Ivan tentava retirar a roupa de Iryna:
- Eu tenho um negócio extra aqui para você Iryna – Diz Ivan ensandecido, abrindo o zíper da calça – Você vai gostar! Depois que experimentar, não vai mais querer saber de mulher!
— Não é assim que funciona! Você não pode me obrigar a nada! – Fala Iryna desesperada!
Sem outra alternativa ela começa a gritar por socorro.
- Pode Gritar a vontade – diz Ivan rindo – não tem ninguém aqui pra te escutar! Você vai ser minha ... querendo ou não!
Neste momento, um som inesperado cortou o ar: o estalo de folhas secas sendo pisadas. Os dois se viraram na direção do ruído e, de repente, da penumbra, surgiu uma figura que parecia saída de um conto sobrenatural.
Era uma senhora de estatura baixa e feições marcadas pelo tempo, mas cujos olhos brilhavam coma intensidade, vestia uma roupa surrada, e suas mãos firmemente seguravam uma espingarda de cano duplo que parecia tão antiga quanto ela.
- Solte a moça, Ivan — disse com uma voz rouca, mas autoritária. — Ou a próxima coisa que você verá será a mira deste cano.
Ivan hesitou, surpreso pela aparição súbita.
- Dona Helena... — ele murmurou, reconhecendo a “Feiticeira de Nova Cracóvia” — Isso não é da sua conta.
Ela deu um passo à frente, e a ponta da espingarda agora estava claramente apontada para o peito de Ivan.
- Tudo que acontece aqui nos arredores é da minha conta. Você tem três segundos para soltá-la e sair daqui. Um... — A contagem começou com uma calma perturbadora. — Dois...
Ivan finalmente soltou o braço de Iryna jogando-a no chão e após recuou, mas sua expressão estava carregada de raiva.
- Ouçam bem vocês duas. Isso não acaba aqui!! Eu sou Ivan Tomacheski, e isso não acaba aqui!! - disse antes de se virar e desaparecer entre as árvores.
Helena abaixou a arma, mas não tirou os olhos do caminho por onde Ivan havia fugido. Depois, voltou-se para Iryna, que ainda tentava recuperar o fôlego.
- Obrigada... — agradeceu Iryna, enquanto se levantava do chão.
- Vamos na minha casa, vou fazer um curativo no seu cotovelo.
Só então Iryna percebe que seu cotovelo está sangrando e decide aceitar a ajuda de Helena
A casa da “Feiticeira” é bem velha, feita de madeira, com tábuas já escuras pelo tempo e telhas de barro, a construção parece ter saído de um conto folclórico. O jardim ao redor é um emaranhado de plantas, ervas aromáticas e flores silvestres.
Ao entrar, constatou que de fato não havia luxo algum. Um cheiro de chá de ervas e especiarias pairava no ar, vindo da cozinha. Sentou-se em uma cadeira de balanço de vime que rangeu suavemente, enquanto Helena preparava o curativo com mãos firmes e silenciosas.
— Foi muita sorte a senhora ter aparecido bem naquela hora — falou Iryna, ainda emocionada.
— Na verdade, eu sempre dou uma averiguada na região em volta da minha casa... Moro sozinha... sabe como é que é.
— A senhora mora sozinha aqui? Nunca se casou? — perguntou Iryna, surpresa.
Helena parou por um instante, olhando para o chão como quem relembra algo distante, mas ainda vivo.
— Ah... há muitos anos tive um grande amor. Um namorado com quem eu ia me casar. Aconteceu uma coisa terrível: ele foi picado por uma cobra e morreu. Depois disso, decidi ficar só. Me isolei. Não me arrependo de ter cuidado do meu canto, mas foi duro.
O silêncio que se seguiu carregava o peso da lembrança. Helena retomou o curativo com delicadeza.
— Eu já vi você e a Natália outras vezes. Vocês vêm aqui com frequência.
— Mas pelo jeito foi a última vez — suspirou Iryna, com tristeza. — Mas eu entendo os motivos dela.
