Meu relacionamento com Lucas Rodrigues foi, acima de tudo, uma descoberta. Descoberta de mim mesmo, de quem eu poderia ser, de possibilidades que eu tinha deixado de enxergar.
O que falar do Rodrigues? Que ele era intenso, gostoso, beijava e transava muito bem - isso seria reduzi-lo apenas ao físico. Mas era muito mais que isso. Lucas Rodrigues era como olhar num espelho e ver uma versão alternativa de mim mesmo. Não fisicamente - embora tivéssemos a mesma altura, o mesmo tom de pele, o mesmo tipo de corpo atlético que vinha de horas de academia. Mas era no caráter, nas escolhas, nos erros que cometemos.
Ele também tinha traído. Tinha machucado pessoas que amava. Tinha passado anos sendo o cafajeste, o cara que não ligava para sentimentos alheios. Mas estava tentando mudar, tentando ser diferente, tentando construir algo sólido com Rafael apesar de toda sua história destrutiva.
E eu? Eu era ele alguns meses atrás. Ou talvez ele fosse eu alguns meses no futuro - uma versão que conseguiu escolher o caminho da redenção em vez do caminho da autodestruição. Ver meus próprios erros refletidos nele, mas também ver que era possível mudar, era possível escolher diferente... isso mexeu comigo de uma forma que nenhuma terapia conseguiria.
Além desse relacionamento físico onde eu fui o amante - papel que eu conhecia bem, a gente construiu uma amizade verdadeira. E isso talvez tenha sido mais valioso que qualquer sexo.
Acho que todo mundo na vida vai ter aquele amigo que começa com uma ficada ou um sexo casual. Aquela pessoa com quem você transa achando que seria só uma noite, mas depois de conversar por horas na cama, percebe que ali tem muito mais que atração física. Tem conexão, tem identificação, tem a possibilidade de algo maior que vai além do desejo.
Foi assim meu desenvolvimento com Lucas Rodrigues. Do sexo no carro embaçado evoluímos para conversas profundas no estacionamento da academia. Das ficadas escondidas passamos para desabafos sinceros sobre nossas vidas complicadas.
Eu amava malhar com ele. Não só pelo prazer de vê-lo suado, os músculos contraindo a cada repetição - embora isso fosse um bônus inegável. Mas pelo que vinha depois: as conversas sem filtro. Ele desabafava sobre seu namoro com Rafael, sobre o medo de repetir os erros do passado, sobre amar alguém mas ainda sentir atração por outras pessoas.
E eu ouvia sem julgar, porque como eu poderia julgar? Eu era especialista em fazer merda em relacionamentos.
A gente chegou a ficar e transar algumas vezes depois daquela primeira vez no carro. Sempre com a culpa pairando no ar, mas também com uma naturalidade que vinha da nossa conexão genuína. Até que ele tomou uma decisão que eu não esperava: largou Rafael.
Não foi só para ficar comigo - quero deixar isso claro. Foi para viver uma vida gay que ele nunca teve oportunidade de explorar completamente. Ele tinha saído do armário, mas tinha entrado direto num relacionamento sério. Nunca tinha vivido essa fase de descoberta, de liberdade, de exploração que eu estava vivendo (de forma autodestrutiva, mas estava vivendo).
E com o Rodrigues solteiro, nossa amizade se fortaleceu ainda mais. Porque ficou claro que não existiam sentimentos de amor romântico entre nós. Apenas atração física - que continuava forte - e uma amizade genuína que ia muito além do sexo.
Simplesmente acontecia quando acontecia, sem qualquer cobrança, sem qualquer sentimento possessivo envolvido. Era saudável de uma forma que nenhum dos meus relacionamentos anteriores tinha sido. Não havia drama, não havia ciúmes, não havia expectativas irreais. Era o que era, e estava bom assim.
Mas a vida de solteiro do Lucas Rodrigues não durou muito tempo. Três meses depois, ele voltou para Rafael. Porque era quem ele amava de verdade, quem ele queria construir uma vida, quem ele escolhia todos os dias apesar das dificuldades.
E nossa amizade permaneceu. Intacta, forte, verdadeira. Porque tinha sido construída em algo mais sólido que desejo - tinha sido construída em respeito mútuo, em identificação, em genuína afeição.
