Consequências de uma traição - 2
Acabei de perceber que estava te contando sobre meu segundo pesadelo. E o primeiro, né? Quer dizer, você provavelmente estava pensando: "Afinal, o que diabos ela fez com esse cara?"
Então... acho que preciso contar sobre meu primeiro pesadelo. Não que isso vá ser divertido.
Há uma história em um livro famoso sobre um cara rico que foi perguntado como tinha falido. A resposta dele foi: "gradualmente, e depois de repente". Foi exatamente assim que aconteceu meu primeiro pesadelo — só que eu não sabia muito sobre a parte do "gradualmente". A maior parte estava acontecendo pelas minhas costas.
Eu tive algumas namoradas antes de conhecer a Jane, mas ela superou todas elas. Ela é linda, com um corpo magnífico, uma bunda lindíssima, seios médios bicudos que eu simplesmente adorava, uma bucetinha gordinha que parecia de um bebê.
Ela era engraçada, atenciosa, carinhosa, honesta (pelo menos era o que eu pensava!) e apaixonada por mim. Apaixonada por mim? Ao menos era o que parecia.
Eu me senti como se tivesse ganhado na loteria. Quer dizer, essa era o tipo de garota que "deveria estar com o Cristiano Ronaldo", não o tipo de garota que se apaixonaria por um engenheiro elétrico de 24 anos com aparência comum.
Namoramos por quase dois anos antes de eu finalmente criar coragem para pedi-la em casamento. Mesmo assim, mesmo depois de termos dormido juntos por mais de um ano, passando quase todas as noites juntos na casa dela ou na minha, eu morria de medo de que ela dissesse não. Mas ela não disse: deu um gritinho de alegria, pegou o anel, colocou no dedo e me deu um beijo estalado e um abraço apertado no meio do restaurante. As pessoas até aplaudiram!
Fizemos todo aquele ritual de casamento na igreja, vestido de noiva branco, jogar o buquê, lua de mel em Punta Cana, e depois nos instalamos numa casinha aconchegante de três quartos e vivemos felizes para sempre. Bem, esqueçam o "para sempre" — talvez seja melhor substituir por "uns quatro anos".
Não era perfeito, não me interpretem mal. Uma coisa era certa: Jane gostava de festas, gostava de dançar, em geral gostava de sair e aproveitar a vida muito mais do que eu. Uma noite na balada a cada duas semanas era suficiente para mim, enquanto para ela era preferível ir algumas vezes por semana.
Mas chegamos a um acordo: às vezes eu topava e íamos a algumas baladas, geralmente com algumas amigas dela; outras vezes ela topava e ficávamos vendo um filme e em casa. O melhor de tudo era que os dois tipos de noite terminavam com a gente fazendo amor. Fazer amor com ela era incrível: às vezes carinhoso e delicado, às vezes enérgico e intenso. Eu nunca tinha estado com uma mulher que se entregasse a mim tão completamente, que se sentisse tão aberta e totalmente presente no momento. Agente fazia de tudo na cama, ela não tinha frescura, fazia um boquete que drenava até minha alma, anal não era problema, ela quicava no picolé até o talo. Parecia profissional.
Nosso outro problema é que eu não conseguia parar de pensar que ela era boa demais para mim. Como é que eu fui parar nesse filme?, eu pensava. Um cara como eu não consegue uma garota como ela na vida real — Kevin James só casa com Angelina Jolie em alguma comédia romântica boba. Não que eu me pareça com ele, mas você entendeu.
Mas ela me amava, e demonstrava isso o tempo todo, e aos poucos minhas preocupações foram se dissipando. Como diz o ditado, “a quem o demônio quer perturbar, primeiro alivia suas preocupações”. Ou, se isso não é um ditado, deveria ser.
O "gradualmente" começou cerca de quatro meses antes do "repentino". Claro, eu não sabia de nada na época. Na verdade, a maior parte do que vou contar é algo que descobri depois. Enquanto acontecia, eu estava quase completamente alheio, como o clichê do marido distraído.
Quando saíamos para boates, Jane quase sempre dançava com outros caras. Às vezes eu dançava com outras mulheres, mas na maioria das vezes eu ficava feliz em tomar umas cervejas e observá-la, eu não era tão fã de dança quanto ela. Jane era tão linda e tão sensual na pista de dança que sempre havia caras querendo dançar com ela.
