Já era sexta-feira.
Engraçado como certas semanas parecem acontecer em um piscar de olhos, enquanto outras arrastam os pés como se o tempo estivesse cansado demais para existir. Aquela, especificamente, passou tão rápido que eu mal tive tempo de perceber que os dias tinham mudado de cor. Talvez porque, desde o almoço, aquele mesmo, no bar onde tudo começou a ficar diferente, a minha rotina parecia girar em torno de uma única pessoa: Samuel.
Eu não diria que isso era ruim. Só… novo. Intenso. Quase assustador.
A gente se viu praticamente todos os dias, como se o universo tivesse decidido que nossos caminhos precisavam se cruzar mais vezes do que o planejado. Às vezes era só um almoço rápido entre uma aula e outra, outras vezes um jantar improvisado, e houve até aquela noite em que ele apareceu na porta da minha casa com uma garrafa de vinho, uma caixa de pizza, dois copos e aquele sorriso que parecia saber exatamente o que fazer com o meu coração.
Enquanto eu abotoava a camisa em frente ao espelho, ainda com o cabelo úmido do banho, fiquei pensando em como tudo estava mudando sem pedir permissão.
Robinho, por exemplo.
Ele simplesmente sumiu.
Faltou à faculdade na quinta. No grupo, não respondeu ninguém. E todas as minhas mensagens… visualizadas, mas ignoradas. Eu e ele sempre fomos muito próximos, quase irmãos, mas agora parecia existir uma barreira invisível entre nós, algo que eu não sabia como atravessar.
Samuel, por outro lado…
Samuel preenchia todos os espaços que Robinho deixou vazios. E talvez até alguns que eu nem sabia que existiam.
Ele me mandava mensagem todos os dias, me buscava de surpresa na porta da faculdade, às vezes ficava me esperando dentro do carro como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. E teve um jantar na terça em minha casa, Amanda gostou dele de cara, já Erick, bom, ele era ciumento com o irmãozinho dele né?
Erick, mesmo com a postura de irmão mais protetor do planeta, não reclamou de nada. Só me puxou num canto depois do jantar, colocou a mão no meu ombro e disse:
“Qualquer besteira que ele fizer, você me liga na hora. Sem pensar duas vezes.”
O olhar dele era sério de um jeito que só o Erick sabia ser. Não era ciúme. Era cuidado. E, no fundo, eu sabia que ele estava tentando respeitar o que eu sentia. Isso sempre fez eu admirar ainda mais meu irmão.
Mas, como todo irmão mais velho, ele também sabia ser um fofoqueiro do caramba.
No jantar de quarta, resolveu comentar com os nossos pais que eu “basicamente estava namorando”.
Resultado: minha mãe surtou no celular. Disse que queria “conhecer o genro” e que eles estariam de volta ao Brasil em algumas semanas.
— Perfeito — murmurei sozinho no quarto, revirando os olhos enquanto passava perfume. — Agora falta só ele mandar o convite pro casamento.
Eu estava terminando de arrumar o cabelo quando a porta se abriu. Erick apareceu encostado no batente, com aquela expressão de quem estava prestes a começar um interrogatório disfarçado de conversa comum.
— Tá bonito demais pra uma sexta qualquer — disse ele, cruzando os braços. — Vai pra onde, hein?
— Aniversário de uma amiga do Samuel. O nome dela é Mônica.
— Mônica? — Ele levantou uma sobrancelha, fingindo interesse. — Já vai conhecer as amigas dele? Isso tá ficando sério.
Revirei os olhos.
— Para com isso. É só um aniversário, nada demais.
— Uhum. — Ele riu de canto. — E você só passou meia hora escolhendo roupa porque é “nada demais”.
— Você é insuportável.
Ele entrou no quarto, bagunçou meu cabelo como quando eu tinha XV anos.
— Brincadeiras à parte… se ele te faz bem, aproveita. Só lembra do que eu te falei: qualquer coisa, me liga.
Assenti.
Ele saiu e fechou a porta, me deixando sozinho com o perfume que ainda pairava no ar e um leve frio na barriga.
Peguei o celular.
Uma mensagem nova do Samuel piscava na tela:
“Tô te esperando aqui embaixo. Hoje você vai conhecer meus amigos.”
Senti um arrepio leve na nuca.
Era ansiedade? Era expectativa?
Ou era outra coisa… algo que eu não sabia nomear?
Peguei a chave e desci as escadas, sentindo o coração bater acelerado demais para uma sexta-feira comum.
Quando abri o portão, lá estava ele.