Rodrigues me ensinou, sem saber que estava ensinando, que era possível ter conexões significativas com pessoas que não eram Luke ou Carlos. Que o mundo era maior que minha obsessão por esses dois. Que eu poderia ser feliz - ou pelo menos menos miserável - olhando para frente em vez de sempre olhar para trás.
Aos vinte anos, eu estava finalmente começando a amadurecer. Não da forma dramática que acontece em filmes, com um momento de epifania súbita. Mas lenta, gradualmente, dolorosamente. Como uma cobra trocando de pele - era desconfortável, era feio, mas era necessário para o crescimentoO final do ano de 2018 chegou mais rápido do que eu esperava. Devo dizer que, apesar de tudo que aconteceu - a perda de Carlos, o confronto com Raul, a morte do bebê de Camille, o início e fim do meu lance com Rodrigues -, foi um ano tranquilo em comparação com 2017. Talvez porque eu estava aprendendo a não criar tanto drama desnecessário. Ou talvez porque eu estava simplesmente cansado demais para causar mais destruição.
Mas 2018 teve um grande marco. Um evento que traria uma resposta para algo que ficou em aberto há quase três anos. E eu não estava nem um pouco preparado para aquilo, mesmo achando que já tinha amadurecido.
Era praticamente dia 20 de dezembro. Já estava de férias das duas faculdades, minha rotina reduzida aos estágios no CrossFit e treinos na academia com Rodrigues. Por incrível que pareça - ou por situação do destino, já que minha vida parecia roteiro de novela mesmo -, Carlos estava de volta à cidade.
Eu sabia disso porque Yan tinha comentado comigo casualmente, como quem comenta sobre o clima. Mas fazia muito tempo que eu não tinha contato direto com Carlos. Tipo, muito tempo mesmo. Meses de silêncio absoluto. Eu não sabia se ele estava bem, se estava feliz em São Paulo, se tinha encontrado alguém novo. Nada. Era como se ele tivesse morrido para mim, assim como Luke tinha morrido.
Mas vamos ao que realmente interessa nesse dia.
Eu estava no meu quarto arrumando algumas coisas, preparando doações de roupas antigas e objetos que não usava mais. Uma limpeza física que era também uma tentativa de limpeza emocional. Jogar fora o velho para dar espaço ao novo - metáforas baratas que a gente usa para se sentir no controle.
Foi então que vi o porta-retrato que Chanel havia me dado no meu aniversário, às vésperas do seu suicídio. Estava encostado no fundo da gaveta, coberto de poeira, esquecido.
Peguei o porta-retrato com cuidado, como quem pega uma relíquia sagrada. Olhei para a foto - era eu e ela com roupa de São João, quando ela tinha vindo me arrumar e me tirar da depressão profunda em que eu estava por causa do Luke na época. Aquele dia tinha sido tão bom, tão mágico. Ela com sua energia contagiante, suas piadas sem filtro, sua forma única de ver o mundo.
Claro que me lembrei dela. Do seu astral inconfundível, seu jeito afeminado de falar que era praticamente uma performance artística, de gesticular com as mãos como se estivesse regendo uma orquestra invisível. Uma saudade que nunca teria fim tomou conta de mim. Foi uma das perdas mais difíceis que tive na vida, e sem dúvidas ela foi uma das melhores pessoas que passou por ela.
Mas como vocês já sabem, minha vida era uma novela das nove. E o que aconteceu logo em seguida? Thanos veio correndo pelo quarto, latindo animado com alguma coisa que viu pela janela, e bateu em mim com força. O porta-retrato voou das minhas mãos e caiu no chão, o vidro se estilhacando em mil pedaços.
— Thanos! Porra! — gritei com raiva, mas ele apenas me olhou com aqueles olhos de cachorro arrependido que me desarmavam instantaneamente.
Por azar do destino - ou sorte, dependendo de como você vê - fiquei inicialmente com raiva. Mas quando me abaixei para retirar cuidadosamente a foto dos cacos de vidro, vi algo que me fez o coração parar.
Tinha uma carta. Uma carta dobrada em quatro, amarelada pelo tempo, escrita à mão com a caligrafia caprichada que eu reconheceria em qualquer lugar. Era de Chanel.