Certa noite, um cara muito bonito dançou com ela umas três ou quatro vezes, mas eu jamais teria pensado em nada demais, não fosse o que aconteceu depois. O resto da noite foi completamente normal, incluindo Jane dançando agarradinha comigo algumas vezes e se aconchegando em mim, o mais perto que conseguia. Fomos para casa e tivemos uma noite de sexo fantástica, como costumávamos fazer depois de noitadas.
Pois bem, acontece que esse cara, Alec, e o nome por si só já não diz tudo sobre o quão babaca ele é? A maioria dos caras chamados Alexandre são chamados de Alex, ou quase. Mas não esse idiota, ele precisa ser "Alec", como quem diz "Sou tão especial que os apelidos comuns não servem para mim".
Então, esse cara, Alec, acha a Jane muito gostosa (e ela é mesmo) e não se importa nem um pouco que ela seja casada. Por isso, ele descobre com uma amiga dela o telefone dela e onde ela trabalha. E aí ele decide levá-la para a cama.
O cara era ator, nada demais, mas já tinha participado de uma mininovela, eu acho; ele tinha feito alguns comerciais de TV e algumas peças de teatro e tinha uma agenda bem flexível. Então, ele foi até o prédio onde a Jane trabalhava, descobriu onde as pessoas que trabalhavam lá costumavam almoçar, ficou de olho na Jane e conseguiu "encontrá-la por acaso" cerca de uma semana depois de ter dançado com ela na boate.
Ele se fez de desentendido. "Ah, oi, tudo bem? Que surpresa agradável! Lembra que sou o Alec? Dançamos juntos semana passada?", etc. Então, Jane o convidou para se sentar com ela e as amigas, e ele inventou uma desculpa esfarrapada para justificar o fato de almoçar frequentemente naquele bairro.
Foi assim que tudo começou, e tenho certeza de que você consegue imaginar o resto. A única questão real é o quão fácil ou difícil foi para ele conquistá-la, e eu não sei a resposta para essa pergunta. Se foi difícil, se ela começou tudo isso enquanto ainda tentava ser uma esposa fiel, então tenho certeza de que ele foi bem devagar e com muita cautela: coincidências ocasionais, depois um convite casual para almoçar, depois outro depois de algumas semanas, e assim por diante.
Se fosse fácil, se Jane desse a impressão de estar disponível, e quem sabe a essa altura. Eu certamente não sei, então ele provavelmente agiria mais rápido, sugerindo um almoço em um local público, depois provavelmente em algum lugar mais reservado, talvez um almoço em um restaurante de hotel (com quartos convenientes logo no andar de cima).
De qualquer forma, ele a levou para a cama. Foram três semanas ou dez semanas? Não faço ideia, mas o resultado foi o mesmo. Mas aposto que o que aconteceu em seguida foi uma surpresa para Alec: Jane se apaixonou por ele. Eu penso que sim. Quem diabos sabe o que se passa na cabeça dela? Eu mesmo já pensei que sabia...
De qualquer forma, não tenho dúvidas de que Alec só estava pensando em transar com uma mulher extremamente atraente que conheceu em uma boate e como Jane é uma delícia na cama, não é de se admirar que uma vez não tenha sido suficiente e que ele tenha continuado a vê-la.
Mas para Jane, tornou-se algo como almas gêmeas, amor à primeira vista, predestinação ao amor, beijos ao luar. Na verdade, provavelmente já era assim para ela antes mesmo de ir para a cama com ele pela primeira vez. Não vejo Jane como o tipo de pessoa que teria um caso sem compromisso só porque o cara a excitou e ela estava com vontade de experimentar um pênis desconhecido. Embora eu imagine que os últimos meses me mostraram o quão pouco eu conhecia minha própria esposa.
Enfim, dizem que para as mulheres raramente é a atração sexual por si só que as leva a trair. E eu suspeito que Jane realmente caiu na lábia dele e decidiu que o amava de verdade antes de deixar que ele tirasse sua calcinha.
Então a coisa ficou séria, emocional, e Jane se envolveu muito. Não sei o que Alec realmente dizia para ela. Não faço ideia se ele também achava que a amava; mas, de qualquer forma, ele não a afastou nem a fez desistir. Ela começou a vê-lo com mais frequência, marcando almoços demorados ou "consultas médicas" durante o expediente para que pudessem "conversar à vontade."
