A Feiticeira 10 – O Chamado

Da série A Feiticeira
Um conto erótico de Ryu
Categoria: Heterossexual
Contém 2501 palavras
Data: 11/11/2025 08:07:31
Última revisão: 11/11/2025 08:10:02

De pé, sentiu-se leve, sem dor, como se o peso do mundo tivesse se desprendido. Olhou para baixo e viu seu corpo inerte, franzino, o vestido manchado de vermelho, e por um momento se espantou: parecia uma estranha olhando a si mesma.

A poucos passos, Ivan recuava, ainda ofegante, limpando o punhal. Havia raiva e medo em seu semblante. Sem coragem de encarar o que fizera, virou-se bruscamente e fugiu pelo campo, o vulto desaparecendo entre as sombras .

Iryna não o seguiu.

Sentiu apenas uma calma serena, como se o ódio dele já não tivesse poder algum sobre si. O vento a atravessava sem resistência; a relva alta já não roçava sua pele — e, mesmo assim, ela ainda pertencia àquele lugar.

Seu corpo não a deixou entrar. Ao olhar para baixo, viu-se ali, deitada no chão: sua forma corpórea, fria e imóvel. Mas seu espírito permanecia ali, desperto. Um choque profundo a atravessou.

Foi então que um brilho surgiu à sua frente.

E por entre aquela luz, Iryna começou a vislumbrar terras antigas: colinas verdes, campos vastos, casas de madeira com telhados íngremes — os mesmos que conhecia apenas pelas histórias da família sobre a Polônia.

À medida que a paisagem se revelava, vozes suaves começaram a ecoar ao seu redor. Eram vozes ternas, calorosas, como de seres que a esperavam há muito tempo.

— Não acabou... — diziam.

— Você está sendo chamada, Iryna...

Essas palavras se repetiam, embalando-a como um cântico antigo. Não era um adeus. Era uma promessa.

Ela ergueu o rosto, sentindo-se acolhida.

Das brumas que se erguiam sobre o campo, duas figuras tomaram forma diante dela — um homem e uma mulher, de beleza incomparável. Seus olhos eram profundos, antigos, e quando falaram, suas vozes se entrelaçaram como água correndo sobre pedras:

— Não temas, filha da terra. Somos as forças da natureza. Viemos porque teu espírito respondeu ao chamado.

Iryna levou a mão ao peito, tentando compreender.

— O que está acontecendo comigo?

A mulher se aproximou e posou-lhe a mão no ombro. O toque era feito de brisa, mas quente como o sol da manhã.

— Morreste como humana, mas nasceste como Mavka, guardiã das florestas.

Teu sangue e tua lágrima selaram o pacto. Agora és parte da natureza que te cerca.

Nesse instante, sob seus pés, surgiu um rio. A água a envolveu sem sufocar — cristalina, infinita — e nela, Iryna viu seu reflexo: não mais a jovem franzina de dezoito anos, mas uma criatura mística, de pele em tons de verde, olhos cintilantes como a luz entre as folhas.

Uma Mavka — filha da floresta e dos ventos.

— E Natália? — perguntou, com a voz embargada. —Não posso deixá-la...

O homem respondeu com solenidade:

— Alguns amores não pertencem a esta vida, mas há outros caminhos, além do tempo. A ti foi dado um novo destino.

Iryna fechou os olhos. A dor da perda atravessou-a mais fundo do que a lâmina de Ivan.

Mas, ao respirar — se é que respirava naquela nova forma —, sentiu o rio, as árvores, o campo inteiro pulsarem dentro dela.

A vida da terra agora corria em seu ser.

Abriu os olhos de novo. Já não havia medo.

Apenas aceitação.

— Então serei Mavka. Aceito o chamado.

As vozes sorriram ao seu redor, a floresta a acolheu.

A água a envolveu em um abraço. E assim, Iryna renasceu.

Não mais como vítima, mas como guardiã eterna das florestas.

Vingança e amor entrelaçados no sopro da natureza.

O frio começou a envolvê-la — um frio que não vinha da brisa noturna, mas de dentro de si.

A dor da partida, da morte, da separação de Natália deixara marcas profundas.

Um vazio que agora era preenchido por algo mais antigo: um chamado.

Ela abriu os olhos — não os olhos mortais, mas outros, mais profundos, capazes de ver além da carne.

Sua forma flutuava.