Uma carta de despedida.
Fiquei completamente em choque. Meus dedos tremiam quando a abri, com tanto cuidado como se fosse se desfazer ao menor movimento brusco. E então comecei a ler:
"Oi Lucas, meu lindo,
Se você está lendo essa carta significa que, bom... eu não fui forte o suficiente. Eu não fui capaz de alcançar meus sonhos de um dia trabalhar e conseguir comprar meus próprios saltos da Chanel, kkkkkk. Mas infelizmente, sabe Lucas, eu não sei te dizer exatamente o porquê eu fiz o que fiz.
Eu até pensei em desistir por você, pela sua amizade, pelo jeito que você me tratou desde o início. Você é um ser mágico e único, saiba que sou eternamente grata a você por tudo. E sei que um dia talvez você nunca me perdoe por eu ter feito o que fiz. Mas tá, vamos lá.
Eu nunca fui uma pessoa 100% feliz. Eu tive uma vida difícil, meus pais nunca gostaram de mim de verdade - ou melhor, nunca gostaram de quem eu realmente sou. Eu tinha que usar uma máscara sempre. No colégio, quando eu era a Chanel irreverente, a engraçada, a gay afeminada que todo mundo ama mas ninguém leva a sério. Por dentro eu nunca estive feliz, Lucas. Sempre fui amarga, sempre fui um pouco sozinha, porque muitas vezes era assim que eu me sentia de verdade.
Até conhecer você. Ou até entrar para o LEI.
Devo dizer que foi o melhor ano da minha vida. As coisas que fizemos, as resenhas, a bagunça, o Carnaval, o sexo - eu, você e Carlos, haha, que momento icônico. Mas apesar de tudo, de todas as coisas boas, eu já tinha planejado fazer o que fiz.
E você não tem culpa. Os gêmeos não têm culpa. Aliás, fui eu que mandei a fofoca pro Gossip LEI. Eu sabia que eram eles desde sempre. Eu ia fazer o que fiz quando acabassem as aulas, de uma forma mais trágica até. Mas eu sabia que isso poderia atrapalhar a prova do ENEM de você e dos meus outros amigos, então esperei passar.
Esperei passar o seu aniversário - era a data limite que eu tinha pra mim.
Eu estou vivendo num fundo do poço, Lucas. Aqui é escuro e ninguém sabe o que se passa na minha cabeça. Ninguém sabe as coisas que meu pai me diz quando está bêbado. Ninguém sabe o que eu de fato quero - porque nem eu sei mais.
Sei que vou estar sendo uma completa covarde por fazer o que vou fazer, mas espero do fundo do meu coração que você possa me perdoar. Muitas vezes a gente vive uma vida que não era pra ser vivida, só pra se mostrar, pra agradar os outros. E eu nunca fui realmente feliz.
Talvez tenha me faltado viver um grande amor, assim como você teve com o Carlos ou com o Luke. Mas mesmo com todo esse grande amor que eu poderia ter vivido, acho que ainda assim não seria feliz. Tem algo quebrado dentro de mim que o amor não consegue consertar.
Quando descobri sobre minha doença, foi algo terrível. Algo que tive que lidar sozinha, sem ninguém. Sei que você me ajudou de alguma forma quando percebeu que eu estava mal, mas mesmo assim foi algo muito pesado para uma jovem como eu carregar.
E bom, eu nunca tive planos pro futuro de verdade. Ainda pensei em esperar até a formatura, fazer um lindo vestido, descer ao som de Beyoncé e lacrar pela última vez. Mas minha vida já não era a mesma. Minha vida era escura, pesada, insuportável.
Aproveitei o Gossip LEI pra me mostrar como eu realmente era: uma pessoa fria, sem sorriso, amarga. E esses últimos dias da minha vida foram os melhores porque finalmente fui o que estava sentindo de fato. Sem máscaras, sem performance, sem fingimento.
Quero te pedir desculpas, Lucas. Desculpas por não estar presente no seu casamento. Não sei se você vai casar com o Luke ou com o Carlos - tenho meus palpites, mas acho que você nunca vai saber qual é. E espero de verdade que você não use uma roupa brega, e não deixe seu noivo - seja o Luke ou Carlos - usar algo brega ou muito afeminado. Vocês três são lindos, e sei que seu final será com um dos dois.
