Consequências de uma traição - 4
Davi estava sentado comigo na minha sala de estar. — Não sei, cara. - Disse ele. - Isso também não faz muito sentido para mim. Ela não te deu nenhuma explicação?
Balancei a cabeça negativamente. — Só consigo pensar que fomos rápido demais, ou que ela sente algum tipo de lealdade distorcida pela Jane. Mas o que me deixa realmente louco é que ela não quer falar comigo sobre isso. Deixei umas dez mensagens para ela esta semana, bem tranquilas, sem pressionar, sabe?
— Mas ela não me retornou nenhuma ligação. Droga, Davi, eu não mereço isso!
Ele sorriu para mim, arqueando uma sobrancelha. — 1, ninguém merece isso. E 2, você especialmente não merece. Você merece um desfile de mulheres, todas loucas por você e nenhuma delas impossível de entender!
Eu bufei. — Nunca conheci nem uma dessas, muito menos um desfile delas.
— O que você vai fazer?
— Por enquanto, nada. - Eu disse. — Tenho o torneio no final da semana que vem e não quero pagar um mico daqueles. Quando eu voltar, talvez eu consiga conversar com a Ângela e descobrir o que diabos está acontecendo.
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Venci cinco das oito lutas e terminei em 9º lugar na minha categoria. Apesar de estar completamente exausto, me senti muito bem enquanto dirigia de volta de São Paulo. Tive um fim de semana intenso, sem fazer nada além de comer, dormir e praticar karatê, e foi ótimo. Quase não pensei em Ângela, e menos ainda em Jane. Mais do que em qualquer outro momento desde que minha esposa me deixou, senti que talvez houvesse uma chance de sair do meu pesadelo, ou melhor, dos meus pesadelos, capaz de reconstruir minha vida.
— Que ótimo, cara! - Davi me parabenizou quando liguei para ele. Depois disse: — E pensa em como você era um covarde há alguns meses, até eu conseguiria te vencer!
Rindo, eu disse: — É, mais ou menos duas vezes em dez. Se quiser tentar de novo, amigo, é só me avisar.
— De jeito nenhum amigo, agora que você é um faixa preta poderoso, você me transformaria em lenha. Mas ainda consigo beber mais que você.
Trocamos mais algumas brincadeiras amigáveis antes de desligarmos o telefone, e agradeci aos deuses mais uma vez por me darem um amigo tão incrível. Principalmente durante o último ano.
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Alguns dias depois, decidi ir de carro até a casa da Ângela depois do trabalho e convencê-la a me ver. Afinal, ela tinha feito aquilo comigo e eu estava farto de deixar recados no watts que nunca eram respondidos.
Toquei a campainha do apartamento dela e esperei; depois de um instante, pude ouvir seus passos se aproximando, e então ela deve ter olhado pelo olho mágico.
— Eu... eu sinto muito, Nicolas, eu não consigo te ver. - A voz dela soou um pouco abafada através da porta.
— Bem, Ângela, acho que terei uma longa noite pela frente. Trouxe esta cadeira dobrável e vou sentar aqui no corredor até você me deixar entrar e conversar com você. Se você passar por mim amanhã de manhã, estarei aqui novamente quando você chegar do trabalho. Você terá que se acostumar a me ver todos os dias.
Houve uma longa pausa, e então ouvi a corrente sendo removida e ela abriu a porta. Ela estava usando jeans e uma camiseta preta do AC/DC. Estava descalça e devia ter acabado de tirar a maquiagem. Parecia que ia chorar. Ela estava absolutamente linda.
Percebi que não a via há quase um mês, e meu coração estava acelerado. Ora essa, pensei, meu coração está acelerado e não é por causa da Jane!
— Ângela, você precisa falar comigo. Eu não sei o que aconteceu, o que eu fiz para te assustar, mas por favor, me dê outra chance. Você é importante para mim. Consegue imaginar como é ser dispensado por você, depois do que... do que aconteceu comigo e com a Jane?
— Sinto muito, Nicolas. Eu... acho que não pensei nisso dessa forma. Entre e traga aquela cadeira idiota! - Acrescentou ela com um pequeno sorriso.
