Era pra ser só uma viagem para Caldas Novas. Três dias de calor, pinga, piscina e gente pelada. O folheto dizia: "Excursão dos Canalhas da Madrugada – Bebo, logo existo". R$ 115 reais à vista ou dois boletos sem juros. Prometia churrasco, transporte, hospedagem e liberdade total. Mas ninguém leu o asterisco embaixo: "A organização não se responsabiliza por desaparecimentos, DSTs ou possessões demoníacas".
O ônibus partiu às 5h47 da manhã com 43 almas embarcadas — cada uma mais torta que a outra. Teve gente cheirando catuaba como se fosse perfume, uma mulher com três filhos de três pais e nenhuma vergonha, um homem que dizia ser "coach de preliminares" e uma senhora que carregava um vibrador de estimação chamado Oswaldo.
Cacá, o motoboy bombadinho, logo puxou o bonde da esculhambação, soltando funk sujo na caixinha de som enquanto passava óleo de bronzear nas coxas da Jaqueline, que já tava sem calcinha antes do pedágio. O motorista, um sujeito mudo com um olho só e tatuagem de exu no pescoço, não falou nada. Nem precisava. O ônibus parecia prestes a se transformar num motel ambulante.
Às 7h13, na altura de Anápolis, o motorista parou. No meio do nada. Sem dizer palavra, abriu a porta, desceu, mijou no mato, olhou pro céu como se estivesse recebendo um sinal, largou a chave do ônibus no chão e sumiu mato adentro, levando apenas a flanela suja e um Yakult vencido.
"Fudeu," disse Luquinha, o TikToker. "Será que isso é uma pegadinha?"
Dona Ciloca, que já tinha tomado meio litro de Dreher, gritou do fundo: "Se não tem motorista, então é Deus que vai guiar essa porra! Vamo pra Caldas!"
Jaqueline subiu na poltrona e começou um strip improvisado com uma fita de LED que achou na bolsa. Cacá, rindo, pegou a chave no chão, ligou o ônibus. Surpreendentemente, ele sabia dirigir.
"Eu fazia Uber escolar antes de virar motoboy," explicou, enquanto jogava o veículo no asfalto de volta à rodovia. "Bora tocar o puteiro em Caldas, porra!"
A viagem seguiu como uma rave decadente sobre rodas. Catuaba, funk, nudes, boquete no corredor, vômito na janela e alguém tentando abrir um portal espiritual no porta-malas usando uma camisinha usada e um isqueiro.
Mas então, por volta das 9h, algo brilhou no horizonte: uma luz púrpura, pulsante, como se fosse letreiro de um motel cósmico. "Olhem aquilo!" gritou o coach de preliminares, de cueca e tiara de unicórnio. "É o chamado!"
O ônibus começou a falhar, tossir, tremer. Parou. Bem em frente a um matagal alto, seco, com uma trilha aberta como se alguém – ou alguma coisa – estivesse esperando.
"A gente vai seguir a pé," disse Jaqueline, agora só de salto alto e glitter. "Eu tô sentindo. Tem putaria e mistério naquela luz."
Ninguém discordou. Até Oswaldo, o vibrador da Ciloca, parecia tremer sozinho, como se quisesse ir.
E assim, 43 canalhas desceram do ônibus e caminharam rumo à perdição púrpura. Rindo, pelados, bêbados e prontos pra tudo.
***
O sol já rasgava o céu feito corote em beiço de bêbado quando os canalhas resolveram seguir viagem a pé. Jaqueline amarrou o biquíni fio dental como se fosse capacete de guerra e foi na frente, liderando a trupe como uma Moisés de chinelo e ressaca.
O grupo caminhava sem rumo por uma estrada vicinal poeirenta, cercada de mato e promessas ruins. Luquinha, o tiktoker, fazia vídeos motivacionais mesmo com os pés cobertos de bolhas: “É nas adversidades que o coach se revela!”. Ninguém ouvia. Dona Ciloca tentava captar sinal de wi-fi erguendo Oswaldo, o vibrador, como uma antena espiritual.
Duas horas de caminhada e sete litros de suor depois, encontraram um posto de gasolina abandonado. A placa dizia “Posto Pica-Ferro – Desde 1989 Sem Acidente Grave”. Havia carrapatos no banheiro, morcegos no freezer e algo que parecia sêmen seco no balcão de atendimento. Perfeito.
Cacá encontrou um isopor esbagaçado cheio de Malt 90 vencida desde 1988 e distribuiu como se fosse água benta. Em meia hora, a degeneração começou a subir como febre em criança depois de um cochilo. Jaqueline e um caminhoneiro aleatório que apareceu do nada começaram a se esfregar na bomba de etanol. Dona Ciloca fez um strip-tease ritualístico, entoando um cântico em francês com sotaque malgaxe.
Foi quando chegaram eles: os discípulos de Vibratron.
Vestiam túnicas lilás abertas nas partes de baixo. Peitos expostos, genitais pendurados como frutas maduras, olhos arregalados como quem viu o capeta e gostou da visão. Ofereceram cogumelos, incenso de cheiro duvidoso e uma promessa: “Hoje à noite, na clareira da Luxúria Sagrada, haverá celebração. Vocês são nossos convidados.”
A maioria aceitou sem pensar. A minoria também. Nem cinco minutos depois, estavam todos nus, lambuzados de óleo de girassol, andando na traseira de uma Kombi psicodélica que puxava um reboque enorme onde coube todos, rumo ao mato.
