*Este livro é o Volume 2 do livro: Apaixonado pelo perigo. Caso ainda não tenha lido o volume 1, inicie por ele antes de começar aqui.
Cap. 01:
Senti um peso cair sobre mim, um corpo quente que parecia esmagar meu peito. Meus olhos se abriram lentamente, ainda presos entre o sonho e a realidade, e lá estava Erick, rindo como sempre, apoiado sobre mim.
— Vambora, acorda! Primeiro dia de aula da faculdade, o ano começou! — disse ele, com aquela voz firme que eu conhecia tão bem.
Cobri o rosto com o travesseiro, gemendo:
— Ai, me deixa, cara, pelo amor de Deus…
Erick ergueu uma sobrancelha e se inclinou mais sobre mim, o cheiro dele misturando-se ao do lençol.
— Maninho… depois que nossos pais viajaram, você sabe que quem manda aqui sou eu. Então faz o que eu mando. — Ele sorriu maliciosamente, e antes que eu pudesse protestar, começou a me fazer cócegas.
Eu me debatia, rindo e resmungando, mas Erick não deu trégua. Ele parecia ter a força e a destreza de sempre, mesmo aos 26 anos, com o cabelo loiro impecável e o corpo firme. Eu, com meus 19, cabelo castanho-escuro com mechas quase loiras pelo sol, pele morena, me rendi aos poucos àquele toque inevitável.
— Me rendo, tá bom, tá bom! Você ganhou, eu vou levantar! — consegui balbuciar entre risadas e suspiros.
Levantei-me, ainda resmungando, e caminhei até o banheiro, abrindo a porta. Ao lavar o rosto, senti a presença dele atrás de mim, e sua voz soou, calma mas provocativa:
— Ah, você podia aproveitar que é um novo começo e se declarar, né?
Me engasguei com a água fria do rosto.
— Me declarar? Que… do que você tá falando? — perguntei, confuso.
— Se declarar… você sabe, né. Eu tô falando do Robinho.
Revirei os olhos.
— De novo você com essa história…
Erick sorriu, seguro de si.
— Cara… eu sei que você é apaixonado por ele. É nítido. Desde o dia que vocês se conheceram. Acho que você tinha que tomar coragem. Eu te dou o maior apoio. Se a sua preocupação é nossos pais não aceitarem, relaxa, tô aqui por você. Vai dar tudo certo.
Olhei para ele, sentindo meu peito apertar.
— Não é preocupação dos pais… na verdade, não existe preocupação. Não existe nada entre mim e o Robinho. Ele é hétero, lembra? Vive saindo com garotas por aí. Mesmo que sejamos muito amigos, não quero estragar isso.
Enquanto eu falava, a memória do dia em que conheci Robinho me invadiu, como se fosse ontem. Estávamos no campo, ele apareceu com aquele sorriso fácil, cabelos castanhos esvoaçantes pelo vento, e algo em mim mudou instantaneamente. Desde aquele dia, a amizade floresceu, intensa e sincera. Mas ele continuava vivendo sua vida, e eu… eu apenas observava, gostando dele em silêncio.
Erick observava minhas lembranças com um sorriso satisfeito.
— Bom… eu me declarei pra Amanda, lembra? — disse, levantando o dedo com o anel brilhando ao sol que entrava pela janela. — Olha como a gente tá.
Eu suspirei, misturando inveja e admiração, e senti o peso de tudo o que ainda não tinha coragem de enfrentar.
Depois de secar o rosto, saí do banheiro com o cabelo ainda molhado, respirando fundo. Erick me observava com aquele sorriso de quem sabia exatamente o que estava fazendo comigo.
— Então, animado pra primeira aula? — perguntou, jogando a mochila no ombro.
— Animado? — resmunguei, puxando a camisa sobre a cabeça. — Mal acordei e já tô com dor no corpo.
Ele riu, empurrando-me levemente para fora do quarto. A luz da manhã entrava pela janela, aquecendo o quarto e iluminando os detalhes do apartamento. O cheiro de café recém-passado ainda pairava pelo ar, misturado com o perfume que Erick insistia em usar, um aroma fresco e cítrico que me deixava inquieto.
— Aliás — começou Erick, enquanto caminhávamos para a porta — vocês dois passaram por essa mesma faculdade, que inclusive é a minha e da Amanda… Quais são as chances de todo mundo estudar na UFRJ, hein? Talvez seja o destino mandando um sinal. Vocês têm que ficar juntos, não sei o quê.
Eu soltei uma risada, balançando a cabeça.
— Destino? Isso não existe, Erick. O destino não manda sinal nenhum. É só coincidência — falei, tentando soar sério, mas ele continuava sorrindo, confiante.