Ela nos trouxe dois refrigerantes e nos sentamos na sala dela, eu no sofá e ela em uma cadeira à minha frente.
— Tudo o que peço, Ângela, é que você me diga o que deu errado. A culpa foi minha? Eu te magoei de alguma forma?
Ela balançou a cabeça, energicamente. — Não! Nada disso... nunca foi você, Nicolas! Nada que você tenha feito. Você estava... eu sempre me diverti muito com você.
Ela se inclinou para a frente. — O que eu tenho para te contar é uma longa história, tá bem? E uma que... que vai ser difícil para mim contar. Então você tem que prometer que vai ouvir tudo e que não vai ficar tão bravo a ponto de me abandonar.
Nunca a tinha visto tão séria. — Prometo, Ângela. Embora eu possa dizer pela sua cara que não vou gostar nem um pouco disso.
— Não, você não vai. - Ela ficou olhando pela janela por um tempo e depois se virou para mim.
— Nicolas, Jane está bem no meio disso tudo, e não tem jeito. Se você quer a verdade, vai ter que ouvir falar dela também. Ela é o pivô de tudo isso.
Não vou fingir que fiquei feliz com isso, na verdade, senti meu estômago se contrair, mas apenas assenti com a cabeça e esperei que ela continuasse.
E o que se seguiu, Deus me livre, foi mais uma versão do Pesadelo nº 1. Como se eu já não tivesse sofrido o suficiente por ter passado por aquilo! Ângela me contou sobre o maldito caso da Jane com aquele idiota do Alec, só que ela não chamou de caso, claro. Ela explicou que a Jane realmente se apaixonou pelo cara, como eu já disse, realmente achou que ele era o homem certo para ela, e que eles viveriam felizes para sempre.
Só que, ao que parece, não foi bem assim. No início, as coisas com Alec pareciam muito mais emocionantes do que a vida comigo. Como poderiam ser diferentes? Ele era um ator bonito, adorava dançar, festejar e ficar acordado até tarde, e a vida era uma loucura alegre, além de ter muito tempo de sobra, para se dedicar as suas artimanhas. Difícil para a rotina de qualquer casal casado competir com isso.
Mas o Alec era um completo idiota, não me surpreende, garanto! Ele era hiperativo, emotivo e bastante instável, principalmente quando estava sob o efeito de cocaína, o que, aliás, acontecia com frequência. Ele não conseguia seguir nenhuma rotina, não conseguia estar onde prometia estar na metade das vezes e, em suas mudanças bruscas de humor, começou a abusar da Jane.
Segundo Ângela, no início não era tão ruim, apenas discussões ocasionais aos gritos, embora às vezes ele ficasse tão exaltado que Jane se escondia no banheiro com a porta trancada. Mas depois de alguns meses, as brigas pioraram tanto que ele chegou a agredi-la algumas vezes, e Jane precisou passar a noite no apartamento de Ângela, apavorada.
Jane finalmente começou a entender que havia se apaixonado por uma fantasia.
A vida de casada havia se tornado um pouco monótona, e que ela atribuía a monotonia da rotina a mim, sem perceber que nenhum casamento poderia competir com a emoção de algo novo. Ela finalmente percebeu o terrível erro que havia cometido, pensando que poderia encontrar magia com um idiota superficial e imaturo como Alec.
— Muito bem para ela! - Interrompi amargamente. Eu estava sentado em silêncio, ouvindo essa história como havia prometido à Ângela, mas estava ficando cada vez mais difícil de suportar. Eu estava praticamente pronto para sair correndo pela porta.
Ângela percebeu e disse baixinho: — Nicolas, você prometeu! - Assenti e tentei relaxar. Ela deve estar perto do fim disso, repetia para mim mesmo.
Enfim, Jane saiu da casa do Alec e conseguiu um apartamento próprio; e foi aí que ela começou a falar com a minha mãe e a tentar entrar em contato comigo. O resto da história eu sabia, ou pelo menos achava que sabia. Mas não, claro, ainda tinha mais coisa por vir para me deixar ainda mais confuso. Como eu poderia pensar que seria diferente?