O carro preto estacionado em frente à calçada. A porta do veículo abriu antes mesmo que eu pudesse falar qualquer coisa. Samuel desceu, a luz dos postes iluminando o rosto dele de um jeito que parecia até injusto com o resto da humanidade.
Ele usava uma calça preta que marcava as coxas, uma camisa branca justa o suficiente pra desenhar o abdômen, e aquele maldito sorriso que sempre parecia saber mais do que dizia.
A primeira coisa que saiu da minha boca escapou antes que eu conseguisse filtrar:
— Nossa… você tá… gostoso.
Ele riu.
Aquele riso que fazia tudo dentro de mim desabar.
— É pra combinar com você.
Antes que eu pudesse responder, ele segurou minha cintura e me puxou contra ele. O toque foi firme, quente, confiante. O tipo de toque que faz o ar sair do pulmão.
Ele aproximou a boca do meu ouvido.
— Se continuar me olhando assim, a gente não chega na festa.
Eu ri nervoso, sentindo o rosto quente.
— Anda logo. A gente vai se atrasar.
Entramos no carro. O trajeto foi silencioso, mas daquele silêncio bom, confortável. Ele dirigia com uma mão só, a outra vez ou outra pousava na minha perna, leve, distraída… mas intencional.
E enquanto a cidade passava pela janela, iluminada demais para o meu coração aguentar, uma sensação estranha começou a crescer dentro de mim.
Algo estava vindo, algo que mudaria tudo. Eu só não fazia ideia do quê.
A festa ficava numa casa afastada em Niteroi, quase em frente ao mar. O vento vinha carregado de sal, e as luzes coloridas penduradas no jardim balançavam como pequenas constelações artificiais. Assim que o carro estacionou, eu fiquei por alguns segundos observando a cena, a mistura de música, risadas, cheiro de comida e o brilho suave das velas espalhadas pelo quintal.
Samuel desceu primeiro e abriu a porta pra mim como se aquilo fosse um gesto automático. Ele não fazia para impressionar; fazia porque era dele, porque parecia gostar de cuidar, mesmo quando fingia que não.
— Vem — ele disse, estendendo a mão.
Segurei. E naquele instante senti algo pulsar dentro do peito, uma espécie de aviso, ou talvez antecipação.
O caminho até a entrada da casa era iluminado por pequenas lanternas no chão. A cada passo, o mar ficava mais alto, mais presente, como se estivesse acompanhando a nossa chegada.
Assim que nos aproximamos da porta, ela se abriu, e então eu a vi pela primeira vez.
A Mônica.
Ela não apenas apareceu.
Ela surgiu como se fosse feita da própria festa.
O vestido longo, florido, cheio de cores vivas — amarelo, verde, azul, laranja — se movia com o vento, como se tivesse vida própria. O cabelo preso num coque bagunçado, algumas mechas soltas dançando em volta do rosto. Pulseiras nos dois braços, colares, anéis, e um sorriso tão grande que parecia acolher e analisar ao mesmo tempo.
— Alguém me chamou? — ela disse, colocando as mãos na cintura. — Eu sou a Mônica. Prazer, alegria e confusão, tudo junto, meu amor.
Samuel abriu os braços.
— Até que enfim você aparece, mulher!
Ela correu até ele e o abraçou apertado.
— Tava com saudade, sumido! — ela reclamou, batendo de leve no peito dele. — Me diz, quem foi que roubou esse coraçãozinho teu?
Ele riu, e os olhos dele pousaram em mim.
— Deixa eu te apresentar: esse aqui é o Yuri.
Foi aí que aconteceu.
Quando os olhos dela encontraram os meus, tudo ao redor pareceu diminuir. A música, o mar, as risadas… tudo ficou distante, como se tivesse sido colocado atrás de uma parede de vidro.
Ela me olhou como quem reconhece.
Não quem conhece.
Quem reconhece.
O sorriso dela se suavizou, e ela estendeu a mão. Eu fiz o mesmo, mas, ao invés de apertar, ela me puxou para um abraço.
E no exato momento em que nossos corpos se tocaram, eu senti.
Um arrepio.
Não um calafrio comum, desses que a gente sente com vento frio ou nervosismo. Foi algo mais profundo. Como um toque interno, uma lembrança que eu não tinha, mas que meu corpo parecia lembrar.
Ela também sentiu. Eu vi nos olhos dela quando ela se afastou devagar, ainda segurando minha mão.
Virou minha palma pra cima.
— Posso ler? — perguntou, com a voz suave.
— Ler o quê? — perguntei, meio sem graça.
