GAROTO, EU ODEIO AMAR VOCÊ [78] ~ O ESPELHO

Um conto erótico de Lucas
Categoria: Gay
Contém 1853 palavras
Data: 15/10/2025 08:56:12
Assuntos: conto, Gay, Historias, Romance

Eu estava literalmente no fundo do poço. As palavras que Carlos disse foram mais que duras, foram cirúrgicas, cortantes, verdadeiras. E o pior de tudo: ele tinha razão em cada vírgula, em cada acusação, em cada observação dolorosa.

Quantas vezes eu mesmo me afirmei dizendo que bastava eu estalar os dedos que Carlos estaria ali comigo? Quantas vezes tratei ele como meu "step", como a pessoa que sempre estaria disponível para mim quando eu precisasse, como um brinquedo na prateleira esperando para ser usado? E agora eu tinha perdido. Perdido de verdade, sem volta, sem segunda chance.

Sei que parece clichê, mas a gente só dá valor quando perde. E ali, sozinho no meu apartamento vazio, eu sabia com certeza absoluta que tinha perdido Carlos para sempre. Acho que finalmente tivemos o nosso ponto final, o nosso fim de livro que seria guardado na estante empoeirada das memórias que doem demais para revistar.

Óbvio que eu tinha aquele pensamento romântico de que no futuro, ambos maduros e curados, iríamos começar um novo livro do zero, com a mente sã e o coração aberto. Mas eu sabia, no fundo da alma, que não podia me apegar a essa fantasia. Era apenas isso: uma fantasia para suavizar a dor da perda.

O que Carlos falou sobre todo meu vício em Grindr e pegação foi a mais pura verdade. E eu poderia ter parado ali mesmo, naquele momento de consciência. Poderia ter usado aquilo como um despertar, como um ponto de virada.

Mas eu não parei.

Pelo contrário - procurei mais e mais parceiros, como um viciado que aumenta a dose quando percebe que a droga não faz mais efeito. Bebia até perder a noção, frequentava banheiros da faculdade para sexo rápido e vazio, ia em saunas, em locais obscuros, em qualquer lugar onde eu pudesse esquecer por alguns minutos a dor que me consumia.

Minha rotina estava absurdamente puxada - duas faculdades, estágios, provas, trabalhos. Mas mesmo assim, todo meu tempo livre era voltado para anestesiar aquela dor insuportável em sexo casual e sem sentido. Corpos sem nome, bocas sem história, conexões que duravam o tempo de um orgasmo e desapareciam como fumaça.

E assim o tempo foi passando, lento e torturante. Quando percebi, já estávamos em agosto demeses desde que Carlos tinha ido embora. Seis meses de autodestruição metódica.

Durante esse tempo, Carlos realmente cumpriu sua palavra. Ele foi embora para São Paulo e eu não tive mais notícias dele. Bloqueou meu número, me excluiu de todas as redes sociais, me apagou da vida dele como se eu nunca tivesse existido. E claro que isso me dava um vazio imenso, um buraco no peito que eu tentava preencher com corpos estranhos e doses de vodka.

Às vezes, quando estava com Yan ou qualquer amigo que ainda seguia Carlos, eu pedia para olhar o Instagram dele. Via as fotos dele em São Paulo - sorrindo, feliz, vivendo. Sem mim. E cada foto era como uma punhalada, mas eu não conseguia parar de procurar. Era como arrancar uma casca de ferida que nunca cicatrizava.

Foi nessa época também que tive meu reencontro com Luke. Era aniversário do Yan, uma festa na cobertura de um amigo dele. Eu estava bebendo no canto quando Luke apareceu. Foi a primeira vez em meses que a gente se viu desde aquele dia terrível do surto.

Sabe quando você não sente nada? Nem saudade, nem ódio, nem raiva, nem amor. Apenas... vazio. Luke para mim tinha morrido naquele dia. A gente se olhou através da sala cheia de gente, mas eu logo virei o rosto e o ignorei completamente. Para mim, Luke era uma pessoa morta, enterrada no passado junto com o trauma que ele me causou.

E então me bateu uma reflexão devastadora: talvez eu fosse a pessoa morta para Carlos também. Talvez ele me olhasse da mesma forma que eu olhava para Luke - com indiferença, com esquecimento, com nada. E isso me doeu de uma forma que eu não esperava. Doeu mais do que a raiva, mais do que o ódio. A indiferença é a morte final de qualquer sentimento.

Foi por volta dessa época que eu comecei a repensar sobre toda a minha vida, sobre as escolhas que tinha feito, sobre a pessoa que eu tinha me tornado. Não foi um despertar súbito ou dramático - foi lento, gradual, doloroso. Como acordar de uma ressaca que dura meses.

E então, como o universo sempre faz quando você menos espera, algo - ou melhor, alguém - apareceu.

Eu treinava na academia quase sempre no mesmo horário. Era minha única rotina saudável em meio ao caos. E lá tinha um cara que sempre estava presente, nossos horários coincidindo com uma frequência que não podia ser acaso.

Ele era branco, tinha uns 1,79m de altura, braços fortes e definidos que mostravam dedicação ao treino, um olhar intenso e um jeito meio cafajeste que me chamava atenção de uma forma que eu não sentia há meses. Eu sempre o observava treinar - a forma como ele levantava os pesos, como seu corpo se movia, como ele passava a mão nos cabelos entre uma série e outra.

E às vezes, eu sentia ele me olhando também. Não eram olhares furtivos ou envergonhados - eram diretos, intensos, carregados de algo que eu não conseguia decifrar completamente. Abria o Grindr na esperança de encontrar ele, mas sempre em vão. Ele nunca aparecia lá.

