A Corrupção 14 - Rebeca - Introdução, Objetivos e Método

Da série A corrupção
Um conto erótico de J.M.Calvino
Categoria: Sadomasoquismo
Contém 8484 palavras
Data: 02/11/2025 17:29:27

Rebeca não era uma desconhecida — nem uma qualquer. Tinha aquela aura de eficiência que irritava antigos professores e fazia novos chefes sorrirem de alívio; nas festas da biomedicina, usava jeans reto, camiseta de banda genérica e sempre dizia “não bebo, sou motorista da rodada” como se a carteira de habilitação fosse medalha olímpica. Eduarda a conhecera no intervalo entre dois semestres, quando ainda fingia que o estágio no laboratório da universidade era futuro e não jaula, e invejara o modo como Rebeca organizava até a poeira do microscópio. A vida de Rebeca era um roteiro de notas A, relacionamentos insatisfatórios e grupos de estudo em sábados sem futebol. Havia nela uma caretice genuína, mas também uma faísca escondida — talvez nos olhos pequenos, ou no jeito de nunca resistir a um desafio, mesmo os que pareciam perda de tempo.

Foi essa faísca que Eduarda mirou. Decidiu, como quem escolhe um alvo para experimento, que Rebeca seria o primeiro “projeto” do pós-graduação depravada que inaugurava naquela temporada. Não apenas por arrogância, mas porque tinha interesse verdadeiro em testar seus novos poderes sobre alguém tão brilhante e, ao mesmo tempo, tão presa às próprias rédeas. Era um jogo de laboratório: queria ver até onde o corpo e a mente de Rebeca podiam ser dobrados antes de quebrar de vez.

Mandou mensagem no meio da tarde, quando soube que a outra estava atolada de trabalho e, por isso mesmo, jamais esperaria um convite para estudar em casa — na casa de Eduarda, que agora era quase uma antessala do inferno. “Preciso de ajuda com Estatística Avançada. Pode ser hoje? Traz chocolate, é importante.” Rebeca demorou três minutos exatos para responder (“Só depois das 19h, tem problema?”, “Sem açúcar?”, “Você tem impressora?”) e mais oito para confirmar a presença. O plano estava em movimento.

Por volta das sete e meia, Eduarda vestiu a máscara de aluna perdida e empilhou seus livros (abertos, mas nunca lidos) na mesa da sala. Na cozinha, cortou frutas em cubos perfeitos e forrou travessas com cheese puffs, para simular energia e caos de gente normal. Escondeu as latas de cerveja, abriu duas garrafas de água tônica.

Sabia que, para Rebeca, aquele cenário já era sedução — tudo limpo, tudo no lugar, tudo simulando limite. O verdadeiro truque, Eduarda aprendera, era fazer a vítima se prender sozinha dentro da gaiola; não precisava trancar a porta.

Quando a campainha tocou, quase vinte minutos atrasada, Rebeca usava moletom azul-marinho, jeans surrado, tênis branco e aquele coque displicente em seus cabelos castanho escuros.

Estava com uma a mochila trançada no ombro, uma pasta A4 lotada de resumos, marcadores, tubos de caneta fina, fichários separados por cor e, para emergências, um kit de lanches que incluía dois shakes de proteína, barrinhas low carb e um sachê de Clight — “nunca se sabe quando a glicose dos outros vai boicotar a produtividade”, ela anotara mentalmente.

Eduarda abriu a porta com a expressão de sempre, metade entusiasmo, metade tédio, como se tudo no mundo fosse ao mesmo tempo uma notícia incrível e um convite à decepção. Mas estava diferente: vestia um moletom rosa bebê, algo que nunca aparecera no feed de redes sociais ou no histórico de reuniões do grupo de estudos. Os cabelos estavam soltos, coisa rara, e os olhos marcados por um delineador que ela nunca usava, nem nos eventos mais sociais.

— Olha só quem chegou, a rainha das ligas acadêmicas — brincou Eduarda, abrindo os braços para um abraço que Rebeca aceitou, mas com o corpo meio duro, atento à possibilidade de perder a primeira rodada de argumentação daquela noite.

— Tava aberta a vaga de princesa da procrastinação? — rebateu Rebeca, já entrando, deixando a mochila na cadeira e a pasta em posição de ataque no tampo da mesa.

Eduarda sorriu, mas não rebateu. Só fez um gesto vago para o sofá, como quem sabe que a visita vai precisar de tempo para se adaptar ao novo habitat.

Rebeca se sentou, cruzou as pernas, ajeitou o óculos de haste fina e varreu a sala com o olhar, catalogando todas as pequenas discrepâncias do ambiente — a caneca de café (frio) sobre o piano, o livro de poesia russa aberto em página 77, o post-it amarelo colado no interruptor (“não esquecer: ligar para Denise”). Nenhuma dessas informações era útil para o estudo, mas Rebeca funcionava assim: absorvia o cenário, construía o modelo mental, só então relaxava o suficiente para focar no que importava.

— E aí, você falou que era urgente, mas eu revisei os slides do Góis e não achei nada que justificasse desespero — começou Rebeca, pegando um lápis e já rabiscando o papel mais próximo.

— Eu sou um desastre, Rebeca. Sério. Não adianta, eu tenho déficit de atenção, ou talvez seja burrice mesmo — dramatizou Eduarda, rindo em seguida. — Preciso que você literalmente me enfie conhecimento goela abaixo.

Rebeca franziu o cenho. Não tolerava autoironia que beirava a autodepreciação, menos ainda vinda de alguém que, claramente, só queria a desculpa para não se esforçar.

— Para, Eduarda. É só uma questão de disciplina. Senta comigo uma hora, eu te explico tudo. Depois a gente faz a lista, revisa, e te garanto que você vai tirar pelo menos 8,5. Mas precisa querer — pontuou, já alinhando uma folha em branco para começar o roteiro de revisão.

Eduarda assentiu, mas não parecia convencida. Levantou-se, foi até a cozinha e voltou com duas canecas de chá, uma para cada, e largou-as na mesa sem muito cuidado. O líquido era de um tom alaranjado e exalava cheiro forte de gengibre, talvez com uma pitada de alguma coisa fermentada.

Rebeca olhou com desconfiança, mas não comentou. Pegou a caneca, cheirou, sentiu o aroma agressivo e quase revirou os olhos. Mas, por educação, tomou um gole.

— O que é isso? — perguntou, limpando o buço com as costas da mão.

— Chá detox de Hibisco com Kombucha. É para dar energia, dizem.

— Energia a troco de destruir as papilas gustativas, imagino — respondeu Rebeca, tentando não ser cruel, mas falhando.

Eduarda riu, daquela risada que sempre parece o prenúncio de uma catástrofe.

— É só para variar do café — explicou, como quem pede desculpas pelo ato de existir.

O estudo começou em ritmo industrial. Rebeca falava rápido, gesticulava, escrevia no quadro branco portátil que trouxera, explicava mecanismos, fazia analogias, criava mnemônicos que só ela achava geniais. Eduarda ouvia, tentava acompanhar, mas seus olhos divagavam sempre que havia silêncio maior que dois segundos.