— Sei como é. Vocês estavam preocupadas com o futuro da relação de vocês e não perceberam que o Ivan as seguia. Eu consegui ver ele se aproximando e fiquei monitorando, pra ver se não ia fazer nada com vocês.
— Vocês dois estavam nos observando, então... — Iryna arregalou os olhos. — Nós não percebemos nada.
— Eu fiquei de olho, porque esse Ivan não é flor que se cheire. É pior que o pai dele. Aquela família se acha dona do mundo porque tem dinheiro — disse Helena, enquanto finalizava o curativo com um pano limpo e firmeza nas mãos.
— Obrigada, dona Helena. Agora vou pra minha casa, minha mãe já deve estar preocupada.
— Já pode ir, minha filha. Acredito que aquele brutamontes não vai te incomodar mais. Se ele fizer algo com você, vai ter de se entender comigo... e com minha espingarda.
Iryna se despede de Helena com um abraço e sente que existe uma conexão maior entre elas, algo que não sabe explicar bem, mas que transcende o mundo físico.
Iryna começou a caminhar com passos firmes em direção a sua casa, embora o corpo franzino denunciasse fragilidade.
Sentia o vento que varria o campo aberto, agitando a relva como ondas perturbadoras.
Não olhava para trás, mas começou a perceber — pelo peso dos passos que rasgavam o silêncio — que Ivan a seguia.
De súbito, parou. Ergueu o queixo, o olhar lançado ao horizonte, e esperou. O rapaz alto e robusto logo surgiu, impondo-se como uma sombra sobre o céu cinzento.
— Até quando vai me seguir, Ivan? — perguntou ela, sem alterar o tom, mas deixando a pergunta cortante como uma lâmina.
Ele abriu um sorriso frio, mais de poder do que de encanto.
— Até você entender o que é melhor pra você.
Iryna virou-se lentamente. O vento brincava com os cabelos negros, mas o olhar dela era firme.
— Melhor pra mim? Ser a boneca enfeitada de um homem arrogante?
Ivan riu, e a risada veio carregada de veneno.
— Melhor isso do que continuar pobre e sozinha… ou, pior ainda, se perder com essas suas ideias tortas.
Ivan caminhou até ela, se colocando no caminho
— Sai da minha frente, Ivan. — Sua voz tremeu, mas não era medo, mas sim cansaço. — Eu só quero ir pra casa.
Ivan havia bloqueado seu caminho e deu mais um passo a frente, um passo lento e calculado. A sombra dele engoliu o corpo delicado da moça. Mas Iryna não recuou.
Um sorriso torto lhe cortava o rosto, mais de desprezo do que de diversão. Seus olhos a percorriam de cima a baixo como se ela fosse algo que ele quisesse comprar.
— Casa? — ele repetiu, com a voz tingida de riso. — Você chama aquele barraco onde mora de casa? Os estábulos dos meus cavalos são mais limpos, mais confortáveis... e, francamente, até mais dignos.
Ela sentiu o rosto arder, não de vergonha, mas de raiva. Os punhos se fecharam ao lado do corpo.
— Onde eu moro é problema meu. — disse ela, firme, olhando-o nos olhos. — Prefiro morar debaixo de uma ponte do que passar um único dia numa mansão ao lado de alguém como você.
Ivan franziu levemente o cenho, mas não recuou. Seu sorriso se tornou mais frio, o olhar afiado como lâmina. Quando falou de novo, a voz saiu baixa, carregada de veneno.
— Não é sua culpa, claro. Ninguém pode escolher de onde veio. — Ele se inclinou na direção dela, o rosto agora perigosamente perto. — Sua mãe... aquela mulherzinha suja, analfabeta, parecendo mais bicho do que gente... — ele riu de novo, sem humor. — Se ela quiser, posso arrumar um canto pra ela no estábulo. Vai se sentir em casa, com os outros animais.
Iryna não pensou. Não planejou. O gesto veio com uma força irracional — instintiva. Ela cuspiu no rosto dele.
Ivan ficou imóvel. O escárnio escorria-lhe agora pela face junto com a saliva, misturado ao choque. Seus olhos não piscavam. Não havia grito, nem ameaça, nem resposta imediata — apenas o som do vento cortando entre as árvores.