De repente, uma luz esverdeada emergiu do chão, crescendo em espirais em torno de si, aquecendo seu espírito com uma sensação de pertencimento, de transformação.

— "Ty bula obraná" — sussurrou uma voz ancestral, como se viesse de todas as direções ao mesmo tempo.

("Você foi escolhida.")

Iryna quis perguntar "por quê", mas antes que pudesse, sua essência começou a mudar.

Formava-se uma conexão profunda com a floresta, com as árvores, com o rio e com o vento.

Sua pele brilhava suavemente. Seus cabelos flutuavam ao redor de si, como feitos da própria névoa que envolvia a mata.

Suas mãos, antes humanas, agora se alongavam delicadamente, pulsando com a energia viva da terra.

— "Zakhyshchay vse shcho zhyve..."

("Protege tudo aquilo que vive...")

— murmurou a voz.

Uma lágrima solitária escorreu de seus olhos — não de tristeza, mas de aceitação.

A vida que conhecera havia terminado, mas uma nova existência a aguardava.

E então, ela ouviu pela primeira vez o cântico das Mavkas: um coro que a acolhia como irmã.

Ela fechou os olhos. Sentiu o pulsar da terra em seu novo coração.

Iryna, a menina, havia morrido.

Mas Iryna, a Mavka, acabava de nascer.

O velório e o enterro de Iryna causaram comoção.

Algumas famílias — entre elas a de Ivan — contribuíram com dinheiro, pois a mãe de Iryna era muito pobre.

Mas nem todas as mortes são o fim.

Algumas são apenas um retorno à terra.

E, naquela floresta antiga, uma nova guardiã vigiava em silêncio.

Ivan retornou à fazenda tomado por uma raiva cega. Descontou sua fúria no cavalo, que, exausto de maus-tratos, reagiu com um coice. Furioso, Ivan matou o animal com as próprias mãos.

A alma do pobre bicho não vagou por muito tempo. Ainda quente, foi acolhida nas margens do rio por uma presença antiga e invisível aos olhos humanos.

Mavka, a guardiã dos espíritos e das florestas, a filha da água e da floresta, escutava o mundo com a pele. Seu vínculo era com toda a natureza: animais, folhas, o vento. Com a morte injusta do cavalo, algo havia se quebrado.

Mas a ruptura só começava.

Ivan, cego pela dor e sede de controle, não se deu por satisfeito. Passou a espalhar que Helena, a “feiticeira” era a assassina de Iryna. Semeou desconfiança e medo entre a população, inflamando corações já envenenados por preconceito. Afinal, Helena já era vista com desconfiança — falavam em bruxaria, em pactos, em olhos que enxergavam demais.

Dois dias após a morte de Iryna, Ivan liderou uma turba enfurecida até a casa de Helena, gritando impropérios:

— Feiticeira!

— Assassina!

— Serva de Satanás!

Entre eles, Ivan segurava uma corda grossa, para enforcá-la, como um símbolo de justiça que ele mesmo moldara. O céu estava pesado, mas sem chuva. As árvores ao redor pareciam inclinar-se, como se sussurrassem entre si.

Nas sombras do rio, Mavka sentiu o desequilíbrio aumentar. A injustiça se acumulava como névoa sobre a terra, e Helen estava prestes a ser devorada por uma multidão cega.

Mavka subiu pela margem do rio em silêncio, os pés descalços não faziam barulho algum. Oculta entre árvores e névoas, seus cabelos esvoaçavam mesmo sem vento. Levantou os braços e sussurrou ao mundo:

— Dukhy zemli, vody, vitru y vohnyu, pochuyte miy zaklyk. Zakhysty tse nevynne zhyttya.

(Espíritos da terra, da água, do vento e do fogo, ouçam meu chamado. Protejam esta vida inocente.)

O vento respondeu primeiro, com um sussurro crescente que virou rugido. As árvores se agitaram como se quisessem afastar os homens. Um trovão foi ouvido, mesmo sem nuvens carregadas. Mavka sentiu as forças despertarem, não como servas, mas como aliadas.

Helena apareceu na porta — envolta numa capa escura, cabelos soltos e selvagens, os olhos intensos como brasas. Não havia medo em sua voz quando falou:

— Sou inocente! Deixem-me em paz!

Mas ninguém a ouviu. Ivan fez o sinal, e a turba avançou.

