Acordei ofegante, o coração batendo como se eu tivesse corrido quilômetros.
A respiração saía curta, e por um instante não soube se ainda estava sonhando. O quarto parecia o mesmo de sempre — as paredes claras, a cortina balançando com o vento que entrava pela janela —, mas algo em mim estava fora do lugar.
A sensação era de que eu tinha acabado de voltar de outro tempo.
As imagens ainda dançavam na minha cabeça: fogo, gritos, o som de tiros ecoando, e um homem de uniforme me puxando pelo braço, gritando meu nome.
Mas não era Yuri que ele dizia.
Era outro nome, um que eu não conseguia lembrar, mas que me arrepiou até a espinha.
E o rosto dele... o rosto era o de Samuel.
Passei a mão no peito, tentando controlar a respiração. A sensação era tão real que o cheiro de fumaça parecia ainda preso nas minhas narinas.
Fiquei sentado na cama por alguns minutos, olhando fixo pra parede, até o som distante de um ônibus passando na rua me trazer de volta pro presente.
"Foi só um sonho", pensei. "Nada mais que isso."
Mas o gosto metálico na boca e o suor frio na nuca diziam o contrário.
Levantei devagar e fui até o banheiro. A água fria caindo no rosto trouxe um pouco de lucidez, mas não o bastante.
Olhei meu reflexo no espelho — os olhos fundos, a expressão cansada. Parecia que eu realmente tinha vivido tudo aquilo.
Quando desci pra cozinha, o cheiro de café fresco me recebeu. Erick estava lá, como sempre, encostado na bancada com o celular numa mão e a caneca na outra.
Ele me olhou e arqueou uma sobrancelha.
— Tá vivo? — perguntou, meio rindo. — Você parece que lutou com um urso.
— Dormi mal — respondi, sentando à mesa. — Tive um sonho estranho.
Ele se aproximou um pouco, curioso. — Que tipo de sonho?
— Não sei explicar. — Passei a mão no cabelo, ainda molhado. — Era como se eu estivesse em outro lugar, outro tempo. Tinha fogo, barulho de tiros... e um homem me chamando.
— Que homem?
— Não sei. — Menti, desviando o olhar.
— Não lembro direito.
Erick ficou me observando em silêncio por alguns segundos, depois deu um gole no café.
— Você anda muito aéreo, Yuri. Desde aquela noite com o Robinho e o primo dele, parece outro.
— Tô só cansado — tentei desconversar.
— Sei. — Ele deu um meio sorriso. — Cansado ou... encantado?
Revirei os olhos, mas ele continuou me encarando com aquele ar provocador misturado com preocupação genuína.
— Sabe, tem gente que acredita que certas pessoas aparecem na nossa vida por um motivo — ele disse, apoiando a caneca na pia. — Tipo, encontros que se repetem.
— Que papo é esse agora?
— Só tô dizendo. — Ele deu de ombros.
— Às vezes, quando a gente sente alguma coisa muito forte logo de cara... pode ser porque já sentiu antes.
Aquela frase me atravessou como um golpe. Engoli seco, tentando disfarçar, mas era impossível não lembrar das palavras de Samuel dentro do carro:
"Eu gosto do perigo. Sou apaixonado pelo perigo.
A sensação de quase morrer me excita...
É como se eu trouxesse isso de outras vidas."
Um arrepio percorreu minhas costas.
O toque do celular sobre a mesa me fez sobressaltar. Peguei o aparelho, e o nome que apareceu na tela fez meu estômago se contrair.
Samuel.
A mensagem dizia apenas:
"Você acredita em coincidências, Yuri?"
Fiquei olhando praquelas palavras, sem saber o que responder. Por um instante, o som da rua, o barulho do relógio, até a voz de Erick — tudo pareceu se afastar, como se o mundo tivesse parado.
Era como se o sonho não tivesse acabado.
Como se ele tivesse apenas começado a se repetir.
Olhei para a tela do celular, os dedos prontos para digitar alguma resposta para Samuel, mas o número piscando no canto me fez gelar.
09:47.
— Merda... — murmurei, pulando da cadeira.
