Capítulo 2: O Calor da Memória
A noite já engolia o Ribeirão Verde quando Julia trancou a porta do pequeno sobrado alugado na Rua das Acácias. Era uma casa modesta, de paredes descascadas e telhado baixo, perdida entre os terrenos baldios e as construções inacabadas do bairro periférico. O silêncio da rua só era quebrado pelo latido distante de um cachorro e pelo ronco ocasional de um motor na Rodovia Anhanguera, a poucos quilômetros dali. Ela jogou as botas pretas no canto da sala, o vestido vermelho rasgado pendurado no braço, o corpo ainda quente do banho que tomara para lavar o sangue e o suor de Márcio. O cheiro do sabonete barato — um floral genérico que comprara no mercado — misturava-se ao aroma metálico que ainda parecia grudar em sua pele, uma lembrança que ela não queria apagar.
Julia atravessou a sala pequena, os pés descalços sentindo o chão frio de cerâmica, e subiu a escada estreita até o quarto no andar de cima. O espaço era espartano — uma cama de solteiro com um colchão fino, um guarda-roupa de compensado com portas tortas, uma cômoda velha onde descansava um rádio portátil desligado. A janela, entreaberta, deixava entrar o ar quente da noite, carregado do cheiro de terra úmida e gasolina queimada. Ela acendeu a lâmpada nua que pendia do teto, a luz amarela lançando sombras duras sobre seu corpo nu, os cabelos loiros platinados caindo em ondas úmidas pelas costas.
Ela se deixou cair na cama, o colchão rangendo sob seu peso, e ficou ali por um momento, os olhos fixos no teto rachado. O calor do dia ainda pulsava em suas veias, mas não era só isso — era o calor de Márcio, o peso dele, o som rouco dos gemidos dele enquanto a fodia no motel, a força bruta que a esmagara contra o colchão. E depois, o calor do sangue, o êxtase da faca em suas mãos, o orgasmo que a atravessara enquanto ele morria sob ela. Julia fechou os olhos, a respiração acelerando, e sentiu o ventre contrair, um desejo selvagem crescendo como fogo entre as pernas.
Ela deslizou a mão direita pelo pescoço, os dedos longos traçando o caminho onde Márcio a agarrara, apertando até quase sufocá-la. O toque era leve, mas a memória era pesada — as mãos dele, grandes como prensas, o cheiro de suor e nicotina, o pênis grosso forçando sua boca até as lágrimas escorrerem. Julia gemeu baixo, os lábios entreabertos, e deixou a mão descer até os seios, apertando-os com força, os mamilos endurecendo sob as unhas pintadas de preto. Ela imaginou Márcio sobre ela outra vez, os quadris dele batendo contra os seus, o membro pulsante, veias grossas marcando a pele, a cabeça inchada esfregando-se dentro dela com uma violência que a fazia gritar.
"Mais forte", sussurrou ela para o vazio, a voz rouca ecoando no quarto enquanto os dedos apertavam os seios até doerem, o prazer misturando-se à dor como naquela noite. Ela abriu as pernas, as coxas bronzeadas brilhando com o suor que começava a escorrer, e levou a mão esquerda entre elas, os dedos deslizando pela carne úmida, o clitóris pulsando ao toque. Julia arqueou as costas, os cabelos espalhando-se pelo travesseiro, e começou a se esfregar, lenta no início, os movimentos circulares enviando choques quentes pelo corpo.
A memória de Márcio a engoliu. Ela via o rosto dele, a barba rala manchada de suor, os olhos pretos brilhando de arrogância enquanto a forçava a chupá-lo, o pênis enchendo sua boca até a garganta arder. "Engole, sua puta", ele rosnara, puxando os cabelos dela com força, e ela obedecera, as lágrimas escorrendo, o gosto salgado misturado ao prazer de ser humilhada. Agora, na cama, ela acelerou os dedos, o polegar pressionando o clitóris enquanto os outros dois entravam fundo, o som úmido dos movimentos enchendo o quarto. "Isso, Márcio", gemeu ela, alto, os quadris subindo para encontrar a mão, o corpo tremendo com a lembrança dele a fodendo, o peso esmagador, a força bruta que a fazia gozar.
Mas não era só Márcio. Enquanto os dedos trabalhavam, rápidos e desesperados, outra sombra rastejou em sua mente — o padrasto. Ela tinha 18 anos na primeira vez, o quarto escuro da casa em Sertãozinho cheirando a cachaça e mofo. Ele era grande como Márcio, mas mais cruel, os olhos opacos de um homem que não via limites. "Fica quieta, sua vadia", ele sussurrava, a mão cobrindo a boca dela enquanto a outra rasgava a camisola, o pênis dele, menor mas igualmente duro, forçando-a contra o colchão. Julia gritava em silêncio, o corpo pequeno se debatendo, mas ele a segurava, os dedos gordos marcando os pulsos dela, o peso esmagando-a até ela ceder.