De tempos em tempos, Rebeca notava o olhar distante, e perguntava, quase ríspida:

— Tá me ouvindo, Eduarda?

— Tô, só tava processando. Repete o último item — pedia Eduarda, e Rebeca repetia, mais devagar, como professora de cursinho cansada do plantão de dúvidas.

O padrão se repetiu por quase uma hora, até que Eduarda se levantou de novo e, em vez de voltar, parou de costas para Rebeca, fitando a janela.

— Já se perguntou se não tem coisa mais legal pra fazer num fim de semana desses? — disse Eduarda, sem olhar para trás.

Rebeca pensou na pergunta. Era o tipo de dilema que odiava: perder tempo em filosofias ociosas quando o resultado prático seria sempre o mesmo.

— Já. E a resposta é não. Se você quer ser a melhor, precisa estudar mais que todo mundo — recitou, como quem lê a bula de um remédio já conhecido.

Eduarda girou, o rosto meio aborrecido, meio divertido.

— Você sempre foi assim, né? Perfeita. Nunca erra, nunca falta, nunca desiste.

— Alguém tem que ser racional — respondeu Rebeca, mais rápido do que pretendia.

O silêncio pairou, mas logo foi varrido por uma enxurrada de instruções: Rebeca retomou o assunto, explicou as diferenças entre receptor muscarínico e nicotínico, desenhou um esquema para facilitar, e só então percebeu que Eduarda não voltara a se sentar.

— Tem certeza que tá tudo bem? — perguntou Rebeca, agora de pé, as mãos cruzadas em frente ao corpo.

— Tenho, só... sei lá. Tô com saudade de quando tudo era mais fácil — disse Eduarda, e pela primeira vez soou sincera.

Rebeca não sabia o que responder. O manual de relações interpessoais não preparava para sentimentos não quantificáveis. Preferiu ignorar a emoção e focar na missão.

— Relaxa. Até segunda você vai ter esquecido tudo isso, inclusive a saudade — disse, com o sorriso mais pragmático do repertório.

Eduarda sorriu de volta, mas agora o sorriso parecia menos ensaiado. Sentou-se de novo, pegou o lápis da mão de Rebeca e ficou rabiscando uma espiral, enquanto ouvia a explicação seguinte.

O tempo passou em velocidades diferentes para cada uma. Para Rebeca, era tudo métrica: cada minuto bem aproveitado significava menos ansiedade na véspera da prova. Para Eduarda, parecia que cada minuto era uma hora — só que uma hora mais leve, quase aconchegante.

Quando o relógio bateu dez e meia, Rebeca já tinha terminado metade do roteiro, e Eduarda não bocejou nenhuma vez. Tomaram mais chá, comeram barrinhas de proteína, e discutiram a melhor forma de resumir o capítulo três. O clima era de laboratório, não de balada. Mas, estranhamente, ambas pareciam confortáveis no papel.

No fim, Rebeca se levantou, recolheu os próprios papéis e se preparou para partir.

— Você vai dormir aqui ou quer que eu chame o Uber de volta? — perguntou Eduarda, agora com tom menos formal.

— Durmo aqui. Mais prático. Amanhã a gente fecha o resto — respondeu Rebeca, já calculando o número de horas que ganharia de estudo ao não voltar para casa.

— Perfeito. Vou arrumar o quarto de hóspedes — disse Eduarda, desaparecendo pelo corredor.

Rebeca ficou sozinha na sala, olhando o próprio reflexo na janela. Pela primeira vez em meses, sentiu uma estranha sensação de normalidade, como se nada mais existisse além do estudo e do chá horrível.

Separou o celular, ligou o despertador para as 07h00, e, antes de dormir, mandou um áudio para o grupo de amigas:

“Primeira rodada de estudos, ok. Amanhã sigo missão. Nada fora do padrão. Abraços.”

Desligou o aparelho, ajeitou o cabelo num coque de bailarina, e deitou no colchão duro do quarto de hóspedes.

Na mente de Rebeca, era só mais um passo no controle total da própria vida. Não percebeu o quanto já estava cercada por uma rotina diferente — e nem imaginava que, dali em diante, as regras do jogo iam começar a mudar, milímetro a milímetro.

Dormiu tranquila, respirando fundo, certa de que ainda era ela mesma — a primeira do ranking, a rainha das ligas acadêmicas, a dona de cada decisão.

No fundo, não tinha ideia do que estava prestes a acontecer.

# Scene 2

Rebeca não dormia bem fora de casa. O colchão do quarto de hóspedes de Eduarda era rígido como tábua, o lençol de microfibra provocava eletricidade estática, e o abajur da escrivaninha piscava em intervalos irregulares, como uma sirene disfarçada. Ela virou de lado, consultou o relógio no celular — 02h37 — e ponderou se não seria melhor migrar para o sofá da sala. Talvez ali, com o barulho da rua, conseguisse despistar o próprio cérebro.

No corredor, ouviu passos leves, quase deslizando. Por instinto, ficou alerta: se alguém invadisse a casa, ela saberia reagir antes de Eduarda. Mas não era invasor. Era a anfitriã, que surgiu no batente usando só uma camiseta oversized de banda de metal e uma calcinha preta.

— Tá acordada? — sussurrou Eduarda, apoiando a cabeça na porta.

— Tô, mas se for pra saber, ainda não virei vampiro nem perdi pontos de QI por causa do chá fermentado, — respondeu Rebeca, sentando-se na cama.

Eduarda riu baixinho, entrou no quarto e sentou ao lado dela, puxando as pernas para cima e abraçando os joelhos. Parecia desconfortável, talvez envergonhada. Talvez só cansada.

— Não quero te assustar, mas posso dormir aqui hoje? — perguntou Eduarda, a voz agora de criança pedindo desculpa por quebrar vaso antigo.

Rebeca hesitou. A resposta óbvia seria um "claro", mas o cérebro dela sempre precisava processar probabilidades, motivações, vieses implícitos. Analisou o tom de voz, a postura, a situação: a amiga parecia menos dona de si do que normalmente. O que poderia estar diferente? Talvez o humor, talvez as oscilações hormonais. Talvez um pedido genuíno de proximidade, nada além.

— Se for por medo de ladrão, sou faixa azul de jiu-jitsu — brincou Rebeca, tentando quebrar o clima. — Mas pode deitar, sem problema.

Eduarda sorriu, alívio genuíno no rosto, e se esticou ao lado de Rebeca, puxando o cobertor até o nariz.

— Você é engraçada quando quer, sabia? — disse, encarando o teto. — Sempre foi, só finge que não.

Rebeca deu de ombros, mas não respondeu. Fechou os olhos, esperando que o sono viesse. Sentiu, primeiro de leve, depois com mais clareza, o braço de Eduarda tocando o dela, de propósito.

Era um toque diferente — não acidental, mas também não invasivo. Apenas repousava ali, esperando alguma reação.

Rebeca ignorou, ou tentou. Só que o corpo não obedece sempre ao racional: ela sentiu um arrepio, um calor subindo pelo ombro, depois uma vontade idiota de não mexer mais o braço, para não atrapalhar o contato. Pensou em afastar, mas seria grosseria, e isso ela detestava mais do que a própria ansiedade.