— Ah, e você acha que coincidência é tudo na vida? — retrucou ele, arqueando a sobrancelha. — Eu chamo isso de oportunidade. Oportunidade de você finalmente abrir os olhos.
Revirei os olhos, mas não consegui conter o sorriso. — Eu tô estudando Medicina, lembra? Não posso perder tempo com… “destino” e sinais do universo.
— Pois é — disse ele, com um meio sorriso de canto de boca — e eu tô em Direito, sonhando em ser policial. Mas ainda assim, vou te dizer, se o destino realmente existe, ele tá te dando a maior chance de se declarar, Yuri. E olha… não vou mentir, vai ser divertido ver você tentando resistir.
Continuei andando, tentando não corar com a aproximação e o olhar dele. Erick tinha essa facilidade de deixar tudo leve, mas ao mesmo tempo mexer comigo de uma forma que ninguém mais conseguia.
— Tá, tá… já entendi — murmurei, olhando para o chão. — Você quer que eu me declare pro Robinho. Mas, sinceramente, não é assim tão simples. A gente se dá bem, mas ele… ele é hétero, lembra? E eu não quero estragar isso.
Erick deu um passo mais perto, como se fosse me dar um leve empurrão de incentivo.
— Ah, meu irmão… você não perde nada em tentar. E olha, se você se declarar, pelo menos eu vou rir um monte da sua cara antes e depois.
Eu ri, sem conseguir evitar, imaginando a cena. — Tá, tá… você é impossível, sabia?
— Eu sei — respondeu ele, piscando. — Mas alguém tem que ser.
Caminhamos pelas ruas movimentadas, o sol da manhã aquecendo nossas costas. O trânsito da cidade, o barulho de ônibus, carros e pessoas indo para a faculdade me lembrava que a vida continuava, e que talvez esse novo começo fosse exatamente o que eu precisava.
Continuamos andando até a UFRJ, desviando de estudantes apressados, vendedores ambulantes oferecendo cafés e lanches, e o cheiro do jardim do campus que lembrava a infância e a sensação de liberdade. Erick olhou para mim com aquele sorriso divertido.
Quando nos aproximamos do prédio principal da faculdade, pude ver estudantes entrando e saindo, algumas risadas, conversas altas, mochilas penduradas nos ombros. E lá estava ele. Robinho. De costas, caminhando com a naturalidade de sempre, rodeado de colegas. Meu peito apertou sem que eu pudesse evitar.
— Bom, maninho — disse Erick, cutucando meu ombro — é agora. Não tem mais volta.
— Não… não é hora, Erick… — murmurei, sentindo meu coração acelerar.
— Hora ou não — ele retrucou com aquele sorriso maroto — o universo tá te mandando um sinal. Vai lá, Yuri.
O coração disparou quando finalmente o vi de perto. Robinho estava encostado na parede do prédio, mochila pendurada de um ombro só, cabelos castanhos bagunçados levemente pelo vento da manhã. Ele ria de algo que um amigo contava, com aquele sorriso fácil que sempre me deixava inquieto. Cada gesto dele parecia iluminar o espaço ao redor, e meu peito apertou de um jeito que eu não conseguia controlar.
— Vai lá, Yuri — sussurrou Erick ao meu lado, cutucando meu ombro. — Eu não vou te empurrar, mas… eu não vou mentir: você tá tremendo.
Revirei os olhos, tentando parecer indiferente, mas meus dedos se fecharam automaticamente na alça da mochila.
— Não tô tremendo… — murmurei, embora o calor nos meus dedos me denunciasse.
Erick riu baixo. — Claro, claro. Nem parece que você tá se derretendo por dentro.
Respirei fundo e dei um passo à frente, sentindo cada som do campus amplificado na minha mente: passos apressados de estudantes, risadas espalhadas, o ranger distante das portas de metal das salas, o cheiro de café de um carrinho ambulante perto da entrada. Cada detalhe parecia me lembrar de quão vivo eu me sentia e, ao mesmo tempo, do quanto aquele sentimento era perigoso para mim.
— Olá… — consegui finalmente, minha voz saindo baixa, quase engasgada.
Robinho se virou, sorrindo ao me reconhecer. — Ei, Yuri! Que bom te ver. Como tá indo?
Sorri, tentando soar natural, mesmo sentindo meu estômago revirar. — Ah, você sabe… Medicina não é brincadeira, e hoje o semestre começa oficialmente.
— Verdade — ele respondeu, cruzando os braços. — Mas você sempre dá conta, né? Sempre impressionando todo mundo.
Senti meu rosto esquentar, e por um instante, fiquei sem palavras. Erick estava atrás de mim, apoiado casualmente na parede, observando cada movimento, com aquele sorriso malicioso nos lábios, como se estivesse me incentivando silenciosamente a não fugir.