Agora, na cama, ela não era mais a menina assustada. Ela era a caçadora. Os dedos entravam e saíam, o polegar esfregando o clitóris com uma urgência febril, e ela imaginou o padrasto sob ela, a faca em suas mãos como naquela noite em que o matara aos 19. O sangue jorrando, o grito dele virando um gorgolejo, o poder que a invadira enquanto o cortava. "Você me quebrou", sussurrou ela, os olhos abertos agora, fixos no teto, "mas eu te destruí." O prazer cresceu, misturando-se à raiva, e ela gozou com um grito selvagem, o corpo convulsionando, os quadris levantando-se da cama enquanto o orgasmo a rasgava, quente e avassalador.
Ela caiu de volta no colchão, ofegante, o suor escorrendo pelas coxas, os dedos ainda entre as pernas, molhados e trêmulos. Mas não parou. A memória de Márcio voltou, mais forte agora — o momento em que a faca entrara no peito dele, o sangue quente jorrando contra seus seios, o orgasmo que a levara enquanto ele morria. Julia gemeu novamente, os dedos voltando ao trabalho, rápidos, implacáveis, o clitóris inchado pulsando sob o toque. Ela imaginou o peso dele lutando, os músculos tensos se debatendo, e então o silêncio, o jato quente da urina marcando o corpo dele como seu. "Meu", sussurrou ela, os quadris dançando contra a mão, o segundo orgasmo vindo rápido, menos intenso mas igualmente doce, um tremor que a deixou mole na cama.
Julia ficou ali, o peito subindo e descendo, o ar quente da noite envolvendo-a como um amante. O passado e o presente dançavam em sua mente — o padrasto a humilhando, Márcio a fodendo, ela os matando. Era um ciclo, uma necessidade, um prazer que ninguém entendia. Ela sorriu, os lábios vermelhos curvando-se num arco satisfeito, e fechou os olhos, deixando o sono a levar.
A manhã chegou cedo, como sempre. O despertador do celular tocou às 5:45, um som estridente que cortou o silêncio do quarto. Julia abriu os olhos, o corpo ainda pesado do prazer da noite anterior, e rolou para o lado, desligando o aparelho com um tapa. A luz do sol nascente entrava pela janela, tingindo as paredes de um laranja suave. Ela se levantou, nua, os cabelos loiros desgrenhados caindo sobre os ombros, e caminhou até o banheiro pequeno, o chão frio sob os pés descalços.
O banho foi rápido, a água morna escorrendo pelo corpo voluptuoso, lavando o suor e as lembranças da noite. Ela se enxugou com uma toalha áspera, vestiu uma calcinha preta simples e um sutiã combinando, e pegou uma roupa do guarda-roupa — uma blusa justa de manga curta, azul-escura, que marcava os seios, e uma saia lápis preta que abraçava os quadris, mas cobria até os joelhos, discreta o suficiente para o trabalho. As botas de salto baixo, pretas e gastas, completavam o look. Nada de maquiagem além de um batom nude; Julia sabia como parecer comum, invisível.
Ela desceu para a cozinha, uma área minúscula com uma pia enferrujada e uma geladeira barulhenta. Preparou um café preto forte, o cheiro enchendo o ar, e engoliu uma fatia de pão amanhecido com margarina, mastigando sem pressa enquanto olhava pela janela. O ponto de ônibus ficava a dois quarteirões, e às 6:20 ela já estava lá, a bolsa de couro marrom pendurada no ombro, o vento quente da manhã bagunçando os cabelos. O ônibus da linha Ribeirão Verde-Centro chegou pontual às 6:28, lotado de trabalhadores de olhos cansados. Julia ficou em pé, segurando o corrimão, o corpo balançando com as curvas da Avenida Brasil, os olhos fixos no nada, sempre alerta.
O trabalho era na loja de roupas "Moda Jovem", no Calçadão da Rua General Osório, no Centro. Ela era caixa, um emprego monótono que pagava o aluguel e mantinha as aparências. Das 7:00 às 16:00, Julia sorria para clientes, passava códigos de barras no leitor, dobrava camisetas, a voz suave dizendo "Volte sempre" com uma falsidade ensaiada. Ninguém a notava além do necessário — uma loira bonita, mas comum, de gestos contidos e olhar distante. As colegas fofocavam sobre namorados e novelas, mas Julia ficava quieta, ouvindo sem se envolver, a mente sempre em outro lugar.
Às 16:10, ela pegava o ônibus de volta, o mesmo trajeto inverso pela Avenida Brasil, o calor da tarde grudando a blusa nas costas. Chegava em casa às 16:45, trancava a porta com duas voltas na chave, subia para o quarto e trocava a roupa de trabalho por um short curto e uma regata leve, o uniforme da solidão. O jantar era simples — arroz, feijão, um ovo frito —, comido em silêncio na mesa da cozinha enquanto o rádio tocava notícias locais que ela mal ouvia. Às 20:00, já estava na cama, o celular ao lado, o corpo relaxado mas os sentidos afiados, sempre pronta para o próximo passo.
Julia vivia sozinha, segura em sua rotina, uma máscara perfeita de normalidade. Ninguém sabia do covil que ela era, do prazer que a noite trazia, dos homens que caíam em suas mãos. E assim ela queria — invisível no dia, invencível na escuridão.
