada pra vida toda.

A calma que aquilo me deu…

Meu Deus.

Foi como se alguém tivesse colocado uma mão quente no meu peito por dentro.

E eu deixei o olho fechar de vez.

Senti o corpo afundar no colchão.

Senti o cheiro dele perto — sabonete, perfume leve, calor de pele.

Senti o carinho no meu cabelo guiando meu sono como se ele tivesse treinado a vida inteira pra isso.

A gente dormiu assim.

Não como amigos.

Não como colegas de casa.

Mas como duas coisas que ninguém sabia explicar.

E, enquanto eu descia pro sono, as palavras dele continuavam ecoando:

“Eu já tenho tudo o que eu quero aqui.”

“Eu sei que não vai ser nada pra vida toda.”

Foram essas frases que ficaram presas na minha cabeça durante anos.

Não imagens.

Som.

A voz dele… me prometendo coisas que nunca existiram.

Às vezes, um sonho não tem imagem nenhuma.

Às vezes, é só som.

E, naquela noite — e por anos depois — o som da voz dele repetindo aquelas frases continuou preso em mim como um eco que não encontra onde morrer. Não importava quanto tempo se passasse, não importava quantas vidas eu tentasse começar… ele sempre estava lá, num canto escuro da minha cabeça, sussurrando.

E esse sussurro voltou ali mesmo.

Exatamente ali.

No meio daquele silêncio sufocante, onde o ar era pesado demais, onde eu tentava desesperadamente fugir do que sentia — e não conseguia.

Pisquei algumas vezes. A visão embaçou, voltou, os bancos de madeira voltaram a aparecer, o vitral colorido voltou a fazer sentido.

A realidade… voltou inteira.

Cruel.

Afiada.

Imperdoável.

Eu estava sentado na primeira fileira.

Primeira.

O lugar que se dá a alguém importante — alguém que pertence àquele momento.

Mas eu não pertencia a nada ali.

O terno alugado coçava, apertava nos ombros, colava na pele como se estivesse tentando me empurrar para fora dali.

Minhas mãos estavam suando.

Minhas pernas tremiam de leve.

E meu coração… batia como se estivesse tentando rasgar minha camisa por dentro.

E então eu olhei pra ele.

O Caíque estava em pé, no altar, do jeito mais lindo que um ser humano pode ficar sem fazer esforço algum.

Terno preto impecável.

Gravata alinhada.

Postura reta.

Queixo firme.

O cabelo perfeitamente arrumado, exatamente como ele sempre conseguia — como se tivesse nascido esteticamente pronto para qualquer ocasião.

Era a mesma imagem que um dia já tinha tirado meu ar, mas por motivos totalmente diferentes.

E, na frente dele… vestida de noiva… estava a Bianca.

A mesma Bianca.

Eu senti algo quente subir na garganta.

Não era raiva.

Não era ciúme.

Era perda.

Pura e crua, do tipo que machuca sem encostar.

Olhei ao redor.

Todo mundo parecia emocionado.

Os olhos brilhando, as mãos tocando o rosto, algumas pessoas sorrindo como se estivessem assistindo ao milagre mais doce do mundo.

Para eles, era perfeito.

Era bonito.

Era romântico.

E eu…

eu estava completamente vazio.

Ou completamente cheio — cheio demais para caber em mim mesmo.

Parecia que eu estava fora do meu próprio corpo, observando tudo como se fosse uma cena de filme em que eu não tinha sido escalado, mas fui colocado ali mesmo assim.

E a ironia?

Para alguém que um dia disse que “não seria nada pra vida toda”…

lá estava ele.

Firmando essa vida toda com alguém que não era eu.

A vida gosta de rir na cara da gente.

Gosta de pegar exatamente aquilo que você não quer acreditar… e esfregar, esfregar, esfregar, até a pele arder.

O padre levantou as mãos, a voz calma enchendo o espaço enorme da igreja.

— Meus queridos irmãos e irmãs, estamos aqui hoje para celebrar o casamento de Caique Avelar e Bianca Chagas.

Foi um tiro.

Eu congelei.

De novo.

Meu corpo inteiro virou uma fotografia.

Fria.

Imóvel.

Indefesa.

Tudo o que vivi com ele — tudo que senti, tudo que tentei enterrar, tudo que tentei fingir que não importava — atravessou minha mente como flashes violentos.

Como se cada lembrança tivesse pressa de me machucar primeiro.

E foi aí que a pergunta apareceu, cortando minha respiração:

Será que era isso?

Será que esse era o meu momento de morte?

Porque dizem que a vida passa diante dos olhos só quando a gente está prestes a morrer.

Então por que a minha estava passando ali?