Samuel riu, cruzando os braços.
— Lá vem ela com as maluquices místicas.
— Maluquices não — ela corrigiu, sem tirar os olhos da minha mão. — Eu sinto as coisas.
O polegar dela desceu devagar pelas linhas da minha palma, como se estivesse percorrendo caminhos escritos muito antes de eu nascer.
O olhar dela ficou sério.
— Você carrega ciclos antigos, Yuri… — murmurou. — Coisas que se repetem e se repetem… até que alguém resolve quebrar.
Meu coração acelerou.
Eu não sabia exatamente o que aquilo significava, mas não gostei da sensação. Era como se ela estivesse falando de algo que eu deveria lembrar, algo que estava ali, escondido em algum canto da minha alma, e ela só estava apontando.
Samuel balançou a cabeça, rindo.
— Eu falei. Previsões, espíritos, essas coisas…
Mônica não riu.
Ela continuou olhando a minha mão, com um olhar que parecia ver além.
— A quebra sempre vem com dor — ela sussurrou. — Sempre vem com perda… antes de vir a paz.
Um vento forte passou no mesmo instante, levantando o cabelo dela e me arrepiando dos pés à cabeça. As pulseiras bateram umas nas outras, fazendo um som agudo que ecoou por um segundo mais longo do que deveria.
Aí, de repente, como se tivesse percebido que o clima estava pesado demais, ela sorriu.
— Vamos mudar essa energia, pelo amor de Deus — ela disse, soltando minha mão e batendo palmas como se limpasse o ar. — Lá dentro tem comida boa, música maravilhosa e gente linda!
Samuel riu e segurou minha mão, me puxando pra dentro.
— Ela é assim mesmo — disse, piscando pra mim. — Um dia fala com os espíritos, no outro dança com eles.
— Só se forem espíritos de gin! — Mônica brincou, já virando pra outro convidado.
Mas eu…
Eu fiquei com as palavras dela grudadas na pele.
“Ciclos antigos.”
“A quebra sempre vem com dor.”
“Algo vai se repetir.”
Eu tentei ignorar.
Mas era impossível.
Algo nela mexeu comigo.
Algo que eu não sabia explicar, mas que me deixou… inquieto.
E mal sabia eu que ela ainda estava sendo gentil.
Porque o pior da noite ainda nem tinha começado.
Eu tentei ignorar aquele incômodo que crescia no fundo da garganta, como se alguma coisa estivesse prestes a acontecer e meu corpo soubesse antes da minha mente. Em vez de dar atenção a isso, aproximei o rosto do Samuel e beijei o canto da boca dele. Ele sorriu — aquele sorriso torto, bonito, que me desarmava sempre e me trazia uma sensação de segurança que eu raramente admitia precisar.
— Tá tudo bem? — ele perguntou, a voz baixa, mas firme.
— Tá — respondi sem hesitar, mesmo sabendo que não estava exatamente. — Só… pensando.
— Então pensa depois — ele sussurrou, aproximando os lábios do meu pescoço. O calor da respiração dele roçou minha pele como se marcasse um ponto exato. — Hoje é pra viver.
E eu tentei viver.
Tentei de verdade.
Mas, quando virei o rosto em direção ao quintal, vi Mônica outra vez. Ela estava parada, imóvel, quase como se o mundo inteiro estivesse em movimento menos ela. Observava a festa, claro, mas o olhar… o olhar era totalmente para mim. Não para o Samuel, não para o ambiente, mas para mim. Um olhar profundo, sério, carregado de uma estranheza difícil de traduzir.
Por um segundo, eu juro que vi algo mudar nos olhos dela. Como se ali, no meio daquela bagunça luminosa, ela tivesse reconhecido alguma coisa que eu nem sabia que carregava. Ou como se lembrasse de mim… de outra versão minha.
A música ficou mais alta. O vento soprou uma rajada curta, gelada, e o arrepio percorreu minha espinha como um aviso silencioso.
Havia algo ali, algo começando. Algo que eu não sabia nomear.
Mas a festa… a festa parecia determinada a abafar qualquer sinal de presságio. A noite estava vibrante, pulsante, quente. Já tínhamos dançado tanto que minhas pernas estavam levemente dormentes; já tínhamos bebido o suficiente para tornar tudo mais engraçado; já tínhamos rido até a barriga doer. Cada luz colorida refletia no copo que eu segurava como se anunciasse, de forma exagerada, que nada podia dar errado.
