A casa na Rua das Acácias guardava muitos segredos. As paredes, de um branco que já estava ficando amarelado, pareciam esconder coisas que ninguém falava. O ar dentro de casa cheirava a comida requentada e a um perfume fraco de flores que Maria, a mãe, espalhava pela sala para tentar melhorar o ambiente.
Maria nem percebia esses segredos. Ela estava sempre ocupada, com a cabeça enfiada no laptop, tentando resolver as contas do restaurante depois de um longo dia de trabalho no hospital. Seus olhos estavam sempre cansados, com olheiras escuras. Ela trabalhava tanto que mal via o que acontecia ao seu redor.
Já Sarah, de dezenove anos, percebia tudo. Deitada na cama do seu quarto roxo—uma cor que ela achava que já não combinava mais com ela—ela sentia a tensão no ar. Era como se a casa toda estivesse esperando alguma coisa acontecer.
Ela olhou para o relógio: 23h47. Era o horário exato que Paulo, seu padrasto, chegava do bar. O bar dele fechava às 23h, e ele demorava meia hora para caminhar até casa. Sarah sempre se perguntava: por que ele demorava esses dezessete minutos a mais? O que ele fazia nesse tempo? Ela imaginava ele parado na calçada, fumando um cigarro sozinho, adiando a volta para casa. Talvez ele não quisesse entrar. Talvez ele também se sentisse preso ali.
Ouviu os passos de Paulo subindo as escadas. Eram passos pesados, de cansado. Ele passou pela porta do quarto dela sem parar. Sarah ficou quieta, escutando. A porta do quarto dele e da mãe dela abriu e fechou.
Do outro lado da parede, ela ouviu vozes baixas. Paulo e sua mãe estavam conversando, mas dava para perceber que era uma daquelas conversas sem graça, sobre contas ou coisas pequenas do dia a dia. A voz da mãe dela soava exausta. A de Paulo, distante.
Depois, veio um silêncio pesado. Não era o silêncio de quem dorme, mas o silêncio de duas pessoas deitadas na mesma cama, mas que estão longe uma da outra. Aquele silêncio era pior que qualquer briga.
Sarah se levantou da cama e encostou a mão na parede que separava seu quarto do deles. Ela sentia uma coisa estranha no peito—uma mistura de ciúme, pena e uma curiosidade que não devia ter. Ela não queria o amor que existia entre Paulo e sua mãe, porque sabia que aquele amor já não era forte. O que ela queria era a atenção de Paulo. Os pedaços de afeto que sobravam dele.
A noite caiu de vez sobre a casa, trazendo com ela todos os segredos não contados. Sarah se deitou novamente, um sorriso pequeno nos lábios. Ela tinha paciência. E no fundo, ela sabia que a chave para entender Paulo—e para se entender—não estava no quarto ao lado, com sua mãe. Estava ali, do outro lado do corredor, dentro de um homem que talvez estivesse tão perdido quanto ela.