Só que para ela não era só sexo casual, era comunhão sexual com o amor da vida dela (me desculpem enquanto eu vomito). E eles deviam estar fazendo planos juntos: quando ela ia me contar, quando ia morar com ele, todos os detalhes financeiros, tudo.
Essa foi a parte do "gradualmente". Eu não sabia de nada, e mesmo olhando para trás, há muito pouco que eu poderia ter percebido. Jane era doce e carinhosa em casa, ainda saíamos quase tanto quanto antes (ela se certificava de que Alec ficasse longe dela durante nossas saídas noturnas), e ainda fazíamos amor mais ou menos como sempre.
Certa noite, cheguei em casa na hora do jantar e Jane estava chorando; dava para ver em seu rosto. Claro que fiquei preocupado, perguntei o que havia acontecido, tentei consolá-la. Tudo o que ela me disse foi que uma amiga do trabalho estava muito doente, ela foi meio vaga sobre o assunto, e eu não insisti. Só depois que o mundo desabou sobre mim é que voltei a pensar nisso. Provavelmente, Jane já vinha planejando o que ia fazer e se sentia culpada pelo impacto que isso teria sobre mim. Pelo menos, gosto de pensar que ela se sentiu um POUQUINHO culpada.
Então, esse foi o "gradualmente", você ainda está me acompanhando? O "de repente" aconteceu da maneira típica, na maior parte. Eu tinha um treinamento de dois dias em Sorocaba, que fica a quase quatro horas daqui, então planejei passar a noite lá.
E então a sessão das 18h às 21h do primeiro dia foi cancelada por problemas estruturais do recinto, e como eu só voltaria para casa às 10h da manhã seguinte, decidi surpreender a Jane e dirigir até em casa para passar a noite. É muita estrada, mas eu realmente amo minha esposa.
Comprei umas flores lindas em Sorocaba e peguei a estrada por volta das 6h30, chegando em casa às 10h15. Tinha um carro estacionado na frente, mas é comum estacionar na nossa rua e nem me preocupei.
Você já deve imaginar o que vai acontecer, né? Nossa, detesto estar no meio de uma história tão sem graça. Mas não teria doído nem um pouco menos, se ela fosse original.
Novamente, a maior parte do que estou lhe contando são coisas que me lembrei mais tarde, quando revisei tudo repetidamente, obsessivamente, sem conseguir tirar da cabeça e me lembrei de todo tipo de detalhe que, na época, estava perturbado demais para perceber.
Entrei na casa e subi as escadas direto para o nosso quarto. A porta estava escancarada, e quando dei dois passos para dentro, parei abruptamente.
O quarto estava suavemente iluminado por algumas velas nas mesas de cabeceira. Lá, na nossa cama, estavam Alec e Jane, cochilando, nus. Ele estava encostado em alguns travesseiros do meu lado da cama, e ela estava deitada com a cabeça no peito dele e o braço em volta dele. Ela tinha uma perna dobrada sobre as dele e sua bunda virada para a porta me dando a visão de sua vagina vermelha e inchada, ainda escorrendo porra pelas bordas, eles nem usavam preservativo. O que me fez ter mais nojo.
O quarto cheirava a velas e sexo, e eles obviamente tinham transado muito. Nunca descobri se estavam entre uma rodada e outra ou se já tinham terminado, mas não importa muito, né?
Não consigo pensar rápido em situações como essa. Tenho tendência a congelar, ou a agir devagar e com cautela, em vez de perder a cabeça. A loucura vem depois. Então, para minha eterna vergonha, não o arrastei da cama e não lhe dei um chute nas bolas. Nem sequer gritei.
Deixei cair as flores e disse, em voz baixa e atônita: "Que diabos é isso?".
Bem, os olhos deles se arregalaram e eles me olharam, assustados. Quanto ao que aconteceu depois daquele primeiro momento, eu já repassei isso inúmeras vezes, revi o filme na minha cabeça um milhão de vezes. O rosto de Alec esboçou um sorriso presunçoso, um olhar de "aqui está o marido traído, coitado". Mas eu não estava olhando para ele, eu estava olhando para Jane.
E depois daquele primeiro momento de choque, quando ela agarrou o lençol e o puxou para cobrir os seios de mim, de marido dela! O que vi em seu rosto foi um olhar suave e compreensivo. Quase de pena.
