Renato, 35 anos, arrastava sua existência num prédio caindo aos pedaços no centro da cidade. O lugar era uma carcaça viva: azulejos desbotados e rachados como feridas abertas, corrimão grudento de sujeira acumulada, e o fedor de mijo de gato que subia pelas escadas, misturado ao calor úmido que fazia a roupa colar na pele. O portão da entrada, empenado e frouxo, nunca trancava direito, balançando com o vento como um convite ao caos. A vida de Renato era tão sem graça quanto as paredes amareladas do prédio. Acordava às 6h45, engolia um café preto sem açúcar que queimava a garganta, trabalhava remotamente como técnico de informática, os olhos vidrados num monitor que piscava com erros de código. À noite, aliviava a tensão com uma punheta mecânica, o laptop equilibrado na barriga, o som abafado de pornô barato saindo pelos fones. No supermercado, comprava o básico — pão, leite, macarrão — com fones enfiados nos ouvidos, bloqueando o mundo com uma playlist de rock dos anos 90. Ele não vivia. Sobrevivia.
Tudo mudou numa terça à noite, quando o calor pegajoso do verão o obrigou a subir até o varal comunitário no último andar. O ar lá em cima era denso, misturando cheiros de amaciante vagabundo, concreto quente e algo mais... vivo. Renato foi buscar uma camiseta esquecida, mas seus olhos foram atraídos por algo que não pertencia àquele cenário de miséria: uma calcinha preta minúscula, pendurada entre panos de chão encardidos e cuecas furadas de algum inquilino qualquer. Não era da Dona Carmem, a velha do 302, cujas calçolas bege do tamanho de uma fronha pareciam relicários de outra era. Não era da diarista, que só lavava lençóis puídos. Era nova. Delicada. Úmida. Não lavada. Suada. Ele se aproximou, o coração disparando, os dedos hesitantes tocando o tecido ainda quente. Ele a levou ao rosto, os olhos semicerrados, e inalou. O cheiro não era de perfume ou sabonete floral. Era um odor fresco de boceta nova, cru, com um toque salgado que fez seu pau pulsar contra a calça. Sem pensar duas vezes, ele a enfiou no bolso, o volume do tecido contra a coxa era como um segredo que ardia.
No dia seguinte, ele a viu. A nova moradora do 304. Ela descia as escadas com passos leves, quase felinos, os fones de ouvido pendurados no pescoço como um colar. Era magra, a pele branca demais, quase albina, marcada por tatuagens — um coração malfeito na coxa, uma cobra subindo pelo braço, traços de quem aprendeu a tatuar na marra. O cabelo preto, curto e bagunçado, franjinhas grudadas na testa suada. Vestia um shortinho de lycra cinza, tão justo que mal cobria a polpa da bunda, as pernas longas brilhando com uma camada fina de suor captada pela luz fraca do corredor. Seus olhos, castanhos e profundos, cruzaram com os dele por um segundo, e Renato sentiu um choque elétrico descer pela espinha. Ela não sorriu. Só passou, deixando no ar um rastro de calor e um leve cheiro de feromônio juvenil.
Renato começou a mudar. Ajustou os horários como um caçador obcecado. Passava a frequentar a lavanderia nos momentos em que ela estendia suas roupas, os olhos famintos catalogando cada peça: sutiãs de renda barata, calcinhas fio dental que ele imaginava apertando a virilha macia dela, regatas manchadas de suor que ele queria cheirar até perder o fôlego. Ele começou a ouvir. À noite, encostava o ouvido na parede fina que separava o 303 do 304. Do outro lado, gemidos abafados ecoavam, curtos e crus, tão reais que ele sentia o calor da voz dela na própria pele. Não eram gemidos de vídeo pornô, exagerados e falsos. Eram verdadeiros, entrecortados por risadas roucas e, às vezes, vozes masculinas — graves, autoritárias, dando ordens que ela parecia obedecer com um prazer quase palpável. “De quatro, agora,” uma voz dizia, e Renato imaginava o corpo dela se curvando, a pele branca brilhando de suor, os gemidos subindo de tom. Ele ouvia deitado na cama, o corpo tenso, suando, o pau duro latejando contra o tecido da cueca. Tocava-se, a mão se movendo com urgência, imaginando o rosto dela, a boca entreaberta, os olhos fechados em êxtase.