O silêncio cresceu entre as duas, até ser cortado pela voz de Eduarda, agora bem mais baixa, quase um segredo:

— Sabe quando você sente falta de algo que nunca teve?

Rebeca demorou para responder.

— Não — disse, honesta. — Sempre que sinto falta, já tive antes. Senão, não faria sentido.

Eduarda riu, mas não era deboche, era só vontade de chorar disfarçada.

— Você é um caso de laboratório, — ela concluiu, virando o rosto para Rebeca.

A troca de olhares durou meio segundo a mais do que o necessário.

— Se você disser que não tem emoções, vou te mandar estudar psicologia comportamental, — rebateu Eduarda.

— Emoção eu tenho. Só prefiro deixar fora da equação quando é irrelevante — Rebeca respondeu, e, sem perceber, virou o corpo na direção de Eduarda, encostando os dois narizes quase juntos.

Dessa vez foi a anfitriã que hesitou. Olhou os olhos de Rebeca, depois a boca, depois voltou aos olhos.

— Posso fazer uma coisa? — perguntou.

Rebeca achou que era abraço, talvez um beijo na bochecha. Nunca foi de rejeitar contato físico. O que não esperava era um beijo de verdade, molhado e quente, de quem não tinha certeza do que estava fazendo, mas queria muito acertar.

O choque foi mais intelectual do que hormonal. Rebeca sentiu o impulso de recuar, mas o cérebro mandou esperar: era só um experimento social, um teste de hipóteses. Resolveu não agir, deixou acontecer.

O beijo foi breve. Quando acabou, Eduarda pareceu surpresa, não com o beijo, mas com o fato de não ter levado um empurrão.

— Desculpa, eu… — começou, mas Rebeca interrompeu:

— Não precisa. Foi bom — disse, voz neutra, mas sincera.

O clima ficou ainda mais estranho, mas de um jeito bom.

Eduarda voltou a deitar, desta vez mais perto, braço e perna encostando nos de Rebeca. Nenhuma das duas falou mais nada até o sono vencer.

***

O sábado amanheceu com luz branca e barulho de furadeira no andar de cima. Rebeca abriu os olhos, viu Eduarda ainda dormindo, o rosto relaxado, nada a ver com o jeito expansivo da véspera. A boca estava entreaberta, e uma mecha de cabelo caía sobre o olho direito.

Rebeca sentiu vontade de ajeitar a mecha, mas isso parecia gesto de novela adolescente, então ficou quieta.

Quando Eduarda acordou, não houve estranhamento. As duas apenas levantaram, lavaram o rosto no banheiro, dividiram a escova de dentes e depois foram juntas preparar café da manhã.

O clima era quase doméstico. Eduarda torrava pão de forma na frigideira, Rebeca passava manteiga e ajeitava os copos na mesa.

— Dormiu bem? — perguntou Eduarda, sem olhar para cima.

— Melhor do que esperava. O colchão ainda é uma merda, mas a companhia compensou — Rebeca respondeu, e dessa vez sorriu, de verdade.

Eduarda riu, mas ficou corada. Foi a primeira vez que Rebeca percebeu esse tipo de reação na amiga.

— Vamos revisar o capítulo 4? — sugeriu Rebeca, já tirando os livros da mochila.

— Vamos, mas antes, quero te mostrar uma coisa — disse Eduarda, pegando o celular e digitando frenética.

Em poucos segundos, chegou um áudio no WhatsApp de Rebeca. Era da própria Eduarda, enviado às 3 da manhã, com a voz arrastada e rouca de quem fala dormindo:

“Becky, você é minha pessoa favorita no mundo. Se um dia eu for burra, quero ser burra do seu lado.”

Rebeca ouviu o áudio e olhou para Eduarda, que fingia não notar.

— Você estava bêbada de Kombucha, só pode — disse Rebeca, rindo.

— Talvez, mas não apago nada do que digo bêbada. Isso faz de mim uma pessoa íntegra, certo? — rebateu Eduarda.

Rebeca concordou. Mas não falou nada sobre o apelido. Nunca gostou de apelidos, ainda mais Becky, que soava americano demais para quem cresceu lendo literatura russa. Mas, vindo de Eduarda, soava quase afetuoso.

O estudo daquela manhã foi mais leve do que qualquer outro. Rebeca não reclamou quando Eduarda errou as contas das sinapses no exercício. Não ficou impaciente quando a amiga se distraiu três vezes ao ver um pombo voando na varanda.

Até aceitou experimentar, sob protesto, uma fatia de pão integral com goiabada sem açúcar (“prometo que isso vai mudar sua vida”, dissera Eduarda).

Quando bateu meio-dia, as duas estavam deitadas no tapete, olhando o teto e debatendo se era melhor assistir filme ou continuar estudando.

— Você acha que a gente muda muito depois da faculdade? — perguntou Eduarda, do nada.

— Acho que todo mundo muda, mas você nunca vai deixar de ser você mesma. A maioria só aprende a disfarçar — respondeu Rebeca, olhando fixo para a lâmpada.

Eduarda ficou em silêncio, depois rolou para mais perto e encostou a cabeça no ombro de Rebeca.

— Ainda bem que você existe, Becky — disse baixinho.

Rebeca sentiu um aperto estranho no peito, mas decidiu não racionalizar. Ficou só sentindo.

***

No meio da tarde, Eduarda propôs fazer suco. Rebeca não era fã, mas aceitou — sempre melhor que chá de hibisco. Enquanto Eduarda estava na cozinha, o celular dela apitou com mensagem. Rebeca ouviu o som, mas ignorou. Só que Eduarda voltou, copo na mão e rosto com sorriso de Mona Lisa.

— Quer apostar quanto que você não sabe o ingrediente secreto desse suco? — desafiou.

Rebeca aceitou o copo, olhou o líquido avermelhado, cheirou. Nada de estranho.

— Tomate? — arriscou.

— Não. Bebe — insistiu Eduarda, olhos faiscando.

Rebeca provou. Era doce, frutado, um toque de álcool escondido sob as camadas.

— Tem rum aqui, né? — deduziu Rebeca.

Eduarda bateu palmas, vitoriosa.

— Exato. Um shot só. Juro.

Rebeca sorriu, mas percebeu o próprio corpo relaxar. O calor do álcool fez a testa formigar, a rigidez nos ombros diminuiu.

— Vou virar uma alcoólatra agora? — perguntou, fingindo censura.

— Vai virar alguém menos tensa — respondeu Eduarda, e deu um gole generoso no próprio copo.

Sentaram juntas na varanda, olhando o trânsito lá embaixo, os carros subindo e descendo a ladeira. O sol batia em diagonal, deixando o ar amarelo, quase de verão.

Eduarda começou a contar histórias da infância, das brigas com os pais, das vezes em que quase foi expulsa da escola. Rebeca ouviu tudo, rindo nos momentos certos, corrigindo exageros (“não era possível fazer fogo com palito de fósforo molhado”, ela explicou em uma das histórias).

Quando o segundo copo de suco chegou, Rebeca sentiu os músculos mais leves. Até a voz ficou menos tensa.