Ela disse: "Nicolas! Eu... eu não queria que fosse assim."
Repare no que ela não disse! Nem "Sinto muito", nem "Isso não significa nada", nem "Ele não significa nada", nem "Por favor, me perdoe", nem "Eu te amo", nem "Foi só sexo."
Não, ela só me disse essa frase, parecendo tão calma e nada arrependida. E então, sem nenhum sinal de medo ou constrangimento, ela se virou para o idiota e disse: "É melhor você ir, querido. A gente se fala amanhã." E sorriu para ele. Ela simplesmente SORRIU para ele!
E Alec, aquele filho da puta, sai da cama, ainda com aquele sorrisinho debochado, pega suas roupas e sai calmamente do quarto, descendo as escadas!
O que estou fazendo? Ainda estou parado no meio do quarto, congelado, em choque, imóvel, como o Coiote quando corre para a borda de um penhasco e ainda não percebeu que está a 150 metros de altura e prestes a despencar no fundo do cânion.
Nem eu nem Jane nos mexemos até ouvirmos a porta da frente abrir e fechar. Então ela disse, ainda calma e compreensiva: "Precisamos conversar, querido. Deixa eu tomar um banho rápido e a gente conversa lá embaixo, tá bom?"
E ela saiu da cama, puxando o lençol para se cobrir. POR QUÊ? Porque eu não deveria mais vê-la nua, depois de quatro anos de casamento? Porque ela não queria que eu visse o corpo que o Alec teve a sorte de foder? Porque ele tinha deixado esperma por todo o corpo dela? Não faço a mínima ideia. E saiu direto do quarto para o banheiro, fechando a porta atrás de si. Em um instante, ouvi o chuveiro ligado.
Havia várias coisas que eu poderia ter feito naquela hora, e talvez você ache que eu fui um completo idiota por não ter feito nenhuma delas. Eu poderia ter entrado no chuveiro e espancado ela até a morte; ou jogado todas as roupas dela pela janela do quarto; ou incendiado a casa com ela dentro. Ou eu poderia ter entrado no meu carro e dirigido de volta para Sorocaba; ou simplesmente ido a um bar, ou à casa do Davi, e me embebedado até não aguentar mais.
Mas naquele momento, a única opção que me passou pela cabeça foi voltar dirigindo para Sorocaba. E percebi que, se fizesse isso, não veria Jane novamente por mais 24 horas. Por mais atordoado e perplexo que estivesse, eu precisava saber o que diabos estava acontecendo.
Quer dizer, eu SABIA o que diabos estava acontecendo, aquele idiota galã de cinema estava transando com a minha esposa, na minha cama! Mas eu precisava saber o que isso significava, sim, eu sei, mas além do óbvio, eu precisava saber o resto. Por quanto tempo? Por quê? Quem mais? O que vem depois?
Eu ainda não estava com raiva. Simplesmente não tinha assimilado o impacto. Naquele dia, aprendi que é realmente possível ver algo com os próprios olhos e ainda assim não acreditar. Pelo menos não de imediato.
Então desci as escadas, sentei-me à mesa da cozinha e fiquei olhando para a parede, sem pensar em nada. Por vinte minutos. Acho que não tive um único pensamento coerente, até que Jane entrou na sala, linda, recém-saída do banho, envolta num roupão amarelo de tecido felpudo, com os cabelos molhados, perfumados e brilhantes.
Se eu não estivesse ainda tão chocado, teria começado a chorar, gritar e talvez até atirar coisas. Em vez disso, sentamos e tivemos a conversa mais surreal da minha vida.
—Nicolas, sinto muito que você tenha visto isso. Eu não esperava que você chegasse em casa antes de amanhã, meu bem... o que aconteceu?
—Isso importa mesmo? Cancelaram a sessão de hoje à noite e eu queria te fazer uma surpresa. Que surpresa agradável! - Apontei para as flores que eu havia trazido para ela, que jaziam tristemente sobre a bancada da cozinha.
Ela olhou para baixo por um instante e depois voltou a me encarar.
—Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer. Ia conversar com você sobre isso amanhã à noite, quando você voltasse da viagem.
—Falar sobre o quê? Sobre o fato de você estar tendo um caso agora, e querer me manter informado? Isso é muito atencioso da sua parte, Jane.
Ela fez uma careta e balançou a cabeça.
—Não, Nicolas, não é assim. Não tem nada a ver com isso.
