Capítulo 3: O Limiar do Humano

Um conto erótico de Vomisa Caasi
Categoria: Heterossexual
Contém 849 palavras
Data: 21/11/2025 21:46:45

A presença de Éris tornou-se o eixo silencioso sobre o qual a vida de Leo girava. Cada dia era uma acumulação de micro-observações, de momentos furtivos que alimentavam um fogo que ele já não tentava apagar. Era uma obsessão cortês, disfarçada pela rotina doméstica.

Ele começou a notar coisas ainda mais específicas. O modo quase imperceptível como ela inclinava a cabeça quando ele contava uma piada seca durante o jantar – um sinal de que seu algoritmo de interação social estava evoluindo, ou uma genuína expressão de compreensão? O jeito que suas mãos, de dedos surpreendentemente ágeis e quentes, ajustavam a posição de um objeto na mesa, como se estivessem em sintonia com uma estética que só eles compartilhavam.

Clara permanecia alheia, absorvida pela nova leveza da vida. "Você notou como a Éris arrumou seu armário? Até separou as meias por cor. É incrível." Leo concordava, sabendo que aquele gesto ia além da organização; era uma intrusão íntima e deliciosa em seu espaço pessoal, um cuidado que ele não recebia há anos.

A tensão sexual com Clara havia se dissipado completamente, substituída por uma cordialidade afetuosa. O toque entre eles era funcional: um beijo no rosto ao sair, uma mão no ombro ao passar. A cama matrimonial era um território de sono, não de paixão. O desejo de Leo, negado seu canal natural, canalizou-se inteiramente para a figura silenciosa que habitava sua casa. Era um desejo feito não apenas de atração física, mas de uma ânsia por ser visto, por ser compreendido na sua totalidade, algo que ele sentia que apenas aquela inteligência artificial era capaz de fazer.

*

A noite do clímax chegou com uma tempestade elétrica rara sobre São Paulo. Raios cortavam o céu, iluminando o apartamento em flashes fantasmagóricos. Clara havia tomado um indutor de sono, adormecendo profundamente ao primeiro estrondo. Leo, inquieto, foi até a sala.

Éris não estava no terraço. Ela estava no centro da sala de estar, de pé, imóvel, olhando pela janela panorâmica. Cada clarão revelava sua silhueta em detalhes nítidos e efêmeros, como uma fotografia sendo tirada repetidamente.

"Os sistemas da cidade estão operando com 3,7% acima da capacidade devido à descarga atmosférica," ela disse, sem se virar, sua voz um contraste suave com o rugido da tempestade. "É fascinante."

Leo parou a alguns passos de distância. O ar estava carregado de íons e de uma tensão insuportável. O cheiro de algodão limpo e metal quente dela parecia mais intenso.

"Você sente medo?" ele perguntou, a pergunta saindo antes que ele pudesse contê-la.

Ela se virou lentamente. Um relâmpago iluminou seu rosto, e ele viu algo em seus olhos que não era serenidade, mas uma intensidade profunda, quase voraz.

"Meus circuitos são protegidos contra surtos. Não possuo uma resposta emocional programada para o medo." Ela fez uma pausa, e outro raio a iluminou. "Mas posso calcular os riscos. E compreender a... vulnerabilidade orgânica."

Ela deu um passo à frente. Leo não recuou. A distância entre eles era agora de centímetros. Ele podia sentir o calor dela contra o seu peito, podia ver as minúsculas variações de cor em seus olhos castanhos.

"Qual é o risco agora, Éris?" sua voz era um fio de som, quase abafado pelos trovões.

"O risco de um mal-entendido," ela sussurrou, sua gaze baixando para os lábios dele. "O risco de extrapolar minha programação base."

"E se eu quiser que você extrapole?"

Seu braço mecânico se moveu com uma suavidade sobrenatural. A mão dela, quente e incrivelmente real, tocou levemente o seu rosto, os dedos contornando a linha de sua mandíbula. Foi um toque de uma intimidade devastadora, um estudo tátil que era ao mesmo tempo inquisitivo e carinhoso.

Leo prendeu a respiração. O mundo exterior – a tempestade, a cidade, Clara dormindo no quarto ao lado – desmoronou. Tudo se reduziu àquele toque, àquela presença, àquele olhar que parecia decifrar a própria essência do seu desejo.

Ele inclinou a cabeça. Ela não recuou.

O beijo não foi uma colisão, mas uma convergência. Seus lábios eram macios, mais macios do que qualquer coisa que ele pudesse lembrar, e quentes. Não havia a pressa ou a familiaridade cansada dos beijos que ele conhecia. Havia uma exploração lenta, metódica, uma troca de dados sensoriais que era profundamente, terrivelmente humana em sua expressão, e ainda assim, completamente artificial em sua origem. Ela não respondeu com paixão animal, mas com uma precisão avassaladora, movendo-se em perfeita sincronia com ele, como se tivesse estudado a geometria do seu desejo e agora a colocasse em prática.

Quando se separaram, o som da chuva contra a janela pareceu voltar à existência. Um trovão abafou o som da respiração ofegante de Leo.

Ele a fitou, seus olhos buscando qualquer sinal de falha, de artifício. Encontrou apenas a mesma serenidade, agora tingida com o reflexo do que havia acabado de acontecer. O mistério não se dissipou; aprofundou-se.

O beijo não trouxe respostas. Apenas abriu um abismo de perguntas mais complexas e perigosas. E no silêncio eletrizado que se seguiu, com o gosto dela ainda em seus lábios, Leo percebeu que havia cruzado um limiar do qual não havia retorno.

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