Foi então que Eduarda segurou a mão dela, sem aviso, e ficou ali, só segurando. Não era gesto de quem pede permissão. Era só um lembrete de que estava ali.

Rebeca sentiu o toque, a textura da pele, a pressão do polegar. Por um momento, quis recuar. Mas decidiu ficar.

— Se eu fizer de novo, você me bate? — perguntou Eduarda, meio rindo.

Rebeca pensou.

— Só se for ruim — respondeu.

O beijo veio menos tenso que o primeiro. Dessa vez, Rebeca correspondeu. Foi rápido, leve, mas ficou na memória o gosto do suco, o calor na bochecha, a sensação de que algo novo estava nascendo.

Quando se separaram, Rebeca sorriu.

— Pode ser que eu não saiba o que estou fazendo, — disse. — Mas acho que é melhor do que nunca tentar.

Eduarda concordou, sem palavras.

Passaram o resto da tarde estudando, às vezes rindo, às vezes só deitadas, olhando o teto. O clima era de laboratório, mas, aos poucos, a regra foi virando exceção.

Quando a noite chegou, estavam as duas enroscadas no tapete, a cabeça de Eduarda no colo de Rebeca. O estudo foi esquecido, por uns minutos, e isso não pareceu o fim do mundo.

Aos poucos, a rotina da perfeição foi dando lugar a outra coisa. Não inferior, só diferente.

No fundo, Rebeca sabia: era só o começo.

***

O sábado começou com uma luz estranhamente suave entrando pela janela, suavizando as linhas da casa e até o cheiro azedo de hibisco na cozinha. Rebeca acordou primeiro, abriu o celular e já foi direto para o app de tarefas, checando se não tinha perdido alguma notificação dos grupos de estudo. Nada demais. O relógio marcava 06:52, horário perfeito para uma rotina produtiva.

Mas Eduarda só apareceu quase às nove, vestindo pijama de seda clara, olhos inchados de sono, sem maquiagem e o cabelo desgrenhado. Parecia menos “bad girl” e mais adolescente de férias, o que quase fez Rebeca rir.

— Acordou cedo, Einstein? — brincou Eduarda, entrando na cozinha e se espreguiçando com um ruído de coluna estalando.

— Força do hábito. Se eu dormir até tarde, acordo com dor de cabeça, — explicou Rebeca, já servindo dois copos de água e separando a cafeteira da bancada.

A primeira hora da manhã foi um laboratório doméstico: café forte, pão de forma queimado (“assim é melhor”, jurava Rebeca), e uma sessão de revisão dos tópicos que faltavam. Eduarda parecia mais atenta, menos dispersa. Até rabiscava setas e círculos nos esquemas, tentando realmente entender. Talvez a aproximação da prova, talvez a companhia de Rebeca, talvez outra coisa — mas o fato é que, a cada trinta minutos, os olhares de Eduarda duravam mais tempo, e os toques acidentais começaram a se multiplicar.

Depois do café, Eduarda levantou-se, e num gesto casual, pegou Rebeca pela mão:

— Vem comigo, quero te mostrar um negócio — disse, puxando-a em direção ao quarto.

Rebeca seguiu, sem relutar, mas já analisando o padrão: por que tanto contato físico, de repente? O racional dela girava em torno de hipóteses — carência, desejo de se destacar como anfitriã, ou talvez estivesse só testando limites. Mas, seja como fosse, não era desagradável.

O quarto de Eduarda era uma ode ao caos: roupa largada sobre a cadeira, livros empilhados em torres instáveis, uma penteadeira cravejada de batons, perfumes e bijuterias.

Eduarda abriu a gaveta, revirou alguns segundos, e puxou um batom vermelho vibrante, quase fluorescente.

— Deixa eu testar uma coisa? — pediu, com o tubo já na mão.

Rebeca piscou.

— Batom não é minha praia, mas se quiser, — disse, já sentindo o músculo do maxilar travar na defensiva.

— Confia em mim. Não vou te transformar em drag queen, juro — disse Eduarda, rindo.

Ela passou o batom devagar, quase em câmera lenta, os dedos firmes segurando o queixo de Rebeca. Quando terminou, pegou o espelho da mesa e mostrou o resultado.

— Uau — disse Rebeca, surpresa. — É... intenso.

— Ficou lindo. Você devia usar mais vezes, — sentenciou Eduarda, e fez uma selfie das duas, Rebeca de cara nova, Eduarda sorrindo orgulhosa.

A sequência foi assim: Eduarda sugeria pequenas mudanças (“deixa eu ajeitar seu cabelo?”, “experimenta esse brinco, acho que combina com você”), e Rebeca, a princípio relutante, ia cedendo, sempre com o discurso interno de que era só um teste, só por curiosidade, só para agradar a amiga. Logo estava com uma tiara de pérolas falsas, um brinco dourado de argola e um rímel discreto. O visual estava, no mínimo, diferente do habitual.

— Você sabe que eu sou alérgica a quase todos os pigmentos, né? Se minha boca cair, a culpa é sua — advertiu Rebeca, mas já sorria de si mesma, o que era raro.

— Para de ser dramática. Tá perfeita — disse Eduarda, e deu um beijo rápido no canto da boca de Rebeca, deixando uma marca vermelha que ela limpou em seguida, meio sem jeito.

Por volta das onze, estavam as duas deitadas na cama, lado a lado, ouvindo playlists de pop alternativo e comentando sobre as vozes. Entre uma música e outra, Eduarda passava a mão nos cabelos de Rebeca, trançando mechas ou desenhando formas no couro cabeludo. Rebeca fingia não ligar, mas sentia a pele arrepiar em cada toque.

— Posso te propor um jogo? — perguntou Eduarda, rolando de lado para encarar a amiga.

— Qual o objetivo? — rebateu Rebeca, já analisando riscos e variáveis.

— Simples: eu te dou comandos, você obedece. Se fizer, ganha ponto. Se recusar, eu bebo um shot de suco de limão. Se você for perfeita, eu acabo de ressaca — explicou Eduarda, rindo.

Rebeca pensou. Fazia sentido, era só um jogo, e ela gostava de vencer.

— Feito — aceitou, estendendo a mão para selar o acordo.

O primeiro comando foi inocente: “Diz ‘sou gostosa’ olhando pro espelho”.

Rebeca achou bobo, mas repetiu, voz neutra, como quem lê uma placa.

O segundo: “Agora, ajeita o cabelo igual você faz quando tá nervosa”.

Rebeca obedeceu, mas riu da própria caricatura.

O terceiro: “Fecha o olho e repete: ‘eu adoro quando você cuida de mim’.”

Rebeca fechou o olho, mas demorou a falar. Quando falou, foi quase um sussurro. Mas Eduarda vibrou, comemorou como vitória de Copa do Mundo.

O jogo continuou: comandos de repetir frases, mudar o tom de voz, fazer pose de modelo, desfilar pelo corredor com salto alto (“eu nem sei andar nisso!” reclamou, tropeçando de propósito para não se sentir ridícula). Mas, no fim, cada ordem cumprida trazia elogio, carinho ou um abraço inesperado.