Com um gesto lento e quase cerimonial, ele limpou o rosto com as costas da mão. Os olhos, porém, permaneceram fixos nos dela. O sorriso havia sumido do rosto.
E Iryna… Iryna não desviou o olhar.
Os olhos de Ivan faiscavam, uma fúria contida prestes a transbordar. Ele ergueu a mão, num gesto ambíguo, entre o toque e o golpe.
Iryna não desviou o olhar. Ficou ali, imóvel, desafiadora, como uma estátua erguida contra a tempestade. E quando falou, a voz saiu baixa, mas clara o suficiente para rasgar o orgulho dele:
— Tente me dobrar, Ivan. Vai descobrir que não sou eu a frágil aqui.
— Não precisa ser assim, Iryna — disse ele, com voz mansa, quase doce. — Não quero briga. Só quero conversar. Eu me expressei mal, desculpa … o que quis dizer é que você pense em tudo o que eu posso te oferecer. Sou rico. Posso ajudar sua família. Qualquer moça desta cidade daria tudo para ter um namorado como eu.
A voz aparentava calma, mas no fundo do olhar havia algo duro, um aço invisível.
— Você só precisa experimentar — continuou, num tom mais baixo, quase confidencial. — Assim que sentir o meu corpo… nunca mais vai querer saber da Natália.
O vento cessou por um instante. Iryna respirou fundo. O corpo franzino tremia, mas o olhar dela era firme, indomável.
— Não quero você e nem o seu dinheiro — respondeu, a voz limpa, sem hesitação. — Prefiro morrer a ficar com você.
Ivan piscou devagar, surpreso pelo golpe daquela frase. Por trás do sorriso, algo sombrio cintilou, como lâmina à luz do sol. Ele se inclinou um pouco mais, mas Iryna não recuou. Continuou ali, ereta, como se o vento inteiro agora soprasse a seu favor.
Por um instante, a máscara se quebrou. O sorriso de Ivan murchou, os traços antes calculados se endureceram, revelando um rosto deformado pela cólera. Seus olhos, antes disfarçadamente doces, agora ardiam com um brilho febril, psicopata, de fera.
Ele avançou até que o rosto ficasse a poucos centímetros do dela. O hálito quente de Ivan roçava o rosto de Iryna.
— Eu sou Ivan Tomacheski. — rosnou, as palavras saindo como pedras — Ninguém me rejeita.
Iryna sustentou o olhar, sem recuar um passo. A respiração dela era firme, mesmo com o corpo trêmulo de adrenalina.
— Eu já disse — respondeu, a voz cortante, como um aço frio. — Prefiro morrer do que ter qualquer coisa com você.
Por um instante o vento parou de soprar.
Ivan fechou os olhos, respirou fundo, e quando os abriu de novo não havia mais nenhuma máscara, nenhuma calma. Só a fúria crua.
— Que assim seja.
Do bolso, tirou um punhal estreito, o metal brilhando sob o céu cinzento. Sem mais palavras, avançou de súbito e perfurou o corpo de Iryna. O golpe foi rápido, preciso.
Iryna soltou um som breve — mais um suspiro que um grito. O sangue tingiu a relva, uma flor vermelha desabrochando no verde. Mesmo assim, os olhos dela não baixaram. Continuaram cravados nos dele, firmes, até o último instante.
O campo inteiro pareceu prender a respiração. O vento voltou a uivar, carregando o nome dela para longe.
O punhal saiu de sua carne num estalo seco, e a dor percorreu Iryna como uma onda incandescente. O corpo tremeu, mas seus olhos não se desviaram daquilo que sabia ser o fim. O sangue jorrou quente, vivo, e desceu pelo vestido simples até escorrer em filetes grossos.
Uma pedra, esquecida entre a relva, tornou-se altar. Nela, o sangue caiu em gotas pesadas, cada uma abrindo um círculo vermelho que logo se expandia, como se a terra bebesse seu sangue. Então, inesperada, uma lágrima desceu-lhe pelo rosto. Misturou-se ao sangue na pedra, unindo dor e amor na mesma gota.