Foi então que o céu rasgou: um raio caiu a poucos metros do grupo, com um clarão ensurdecedor. Alguns tombaram, outros recuaram. Em segundos, a chuva desabou com fúria, transformando o chão em lama escorregadia. O vento quase arrancava armas das mãos.

Uma neblina espessa ergueu-se do chão, engolindo Helena e a casa. De dentro dela, surgiram insetos — milhares — vindos de lugar nenhum, invadindo olhos, bocas, espadas, repelindo os invasores com desespero.

No meio do caos, Helena correu — não como uma bruxa, mas como alguém que sabia que viver era o maior feitiço. Desapareceu na floresta, levando apenas a vida.

Quando a névoa baixou, ela não estava mais ali. A turba, encharcada, confusa, ferida pelo próprio ódio, permaneceu em silêncio. Alguns murmuravam preces, outros choravam.

A floresta se aquietou. A chuva cessou. E Mavka, invisível aos olhos dos homens, recuou para dentro do rio.

Ivan, no entanto, não cedeu. Incapaz de matar Helena, incendiou sua casa. A madeira seca ardeu com facilidade, e Ivan sorriu diante das chamas — como se o fogo pudesse apagar sua humilhação.

Dois dias depois, Ivan foi pescar com empregados e amigos. Sentou-se afastado, à margem do mesmo rio onde Mavka descansava.

O céu estava nublado, pesado, úmido. Ivan lançava a linha na água, mas os olhos estavam longe. Não havia remorso — apenas planos. Em sua mente, restava apenas uma ameaça a eliminar.

Pensou: Falta apenas matar Natália.

O rio corria silencioso, sua superfície límpida como um espelho. Ivan observava as pequenas ondulações formadas pela brisa e se perdia em seus pensamentos. Tentava justificar para si mesmo todas as coisas que fizera: o golpe que pôs fim à vida de Colossus; o grito sufocado de Iryna, que em um acesso de fúria ele havia calado para sempre; e o olhar assustado de Helena, que escapara por um triz de um destino cruel que ele havia planejado.

De repente, enquanto seu olhar vagava pela superfície do rio, algo estranho aconteceu. Ivan inclinou-se levemente, tentando ajustar sua visão, mas o que viu fez seu sangue gelar. O reflexo na água não era o seu. No lugar de sua imagem, lá estava Colossus, o cavalo de crinas escuras e olhos profundos, fitando-o com uma acusação silenciosa. Ivan piscou, esfregou os olhos, mas o reflexo continuava lá, imóvel, tão real quanto as lembranças que ele tentava justificar.

Ele recuou, ofegante, mas o reflexo mudou novamente. Agora era Helena que aparecia, os olhos cheios de medo e mágoa, como se revivesse o momento em que ele havia tentado atacá-la. Antes que Ivan pudesse reagir, o reflexo mudou outra vez. Era Iryna. Seu rosto sereno trazia um contraste cruel com o modo como havia deixado o mundo. Seus lábios pareciam murmurar algo, palavras que ele não podia ouvir, mas que ainda assim ecoavam em sua mente como uma condenação.

E então, o reflexo de Iryna se transformou. Sua imagem se distorceu, e o que surgiu em seu lugar foi algo que fez o coração de Ivan parar por um instante. Uma Mavka, a figura fantasmagórica que dizia-se surgir das almas das mulheres injustiçadas, tomou forma. Os cabelos da Mavka flutuavam como algas na água, e seus olhos brilhavam com uma luz sobrenatural.

Agora Mavka não era mais um reflexo. Como se a própria água tivesse ganhado vida, a figura emergiu da superfície, uma presença que parecia real.

Ivan tentou se levantar, mas seus pés pareciam presos ao solo, como se raízes invisíveis o mantivessem no lugar. Mavka estendeu a mão, e ele sentiu o frio da morte antes mesmo de ser tocado. Seu grito ficou preso na garganta quando a criatura o agarrou com uma força descomunal e o puxou para dentro do rio.

A água, que antes parecia tranquila, agora o engolia com fúria. Ele lutava, debatia-se, mas era como se a própria correnteza estivesse viva, determinada a afogá-lo. Por fim, o silêncio tomou conta. A superfície do rio voltou a ficar lisa, como se nada tivesse acontecido.