Mônica estava radiante. Ela ria com aquela espontaneidade contagiante que fazia qualquer um ficar mais leve. Lari, amiga deles dançava, com o cabelo balançando no ritmo da música, e Davi, amigo de longa dato de Samuel, ah, o Davi já estava naquele nível de bebida em que qualquer coisa se torna absolutamente hilária.
— Gente, eu juro por Deus — ele dizia entre gargalhadas descontroladas — que a Mônica é a única pessoa que consegue transformar uma festa espiritual num show da Anitta!
A gente riu.
Até ela riu.
— Amor, a espiritualidade é alegria também! — disse Mônica, rodopiando com o copo na mão com uma energia que parecia quase sobrenatural. — Se a gente não dançar nessa vida, vai reencarnar pra dançar na próxima!
Samuel gargalhou, passou o braço pelos meus ombros e me puxou mais pro lado dele. Eu ri também, porque naquele momento eu realmente estava leve. Estava feliz. Pela primeira vez em muito tempo, eu sentia como se meu corpo estivesse no lugar certo, com a pessoa certa.
Mas a leveza tem o péssimo hábito de avisar antes de ir embora. E ela começou a sumir quando o riso do Davi simplesmente morreu.
Ele olhou na direção da porta, sobrancelhas franzidas, a expressão mudando com uma rapidez estranha.
— Puta que pariu… — ele disse baixinho, quase engolindo as palavras.
A Lari acompanhou o olhar dele e fez uma careta imediata, passando a mão pela testa como quem previa dor de cabeça.
— Ai, não… começou.
Eu pisquei algumas vezes, tentando entender a mudança repentina de clima.
— Que foi? — perguntei, olhando de um pro outro.
Samuel virou o rosto para a porta, e eu nunca tinha visto o sorriso dele desaparecer tão rápido. Foi quase automático. Como se um botão tivesse sido desligado. O copo que ele segurava ficou suspenso no ar por um instante, e o maxilar dele travou de um jeito que me fez engolir seco antes mesmo de saber o porquê.
E então eu vi.
Um garoto acabava de entrar.
E não era qualquer garoto.
Era o tipo de presença que muda a temperatura de um cômodo. Bonito de um jeito incômodo, com uma confiança tão natural que irritava. Alto, cabelo escuro e bagunçado daquele jeito estudado, ombros largos, uma postura que dizia mais do que qualquer fala poderia dizer.
Ele cumprimentava algumas pessoas, sorrindo como quem sabe exatamente o efeito que causa. Mas o olhar… o olhar procurava alguém. Procurava com intenção.
E, quando encontrou, eu senti.
Como se aquilo tivesse sido um tiro silencioso.
— Você chamou ele, Mônica? — Samuel perguntou num tom baixo, quase sem vida.
— Eu chamei todo mundo, ué… — ela respondeu, desconcertada. — Não achei que ele fosse vir.
Cada passo do garoto parecia ter um peso próprio. Como se um pequeno campo magnético estivesse se formando ao redor dele. E, quando ele chegou perto do nosso grupo, levantou a taça num gesto ensaiado demais.
— Boa noite, galera. Festa bonita, hein?
Ninguém respondeu na hora.
Ninguém mesmo.
Ele sorriu com um certo gosto, como se estivesse acostumado a causar desconforto. Então virou o rosto e olhou diretamente para Samuel.
— E aí, tudo bem com você? Tá bonito, como sempre.
O jeito que ele disse aquilo não era inocente. Não era educado.
Era uma memória jogada no ar.
Uma provocação travestida de gentileza.
Olhei para o Samuel, e ele desviou o olhar imediatamente, engolindo em seco. Eu senti um frio na barriga, mas não era exatamente ciúme, era uma sensação de alerta, algo que meu corpo reconheceu antes que eu tivesse tempo de pensar racionalmente.
— Eu não tô entendendo — falei, tentando manter meu tom neutro. — Quem é ele?
Pela primeira vez, o garoto olhou para mim.
E o olhar dele tinha algo que me incomodou de imediato, coragem demais, confiança demais, interesse demais. Ele estendeu a mão com um sorriso de canto que parecia treinado.
— Prazer — disse, com uma calma orgulhosa. — Eu sou o Eduardo. Ex-namorado dele.
Fez uma pausa sutil.
Uma pausa que parecia proposital.
— E você é… quem?
A música continuava tocando, mas parecia distante, abafada. O ar ficou mais pesado, como se o quintal inteiro tivesse parado por uns segundos.
Eu fiquei olhando pra ele tentando entender se eu tinha ouvido direito.
“Ex-namorado dele.”