No começo da tarde, Eduarda foi até a cozinha preparar algo para comer. Rebeca ficou sozinha no quarto, encarando o próprio reflexo. Notou as mudanças: a pele menos pálida com o toque de blush, os cílios mais longos, os lábios desenhados em vermelho. Sentiu, pela primeira vez, uma estranha satisfação com o novo visual.

Ao lado do espelho, uma caixinha preta de veludo chamou a atenção. Estava aberta, exibindo um colar finíssimo, de corrente dourada e pingente minúsculo, quase invisível.

Rebeca passou o dedo, sentiu a textura fria do metal. Leu a etiqueta grudada embaixo: “Para a Becky mais linda do planeta”.

Ela sorriu, sem querer. Sabia que era mimo bobo, mas gostou do gesto.

Quando Eduarda voltou, encontrou Rebeca sentada na cama, já com o colar no pescoço.

— Eu achei bonito, espero que não se importe — disse Rebeca, quase pedindo desculpa por aceitar o presente.

— Não acredito que você usou! — comemorou Eduarda, pulando na cama e abraçando Rebeca por trás, o rosto encostando na curva do pescoço.

— Só pra não perder o ponto — explicou Rebeca, mas não tirou o colar.

A tarde seguiu nesse ritmo: jogos de comando (“agora escreve com batom no espelho: eu obedeço você”), experiências de maquiagem, risadas e até alguns vídeos bobos para o TikTok (“ninguém vai ver, prometo”, mentia Eduarda).

O calor aumentou, e logo estavam só de shorts e camiseta regata, sentadas juntas no sofá, dividindo pipoca e refrigerante. Quando a pipoca acabou, Eduarda encostou a cabeça no ombro de Rebeca, e ficaram assim por longos minutos, ouvindo a trilha do filme sem prestar atenção de verdade.

Foi só ao entardecer que Rebeca percebeu o quanto já tinha mudado: há vinte e quatro horas, jamais teria aceitado se olhar no espelho com batom vermelho. Agora, não só aceitava, como sentia uma estranha vontade de testar outros tons.

Quando a luz da sala acendeu automaticamente, Eduarda sugeriu outro jogo: “agora você me comanda”.

Rebeca aceitou. Pediu para Eduarda sentar de um jeito, depois de outro, depois para repetir uma frase engraçada (“fisiologia é meu pornô”, foi uma das escolhidas). Eduarda obedeceu tudo, sem questionar, sempre com sorriso no rosto.

Mas quando foi a vez do comando “fecha o olho e deixa eu te beijar”, Eduarda obedeceu de olhos fechados, e o beijo foi mais longo, mais seguro, como se ambas já soubessem o caminho.

— Você não tem noção do quanto fica linda de batom, — disse Eduarda, os olhos brilhando.

Rebeca sentiu o rosto corar, mas não desviou o olhar.

O sábado terminou com as duas deitadas na cama, Rebeca de pijama curto (emprestado de Eduarda), e as pernas entrelaçadas sob o edredom. O colar brilhava sutil no pescoço dela, e, quando Eduarda apagou a luz, beijou o ponto exato do pingente, como uma assinatura secreta.

Antes de dormir, Rebeca olhou para o teto e pensou se não estava indo rápido demais. Mas, pela primeira vez, não quis calcular todas as variáveis.

Só quis sentir.

No escuro, ouviu a voz de Eduarda, suave:

— Boa noite, Becky.

E, surpreendentemente, gostou do apelido.

Quando fechou os olhos, sentiu que já não era mais só a dona da própria rotina. Mas, naquele instante, tudo bem.

Era só o começo da mudança.

***

O sábado à noite veio carregado de eletricidade, não só a que corria dos fios da sala para o abajur cor-de-rosa, mas aquela outra, mais densa, que boiava no ar em silêncio e se colava na pele como suor. Eduarda decidiu que a janta seria delivery, pizza quatro queijos, e pediu para Rebeca escolher o filme. Ela sugeriu suspense, mas Eduarda riu:

— Filme de gente neurótica, Becky. Quero ver você relaxar hoje.

O aplicativo rodou aleatório e caiu num reality show de transformação — gente comum virando celebridade em cinco dias. Rebeca fez piada, dizendo que aquilo era farsa, mas, no fundo, não parava de olhar para a tela, fascinada com a capacidade dos outros de mudar tanto em tão pouco tempo.

Quando a pizza chegou, Eduarda já estava com outro vestido — dessa vez, um robe de cetim preto, bem curto, que deixava as pernas à mostra. O cabelo solto, maquiagem leve, mas suficiente para traçar os olhos com precisão. Rebeca mantinha o pijama curto, agora com o colar dourado no pescoço, e, a cada novo gole de refrigerante, sentia a garganta mais relaxada, a língua menos propensa ao sarcasmo.

— Proponho um brinde — disse Eduarda, levantando a taça de vinho que tinha reaparecido misteriosamente na mesa.

— Nem gosto de vinho — protestou Rebeca, mas aceitou o copo mesmo assim.

— A gente brinda à mudança. A cada hora, alguém tem que mudar alguma coisa em si. Regra básica da noite — anunciou Eduarda, batendo o copo no de Rebeca.

O vinho era forte e doce, e logo a segunda taça estava cheia, depois a terceira. Rebeca sentiu o corpo quente, e os dedos da mão esquerda começaram a tamborilar no braço da cadeira, um tique que só surgia quando estava realmente animada ou à beira de perder o controle.

No intervalo do reality, Eduarda sumiu no corredor e voltou com duas taças de suco. Um era vermelho, intenso, com espuma na borda; o outro, alaranjado, com cheiro de fruta e uma ponta de álcool.

— Esse é pra você, Becky. Ingrediente secreto — disse Eduarda, entregando o copo maior para ela.

Rebeca provou, estranhou o sabor adocicado e denso, mas continuou bebendo. Em poucos minutos, sentiu o rosto esquentar, a respiração desacelerar, e, principalmente, o cérebro perder aquele filtro de segunda análise. O mundo parecia mais mole, mais permissivo.

— Posso te propor um desafio? — perguntou Eduarda, os olhos agora brilhando.

— Só se não for ridículo — rebateu Rebeca, mas já rindo antes de terminar a frase.

— Eu te dou um comando, você obedece sem pensar. Se conseguir fazer três em sequência, você comanda por um minuto inteiro depois.

Rebeca achou justo, topou na hora.

— Fique de joelhos — disse Eduarda, em tom de brincadeira.

Rebeca hesitou, mas o corpo foi, meio rindo, meio se sentindo besta.

— Agora, olha nos meus olhos e repete: ‘eu obedeço porque confio em você’.

Rebeca quis protestar, mas as palavras saíram. Não de má vontade — foi como um afago no cérebro, um calor que vinha de dentro e deixava a resistência sem sentido.

— Por último, tire o pijama e deixa só a lingerie.

Rebeca arregalou os olhos, mas sentiu o corpo responder antes do cérebro. O pijama foi para o chão, revelando a calcinha e o sutiã que, até aquela semana, ela só usava por obrigação de higiene. O frio na barriga veio, mas misturado a uma ansiedade quase alegre.