A vara de pescar de Ivan ficou ali, caída na margem, testemunha muda do fim de Ivan. O rio continuou a correr e nas suas profundezas poderíamos ver Mavka nadando e levando consigo o peso da justiça que havia trazido e a tranquilidade de saber que não havia mais ameaça contra Natália.

DE VOLTA AOS DIAS ATUAIS

Arabel abriu os olhos devagar, sentindo-se um pouco tonta; a conexão tinha exigido muito dela. Lentamente voltava à sua própria realidade, começou a ouvir novamente o som tranquilo do rio e a ver a luz do sol entre as árvores.

Havia entendido tudo o que aconteceu naqueles dias, e de modo reverente comunicou-se diretamente com Mavka.

— Obrigada por ter me mostrado tudo... — disse, a voz carregada de gratidão e pena. — Sinto muito pelo que você passou. Mas não entendo: naquela madrugada, no acampamento... por que você não se conectou comigo? Eu estava lá. Disposta a te receber.

Mavka demorou a responder; quando o fez, a voz saiu baixa, como se viesse de entre as raízes.

— Para que a conexão exista, teu corpo precisa estar puro — falou — livre de álcool, e de qualquer substância que embarace a consciência. Naquela noite, teu espírito não estava pronto. Eu me aproximei, tentei, mas não consegui atravessar.

As palavras ficaram flutuando entre elas por um segundo.

Mas havia algo errado — onde estaria Marcos?

Procurou em volta e achou o namorado caído ao chão, com o rosto pálido.

Arabel agarrou os ombros dele, as mãos tremendo ao notar a marca escura e inchada na perna. O sangue parecia gelar em suas veias ao compreender. Uma picada de cobra.

— Por favor, não me deixe — sussurrou Arabel, o desespero transbordando em sua voz. Lágrimas quentes escorriam por seu rosto enquanto ela segurava Marcos com força. — Eu preciso de você...

Desespero tomou conta de Arabel.

— Por favor, Mavka, você precisa salvá lo! Ele vai morrer!

Mavka hesitou por um instante, e um peso triste desceu sobre seu semblante. Então, fechando os olhos, ergueu os braços ao céu. Sua voz ressoou pela mata, invocando as forças que há muito a guiavam:

— Siły natury, ja, Mavka, twoja służebnica, błagam o twoje miłosierdzie: oszczędź życie temu młodzieńcowi!”

(“Forças da natureza, eu, Mavka, sua serva, clamo por sua misericórdia: poupem a vida deste jovem!”).

A natureza mais uma vez respondeu. O chão ao redor de Marcos tremeu, coberto por um brilho verde, enquanto raízes brotavam e se entrelaçavam suavemente sobre a perna ferida. O veneno da cobra foi drenado, dissipando-se em um vapor quase imperceptível que subiu para o céu. Marcos respirou fundo, sua cor retornando aos poucos, enquanto Arabel sentiu as lágrimas correrem pelo rosto.

Arabel deixou escapar um grito de alívio, abraçando-o com tanta força que parecia nunca querer soltar.

— Você vai ficar bem! Graças a Deus, você vai ficar bem...

Mas quando ela se virou para agradecer a Mavka, sua expressão mudou. A criatura estava de joelhos, o brilho em seu corpo diminuindo rapidamente.

— Mavka? — perguntou Arabel, a voz agora cheia de pânico.

— Foi a última vez que pedi a interferência das forças das Forças da Natureza. Meu chamado acabou — respondeu Mavka, com um sorriso melancólico.

A aparência de Mavka mudou, agora era possível reconhecê-la como Iryna.

— E agora? O que vai acontecer? — perguntou Arabel, com a voz embargada.

— Meu espírito vai se unir ao espírito da natureza... — respondeu Iryna com suavidade — E, enfim, reencontrarei Natália.

Arabel arregalou os olhos, com o coração disparado.

— Mas... minha vó está viva!

Continua ...

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Comentários

Foto de perfil de Giz

Ivan mataria a Natália por despeito como imaginei.

Natalia encontrará Iryna no Amazonas, finalmente as duas ficaram juntas. Triste mas ao mesmo tempo um final feliz.

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Foto de perfil de Ryu

Você acertou que Mavka matou Ivan para proteger Natalia.

Você acertou que Natalia morreria no rio Amazonas.

Você acertou parcialmente ao dizer que Iryna encontrará Natalia no Amazonas para ficarem juntas.

Acho q o final vai ser melhor do que imagina.

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