A palavra ecoou por dentro de mim… e, ao mesmo tempo, algo mais ecoou também. Um estranhamento. Um reconhecimento. Como se o nome dele tocasse em algum lugar adormecido dentro de mim.
Mas o que realmente me fez reagir foi o jeito que ele disse.
A intenção.
O deboche.
A provocação que ele parecia saborear.
Eu segurei a mão dele. Apertando firme.
— Prazer — respondi sem desviar o olhar. — Eu sou o atual.
O sorriso dele diminuiu um pouco. Não muito. Mas o suficiente.
E eu vi ali a primeira rachadura.
Aproveitei.
— E, olha… — continuei — eu discordo de você. Ele não tá “muito bonito hoje”, não. Ele é bonito pra caralho todo dia.
Davi quase engasgou tentando disfarçar um riso. Lari soltou um “meu Deus”, e Mônica só ergueu a sobrancelha como quem assistia a um evento extraordinário.
Eduardo arqueou uma sobrancelha.
— Nossa… direto assim? Ele tá te treinando bem, hein? Eu sempre gostei de gente com personalidade.
Eu sorri. Um sorriso que não tocou meus olhos.
— Personalidade é o que sobra aqui. Só falta bom senso pra quem não sabe a hora de aparecer.
Lari riu baixinho.
Mônica levou a mão à boca para esconder uma expressão de choque divertido.
— Tá me chamando de inconveniente? — ele rebateu.
— Não — respondi, mantendo o tom leve. — Tô dizendo que você é corajoso. A maioria das pessoas não teria a audácia de vir se apresentar pro ex na frente do atual fingindo simpatia. Parabéns pela ousadia. Mas acho que você deveria ter pensado umas duas vezes antes.
O silêncio veio rápido.
E delicioso.
Eduardo abriu a boca pra tentar responder, mas não encontrou nada. Apenas mordeu o lábio, desconfortável pela primeira vez desde que entrou.
E foi aí que senti a mão do Samuel envolver minha cintura. Firme. Quente. Possessiva.
Ele me puxou mais pra perto, o corpo dele encostando no meu.
— Vem — murmurou no meu ouvido, com aquela voz grave que sempre me desmontava por dentro. — Vamos pegar alguma coisa pra comer.
Dei o último sorriso pra Eduardo.
Calmo.
Vitorioso.
— Foi um prazer te conhecer. De verdade.
E deixei ele ali, parado, segurando o copo e o próprio orgulho despedaçado no chão.
Samuel me conduziu para longe, a mão firme na minha cintura, como se quisesse deixar claro pra qualquer um, e principalmente pra ele, quem era “o atual”.
E, enquanto ele me guiava pela festa, eu percebi que não fazia ideia do que tinha acontecido comigo.
Eu nunca tinha sido assim.
Nunca tinha discutido por ninguém.
Nunca tinha defendido ninguém daquele jeito.
Mas havia algo naquele garoto. Algo estranho, incômodo.
Algo que mexeu comigo sem permissão.
Samuel se inclinou, o rosto perto do meu ouvido, e sussurrou, num tom que arrepiou até a base da minha coluna:
— Você não tem ideia do quanto eu fiquei excitado te vendo falar daquele jeito.
A voz dele era grave.
Arranhada.
Intencional.
— A vontade que eu tenho agora — ele continuou — é te levar pra dentro daquele banheiro e fazer você esquecer até seu nome.
O arrepio veio instantaneamente.
Meu corpo reagiu antes que eu tivesse tempo de fingir qualquer autocontrole.
Ele percebeu.
É claro que percebeu.
Samuel aproximou a boca ainda mais.
O calor da respiração dele subiu pelo meu pescoço, e quando os lábios roçaram de leve minha pele, meu corpo inteiro respondeu com um tremor involuntário.
A música ficou distante.
As vozes ficaram vagas.
Tudo ficou embaçado, exceto ele.
Os dedos dele na minha cintura, se movendo devagar, como quem desenha um caminho que só eu poderia sentir.
— Samuel… — murmurei, sem saber se era um pedido pra parar ou pra continuar.
Ele sorriu de canto, os olhos brilhando de um jeito perigoso.
— Calma, docinho… — disse, com aquela confiança insolente. — Ainda tem muita noite pela frente.
E então ele me soltou, indo até a mesa buscar algo, como se nada tivesse acontecido.
Mas eu fiquei ali, parado, com o coração disparado, a pele quente e o gosto do perigo na boca.
Um perigo que, por algum motivo estranho, parecia exatamente o tipo de coisa da qual eu estava começando a gostar.