— Pronto, sua vez — anunciou Rebeca, mas Eduarda riu, ignorando a vez de mandar.

— Não acabou, querida. Agora é minha vez de transformar você.

Eduarda guiou Rebeca até o quarto. Fez com que sentasse diante da penteadeira, acendeu luzes laterais, e começou a preparar o palco: removedor de maquiagem, algodão, lenço umedecido. A cada toque, explicava o que estava fazendo — “isso é para deixar a pele pronta, isso vai realçar seu olhar, confia em mim” — e Rebeca obedecia, hipnotizada pela segurança da amiga.

O batom vermelho voltou, mas dessa vez acompanhando olhos escuros, cílios exagerados, blush profundo. Rebeca tentou se ver no espelho, mas Eduarda só liberou quando terminou o serviço.

— Olha agora — disse, apontando para o reflexo.

A imagem era outra: Rebeca, ou Becky, de maquiagem carregada, colar de ouro, cabelo solto (Eduarda fez questão de desfazer o coque), e a lingerie de renda como figurino. Por um momento, ela não reconheceu a própria expressão — havia um brilho no olhar, um sorriso torto que não era comum.

— Eu tô parecendo uma puta de filme noir, — disse, mas não era crítica. Era surpresa genuína.

— Você tá perfeita. E agora é minha vez de brincar.

Eduarda segurou o rosto de Rebeca, beijou os lábios devagar, depois deitou a amiga na cama, ajeitando o corpo dela como se fosse de porcelana. Deu comandos curtos: “fica de olhos fechados”, “abre a boca pra mim”, “relaxa a mão”. Becky (porque agora era difícil pensar nela como Rebeca) obedeceu tudo, sentindo um prazer novo, uma mistura de submissão e desafio.

Eduarda explorou o corpo da amiga com calma, tocando primeiro os cabelos, depois o pescoço, depois as clavículas, descendo aos seios e à barriga. Cada comando era seguido de uma recompensa: um beijo, um elogio, um carinho na pele.

— Você sente prazer em obedecer? — sussurrou Eduarda, dedo desenhando círculos no umbigo de Becky.

— Acho que sim — respondeu, surpresa com a própria sinceridade.

— Então me deixa te mostrar o que é prazer de verdade.

Eduarda deslizou a mão por dentro da calcinha de Becky, encontrou a pele já úmida, e começou a massagear devagar, alternando ritmo e pressão. Becky quis protestar, mas o corpo perdeu a força. Ficou de olhos fechados, sentindo tudo com intensidade absurda. Quando sentiu a língua de Eduarda no clitóris, gemeu alto, sem filtro, e só percebeu depois que já estava tremendo de tesão.

— Agora, me diz que você quer mais — pediu Eduarda, sem tirar os olhos de Becky.

— Eu quero mais — repetiu, a voz arranhada de desejo.

Eduarda foi mais fundo, intensificou a pressão, e Becky sentiu o orgasmo crescer, rápido e urgente. Não tentou controlar, só deixou acontecer. Gozou forte, com um grito abafado no travesseiro, o corpo todo tenso e depois mole, entregue.

Quando o gozo passou, Eduarda deitou ao lado, abraçando Becky por trás, a mão ainda repousando na coxa dela.

— Você foi perfeita — elogiou, o tom satisfeito.

Becky respirava fundo, tentando entender a avalanche de sensações. Não era só prazer físico. Era outra coisa — uma satisfação por ter obedecido, por ter sido aprovada, por se permitir esquecer o controle.

— Posso confessar uma coisa? — disse, virando para olhar Eduarda nos olhos.

— Pode tudo — respondeu a anfitriã.

— Acho que nunca me senti tão feliz em não ser eu mesma — disse Becky, o sorriso tímido.

— Não é “não ser você”. É descobrir outra parte de você que sempre esteve aí — corrigiu Eduarda, e beijou o topo da cabeça da amiga.

Ficaram assim, deitadas juntas, até o sono vir.

No escuro, Becky sentiu o perfume de Eduarda, o calor do corpo dela, e pensou que não queria mais voltar ao que era antes.

Não precisava.

Agora ela sabia: obedecer podia ser melhor do que mandar.

***

O domingo não amanheceu: explodiu dentro da casa de Eduarda com cheiro de perfume doce, algodão recém-tirado da embalagem, e uma claridade que fazia os objetos parecerem mais definidos que o normal. Becky (porque só fazia sentido chamá-la assim agora) acordou antes do despertador, corpo mole e dolorido da noite anterior, mas mente girando de excitação por não saber o que viria. O velho impulso de checar o app de tarefas sumira; em vez disso, ficou deitada por longos minutos, só esperando um comando.

A ordem chegou na forma de um copo enorme, translúcido, com líquido laranja fosforescente. Eduarda entrou no quarto de robe curto e sorriso de quem já havia vencido o dia antes mesmo das oito da manhã.

— Hoje é dia de transformação, Becky. Você confia em mim? — perguntou, a voz suave, mas o olhar de general.

— Confio, Duda — respondeu Becky, sem hesitar, e o apelido antigo saiu natural.

— Então bebe tudo. Não para até o fim.

Becky tomou o primeiro gole e sentiu a língua formigar, depois o corpo todo, como se cada célula fosse acordada com um choquezinho de prazer. O gosto era uma mistura impossível: suco, álcool, algum tempero picante. Mas era bom. E, melhor que isso, era para agradar Eduarda.

— Isso, linda. Você faz tudo tão certinho quando quer — elogiou a anfitriã, sentando ao lado dela na cama.

Quando terminou o copo, Becky sentiu o mundo mais leve, a cabeça rodando em ritmo de balada. O corpo parecia elétrico, a pele hipersensível, qualquer toque doía e deliciava ao mesmo tempo.

— Agora, levanta. Hoje você só faz o que eu mandar, tá bom? — disse Eduarda, em tom de ordem carinhosa.

— Tá bom — repetiu Becky, e foi como se essa fosse a resposta mais importante do mundo.

O banho foi um espetáculo de luz e vapor. Eduarda preparou a água quente, pôs aromatizante na ducha e, dentro do boxe, ficou atrás de Becky, lavando seus cabelos com movimentos lentos, quase cerimoniais. A cada comando — “vira”, “levanta o queixo”, “fecha os olhos” — Becky obedecia de primeira, sorrindo o tempo todo. Era impossível não gostar daquela sensação de ser cuidada, guiada, transformada em algo novo.

Com a tesoura na mão, Eduarda cortou as pontas, depois fez camadas, depois pintou com tinta loiro platinado (que comprara previamente). O creme cheiroso envolveu o cabelo todo, e Becky ficou imóvel por vinte minutos, sentindo a cor penetrar a alma.

— Você está linda, Becky. Vai deixar todo mundo de queixo caído — sussurrava Eduarda, de vez em quando tocando o rosto dela, arrumando uma mecha, elogiando cada detalhe.

O banho terminou com depilação completa — Becky nunca gostou disso, mas agora se orgulhava do toque liso, quase sintético, da própria pele. Ao sair do boxe, Eduarda a secou com uma toalha macia, aplicou hidratante no corpo todo, e, depois, um spray de bronzeamento artificial que tingiu a pele de dourado em poucos segundos.