Será que quando aquele casamento terminasse…

eu também terminaria?

O aperto no peito ficou quase insuportável.

Uma pressão funda, quente, como se alguém estivesse segurando meu coração com força demais.

E quanto mais eu olhava pro altar, mais clara ficava a sensação que me esmagava:

Eu mereço isso.

Eu mereço estar aqui.

Mereço estar sentado sozinho, assistindo ao casamento do homem que eu amei por tantos anos.

Mereço porque eu tive uma chance.

Uma chance real.

E joguei fora.

Eu podia ter sido feliz.

Podia ter construído uma vida inteira com alguém que realmente me quis.

Alguém que lutou por mim.

Alguém que tentou me amar quando eu ainda era incapaz de enxergar qualquer amor que não fosse o dele.

Mas eu preferi acreditar no Caíque.

Naquelas palavras.

Naquelas promessas que nunca existiram fora da minha imaginação.

Me agarrei a cada frase dele como se fossem cordas me segurando no mundo.

E ele… ele não segurou nenhuma.

Não voltou.

Não esperou.

Não cumpriu absolutamente nada do que disse.

E agora eu estava ali — na primeira fileira — enquanto eu não tinha ninguém.

Nada além de um coração cansado demais para continuar batendo como sempre bateu.

A dor apertou mais. Precisei virar o rosto, tentar respirar fundo, engolir o que estava subindo.

Mas, quando virei…

Eu vi.

No fundo da igreja.

Parado.

Imóvel.

Inconfundível.

Felipe.

O Felipe adulto.

O impacto foi tão grande que eu perdi o ar por um segundo.

Ele estava elegante.

Impecável.

O terno azul-escuro abraçava o corpo dele como se tivesse sido feito para ele e ninguém mais.

A pele negra brilhava sob a luz do vitral, destacando cada curva forte, cada traço firme do rosto.

O cabelo curto, arrumado, limpo, tão bonito que parecia que até isso tinha crescido junto com ele.

E o sorriso…

meu Deus.

Era ainda o sorriso mais bonito que eu já conheci.

Um sorriso capaz de salvar uma pessoa inteira — e, um dia, ele tentou salvar a mim.

Os olhos dele…

aqueles olhos que sempre viam tudo, até o que eu tentava esconder…

me atravessaram mesmo de longe.

E o corpo dele…

firme, adulto, seguro, um homem completo.

Um homem que eu perdi.

Um homem que eu machuquei.

Um homem que tentou me amar quando eu ainda estava ocupado demais amando outra pessoa.

E ver ele ali…

tão lindo…

tão forte…

tão longe…

e, ao mesmo tempo, carregando um pedaço do que foi um dia nós dois…

Foi cruel demais.

Porque eu sabia que ele sofreu por mim.

Eu sabia que ele lutou.

Eu sabia que ele tentou.

E eu também sabia que ele desistiu — não porque quis, mas porque eu obriguei.

Talvez eu merecesse isso também.

Virei o rosto antes que nossos olhos se encontrassem.

Eu não sabia o que faria se isso acontecesse.

Não sabia se eu levantaria.

Se eu choraria.

Se eu imploraria desculpas.

Ou se eu simplesmente desmoronaria ali mesmo, na frente de todo mundo.

E foi exatamente nesse segundo que o padre repetiu:

— …para celebrar o casamento de K

Caique Avelar e Bianca Chagas.

E eu entendi.

Minha vida estava passando diante dos meus olhos.

De novo.

Devagar.

Implacável.

E talvez, quando aquele casamento acabasse…

talvez eu acabasse junto com ele.

Porque, no fim — sempre no fim —

meu destino nunca foi ser amado.

Meu destino sempre foi esse:

morrer de amor… mesmo continuando vivo.

Xxxxxx----xxxxxxxX

Fala galera? O que estão achando? Me diga aí. Queria que a plataforma aqui tivesse mais opções de edição para aumentar a experiência de vocês mas infelizmente não tem.

Para quem está lendo no Wattpad esse capítulo tem uma ilustração do Caique e do Alec dormindo juntos. Vou ver se consigo deixar o link nos comentários para vocês verem.

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Comentários

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Que capítulo mais gostoso de ler, Thiago! No começo eu tava achando que a Bianca tinha dado um golpe do baú e engravidado, mas depois vi que tem muito mais coisa por trás! Adorei, pq quer dizer que tem muita história ainda! Hehe

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Que tortura eu jamais iria a esse casamento. Será que Felipe vai ser a tábua de salvação. Ainda não entendi se esse amor era platônico além de unilateral.

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Alec merece ser guardado e protegido de tudo! Um príncipe ele.

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Abra o capítulo 4 para ver a imagem:

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