- Se divertiu?
Meu pai quis saber na manhã da segunda-feira ao estacionar o volvo rente ao passeio.
Eu sorri.
Na noite anterior, debaixo do edredom, os trovões estouraram no céu, acordei assustado, e segurei a mão do João me encolhendo todo. A chuva caiu pesada contra o telhado.
- João… - sussurrei.
- Hum… - respondeu sonolento.
Mais uma saraivada de raios e trovões estalou acima de nós.
- Vou dormir com a vovó.
Ele entreabriu os olhos. Eu larguei sua mão ao perceber que estávamos muito próximo, João e eu dormíamos sem camisetas por causa do calor mas com aquela chuva e mudança de temperatura eu começava a sentir calafrios pelo corpo.
- Espera – João pediu – calma...
Eu deslizei as pernas para fora da cama procurando meus chinelos com as pontas dos pés. João colocou a mão em meu ombro, puxou para trás, veio me abraçando e com o queixo na curva do meu pescoço pediu:
- Fica.
A sensação da pele quente dele, de sua voz morna em minha orelha, e o calor dos nossos corpos próximos debaixo do edredom, aquietou meu receio, fechei os olhos.
Nariz com nariz, testa com testa, adormecemos.
- Sim papai, - respondi ao meu pai no carro – foi bem legal!
“Vamos andar de bike hoje?”
Eu só vi o SMS no intervalo das aulas. Havia um teste de matemática nos primeiros horários.
“Beleza! Mas preciso falar com mamãe…” respondi.
O celular tremeu na minha mão e o nome dele apareceu. Atendi orgulhoso, vendo os meus colegas me olhando.
- Oi! - eu disse.
- E aí! - ele arfava. - Passo na sua casa…
Havia barulho de outros meninos e o nome do João gritado.
- Estão te chamando – falei.
- É um jogo – disse – mais tarde então!
Eu voltei para a minha sala com um frio na barriga. Ainda não tinha dado tempo de processar aqueles momentos na cama.
No sábado, brincamos tanto, corremos tanto, comemos pipoca, assistimos filmes, e no domingo mais disso tudo, para de noite…
Eu suspirei…
- Quem é João? - a intrusa voz da minha colega questionou. - João…
Ela leu.
Ester olhava para o caderno com as lentes do óculos fundo de garrafa.
- O personagem de uma história – menti.
Ester sacudiu os ombros. Eu risquei o nome, virei a folha, tentei prestar atenção na aula mas minutos depois voltava a pensar na sensação da pele do João encostando na minha!
Resultado: reclamação da professora para minha falta de atenção às placas tectônicas.
Minha mãe saiu logo após papai. Eu deixei a bike na varanda. João chegou mais ou menos depois da minha soneca da tarde.
- Estou morrendo de sede – ele disse.
Eu não lembrava das vezes em que meu primo esteve na minha casa, nem lembrava se já tinha ido a dele.
João entrou comigo passando pela sala e o corredor até a cozinha no fundo.
- Nossa Rique tem um baita pé de manga ali…
- É… - respondi. - Só que as mais maduras estão lá no alto…
Ele engoliu a água de uma golada. Desceu os degraus da escadinha para o quintal e correu para a árvore.
- Nossa!
- Meu pai diz para não subir que é perigoso… - eu disse.
João riu alto encrespou o pé em uma racha da casca da árvore, enfiou os dedos em outra mais acima, e montou em um dos galhos.
Eu olhei por cima do ombro para dentro de casa, não havia risco de mamãe ou papai chegarem àquela hora, mesmo assim bateu o medo. Quando voltei a olhar para a árvore, João estava lá no alto cutucando as mangas maduras.
- Pega um balde! - ele mandou.
Em coisa de quinze minutos, meu primo colheu dez mangas maduras, a casca vermelha, perfumadas, suculentas.
- Você é doido – falei de cocoras próximo ao balde.
Ele sorriu com os lábios amarelos por causa do suco da manga. Os fiapos entravam em nossos dentes enquanto chupávamos as mangas, arrancando a casca com os dentes.
- Hum… delícia… docinha…
- Verdade…
- Vamos para a rua…
Montamos nas bikes e pedalamos por alguns minutos, as ruas asfaltadas ajudavam na maciez dos pedais.
- Para onde estamos indo? - perguntei.
- Vem você vai ver…
Chegamos em umas ruas de terra, onde os muros das casas eram enormes, alcançamos um lugar com os dizeres na parede “Pousada”, a gente entrou, e havia uma piscina.
- João…
- Meu tio trabalha aqui… - ele respondeu. - Tem uma parte rasa e a outra mais funda.
Eu não lembrava de nenhum tio nosso que trabalhasse em uma pousada então supus que fosse tio apenas dele, por parte da outra família.
- E a gente pode usar a piscina?
- Claro que podemos!
A gente largou as bikes no gramado próximo ao cercado da piscina e arrancamos as camisetas e caímos na água.
AVISO: "Meu primo virou um gostoso" é a primeira parte de uma história que começa nos anos de descoberta de dois primos e avança para a idade mais madura, onde acontece o desfecho propriamente dito. Desde já agradeço a todos que leram, e deram a estrelinha, obrigado, boa leitura!