— Agora você tá perfeita. Uma deusa do verão, — decretou Eduarda, e Becky riu, orgulhosa.

No quarto, a transformação continuou: lingerie nova (renda neon, fio dental, sutiã push-up), maquiagem pesada, cílios postiços, brilho labial. A cada etapa, Eduarda narrava como se fosse tutorial de influencer, e Becky amava cada elogio, cada toque, cada nova instrução.

— Agora, olha no espelho, — pediu Eduarda, de mãos dadas com ela.

Becky viu o reflexo e não reconheceu a garota do dia anterior: cabelos loiros, pele dourada, maquiagem perfeita, lingerie de estrela pornô. O sorriso estava maior, mais aberto, e o colar dourado reluzia acima dos seios.

— Eu tô... linda? — perguntou, como se pedisse autorização para acreditar.

— Você tá perfeita, Becky. Você é minha obra-prima — garantiu Eduarda, e a abraçou forte, peito contra peito, cheiro de perfume e suor misturados.

Logo depois, vieram as selfies, dezenas delas, cada pose mais ousada que a anterior. Becky adorava, fazia bico, empinava o bumbum, mordia o dedo. Era tudo fácil agora, não tinha motivo para vergonha.

A manhã passou voando, e ao meio-dia Eduarda sugeriu almoçar só de lingerie, porque “mulher bonita não precisa de roupa pra comer macarrão”. Becky obedeceu, achando engraçado, mas secretamente adorando o risco. Sentou à mesa, pernas cruzadas, e se pegou olhando para Eduarda o tempo todo, esperando sempre a próxima instrução.

Após o almoço, Eduarda lançou o último desafio:

— Agora, você vai se ajoelhar pra mim, e só levanta quando eu mandar.

Becky sentiu um calor absurdo entre as pernas, mas nem hesitou. Ajoelhou no tapete macio da sala, as mãos repousando sobre as coxas, os olhos fixos nos de Eduarda.

— Repete comigo: “Eu amo obedecer você.” — ordenou a anfitriã.

— Eu amo obedecer você — repetiu Becky, e sentiu um prazer imenso ao dizer as palavras.

— Agora fala: “Eu me entredo de corpo e alma para você, Eduarda.” — instruiu Eduarda.

— Eu me entredo de corpo e alma para você, Eduarda — respondeu, já sem vergonha nenhuma.

Eduarda tirou a própria roupa, ficou só de calcinha e se aproximou, sentando-se no sofá em frente. Abaixou o rosto de Becky, encaixou entre as pernas, e pediu:

— Chupa pra mim, amor. E faz devagar, como te ensinei.

Becky mergulhou, a língua trabalhando com precisão e vontade. Queria impressionar, queria ouvir elogio, queria saber que estava obedecendo direito.

— Isso, linda. Mais forte. Agora para e espera eu mandar.

Becky parou, a língua latejando de ansiedade.

— Boa garota. Agora continua.

O ciclo repetiu até que Eduarda gozou alto, segurando a cabeça de Becky entre as pernas, os gemidos ecoando pela casa.

Quando acabou, puxou Becky para cima, beijou sua boca, e disse:

— Você é perfeita. Minha boneca, minha Becky.

Ficaram deitadas no tapete, trocando beijos, tocando o corpo uma da outra sem pressa. O tempo não existia mais, só a sensação de prazer e aprovação.

No fim da tarde, Eduarda pediu para Becky se arrumar inteira: vestido curto, salto alto, maquiagem carregada, e, por cima, uma jaqueta de couro brilhante.

— Agora, tira uma foto minha — pediu Becky, o celular na mão.

Eduarda tirou a foto, mostrou na tela. Becky se viu: loira, bronzeada, sexy, sorriso escancarado.

— Eu amo isso — disse, genuinamente feliz.

— Então você quer continuar assim? — perguntou Eduarda, olhando nos olhos.

— Quero. Quero tudo o que você mandar.

O brilho no olhar de Eduarda foi indescritível.

— Tá pronta pra sair assim na rua?

Becky hesitou por meio segundo, mas depois sorriu:

— Se for com você do lado, eu vou a qualquer lugar.

E foram, de mãos dadas, até a padaria da esquina, atraindo olhares de todo mundo. Becky andava com a coluna ereta, o quadril rebolando, e nem ligava para o que diziam. Só queria agradar Eduarda, só queria sentir mais daquela sensação.

Quando voltaram pra casa, Becky pediu:

— Me dá mais uma ordem, Duda.

— Tira a roupa e fica de joelhos pra mim.

E ela obedeceu, sem questionar, esperando de olhos fechados a próxima instrução.

No fundo, sabia que nunca mais ia querer mandar em nada.

Só obedecer.

E foi assim que ela se descobriu completa.

No domingo à noite, a casa era palco de outra energia. Becky, agora uma versão reluzente de si, rodopiava de salto alto em frente ao espelho da sala, admirando o brilho do vestido colado e o efeito da pele bronzeada sob as luzes LED do teto. O batom rosa-choque recém-aplicado refletia até na janela fechada, e o colar dourado cintilava acima do decote. Ela não parava de sorrir, os dentes escancarados, e cada gesto era exagerado, ensaiado, como se toda ação precisasse ser validada por um auditório invisível.

Eduarda flanava pela casa com pose de diretora de escola, vez ou outra parando atrás de Becky, ajeitando o cabelo dela, ou então arrumando a costura do vestido, como quem faz o acabamento de uma escultura prestes a ser leiloada.

A campainha tocou às nove em ponto. Becky arregalou os olhos, virou para Eduarda, e perguntou, já ansiosa:

— É ela?

— É, amor. Fica calma. Vai ser divertido, eu prometo — respondeu Eduarda, piscando o olho e apertando o ombro de Becky com firmeza.

Becky assentiu, mas os dedos não paravam de sacudir o cabelo, ajeitar a barra do vestido, conferir no celular se a maquiagem ainda estava intacta. Ela queria ser perfeita, perfeita para Duda, perfeita para qualquer plateia. Isso agora fazia sentido, como se fosse seu propósito de existência.

Eduarda abriu a porta, e lá estava Mariane: tão exuberante quanto prometia o feed de Instagram, pele bronzeada com brilho dourado, um microvestido jeans rasgado e botas de vinil até o joelho. O cabelo loiro estava preso num rabo de cavalo alto, e as unhas — quilométricas, cravejadas de strass — batiam um ritmo nervoso no celular enquanto ela mandava um último áudio antes de entrar.

— Aaaai, olha só essa Barbie! — gritou Mariane ao ver Becky, largando a bolsa e já puxando a bimbo para um abraço apertado.

Becky derreteu na hora. Sentiu o perfume de Mariane invadir o espaço, e foi impossível não retribuir o abraço, mesmo que isso quase desmontasse o vestido na lateral.

— Você tá maravilhosa! — exclamou Mariane, rodando Becky pelos ombros e analisando o visual de cima a baixo. — Eduarda, tu fez milagre, gata. Nunca imaginei que ela ia virar uma dessas.

Eduarda sorriu, orgulhosa.