Corri pro quarto, vesti a primeira calça que encontrei e uma camiseta amarrotada. Escovei os dentes no tempo recorde, joguei o material dentro da mochila e prendi o cabelo com as mãos, do jeito mais torto possível.
Erick apareceu na porta do corredor, ainda com a caneca de café na mão, me olhando com cara de quem já sabia o que estava acontecendo.
— De novo atrasado, doutorzinho? — provocou.
— Nem começa, Erick! — respondi, rindo enquanto passava por ele. — Me deseja sorte!
Ele esticou o rosto e eu dei um beijo apressado em sua bochecha antes de sair disparado pela porta.
O sol estava forte, o ar quente, e eu sentia o coração acelerado tanto pela correria quanto pela adrenalina que o nome "Samuel" ainda deixava em mim.
A mochila balançava nas costas enquanto eu descia a rua. A pressa fazia o suor escorrer pela testa, mas, no meio da confusão, um pensamento me atravessou:
eu era grato.
Grato por ter uma vida estável, por não precisar trabalhar enquanto estudava, por poder me concentrar só na faculdade — um privilégio que eu sabia que poucos tinham.
Meus pais sempre disseram que queriam isso pra gente: que a única preocupação fosse aprender.
Meu pai, Antônio, era arquiteto e urbanista, dono de um dos maiores escritórios do Rio. Vivia com a mala pronta, viajando pelo Brasil e pela Europa pra acompanhar projetos, e sempre voltava cheio de histórias, maquetes e perfumes diferentes.
Minha mãe, Helena, trabalhava com ele — designer de interiores, com aquele olhar meticuloso que transformava qualquer espaço num lar.
Eles passavam meses fora, mas nunca deixavam faltar nada. E, quando estavam aqui, faziam questão de encher a casa de vida, de risadas e cheiros de café fresco.
Graças a eles, eu e Erick tínhamos o acordo que sempre repetiam à exaustão:
"Vocês só vão trabalhar depois que se formarem. Por enquanto, a obrigação de vocês é viver e estudar."
E era isso que eu fazia — ou tentava.
Enquanto seguia apressado pela calçada, ajustando a alça da mochila, o som de uma buzina atrás de mim me fez virar o rosto, incomodado.
Um carro preto, brilhando sob o sol, se aproximava devagar.
A janela do motorista abaixou, e o sorriso que surgiu atrás do volante fez meu estômago se revirar.
— Achei que ia te encontrar por aqui — disse Samuel, apoiando o braço na janela. O mesmo tom seguro, a mesma voz grave. — Disse que ia te buscar, lembra?
Fiquei parado por um segundo, sem reação. Parte de mim queria inventar uma desculpa, dizer que tava atrasado demais, que preferia ir andando.
Mas a outra parte — aquela curiosa, teimosa e talvez um pouco imprudente — ficou ali, encarando o olhar dele.
— Cê tá com sorte que eu ainda tô no caminho — falei, meio sem graça, tentando disfarçar o nervosismo.
Ele riu, e o som pareceu encher o ar.
— Então entra logo, antes que eu perca o direito de ser o teu motorista particular.
Abriu a porta do passageiro num gesto ensaiado, como se já soubesse que eu ia aceitar.
E eu aceitei.
Enquanto eu me sentava, o cheiro do carro — couro misturado a um perfume amadeirado — me envolveu de imediato.
Ele acelerou devagar, o som do motor preenchendo o silêncio que se formou entre nós.
Olhei pela janela, tentando disfarçar o desconforto que me tomava.
Mas bastou ele olhar de canto e sorrir outra vez, e aquele arrepio familiar percorreu minha nuca.
Samuel olhou rápido pra mim antes de sair com o carro.
— Fiquei triste. — A voz dele tinha aquele tom brincalhão, mas firme, o tipo que te prende. — Você não respondeu minha mensagem.
Franzi a testa.
— Mensagem? Eu nem lembro de ter te passado meu número.
Ele riu de leve, como se estivesse se divertindo com a minha confusão.
— Você não passou mesmo. Esperei o Robinho se distrair e peguei no celular dele.
— O quê? — exclamei, tentando disfarçar a risada nervosa. — Você é louco! Isso é invasão de privacidade, sabia?