O Carlos será feliz ao seu lado. Ops, acho que disse meu palpite, kkkkkk.
Bom, eu espero que você siga em frente, amadureça. A vida é difícil, você tem toda uma vida pela frente ainda. Eu amo você muito. Você é um irmão que eu nunca tive, e escolhi você para dizer minhas últimas palavras, para contar meus últimos segredos.
Não sei se você vai ler isso algum dia. Não sei se tudo que estou escrevendo será em vão. Mas estou partindo com uma tranquilidade estranha. Sei que não é correto, sei que estou sendo covarde por procurar o caminho mais fácil. Mas eu quero ser memorável. Quero que as pessoas se lembrem de mim, mesmo que seja por uma tragédia.
E Lucas, obrigada por todos os conselhos, obrigada pela amizade. Eu amo demais você, Carlos, Luke, Yan, Isaac, Taty! A gente fez um grupo que nunca vou esquecer, e sei que vocês também nunca vão esquecer. Vocês foram as melhores coisas que já me aconteceram.
Espero nunca ser esquecida por você.
E Lucas, saiba que eu sempre, sempre, SEMPRE vou te apoiar e olhar pra você, seja de onde eu estiver. Você é um amigo incrível, obrigada por tanto.
Xoxo... CHANEL"
(...)
Terminei de ler aquela carta em lágrimas. Li duas vezes, três vezes, incapaz de processar completamente o que estava lendo. Foi impossível não chorar e rir ao mesmo tempo - chorar pela dor que ela carregava, rir pelo jeito dela de escrever mesmo nos momentos mais sombrios.
Já se faziam quase três anos desde sua partida, e só agora eu entendia tudo. Os sinais que ignorei, as mudanças de comportamento que atribuí ao drama do Gossip, a tristeza profunda que ela escondia atrás das piadas. Tudo fazia sentido agora, de uma forma dolorosa e tardia.
Foi um momento ali difícil. E sabia que meus amigos deveriam saber o teor daquela carta. A gente ainda tinha o grupo do WhatsApp - "LEI Legends" -, apesar de pouca conversa nos últimos meses. Mas tínhamos o grupo, tínhamos essa conexão que o tempo e a distância não apagavam completamente.
Abri o grupo com dedos trêmulos e gravei um áudio chorando:
— Gente, por favor... venham todos aqui em casa... imploro. Não é nada grave comigo, mas... esqueçam tudo, todos os compromissos. Carlos, se estiver ouvindo, venha. Luke também, por favor. Yan, Isaac, Taty... preciso de todos aqui o mais rápido possível. Por favor — entre lágrimas e soluços, mandei o áudio.
E claro que gerou curiosidade imediata. Yan me ligou no privado, Taty também, mas eu não quis falar nada. Queria que todos estivessem ali, juntos, como nos velhos tempos. Só disse pro Yan chamar Carlos - não sabia se o número dele era o mesmo -, e também queria Luke. Queria todos os nossos amigos presentes para aquele momento.
E assim foi feito.
Yan e Isaac foram os primeiros a chegar, preocupados, me abraçando forte. Depois veio Taty, os olhos já vermelhos porque sabia que tinha a ver com Chanel. E então Carlos apareceu.
Ele me olhou quando entrou, mas rapidamente abaixou a cabeça, desviando o olhar. Foi direto brincar com Thanos, que pulou nele animado, alheio à tensão no ar. Carlos estava diferente - tinha barba agora, o cabelo mais comprido, uma seriedade no rosto que não existia antes. São Paulo tinha mudado ele, ou talvez eu que tinha mudado ele.
Pouco tempo depois, Luke chegou. Um pouco envergonhado, visivelmente desconfortável. Aquele seria nosso primeiro contato face to face desde o surto, desde aquele dia terrível que eu tentava apagar da memória mas que estava gravado na minha alma. Ele me cumprimentou com um aceno de cabeça, mantendo distância.