Ângela sentou-se ao meu lado e pegou minha mão. — Nicolas, por favor, não fique bravo comigo. Eu posso ser a pessoa mais horrível do mundo, mas fiz o que fiz porque me importo com a Jane... e com você, claro.
Olhei para ela alarmado: E agora?
— Depois que terminou com Alec, ela estava determinada a te reconquistar. Jane simplesmente sabia que, se você lhe desse uma chance de conversar, ela conseguiria te fazer entender o quanto te amava e que faria qualquer coisa para se redimir. Na cabeça dela, ela tinha certeza que você a aceitaria de volta.
Quando você disse para ela ir embora naquele dia em que finalmente a viu, ela ficou completamente devastada. Ela chorou por semanas. Eu estava realmente preocupada que ela fizesse algo consigo mesma.
Por um instante pensei: "Quem me dera ela tivesse feito isso". Mas percebi que o suicídio da Jane teria sido a facada final nas minhas costas: uma vida inteira de culpa, mesmo sabendo que a culpa era toda dela. Então, fiquei feliz por ela ao menos ter me poupado desse horror.
— Ela ficava pensando que tinha que haver um jeito de fazer você entender, para que você lhe desse outra chance. A gente conversava sobre isso por horas, eu apenas ouvindo pacientemente ela repetir tudo aquilo várias e várias vezes.
E então ela teve essa ideia... - Ângela apertou minha mão com mais força.
— Nicolas, você tem que me prometer que não vai explodir, tá bom?
Assenti com a cabeça, cerrando os dentes. Os últimos vinte minutos tinham sido “informação demais”, como minha sobrinha adolescente gosta de dizer, e eu não estava nada ansioso pelo que viria a seguir.
— Jane pensou que, se você também tivesse um caso, seria mais fácil para você perdoá-la pelo que ela tinha feito. Mas ela sabia, por sua mãe, que você não estava namorando. Então, uma noite, ela veio até mim e me pediu, não, ela implorou, para que eu te seduzisse.
Soltei a mão de Ângela e me levantei num pulo, encarando-a. — Então era só isso? Todas aquelas semanas saindo juntos, sendo amigos, nos divertindo? E depois a história do suéter apertado, velas e garrafa de vinho?
— Não, Nicolas, por favor, deixe-me terminar!
— O velho Nicolas não foi enganado, traído e sacaneado o suficiente, então vamos fazer isso com ele mais uma vez, é essa a ideia? Vamos chutar o cachorro morto mais um pouquinho. - Eu já estava praticamente gritando a essa altura.
— Nicolas, escuta! - Ângela gritou para mim, com lágrimas no rosto. — Você prometeu!
Eu estava furioso. Mas fechei a boca e sentei-me numa cadeira, o mais longe possível dela do outro lado da sala. E esperei que ela continuasse.
— Eu disse a ela que era uma ideia horrível. Era injusto com você, se aproveitar da sua infelicidade. Sem falar que ela estava me pedindo para ser prostituta. E eu detestava a ideia de mentir para você ou de jogar qualquer tipo de joguinho. Você é meu amigo! E eu disse a ela que isso nunca, jamais daria certo.
Mas ela me implorou. Nicolas, ela me implorou! Ela se ajoelhou na minha frente, chorou e me disse que era a única chance que ela tinha de ter você de volta, e que eu era a melhor amiga dela e precisava ajudá-la, ela não tinha mais ninguém a quem recorrer.
E, Nicolas, eu sabia o quanto você a amava. Ou pelo menos, o quanto você a amou. Você sempre foi tão apaixonado por ela e tão bom para ela! E eu me perguntei se talvez não fosse bom para você também, encontrar um jeito de tê-la de volta.
Então eu disse a ela que veria. Que daria uma passada lá, ficaria um pouco com você e veria o que acontecia. Mas não fiz nenhuma promessa.