— Loucura é relativa, Yuri. — Ele olhou pra mim com aquele meio sorriso de canto. — Eu só quis garantir que pudesse falar com você.
Tentei mudar de assunto, olhar pra janela, pro trânsito, pra qualquer coisa. Mas ele tinha essa mania de me olhar como se me atravessasse, e isso me deixava completamente sem saber pra onde fugir.
— Me deixa na esquina da faculdade, tá? — falei rápido. — O Robinho não pode ver você me deixando lá... Toninho já não gostou da carona de ontem, imagina se souber que você me buscou em casa hoje.
Ele riu baixinho, como se achasse graça da minha tentativa de impor limite.
— Você tá com medo de quê, Yuri?
— De você me perseguir na faculdade, em casa e... — engoli seco — até nos sonhos.
Assim que as palavras escaparam, senti o sangue sumir do meu rosto. Merda. Eu realmente tinha falado aquilo?
Samuel não respondeu. Só encostou o carro devagar no canto da rua e virou o rosto pra mim. O olhar dele era fixo, escuro, quase selvagem.
Ele se inclinou lentamente, a voz saindo baixa e rouca:
— Quer dizer que... você sonhou comigo?
O coração começou a bater tão alto que eu podia jurar que ele também ouvia.
Fiquei imóvel, tentando disfarçar o nervosismo.
A respiração dele estava perto demais. O carro todo parecia menor, sufocante.
— Eu... — engoli em seco — eu só falei da boca pra fora, Samuel.
Mas era mentira, e ele sabia.
Porque o jeito que ele me olhava agora era o mesmo do sonho.
O mesmo olhar pesado, que não pedia permissão.
— É mesmo? — ele perguntou, com um sorriso torto. — Então me conta. O que aconteceu nesse sonho?
Virei o rosto, tentando rir.
— Você tá delirando. Foi só um sonho, não tem nada demais.
Samuel soltou uma risada baixa, arrastada, e encostou de novo no banco.
— Eu gosto quando você mente pra mim, Yuri. Dá pra ver nos seus olhos.
Eu respirei fundo, tentando recuperar o controle.
— Você tá viajando, Samuel. A gente se conhece há dois dias.
— E daí? — ele respondeu, olhando pro retrovisor, depois de novo pra mim. — Às vezes, duas horas bastam pra sentir o que muita gente não sente em anos.
Fiquei sem resposta.
As palavras dele me atravessaram feito lâmina, porque, por mais absurdo que fosse, parte de mim queria acreditar.
O carro voltou a andar, e o silêncio pesou entre nós.
Lá fora, o sol já batia nas calçadas, as pessoas passavam apressadas, e eu só pensava em como aquele cara conseguia me deixar tão fora de mim.
Samuel encostou o carro devagar em uma das ruas laterais da faculdade. O som do motor ainda vibrava leve quando ele virou o rosto pra mim — e naquele instante, o ar pareceu pesar.
O olhar dele era intenso demais, como se tentasse me decifrar, e eu não consegui sustentar por muito tempo. Virei o rosto, tentando disfarçar o nervosismo.
— Então quer dizer que você sonhou comigo? — ele perguntou, com aquele meio sorriso que me deixava ainda mais sem graça.
— Eu... foi força de expressão — respondi rápido, sentindo o rosto queimar.
Ele riu, um riso baixo, rouco, quase provocante. O tipo de riso que fazia o silêncio parecer mais alto.
— Sabe, Yuri... quando alguém sonha com a gente, é porque sentimos algo por ela — ele disse, inclinando-se um pouco mais.
Antes que eu pudesse responder, ele se aproximou. Eu devia ter afastado. Devia. Mas por algum motivo, fiquei paralisado. O coração batia rápido, o som do trânsito parecia distante, e o cheiro dele — uma mistura de perfume amadeirado e cigarro recente — me envolveu por completo.
O beijo veio rápido, sem aviso. Um toque firme, decidido, mas breve. Foi o suficiente pra me tirar o ar, pra embaralhar qualquer tentativa de raciocínio.
Quando percebi, ele já se afastava com aquele mesmo olhar confiante.