— Bom… — continuei, tentando soar casual — a gente vai se encontrar bastante, afinal, aulas no mesmo horário…
Robinho sorriu, balançando a cabeça. — Pois é, que coincidência, né?
Erick cutucou meu braço novamente. — Coincidência? Eu chamo isso de destino.
— Destino… — murmurei, rindo nervosamente. — Isso não existe, Erick.
— Ah, vai, Yuri — disse Robinho, rindo. — Você acredita em alguma coisa do tipo? Tipo sinais ou coincidências com significado?
Engoli em seco. — Hm… não muito, acho… — tentei soar casual, mas a sensação de vulnerabilidade me queimava por dentro.
Erick deu um passo à frente, sussurrando só para mim ouvir: — Viu? O universo tá conspirando a seu favor.
Senti meu peito apertar e sorri sem conseguir evitar, os pensamentos correndo rápidos: “Ele é hétero… ele vai ficar com alguém mais tarde… eu não posso me declarar… mas e se for a minha única chance?”
Robinho, por sua vez, parecia completamente alheio à tempestade que se passava dentro de mim. Ele me deu um sorriso aberto, estendendo a mão casualmente.
— Então, pronto pra esse semestre louco? — perguntou, os olhos castanhos brilhando sob a luz do sol da manhã.
— Pronto… — respondi, tentando soar confiante. — Acho que sim…
Erick, vendo que eu ainda hesitava, deu um passo ao lado e falou alto o suficiente para Robinho ouvir:
— Ah, deixa ele se organizar. Mas só pra você saber, Yuri aqui tem um talento enorme pra surpresas… talvez você descubra algo novo sobre ele esse semestre.
Robinho arqueou uma sobrancelha, curioso, enquanto eu senti meu rosto queimar.
— Sério? — ele perguntou, meio rindo, meio intrigado.
— Sério… — respondi, engolindo em seco e tentando afastar o rubor do rosto. Erick riu silenciosamente atrás de mim, claramente satisfeito.
Enquanto caminhávamos para a sala, senti o peso da minha própria coragem se misturar à adrenalina do novo semestre. Erick continuava ao meu lado, como sempre, observando, provocando e me lembrando de que eu não estava sozinho, mesmo que eu tivesse que enfrentar meu próprio coração naquele momento.
O som estridente do sinal da faculdade ecoou pelo campus, cortando a conversa, misturado ao barulho de passos e risadas que preenchiam o pátio. Era o toque oficial que indicava o início da primeira aula. Estudantes começaram a se dispersar, correndo pelos corredores, entrando nas salas e se organizando.
Erick me deu uma cutucada no braço, aquele sorriso maroto nos lábios, como se estivesse me lembrando de que eu ainda tinha coragem de agir.
Robinho se preparava para sair andando, mochila nas costas, quando respirei fundo e disse, tentando soar casual:
— Robinho… deixa eu te perguntar uma coisa? Eu… queria saber se você topa, hoje, quando acabar as aulas, a gente sair pra almoçar, comer alguma coisa… eu queria falar com você, conversar…
Ele parou, virou para me olhar, e por um instante meu coração pareceu saltar do peito.
— Cara, eu queria muito… mas hoje um primo meu, que é militar, vai passar um tempo aqui em casa. Vou ter que apresentar ele, levar pra conhecer a cidade e tudo mais… Mas, se você não se incomodar, pode ir junto, tudo bem?
Um pequeno alívio percorreu meu peito, misturado com aquela pontada de ansiedade que parecia não me largar nunca.
— Ah… não, não quero incomodar — falei, desviando o olhar.
— Claro que você não incomoda — respondeu ele, sorrindo de forma calorosa. — Sabe que a gente… nós somos melhores amigos.
Senti uma pontada de tristeza percorrer meu peito, tentando engolir o que eu realmente queria. “É… amigos, né”, pensei, com aquela mistura de resignação e dor que só o coração não consegue disfarçar. Balancei a cabeça, sorrindo de forma forçada, e ele, percebendo minha tentativa de disfarçar, também sorriu e virou-se, seguindo caminho para sua primeira aula.
Erick me cutucou mais uma vez, dando aquele leve empurrão, e murmurou:
— Vai, maninho… respira. O mundo não acaba aqui.
Assenti, tentando colocar a mente em foco, e caminhei para minha própria sala. O prédio da faculdade tinha aquele cheiro característico de livros novos, lápis e café, misturado com o leve aroma de produtos de limpeza. As portas das salas rangiam ao serem abertas, e o murmúrio das conversas dos estudantes preenchia o ar.
