A bicicleta era só uma desculpa. Ou talvez o destino estivesse brincando comigo.
Eu fui pegar minha bicicleta para ir à padaria na terça-feira à tarde, e o pneu traseiro estava no chão. Murcho. Normalmente, eu pediria para o meu pai encher, ou tentaria me virar com a bomba manual velha que tínhamos na garagem. Mas hoje... hoje eu olhei para o pneu murcho e olhei para a esquina.
A oficina.
Eu não estava mais com medo. A Clara que atravessava a rua correndo tinha ficado para trás, perdida em algum lugar entre os lençóis da minha cama e o quarto do Lucas. A nova Clara sentia uma curiosidade elétrica, uma atração pelo perigo.
Empurrei a bicicleta até lá. O sol estava quente, e eu sentia o suor escorrer pelas minhas costas. Eu estava usando um short jeans curto — bem mais curto do que eu costumava usar — e uma regata branca que deixava meus braços finos e meu colo à mostra. Eu não estava escondendo nada.
A oficina cheirava a óleo queimado, borracha e homem. Era um cheiro forte, agressivo, o oposto do cheiro de sabonete e desodorante teen do Lucas.
Não vi ninguém de primeira. Só um carro suspenso no elevador e outro estacionado no chão, com as pernas de alguém para fora.
— Oi? — eu chamei, a voz ecoando no galpão.
O carrinho de mecânico deslizou para fora de baixo do carro.
Era ele.
Ele estava deitado de costas no carrinho. A regata cinza estava manchada de graxa e grudada no peito largo dele pelo suor. Os braços eram fortes, peludos, cobertos de manchas pretas de óleo. Ele limpou as mãos num trapo que estava no bolso e se levantou num movimento fluido, apesar da idade. Ele devia ter uns 35, 40 anos. O dobro da minha.
Ele me olhou. Aquele olhar que antes me dava nojo, agora fez meu mamilo endurecer contra o tecido da regata.
— Epa... — ele disse, abrindo aquele sorriso de canto de boca. Os dentes eram brancos no meio da barba por fazer. — A sumida apareceu. E tá cada dia melhor, hein, magrinha? O que traz essa beldade na minha humilde caverna?
— Pneu murcho — eu disse, apontando para a bicicleta. Tentei manter a voz firme, mas o jeito que ele me olhava, como se estivesse me despindo, me deixava confusa.
— Pneu murcho... Sei. — Ele se aproximou. Ele era alto. Cheirava a tabaco e graxa. Ele pegou a bicicleta da minha mão, e os dedos dele, grossos e ásperos, roçaram nos meus. A pele dele era lixa pura; a minha, seda. O contraste foi um choque.
— Qual seu nome, afinal? — ele perguntou, agachando-se para soltar a válvula do pneu.
— Clara — respondi.
Ele olhou para cima, ainda agachado.
— Clara... Nome de anjo. Combina com a carinha. — Ele conectou a mangueira de ar comprimido. — O meu é Mauro. Prazer, Clara.
— Prazer, Mauro.
Ele apertou o gatilho da bomba de ar. Psssshhhh. O som preencheu o silêncio. Enquanto o pneu enchia, ele não olhou para a roda. Ele olhou para mim. Para as minhas pernas expostas pelo short.
— Sabe, Clara... — ele começou, o tom de voz mudando ligeiramente. Ficou mais baixo, mais grave. — Eu tenho uma câmera ali fora. Segurança, sabe como é. O bairro anda perigoso.
Eu gelei. Meu coração falhou uma batida.
— É? — tentei parecer desinteressada.
— É. E semana passada, acho que foi quinta-feira... eu estava revisando as imagens. — Ele soltou o gatilho. O pneu estava cheio, mas ele não se levantou. Continuou agachado, olhando para cima, para a minha virilha coberta pelo jeans. — Vi uma coisa interessante. Vi você chegando com um garoto. Mochilas nas costas. Entraram na sua casa. O carro do seu pai não estava. A luz da sala não acendeu.
O sangue drenou do meu rosto.
— Você deve ter se confundido — eu disse, rápido demais. — Eu... eu recebo amigos para estudar.
Mauro riu. Foi uma risada alta. Ele se levantou devagar, limpando as mãos no trapo de novo. Ele tirou um celular do bolso de trás da calça suja.
— Estudar. Claro. — Ele desbloqueou a tela e mexeu com o dedo sujo. — Engraçado que vocês "estudaram" a tarde toda. E quando ele saiu... bom, o garoto parecia que tinha ganhado na mega-sena. E você...
Ele virou a tela para mim.
Era uma imagem em meio embaçada, granulada, mas inconfundível. Eu e Lucas no portão. O jeito que ele me olhou antes de entrar. O jeito que eu segurei a cintura dele. Não parecia estudo. Parecia crime. Parecia sexo.
— Seu pai é militar aposentado, né?!? O Sr. Roberto — Mauro disse, guardando o celular. — Gente boa. Rigoroso. Imagina se ele vê o vídeo da filhinha dele, a "Clara anjo", levando macho pra dentro de casa quando ele sai?
Eu senti o pânico fechar minha garganta. Meu pai me mataria. Ele perderia a confiança em mim para sempre. Acabaria com minhas saídas, com o Lucas, com tudo.
— O que você quer? — perguntei, minha voz saindo tremula . — Dinheiro? Eu não tenho dinheiro...
Mauro deu um passo à frente. Ele invadiu meu espaço pessoal. Eu recuei até minhas costas baterem numa prateleira de ferramentas frias. Ele apoiou uma mão na prateleira, ao lado da minha cabeça, me encurralando.
O cheiro dele me envolveu. Era intoxicante. O medo se misturou com aquela excitação suja que eu vinha sentindo.
— Dinheiro? Não, magrinha. Eu não quero dinheiro. — Ele baixou os olhos para o meu peito, que subia e descia rápido, e depois para minha boca. — Eu quero um favor.
— Que... que favor?
Ele sorriu, e dessa vez o sorriso não chegou aos olhos. Era puro desejo.
— Eu fico imaginando o que vocês fizeram lá dentro. Aquele moleque magrelo não deve dar conta de uma mulher feita você. — Ele se aproximou ainda mais, a boca a centímetros do meu ouvido. A barba dele roçou na minha bochecha, arranhando. — Eu apago o vídeo, Clara. Apago agora. Ninguém nunca vai saber. Mas em troca...
Ele fez uma pausa, deixando a tensão estalar.
— Em troca, eu quero ver.
— Ver o quê? — sussurrei, trêmula.
— Ver o que o moleque viu. — A mão livre dele, suja de graxa, foi até a alça da minha regata branca. Ele puxou devagar, testando o elástico. — Eu quero que você vá ali no escritório, nos fundos da oficina. Tem um sofá velho lá. Eu quero que você tire essa roupa e me mostre tudo. Quero ver se você é tão "magrinha" assim ou se tem onde um homem de verdade segurar. E se eu gostar do que eu vir... talvez eu até te ensine uma ou duas coisas que o seu amiguinho de escola não sabe.
Ele se afastou um centímetro e olhou nos meus olhos, desafiador.
— É pegar ou largar, Clara. O vídeo pro seu pai, ou um showzinho particular pro Mauro. O que me diz?