— Agora sim — murmurou, com um sorriso de canto. — Já posso começar o dia em paz.
Abri a porta do carro sem dizer nada. O corpo ainda reagia ao que tinha acabado de acontecer. Eu só queria sair dali antes que ele percebesse o quanto aquilo me afetou.
Assim que pisei na calçada, respirei fundo, tentando colocar os pensamentos em ordem. Mas o gosto do beijo ainda estava ali, insistente, perturbador.
E por mais que eu tentasse me convencer de que aquilo não significava nada... uma parte de mim sabia que alguma coisa tinha mudado.
Quando entrei no portão da faculdade, parecia que o chão tinha perdido o equilíbrio. Cada passo parecia ecoar alto demais, e o barulho ao meu redor se misturava com o turbilhão dentro da minha cabeça.
O beijo.
Eu tentava não pensar, mas era impossível. Toda vez que lembrava, o coração acelerava e uma sensação estranha subia pelo corpo, entre culpa e curiosidade. Eu não devia ter deixado aquilo acontecer. O pior era saber que, no fundo, eu também não tinha conseguido impedir.
A primeira pessoa que vi foi o Robinho, encostado em uma pilastra perto da entrada, com os braços cruzados e aquele semblante que eu já conhecia bem — o de quem está tentando disfarçar um mau humor.
— Tava onde, cara? — ele perguntou assim que me viu, franzindo o cenho. — Tô aqui faz um tempão te esperando.
Engoli seco. — O Samuel passou lá em casa. Me deu carona.
Os olhos dele mudaram na hora, como se algo dentro tivesse acendido. Ele deu um passo à frente, sem disfarçar a irritação. — Ele foi na tua casa?
Assenti, tentando parecer tranquilo. — Foi coincidência... ele disse que tava passando por lá.
— Coincidência — repetiu, com ironia. — Claro.
O silêncio que veio depois foi pesado. Eu tentei mudar de assunto, mas o Robinho estava visivelmente incomodado. Ele jogou a mochila nas costas e foi andando na frente, sem dizer mais nada.
Durante as aulas, ele mal falou comigo. Fingiu estar ocupado com o celular, ou se enfiou em conversas com outras pessoas. E eu, sinceramente, nem conseguia prestar atenção em nada. A cabeça voltava sempre pro mesmo ponto — o beijo, o olhar do Samuel, o jeito que ele falava comigo como se me conhecesse há muito tempo.
No intervalo, fui até o bebedouro pra tentar me distrair, e quando olhei pro lado, o Robinho estava me observando de longe. Por um segundo, senti vontade de ir até ele, explicar tudo, mas... o que eu ia dizer? Que um homem que eu mal conheço me tirou o ar por um segundo e eu não soube reagir?
Suspirei e voltei pra sala.
O dia passou arrastado, pesado. E quando finalmente as aulas terminaram, o Robinho apenas se virou pra mim e disse, num tom seco:
— Hoje eu vou direto pra casa. A gente se fala depois.
Assenti, sem coragem de questionar.
Enquanto via ele se afastar, fiquei com uma sensação de perda, de algo escapando por entre os dedos. E, no fundo, uma certeza me assombrava: o beijo do Samuel não tinha sido só um erro... tinha sido o início de alguma coisa que eu ainda não sabia nomear.
As palavras do Erick ainda ecoavam na minha cabeça quando saí da faculdade. "Presta atenção nas pessoas ao seu redor, Yuri. Nem sempre o que a gente sente é só impressão."
Na hora eu tinha rido, mas agora... elas faziam sentido demais.
Os últimos dias estavam me sufocando. O Robinho mal falava comigo, parecia sempre distante, irritado com qualquer coisa que eu dissesse. E, sinceramente, eu não aguentava mais fingir que não estava doendo.
Quando o vi atravessando o estacionamento, indo em direção à rua, alguma coisa em mim simplesmente... explodiu.
— Robinho! — gritei, alto o bastante pra algumas pessoas olharem. Ele parou, respirou fundo e se virou, com aquela expressão de quem preferia estar em qualquer outro lugar.