Minha sala de Medicina estava cheia de rostos desconhecidos. Ninguém parecia familiar, e todos se agrupavam em pequenos círculos, conversando, rindo, se apresentando uns aos outros. Senti aquele frio na barriga que sempre vinha quando eu entrava num lugar novo. Um mix de ansiedade, curiosidade e aquela sensação de vulnerabilidade.
Busquei um lugar vago e, para minha surpresa, Robinho estava lá também. Ele olhou para mim, sorriu de leve e sentou-se no banco ao meu lado, mochila apoiada no chão, caderno aberto. Meu coração acelerou, mas tentei respirar fundo e fingir naturalidade.
— Então… — murmurou ele, baixo, apenas o suficiente para que eu ouvisse — parece que vamos ser parceiros de primeira aula.
— É… parece que sim — respondi, tentando soar casual, mas minha mente já vagava para longe da sala. Pensamentos sobre ele, sobre nós, sobre tudo que eu não podia admitir, rodopiavam dentro da minha cabeça, misturados ao som de papéis sendo virados, cadeiras rangendo e professores conversando ao fundo.
Quando o professor entrou, o silêncio caiu rapidamente, e todos se viraram para ouvir as instruções. Cada detalhe parecia amplificado para mim: o aroma de livros novos, o som do quadro negro sendo limpo, o ranger das cadeiras, as folhas sendo viradas… E, mesmo sentado ao lado de Robinho, eu me senti isolado, perdido entre rostos desconhecidos e pensamentos que não paravam.
A aula começou com uma revisão geral do semestre, explicações sobre conteúdos, organização das matérias e pequenas instruções sobre procedimentos da faculdade. Robinho fazia anotações calmamente, enquanto eu tentava acompanhar, mas meu olhar frequentemente se desviava, distraído, observando o jeito dele escrever, a forma como inclinava o corpo sobre a carteira, o cabelo caindo levemente sobre a testa.
Mesmo com toda a atenção do professor e a presença de Robinho ao meu lado, minha mente continuava vagando, perdendo-se em lembranças, desejos e no medo silencioso de que aquele sentimento não tivesse espaço para se tornar algo mais.
Quando o sinal tocou novamente, indicando o fim da primeira aula, respirei fundo, fechando o caderno e me preparando para o resto do dia. Havia algo confortável em saber que Robinho estava ali, sentado ao meu lado, mas também havia aquela pontada de frustração — a linha tênue entre amizade e aquilo que eu não podia revelar.
O dia passou rápido — anotações, conversas, e aquele frio no estômago que não me abandonava. Quando o sol começou a descer, saí para o pátio e sentei num banco, esperando Erick. O céu estava pintado de tons alaranjados e o vento morno da tarde soprava devagar.
Foi quando os vi vindo: Erick e Amanda, de mãos dadas, rindo. Ela era loira, delicada, com olhos claros e um sorriso aberto que fazia tudo parecer simples. Logo atrás, Robinho se aproximava, acenando.
— Ei, Yuri! — chamou ele. — Bora? Meu primo acabou de chegar.
Erick me empurrou de leve. — Vai lá, maninho. Aproveita o dia.
E então, o vi.
Um homem moreno se aproximava, passos firmes e postura impecável. Tinha cerca de vinte e seis anos, cabelo cortado no estilo militar, e usava óculos escuros que refletiam o pôr do sol. O uniforme casual realçava a forma definida dos ombros, o porte imponente, e algo nele parecia ocupar todo o espaço ao redor.
Robinho sorriu. — Esse é meu primo, Samuel. Samuel, esse é o Yuri — meu melhor amigo.
Samuel tirou os óculos lentamente, e nossos olhares se encontraram.
O mundo pareceu parar.
O vento ficou mais pesado, o som do pátio distante. Havia algo naquele olhar — firme, profundo, inquisidor — que atravessou minha alma sem pedir licença. Um arrepio percorreu minha pele, e percebi que Erick, ao meu lado, também havia se enrijecido. Instintivamente, nossos dedos se tocaram, entrelaçando-se num reflexo silencioso.
Samuel estendeu a mão.
— Prazer, Yuri — disse, com a voz grave, serena, mas carregada de curiosidade.
Demorei um segundo para responder.
— O prazer é meu — murmurei, apertando a mão dele.
A firmeza do toque, o calor da pele, o olhar que parecia me ler — tudo em Samuel me deixava sem chão. Havia algo ali que eu não sabia nomear, mas que já me consumia.
Robinho falou algo sobre “ir conhecer a cidade”, mas mal registrei. Samuel ainda me observava, como se procurasse algo em mim, e naquele instante, um pensamento ecoou dentro da minha mente:
Mais tarde, eu viria saber que o ruim também fascina.