Quando todos estavam reunidos na minha sala - como nos velhos tempos, mas ao mesmo tempo completamente diferente -, finalmente contei:
— Bom, não é nada demais comigo, mas achei importante todos estarem aqui. Hoje encontrei uma carta da Chanel. A carta de despedida. Estava escondida no porta-retrato que ela me deu, onde ela explicou tudo. Vou ler em voz alta para todos...
O silêncio que se seguiu foi pesado, carregado. E então comecei a ler.
Cada palavra, cada frase, me emocionou novamente como se fosse a primeira vez. Mas dessa vez era diferente - estava compartilhando aquela dor, dividindo aquele peso que tinha sido só meu por três anos. Quando terminei de ler, minha voz estava completamente quebrada, as lágrimas caindo sem controle.
Todos se abraçaram. Yan chorava alto, sem vergonha. Isaac tinha o rosto enterrado nas mãos. Taty soluçava, murmurando "eu sabia, eu sabia que tinha algo errado". Até Luke tinha lágrimas nos olhos, lembrando daquela amiga irreverente que iluminava qualquer ambiente.
O único abraço que não tive foi de Carlos.
Ele estava em silêncio, parado no canto do quarto, com uma expressão que eu não conseguia ler. Sério, distante, como se estivesse a quilômetros de distância mesmo estando a apenas alguns metros. Sua aparência era outra - a barba, os olhos mais duros, a postura mais fechada. São Paulo ou eu - talvez os dois - tinham transformado ele em alguém que eu não reconhecia completamente.
Luke me abraçou, mas de forma sutil, rápida, mantendo distância segura. Não havia mais raiva entre nós - apenas um vazio onde antes existia paixão e depois ódio. Ele tinha se tornado um estranho que eu uma vez amei.
Ficamos ali conversando por horas. Comentando, relembrando as coisas boas que Chanel nos proporcionou. As piadas inapropriadas, os conselhos não-solicitados mas sempre certeiros, a forma como ela iluminava qualquer ambiente apenas por existir nele.
Estar ali com meus amigos do ensino médio me fez ver que eu tinha amigos de verdade. Pessoas que, apesar de todo o drama, de todas as brigas, de todo o tempo e distância, ainda se importavam. Ainda estavam dispostas a aparecer quando eu precisava.
E tinha também dois ex-namorados. Eu queria conversar com Carlos. Queria abraçá-lo, sentir que ainda existia algo entre nós, mesmo que fosse apenas amizade, ou respeito, ou qualquer coisa além desse vazio gelado. Mas ele era o mais distante, o mais fechado, o mais irrecuperável.
Quando começou a ficar tarde, ele foi o primeiro a ir embora. Se despediu de todos com abraços e palavras gentis. Menos de mim. Apenas acenou com a cabeça, deu um abraço longo em Thanos - que choramingou e ficou latindo quando ele se afastou -, e saiu pela porta sem olhar para trás.
E aquilo me doeu de uma forma que eu não esperava. Doeu mais do que palavras duras, mais do que gritos, mais do que acusações. A indiferença machuca de um jeito único.
Carlos tinha literalmente me matado. Não queria mais nada comigo. E seria ali nosso fim definitivo? Será que Carlos tinha tanta raiva de mim a ponto de não me dar nem um abraço? A ponto de não conseguir dividir aquele momento de dor pela nossa amiga comum?
Talvez eu estivesse exigindo demais dele. Porque de uma forma ou de outra, talvez o que eu queria mesmo era um encontro, um contato, uma chance de falar, de me explicar, de pedir perdão. Eu poderia ter mandado a foto da carta no grupo, poderia ter contado tudo por mensagem. Mas optei por reunir todos presencialmente.
E no fundo, eu sabia porquê. Porque queria ver Carlos. Queria estar no mesmo ambiente que ele, respirar o mesmo ar, existir no mesmo espaço por algumas horas. Mesmo que não falássemos, mesmo que ele me ignorasse.
Mas infelizmente, não tinha saído como eu esperava.
Ali, naquele fim de noite com meus amigos - e sem Carlos -, fiquei me perguntando o que a vida em 2019 iria trazer para mim. Se haveria redenção, se haveria cura, se haveria alguma possibilidade de consertar tudo que eu tinha quebrado.
Ou se algumas coisas, uma vez quebradas, simplesmente não podiam ser consertadas. E você tinha que aprender a viver com os cacos.