E a noite mal tinha começado.
***
Os canalhas estavam prestes a descobrir que o Posto Pica-Ferro não era apenas um refúgio improvisado, mas um dos sete altares secretos da Ordem de Vibratron, uma seita místico-sexual fundada em 1978 por um ex-apresentador de programa infantil e uma atriz pornô arrependida. Eles pregavam a transcendência pela lascívia, o êxtase como forma de iluminação, e o abandono total da lógica, da vergonha e do FGTS.
O líder do grupo — conhecido apenas como Mestre Trivelato — tinha um pau de borracha amarrado na cabeça como se fosse um unicórnio. Ao vê-los, abriu os braços e bradou: “Chegaram os escolhidos da Luxúria Desenfreada!”. Os canalhas, já entorpecidos pela cerveja ruim vencida, a falta de dignidade e a promessa de orgia, apenas assentiram.
Jaqueline foi a primeira a se entregar ao ritual. Lambuzada de óleo de cozinha e glitter, foi levada ao “Púlpito do Tesão”, uma espécie de altar feito de colchões infláveis e bonecas infláveis desinfladas. Dona Ciloca, agora totalmente possuída pelo espírito de Oswaldo, falava em mandarim com sotaque taiwanês e esfregava o vibrador em uma Bíblia protestante.
Luquinha, o coach, tentava gravar conteúdo motivacional enquanto participava de uma dança pélvica circular. “É isso, família! Transforma tua vergonha em energia solar!”. Um anão de túnica lilás o acertou com um pepino cerimonial e ele caiu em transe.
No fundo do posto, Cacá e dois discípulos faziam esculturas obscenas com cabos de vassoura e pneus. Um cachorro apareceu do mato e foi eleito sumo sacerdote.
E então...
Na manhã seguinte, o chão do Posto Pica-Ferro parecia cenário de guerra interdimensional. Havia purpurina no teto, lingerie pendurada nas mangueiras de gasolina, e um senhor de 87 anos com espartilho e um cigarro apagado na orelha perguntando quem tinha visto a sua perna mecânica.
Cacá acordou abraçado a uma pilha de lubrificantes e um boneco inflável da Michelin com cara de pastor evangélico. Ao seu lado, Jaqueline, agora iniciada como “Alta Sacerdotisa do Sarrabuxo”, tinha tatuado nas costas a frase: Sede fecundos e multiplicai-vos, mas só se for com luxúria.
Mas havia algo estranho. Luquinha, o coach, havia sumido.
Dona Ciloca teve uma visão durante seu café da manhã (que consistia em comer Doritos com patê de kiwi e um gole de álcool etílico com guaraná jesus). Segundo ela, Luquinha havia sido levado para o “Olho do Cu do Mundo”, uma cratera mística localizada nas profundezas do cerrado, onde os discípulos de Vibratron buscavam o clímax eterno.
Guiados por um mapa desenhado em um absorvente usado, os canalhas se embrenharam num matagal cheio de ruídos indecentes, cantos guturais e mosquitos que chupavam até o clitóris. Lá, entre fungos com formato de nádegas e cipós que pareciam chicotes eróticos, encontraram a entrada da cratera: um buraco fumegante que pulsava como um cu com hemorróidas.
“É por aqui que se entra na sabedoria carnal”, disse Mestre Trivelato, enquanto lubrificava uma escada de corda com óleo de dendê.
E então, um a um, desceram para o fundo da insanidade...
A descida pela cratera foi lenta, escorregadia e cheia de sons indecifráveis — estalos, gemidos, risos de bebê e o tema do Xou da Xuxa tocando ao contrário. Cada degrau da escada lubrificada parecia levá-los não só para o fundo da Terra, mas para o fundo da própria alma promíscua de cada um.
No final da caverna, encontraram uma imensa cúpula orgânica, pulsante, onde dezenas de corpos nus se contorciam ao som de uma batida tribal techno-bucetal. No centro, Luquinha estava acorrentado a uma cruz de vibradores gigantes, em transe, recitando slogans de autoajuda misturados com trechos clichês de Paulo Coelho.
“VOCÊ É O ORGASMO QUE DESEJA TER NESSE MUNDO!”, gritava ele, com olhos virados e um pepino dourado na boca.
Mestre Trivelato declarou que o momento havia chegado: o Grande Clímax Cósmico, a conjunção místico-libidinosa que permitiria ao grupo romper as fronteiras do prazer e se tornar uma única entidade carnal: o VIBRATRON SUPREMO.
Para isso, todos deveriam se unir numa gigantesca suruba ritual, chamada de “A Ejaculação Final”. Mas havia um porém: um dos canalhas teria que se sacrificar e gozar além da morte.
Dona Ciloca, com o vibrador Oswaldo em riste, se voluntariou. Em meio a gritos, tambores tribais e jatos de chantilly, ela se entregou ao êxtase supremo e explodiu em luz.
No instante do clímax coletivo, o mundo tremeu, e todos foram lançados de volta ao ônibus, nus, suados, e com gosto de mirtilo industrializado na boca. Era segunda-feira.
O motorista ligou o motor balançando a cabeça como quem concorda que aquela erva estava batizada com pó de gafanhoto. E sem dizer uma palavra, seguiram viagem. Como se porra nenhuma tivesse acontecido.