Os joelhos de Iryna cederam. A relva alta a envolveu, quase como braços maternos, tentando amparar o corpo franzino. Ela pressionou o ferimento com as duas mãos, sentindo a vida escapar por entre os dedos. Ofegante, ergueu os olhos para o céu enevoado, e nele pareceu buscar um último consolo.
A respiração falhava, mas a voz, ainda que frágil, encontrou caminho.
— Natália… — o nome saiu como um canto, como uma prece. — Te amo… para sempre…
O vento soprou mais forte. Um suspiro lhe escapou, e com ele a alma pareceu voar. O corpo tombou para a frente, leve, vencido, repousando sobre a relva que se tingia de vermelho.
Ivan permaneceu imóvel, o punhal ainda na mão, ofegante como um animal depois da caça. Mas aquele nome — Natália — ecoava no campo como um trovão silencioso. A última palavra de Iryna não lhe pertencia. Era uma entrega que ele jamais poderia possuir, um amor maior que sua arrogância, mais eterno que sua violência.
Na pedra, o sangue e a lágrima permaneceram unidos, testemunhas mudas de um sacrifício que, mesmo na morte, transformava Iryna em algo maior que vítima: transformava-a em memória, em resistência, em amor eterno.
Ivan permaneceu de pé, arfando, o punhal ainda sujo em sua mão. O vento agitava o campo, mas dentro dele o silêncio era ensurdecedor. Esperava sentir o triunfo da posse, a certeza de que vencera a resistência daquela moça insolente. Em vez disso, só lhe restava um vazio cortante.
O nome ecoava dentro dele, cada vez mais alto, como se o campo inteiro repetisse:
Natália… Natália…
Ivan crispou a mandíbula, cerrando os dentes até doer.
— Maldita… — murmurou, olhando o corpo caído de Iryna. — Até no último fôlego prefere outra…
A raiva lhe subiu às faces, ruborizando o olhar já insano. Ele chutou a relva ao lado dela, como se quisesse apagar a cena, mas o sangue continuava a escorrer, implacável, e a lágrima ainda brilhava sobre a pedra, teimando em existir.
Ivan ajoelhou-se ao lado do corpo. Aproximou o rosto de Iryna, já sem vida, e a encarou fixamente, buscando qualquer sinal de rendição. Não havia nada além de serenidade no semblante dela, como se a morte tivesse lhe devolvido uma paz que ele jamais conheceria.
— Você devia ter se curvado a mim… — sussurrou, mas sua voz falhou. Por um instante, algo que poderia ser medo ou vazio atravessou seu semblante.
Levantou-se num sobressalto, limpando o punhal no paletó como quem tenta apagar a própria culpa. Mas, ao dar alguns passos para trás, seus olhos voltaram involuntariamente à pedra tingida de vermelho. O sangue e a lágrima misturados cintilavam sob a luz opaca da tarde.
Um símbolo eterno de algo maior do que ele, maior do que a força física, maior do que o dinheiro ... algo sobre o qual ele não tinha poder algum e que ele jamais poderia destruir.
Ivan cerrou os punhos. O olhar, antes apenas arrogante, agora estava perturbado, assombrado por uma verdade que lhe escapava: a de que, mesmo morto, o espírito de Iryna permanecia invencível.
E o nome de Natália continuava a latejar dentro dele como uma maldição.
O silêncio do campo era absoluto quando o último sopro de vida deixou os lábios de Iryna. Mas, num instante que escapava às leis da carne, ela abriu os olhos novamente — não no corpo tombado sobre a relva, mas fora dele.
De pé, sentiu-se leve, sem dor, como se o peso do mundo tivesse se desprendido. Olhou para baixo e viu seu corpo inerte, franzino, o vestido manchado de vermelho, e por um momento se espantou: parecia uma estranha olhando a si mesma.
A poucos passos, Ivan recuava, ainda ofegante, limpando o punhal. Havia raiva e medo em seu semblante. Sem coragem de encarar o que fizera, virou-se bruscamente e fugiu pelo campo, o vulto desaparecendo entre as sombras do entardecer.
Continua ...