— Eu só dei uma ajudinha, quem nasceu pra brilhar foi ela — respondeu, segurando o queixo de Becky e fazendo questão de que Mariane visse bem de perto o rosto dela.

Mariane ficou um tempo analisando, depois puxou o batom da bolsa, e passou de leve um gloss extra na boca de Becky, só para realçar o brilho.

— A gente vai bombar muito, guria. Tu não tem ideia. E olha esse decote, pqp, vai deixar metade da cidade broxa de inveja — riu Mariane, já sentando no sofá e cruzando as pernas para exibir a coxa bronzeada.

Becky queria dizer alguma coisa, mas sentiu que qualquer palavra seria redundante. Optou por sorrir, jogar o cabelo para trás, e esperar a próxima instrução.

— Vem cá, senta aqui comigo — chamou Mariane, batendo a mão no sofá ao lado. — Quero saber tuas metas pra semana. Já fez lista de desejos?

Becky andou até Mariane, sentou-se com cuidado para não desmanchar o vestido, e ficou esperando. Mariane aproximou o rosto do dela, examinando os cílios postiços, as lentes azuis, o contorno da bochecha.

— Eu pensei em fazer preenchimento amanhã, mas não sei se vai ficar too much, sabe? — disse Becky, quase sussurrando, como se tivesse medo de errar na opinião.

Mariane soltou uma gargalhada alta, e Eduarda se juntou a elas, agora sentada no braço do sofá, mãos nos ombros de Becky.

— Se é pra exagerar, que seja logo. Nada de meio-termo. Mulher que hesita vira estatística — declarou Mariane, dando um tapinha carinhoso na bochecha de Becky.

— Você deixa eu fazer? — perguntou Becky, agora olhando direto para Eduarda, pedindo aval.

Eduarda sorriu, beijou o topo da cabeça de Becky, e disse:

— Pode tudo, amor. Você só precisa pedir.

A frase ficou reverberando na casa, e Becky sentiu um calafrio de felicidade percorrer a coluna. Era só isso: pedir. Não pensar, não planejar. Só pedir e obedecer.

O papo seguiu animado, e logo estavam as três jogadas no tapete, rindo alto das fotos antigas de Becky (Mariane quase não acreditou ao ver as imagens do passado nerd). Entre uma selfie e outra, Mariane foi sugerindo incrementos: “boca maior”, “fio dental em vez de calcinha”, “implante de glúteo mínimo”, “bronzeamento a jato duas vezes por semana”. Becky anotava tudo mentalmente, já imaginando o prazer de ser aperfeiçoada, moldada a cada detalhe.

Quando o vinho acabou, Eduarda trouxe um licor cor-de-rosa, que Becky bebeu sem nem perguntar o que era. A cabeça girava, mas o corpo só queria mais: mais aprovação, mais toque, mais ordens.

Foi então que Eduarda sugeriu:

— Que tal um spa rapidinho? Quero ver como você fica com máscara de glitter, Becky.

Becky topou na hora. Foram as três para o banheiro, e logo estavam todas de sutiã, aplicando máscara facial, pintando unhas, rindo das bobagens de Mariane.

No banheiro, Mariane encostou Becky no balcão, segurou o rosto dela entre as duas mãos, e falou, séria:

— Presta atenção, Becky. Você é gostosa demais pra perder tempo pensando. Se ficar insegura, só faz o que eu e Duda mandarem, entendeu?

Becky sentiu o corpo vibrar. Olhou para Eduarda, que assentiu com um sorriso.

— Sim, Mari. Eu só quero agradar vocês — respondeu Becky, a voz fina, melada de vontade.

Mariane a beijou, com força. O beijo era quente, um pouco agressivo, mas Becky não queria outra coisa.

— Agora tira a roupa pra mim — ordenou Mariane, já desabotoando o próprio sutiã.

Becky obedeceu, primeiro devagar, depois sem hesitação, e ficou nua ali, corpo bronzeado brilhando sob a luz do banheiro. Mariane passou as mãos pelos seios dela, depois pela barriga, depois segurou com firmeza a bunda.

— Puta que pariu, tu tá muito melhor do que nas fotos — declarou, e virou Becky para que Eduarda pudesse ver também.

— Linda, né? — disse Eduarda, se aproximando e abraçando Becky por trás.

— Perfeita — completou Mariane.

O sexo veio fácil, como se fosse parte da rotina. Eduarda deitou Becky sobre a bancada, abriu as pernas dela, e lambeu a buceta com precisão, enquanto Mariane alternava tapas e carícias nas coxas e nos seios. Becky gemia alto, sem vergonha, implorando por mais a cada nova ordem.

— Fala pra mim o que você é — pediu Mariane, agora segurando o cabelo de Becky enquanto ela era chupada por Eduarda.

— Eu sou a boneca de vocês — respondeu Becky, quase chorando de tesão.

— E o que você quer ser? — insistiu Mariane.

— Eu quero ser perfeita, quero ser tudo o que vocês mandarem — disse Becky, a voz já rouca de prazer.

Eduarda acelerou a língua, e Becky gozou com um grito, as pernas tremendo, o corpo suando em bicas.

Mariane tirou a calcinha, montou sobre Becky e esfregou a buceta na boca dela, alternando ordens e elogios.

— Chupa gostoso, boneca. Faz direitinho — dizia, e Becky obedecia, sugando e lambendo até Mariane gemer alto e gozar, espirrando na cara dela.

Eduarda assistia, satisfeita, se masturbando com a visão.

Quando terminaram, estavam as três deitadas nuas no tapete do banheiro, exaustas, abraçadas, rindo dos próprios orgasmos.

Mariane olhou para Becky, sorriu e disse:

— Acho que você tá pronta pra próxima fase, guria. Topa um preenchimento amanhã de manhã?

Becky assentiu, sem pensar.

— Se vocês acharem que fica melhor, eu quero — respondeu, com os olhos vidrados de desejo.

— E uma tatuagem? — perguntou Eduarda.

— Também quero — respondeu Becky, ansiosa.

— Que frase você tatuaria? — provocou Mariane.

Becky pensou por meio segundo, depois respondeu, sem medo:

— “Born to obey.” Ou talvez “Perfection is submission.”

Mariane aplaudiu, Eduarda beijou sua boca.

O domingo virou segunda sem que percebessem. E, quando Becky acordou, já sabia o que ia pedir: um bronzeamento a jato, preenchimento de lábios, uma roupa nova. Sabia que seria ainda mais perfeita, e que obedecer seria cada vez melhor.

Enquanto se maquiava no banheiro, pensou em voz alta:

— Eu sou a boneca de vocês.

Gostou do som da própria voz.

E, pela primeira vez, se sentiu realmente pronta para tudo.

Para qualquer ordem, para qualquer transformação, para qualquer desejo das suas donas.

Porque, no fundo, era só isso que Becky queria da vida:

Ser aperfeiçoada. Ser amada. E nunca mais precisar pensar.

Só obedecer.

E foi assim que a rainha das ligas acadêmicas virou a boneca mais perfeita da cidade.

Tudo por amor.

Ou talvez, só pelo prazer de ser comandada.

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