A voz de Ângela ficou muito baixa. — Parte do problema era que eu me sentia muito atraída por você. Eu nunca tinha pensado em você dessa forma, sabe? Desde o dia em que te conheci, você era o namorado da Jane, e nós três sempre fomos ótimos amigos. Mas agora que vocês estão... separados... eu não conseguia parar de me perguntar, sabe, como seria se algo acontecesse entre nós.
Então eu vim te ver, e começamos a sair juntos, e... bem, você sabe, Nicolas, nós nos divertimos muito juntos. Não é? E nada romântico aconteceu. E o que eu ficava dizendo para mim mesma era: “Estou fazendo isso pela Jane, mas preciso ir devagar, preparar o terreno, não apressar as coisas. Não quero estragar tudo."
Mas a verdade era... a verdade era que eu estava me apaixonando por você. - Ela estava falando ainda mais baixo.
Eu simplesmente adorava estar perto de você. Aqueles jantares casuais, ou assistindo TV juntos, ou qualquer outra coisa que fizéssemos, eu estava tão feliz, Nicolas! Eu nunca me senti tão bem ao lado de uma pessoa como estar com você, pela primeira vez na vida eu encontrei alguém que me completa, e eu vi isso depois de começar a sair com você. E eu não sabia o que fazer, a não ser querer que continuasse.
Nesse momento, meu cérebro já tava capotando, em quem acreditar, sabendo o quanto ela era fiel a sua amiga.
— Mas Jane estava ficando cada vez mais impaciente, ficava me perguntando quando eu ia te levar para a cama. E eu me sentia tão culpada! Me sentia culpada porque não estava sendo honesta com você, e também não estava sendo honesta com ela.
O pior de tudo é que, se a gente dormisse junto, você realmente voltaria para a Jane? Eu achava que não, mas tive que encarar o fato de que não queria que isso acontecesse de qualquer forma.
Ela olhou para mim, suplicante. — Então lá estava eu. Jane me pressionando para te seduzir; e lá estava eu, desejando você desesperadamente; mas por MIM, não para ajudá-la e lá estava você, sendo tão doce e divertido, um amigo tão bom, carinhoso e gentil. Eu vi em você algo que não encontrei em mais ninguém.
Foi aí que a ficha caiu, eu estava me apaixonando por você, e resolvi acionar o modo “FODA-SE”, A Jane fez suas escolhas, ela que arque com as consequências dos seus atos. Eu não sou bombeira pra ficar apagando incêndio.
— Comecei a evitar a Jane, a não atender as ligações dela. Porque eu simplesmente não conseguia encarar a verdade e dizer a ela que eu queria você só para mim! Era mais fácil não falar com ela.
Naquela noite, com as velas e o vinho, eu simplesmente decidi que ia te levar pra a cama. Depois eu me preocuparia com o porquê de ter feito isso. Mas aí, quando... quando estávamos nos beijando, e você estava me tocando, e eu fiquei tão excitada...
Droga, Nicolas, eu queria que você fizesse amor comigo! Eu queria que você fosse meu amante! Eu ainda quero! Mas eu fiz essa promessa para a Jane, nesse ponto eu já sabia que não ia cumprir... e eu também sabia que estava sendo desonesta com você... e de repente senti que minha cabeça ia explodir.
Eu simplesmente sabia que estava errado, mesmo te desejando tanto…e eu tive que parar.
Ficamos sentados em silêncio. Ângela chorava baixinho, e eu cerrava os punhos com tanta força que minhas unhas estavam perfurando minhas palmas. Eu sabia o que Davi teria dito se estivesse lá, e quase me fez rir, ouvir sua voz na minha cabeça: "Jesus Cristo num balão de ar quente!"
Provavelmente ficamos sentados em silêncio por mais de cinco minutos. Então eu me levantei e disse:
—Que história, Ângela. Mais um capítulo nos anais de Nicolas sendo enganado por mulheres. Qual é a expressão, 'a mesma merda de novo'? Parece se encaixar perfeitamente.
— Desculpe, Nicolas. - Ela estava de cabeça baixa e eu mal a ouvi.
— Eu também, Ângela. Realmente achei que a gente podia ter dado certo.
Me virei e fui para casa, carregando minha idiota cadeira dobrável comigo
Continua.