Uma noite, a vergonha o engoliu. Ele gozou chorando, o rosto afundado no travesseiro, o coração partido por uma solidão que ele nem sabia que carregava. O cheiro da calcinha roubada, agora escondida numa gaveta, o perseguia como um fantasma. Ele tentou voltar à rotina, mas o vazio do 304, que ficou silencioso por dois dias, o deixou inquieto. Na terceira noite, três batidas secas na porta o arrancaram do torpor. Ele abriu, o coração na garganta, e lá estava ela. Sem maquiagem, os lábios rachados de sol, os olhos brilhando com algo entre diversão e ameaça. Sem sutiã, os seios pequenos desenhados sob a regata fina, os mamilos endurecidos marcando o tecido como dois pontos de desejo. Ela segurava uma sacola plástica, o conteúdo amassado revelando formas indefinidas.
— Eu sei — ela disse, a voz baixa, quase um ronronar. — Quer jogar?
Renato não respondeu, mas seus olhos a devoraram, traçando cada curva, cada tatuagem que parecia implorar para ser lambida. Ela entrou sem pedir, o cheiro de pecado invadindo o apartamento como uma onda. Fechou a porta com o calcanhar, o movimento tão natural que parecia ensaiado. Jogou a sacola no sofá e se virou para ele com um sorriso torto no rosto.
— Minhas regras — ela avisou, e ele assentiu, mudo, já rendido.
Ela abriu a sacola, revelando um amontoado de roupas suadas, amarrotadas, ainda quentes do corpo dela. Uma calcinha vermelha com um rastro de corrimento, um sutiã com alças frouxas, uma regata que ele reconheceu do varal. Ela pegou cada peça e jogou na direção dele, rindo baixo enquanto ele as pegava no ar, os dedos tremendo.
— Cheire — ela ordenou, e ele obedeceu, inalando o odor acre e doce que era só dela. — Agora lamba.
Ele hesitou, mas os olhos dela, fixos nos dele, não deixavam espaço para recuo. Sua língua tocou a mancha do corrimento na calcinha, o gosto salgado explodindo na boca, e ele sentiu o corpo inteiro queimar. Ela se aproximou, tão perto que ele sentiu o calor da pele dela, o suor brilhando no pescoço, a respiração dela roçando seu rosto.
— Você ouviu tudo, não foi? — ela sussurrou, os dedos dela deslizando pelo peito dele, descendo devagar, perigosamente devagar. — Cada gemido. Cada tapa. Cada ordem.
Ele engoliu em seco, incapaz de mentir. Ela riu, um som que era metade prazer, metade ameaça. Então, se afastou, sentando no sofá com as pernas cruzadas, como uma rainha num trono improvisado.
— O jogo é assim — ela começou, a voz firme. — Você faz o que eu mando. Quando eu mando. E nunca, nunca pergunta por quê.
Renato concordou, mesmo sabendo que estava entrando num território onde não teria controle. Ela se chamava Lívia, ele descobriu, mas o nome parecia pequeno demais para a força que ela exalava. Lívia ditava as regras, e ele obedecia, cada comando dela puxando-o mais fundo num abismo de desejo e humilhação. Na primeira noite, ela o fez usar as roupas dela. Ele vestiu a calcinha vermelha, o tecido apertando seu pau duro comprimido, o cheiro dela o envolvendo como uma segunda pele. Ela riu, os olhos brilhando com um prazer cruel, e mandou ele se tocar enquanto ela assistia, sentada no sofá, as pernas abertas, a mão dela deslizando preguiçosamente por baixo do shortinho de lycra.
— Mais rápido — ela ordenou, a voz cortante. — Quero ouvir você gemer.
Ele obedeceu, a mão movendo-se com desespero, o rosto vermelho de vergonha e tesão. Quando ele gozou, o corpo tremendo, ela apenas sorriu, se levantou e saiu, deixando as roupas suadas espalhadas pelo chão como uma promessa de mais.
As noites seguintes foram uma espiral de obscenidades. Lívia aparecia sem aviso, sempre com a sacola, sempre com novas regras. Uma noite, ela trouxe um cinto de couro e amarrou as mãos dele atrás das costas, rindo enquanto o fazia lamber o suor das suas coxas, a pele quente e salgada sob a língua dele, mas não pôde avançar até o meio das pernas. Outra noite, ela o mandou se ajoelhar e chupar os dedos dos pés dela, os olhos fixos nos dele, um misto de desprezo e desejo brilhando nas pupilas.