— O que foi, Yuri? — perguntou, impaciente.
Andei até ele, o coração martelando no peito. — O que foi? É isso que eu tô tentando entender! O que foi que eu fiz pra você ficar assim comigo, hein?
Ele desviou o olhar, enfiando as mãos nos bolsos. — Não é nada, cara.
— Nada? — ri, nervoso. — Você mal fala comigo, me evita, parece que eu fiz alguma coisa horrível e agora vem me dizer que não é nada?
— Eu só... tô com a cabeça cheia, tá?
— Cheia com o quê? — insisti. — A gente sempre foi melhor amigo, Robinho. Sempre. E de repente você resolve me tratar como um desconhecido, e nem se dá o trabalho de me explicar o motivo.
A voz saiu mais alta do que eu esperava. E quando percebi, já estava dizendo tudo o que vinha engolindo nos últimos dias.
— Eu tô cansado de tentar adivinhar o que você pensa! Cansado de fingir que tá tudo bem quando claramente não tá. Você some, se fecha, e eu fico aqui me sentindo um idiota tentando entender o que foi que eu fiz!
Robinho continuava calado, olhando pro chão. E foi só quando as lágrimas começaram a cair que eu percebi que ele estava chorando.
— Eu... — ele começou, com a voz falhando. — Eu só tenho medo, Yuri. Medo de te perder.
Aquela frase me acertou como um soco.
Por um momento, tudo ficou em silêncio. O barulho da rua sumiu, as pessoas em volta desapareceram. Só existia ele, chorando na minha frente.
Senti os olhos arderem também, e deixei que as lágrimas viessem.
— Medo de me perder? — repeti, a voz embargada.
— A gente é amigo, Yuri.— Só... tenho medo de perder meu amigo.
Ele levantou o olhar pra mim, com os olhos vermelhos, e sorriu de um jeito triste.
Amigo.
Essa palavra ficou ecoando dentro de mim. E, de repente, tudo fez sentido — ou talvez tenha deixado de fazer.
Talvez o que eu sentia fosse só confusão. Talvez eu tivesse criado tudo na minha cabeça. O Robinho sempre gostou de garotas, eu mesmo já o vi ficar com várias. E se algum dia ele fosse se interessar por um homem... por que seria logo por mim?
Existiam caras mais bonitos, mais legais, mais interessantes.
Eu não era nada disso.
Enquanto ele limpava o rosto e dizia que precisava ir, eu fiquei parado ali, com a sensação de que algo dentro de mim tinha se quebrado.
Talvez fosse o coração.
Ou talvez fosse só o fim de uma ilusão que eu mesmo tinha alimentado.
Fiquei olhando pra ele, sem saber o que responder. O Robinho ainda chorava, a respiração entrecortada, e cada palavra dele parecia me desmontar por dentro.
"Medo de te perder."
Aquelas palavras rodavam na minha cabeça, como um eco insistente. Eu queria acreditar que significavam algo a mais, queria achar que, no fundo, ele sentia o mesmo que eu. Mas agora, olhando pra ele daquele jeito, eu sabia que não.
Era medo de perder um amigo. Só isso.
Senti uma lágrima escorrer pelo canto do olho, quente, teimosa. Sorri de leve — aquele sorriso amargo que a gente dá quando entende o que não queria entender.
— Então fica tranquilo — falei, a voz baixa, quase um sussurro. — Você nunca vai perder seu amigo. Isso que serei pra sempre... seu amigo.
Ele tentou dizer alguma coisa, mas eu não esperei. Virei as costas antes que ele visse mais lágrimas caindo.
O vento da tarde bateu no meu rosto, misturando o som das buzinas, das risadas ao longe e do meu próprio coração apertado. Peguei o celular no bolso, as mãos tremendo um pouco, e abri a conversa que eu não devia abrir.
Os dedos se moveram sozinhos.
"Samuel, tá afim de sair pra beber hoje? Tô precisando."
Enviei antes que pudesse me arrepender.
Guardei o celular de novo no bolso e continuei andando, sem olhar pra trás.
A dor ainda queimava, mas naquele momento, eu só queria silenciar tudo — nem que fosse no fundo de um copo.