Ela olhou para mim atentamente e até estendeu a mão por cima da mesa para pegar a minha. Ela PEGOU A MINHA MÃO! Até hoje não consigo acreditar como eu estava passivo.
—Nicolas, eu nunca esperei que algo assim acontecesse, você tem que acreditar em mim. Eu e o Alec estamos apaixonados. Muito apaixonados. E ele é o homem com quem quero passar o resto da minha vida. Me desculpe.
—O quê? - Olhei para ela, sem entender. —Você está apaixonada por outra pessoa? Do que diabos você está falando?
—Eu não queria que isso acontecesse. Juro por Deus! Mas ele é tudo o que eu sempre quis em um homem. - Ela deve ter percebido o choque e a angústia no meu rosto e apressou o passo.
—Ah, querido, não leve a mal! Você tem sido tão incrível para mim, tão constante, leal e amoroso. Mas nossa vida juntos é... bem, é normal. É sólida, agradável e confiável.
Mas com o Alec, é... é mágico! Ele é emocionante, selvagem e imprevisível. Cada momento parece uma montanha-russa. Nunca me senti assim na minha vida.
Nicolas, eu preciso estar com ele. Sinto muito. Eu ia te contar sobre isso amanhã à noite e me mudar no sábado. Acho que vou adiantar as coisas.
—Jane, eu... Jesus Cristo, não acredito nisso! Como isso aconteceu? Há quanto tempo esse idiota está te comendo?
—Nicolas, não é assim! - Ela falou com rispidez, mas logo relaxou novamente.
—Nos conhecemos naquela noite que dançamos, há uns quatro meses. Dançamos algumas vezes, nada mais. Depois, nos encontramos por acaso no almoço algumas vezes e... começamos a almoçar juntos depois disso.
E foi inacreditável. Temos tanta coisa em comum! É como se estivéssemos destinados a ficar juntos, desde o nascimento. Só não tínhamos nos encontrado ainda.
Eu a encarei, tentando desesperadamente organizar meus pensamentos. Eu devia ter um QI de uns 72 naquele momento.
—E você está me dizendo... você está dizendo que vai me deixar por ele?
Ela assentiu com a cabeça, ainda segurando minha mão.
—Sim, meu bem. Me desculpe. Eu nunca quis te magoar.
Então o rosto dela voltou a exibir aquela expressão de pura satisfação, dá vontade de dar um tapa na cara dela toda vez que penso nisso, e ela disse:
—Mas é algo que tem que acontecer, entre o Alec e eu. Eu preciso ficar com ele!
Depois disso, ficamos sentados em silêncio por um tempo. Ela provavelmente estava me observando, com compaixão, pensando "coitadinho, eu sei que o magoei"; e eu estava em uma espécie de coma. O que tinha acabado de acontecer comigo era tão além de qualquer possibilidade improvável que eu já tivesse concebido, mesmo em um sonho, que me deixou entorpecido e estúpido.
Finalmente eu disse:
—E os votos que fizemos? Sabe, 'amar, honrar e respeitar', 'renunciar a todos os outros', essas coisas? Você estava só brincando? Era só faz de conta pra você?
Seu rosto assumiu uma expressão de dor, mas paciência, como a de uma mãe conversando com uma criança pequena e difícil.
—Nicolas, eu falei sério em cada palavra, você sabe disso! Eu pensei que ficaríamos juntos a vida toda. Isso é... bem, é um choque tanto para mim quanto deve ser para você. Eu não planejei, eu não queria, simplesmente aconteceu.
E se isso fizer alguma diferença, eu sinto muito, muito mesmo. De verdade. Eu sei que isso é muito injusto com você.
Mais silêncio. Eu ainda me sentia entorpecido, como se não estivesse vendo ou ouvindo direito, como se minha cabeça estivesse cheia de algodão.
Após alguns minutos, levantei-me de repente e peguei um copo d'água. Ainda de frente para a pia, sem olhar para ela, disse:
—Vou voltar para Sorocaba. Quero que você e suas coisas não estejam mais aqui quando eu voltar amanhã.
De repente, fiquei desesperado, até frenético, para sair de casa, para ficar longe da vista dela. Acho que percebi que estava prestes a perder a cabeça. Ouvi vagamente ela dizer: “Tudo bem, querido", enquanto eu saía correndo pela porta sem olhar para trás.
Continua.