— Você é patético — ela disse, a voz doce e venenosa. — Mas é tão gostoso te ver assim.
Renato não respondia. Não podia. Ele estava perdido no cheiro dela, no gosto dela, na maneira como ela o dominava com um olhar ou um sussurro. Às vezes, ela trazia outros. Um cara chamado Bruno, com braços tatuados e uma risada grave, apareceu numa sexta-feira. Ele riu de Renato, ajoelhado no chão, vestindo uma regata suada de Lívia, enquanto ela se esfregava de calcinha no colo de Bruno no sofá, os gemidos dela enchendo o apartamento.
— Olha pra ele — Bruno disse, a voz cheia de escárnio. — O cara tá duro só de te ouvir gemer.
Lívia riu, os olhos brilhando enquanto olhava para Renato. — Quer me tocar, Renato? — ela perguntou, a voz num tom ambíguo. — Ou prefere só olhar?
Ele não respondeu, mas seu corpo falou por ele, o pau latejando contra o tecido da calcinha que ela o obrigara a usar. Bruno riu mais alto, e Lívia se inclinou para frente, os seios quase saindo da regata, e sussurrou:
— Você é nosso brinquedo agora.
Renato percebeu, tarde demais, que o jogo nunca foi sobre ele. Era dela. Sempre foi. Cada gemido, cada peça de roupa, cada olhar foi calculado para prendê-lo, para torná-lo um peão no tabuleiro dela. Ela o manipulava com precisão, sabendo exatamente quando dar prazer e quando humilhar, quando puxá-lo para perto e quando abandoná-lo no silêncio. Ele tentou resistir uma vez. Disse que não queria mais, que estava cansado. Lívia apenas sorriu, pegou a calcinha que ele havia roubado e a balançou na frente do rosto dele.
— Você acha que pode parar? — ela perguntou, a voz baixa e perigosa. — Isso aqui diz que não.
Ela estava certa. Ele não podia parar. O cheiro dela estava na pele dele, na mente dele, no ar que ele respirava. Ele sonhava com ela, acordava duro, o corpo implorando pelo próximo comando, pela próxima humilhação. Lívia o levou a lugares que ele nunca imaginou. Uma noite, ela o fez se masturbar na escada do prédio, o risco de ser pego por um vizinho fazendo seu coração disparar. Outra noite, ela o levou ao apartamento dela, onde ele a viu ser fodida por dois caras enquanto ele ficava amarrado numa cadeira, forçado a assistir, o pau latejando de desejo e vergonha.
— Você gosta de assistir, não é? — ela perguntou, os olhos brilhando enquanto um dos caras a segurava pelos cabelos. — Gosta de ser o corno que só olha.
Ele gozou sem se tocar, o corpo traindo-o completamente, e os risos dela e dos outros ecoaram nos ouvidos dele por dias.
Os meses se passaram, e Renato se tornou uma sombra do que era. Ele mal trabalhava, mal comia. Tudo o que importava era Lívia e o jogo. Ele sabia que estava destruindo a si mesmo, mas não conseguia parar. Ela era o veneno e o antídoto, a dor e o prazer, a dona de cada pedaço dele. Uma noite, ela apareceu com um brilho diferente nos olhos, algo mais cruel, mais definitivo.
— Último jogo — ela disse, jogando a sacola no chão. — Você vai embora. Do prédio. Da cidade. De mim.
Ele piscou, atordoado. — O quê?
— Você ouviu — ela disse, a voz fria. — O jogo acabou. Você perdeu.
Ele tentou argumentar, implorar, mas ela apenas riu, o som cortando-o como uma faca. Ela saiu, e ele ficou ali, cercado pelas roupas suadas, o cheiro dela ainda no ar, mas agora vazio, sem promessa. Ele chorou, o corpo tremendo, a solidão voltando com força total.
Renato se mudou uma semana depois. Pegou um ônibus para uma cidade pequena, onde ninguém o conhecia, onde o cheiro de mijo de gato não existia. Ele tentou recomeçar, mas Lívia estava em tudo: no cheiro de suor de uma desconhecida na rua, no som de uma risada rouca, no toque de um tecido contra a pele. Ele nunca mais foi o mesmo. E, no fundo, ele sabia que nunca quis que fosse diferente.
