Felipe chegou em casa numa terça-feira à tarde e encontrou os pais sentados no sofá com um clima estranho no ar.
— Precisamos conversar, filho — disse o pai, sério.
Sentou-se. A mãe segurava uma folha impressa, com carimbo.
— É sobre o trabalho do seu pai. A empresa está transferindo ele pra outra cidade. Vai ser tudo muito rápido. A mudança é em duas semanas.
Felipe sentiu o mundo girar.
— Outra cidade? Qual cidade?
— Passo Fundo. Rio Grande do Sul. Vamos alugar a casa de lá. A oferta é boa, e a gente não pode recusar.
A boca de Felipe secou. Não era só tristeza — era pânico. Deixar tudo para trás, principalmente Augusto, era algo que ele não queria nem cogitar. As lembranças vieram como flashes: o quarto com os lençóis brancos, os beijos à meia-noite, o calor, os toques, os olhares trocados no fim da missa...
Augusto.
Naquela noite, Felipe bateu à porta da casa paroquial com os olhos marejados. Augusto abriu e, ao ver o rosto do rapaz, soube na hora que algo estava errado.
— Meus pais... a gente vai se mudar — disse ele, entrando já com os olhos vermelhos.
— Como assim? Pra onde?
— Passo Fundo. Duas semanas. E eu vou junto. Eles não vão me deixar ficar.
Augusto ficou em silêncio. Sentou-se com ele na sala. O fogo da lareira estalava baixo. Depois de um tempo, disse:
— Você quer ficar?
Felipe assentiu.
— Com você.
Os dois se olharam. Era como atravessar uma fronteira invisível. Uma coisa era transar escondido. Outra era viver juntos. Augusto respirou fundo. Depois se levantou, vestiu o paletó e disse:
— Me espera aqui.
No dia seguinte, algo improvável aconteceu.
Dona Tereza, mãe de Felipe, estava na cozinha quando ouviu alguém bater à porta. Quando abriu, surpreendeu-se com a presença do padre Augusto, vestido formalmente, chapéu na mão, postura séria.
— Padre... que surpresa. Aconteceu alguma coisa?
— Podemos conversar um pouco?
Ela o convidou para entrar, desconfiada. Augusto foi direto:
— Soube que estão se mudando. Felipe me contou. E... queria fazer uma proposta.
Tereza estreitou os olhos.
— Proposta?
— Sim. Conheço bem o seu filho. Ele tem sido muito presente na paróquia. É prestativo, inteligente, responsável. E... me apeguei a ele. Acredito que essa mudança pode interromper um momento importante da vida dele. Então pensei... se houver confiança da parte de vocês, eu gostaria de acolhê-lo aqui, comigo, na casa paroquial. Pelo menos até ele decidir os próprios passos.
Tereza arregalou os olhos.
— Padre... isso é muito inusitado.
— Eu entendo. É incomum. Mas ele é adulto. E aqui estará sob minha responsabilidade direta. Com rotina, estudo, trabalho comunitário. Pode frequentar o centro catequético, colaborar com a igreja. E quem sabe, se descobrir vocações.
Ela hesitou. Era estranho. Muito. Mas havia algo sereno no olhar de Augusto. Um homem velho, respeitado, sempre tão firme e sério. A ideia parecia... segura.
— Eu vou conversar com o pai dele. Mas... se for pra o bem do Felipe...
Augusto assentiu.
Naquela noite, Felipe recebeu a notícia pelas mãos de Augusto, ainda na escada da casa paroquial.
— Sua mãe aceitou. Você vai ficar.
Felipe riu, e depois o abraçou com força. Um abraço diferente. Não era mais um amante. Era o homem que o escolheu. Que lutou por ele.
— A partir de hoje, você dorme aqui. No quarto ao lado do meu. Com uma chave sua. Mas com uma condição — disse Augusto, sério.
— Qual?
— A gente continua com discrição. Sempre. E você vai me respeitar dentro e fora dessas paredes.
— Sim, senhor padre — respondeu Felipe com um sorriso malicioso.
Na primeira noite como "morador" da casa paroquial, Felipe arrumou suas roupas com cuidado no armário improvisado, tomou banho com o sabonete que Augusto deixou e vestiu o pijama mais largo que tinha. Passou pela porta do quarto ao lado e a encontrou entreaberta.
Augusto estava deitado na cama, de cobertor até a cintura, lendo um livro à luz do abajur. Estava só de cueca. O corpo nu, a barriga coberta de pelos ralos, o peito exposto. Olhou para Felipe e sorriu.
— Primeira noite da sua nova vida. Vai dormir bem?
— Só se for aí com você.
Augusto fechou o livro. Bateu de leve no colchão.
— Então vem descobrir como é viver comigo, pecadinho.
Felipe fechou a porta atrás de si, trancou, e caminhou até a cama. Deitou-se por cima do corpo quente do homem mais velho. O beijo veio lento, profundo. As mãos se tocaram. Os quadris se encaixaram.
Dessa vez, não havia pressa. Eles tinham a noite inteira.
E agora, todas as noites.
Continua...