Ele era bonito de uma forma diferente - não era a beleza clássica do Carlos, nem a sensualidade óbvia dos caras que eu pegava nos aplicativos. Era algo mais sutil, mais magnético. E ele tinha virado meu "gym crush", meu motivo secreto para não faltar à academia todos os dias. Era patético, eu sabia, mas era a única coisa que me dava algum tipo de expectativa positiva.

Mas todo esse nosso lance não passava de uma troca de olhares carregados através do espelho da academia. Até aquela noite.

Era aniversário de uma das meninas de Nutrição, uma festa numa casa de praia em Pipa. Estávamos todos bebados, a música alta, o mar de fundo criando uma atmosfera perfeita de esquecimento temporário. Eu estava me divertindo - ou fingindo me divertir - dançando com as meninas da turma, bebendo caipirinha atrás de caipirinha.

Quando a primeira banda terminou e começou a segunda, eu olhei distraído para o palco improvisado montado na varanda da casa. E quase deixei o copo cair da minha mão.

Era ele. Meu gym crush. Ele era o cantor.

Segurava um violão como se fosse uma extensão do seu corpo, os dedos deslizando pelas cordas com uma familiaridade que beirava o erótico. Quando começou a cantar, sua voz saiu rouca, gostosa, cheia de sentimento. Era uma música de sertanejo universitário, mas ele cantava de um jeito que transformava a letra clichê em algo genuíno.

Nossos olhares se encontraram através da multidão de gente dançando. Ele sorriu - aquele sorriso meio torto que eu já tinha visto na academia - e passou a língua pelos lábios de forma tão sutil que poderia ter sido inconsciente. Mas não foi. Eu sabia que não foi.

Fiquei ali plantado, ouvindo ele cantar música após música, observando como ele se movia no palco, como interagia com o público, como tinha uma presença natural que atraia todos os olhares. Comecei a beber mais e mais, precisando da coragem líquida para o que eu já sabia que iria fazer no final da noite.

Dancei com as meninas, ri, fingi estar me divertindo, mas meus olhos sempre voltavam para ele. E toda vez que olhava, ele estava me olhando de volta. Era como se estivéssemos tendo uma conversa silenciosa através da música e dos olhares.

Quando o show finalmente terminou, esperei ele guardar o violão e cumprimentar algumas pessoas. Então, com a coragem artificial que só cinco caipirinhas podem dar, me aproximei.

— Você treina na Smart, não é? — perguntei, tentando soar casual apesar do coração disparado.

— Sim — ele respondeu, aquele sorriso aparecendo de novo — você também, né? Sempre te vejo lá.

— Lucas, meu nome. Prazer — estendi a mão.

— Lucas também, prazer — disse ele sorrindo, pegando minha mão. O aperto foi firme, durou um segundo a mais do que o necessário — sou Lucas Rodrigues.

— Lucas Maia — completei, registrando mentalmente cada detalhe dele de perto: os olhos castanhos escuros, a pequena cicatriz na sobrancelha, o cheiro de perfume misturado com suor do show.

— Solteiro? — perguntei diretamente. A bebida me dava uma ousadia que eu não tinha sóbrio.

Ele deu uma risada baixa, passando a mão pelos cabelos num gesto que parecia nervoso.

— Infelizmente não — disse, e meu coração afundou um pouco — tenho um namorado. Se chama Rafael. E você?

— Solteiro e doido pra te beijar — falei sem um pingo de pudor, culpa da bebida e da frustração de meses de solidão.

Ele me olhou por um longo momento, e vi algo conflitante passar pelos seus olhos. Desejo, dúvida, tentação, resistência - tudo misturado numa expressão que eu conhecia bem porque já tinha sentido tantas vezes.

— Cara, eu já errei muito com meus namoros — disse finalmente, a voz séria — passei anos pulando de cama em cama, traindo, nesse ciclo destrutivo todo. Mas agora estou tentando fazer diferente. Estou tentando ser fiel de verdade, sabe? Você é um gato, não vou mentir, mas eu não posso fazer isso com o Rafa. Não posso e não quero.

Fiquei sem palavras. Alguém rejeitando sexo por fidelidade? Isso existia de verdade ou eu estava alucinando de tão bêbado?

— Mas me dá seu número ou me segue no Instagram — continuou ele, pegando o celular do bolso — a gente pode conversar, ser amigos. E olha, não vou mentir: te olho sempre na academia. Você me chama atenção. Mas hoje, agora, eu realmente não posso. Tenho que respeitar meu relacionamento.

Ele me estendeu o celular, esperando eu digitar meu número ou Instagram. E então piscou - aquele movimento rápido de olho que deveria ser inocente mas era carregado de promessa não-dita.

Digitei meu Instagram com dedos trêmulos da bebida e da adrenalina. Quando devolvi o celular, nossos dedos se tocaram de novo e foi como se fogo e gasolina tivessem se encontrado. A química era palpável, o ar entre nós carregado de tensão sexual não-resolvida.

Naquela noite, naquele encontro sob as estrelas e o som do mar, não aconteceu nada além daquela conversa. Mas enquanto eu o observava voltar para seus amigos, guardando o violão e rindo de algo que alguém disse, eu sabia com certeza absoluta que aquilo era apenas o começo.

Era apenas uma questão de tempo.

O que eu não sabia ainda era que Lucas Rodrigues não seria apenas mais uma conquista, mais um nome na lista, mais um corpo para anestesiar a dor. Ele seria um espelho - um reflexo do que eu poderia ter sido se tivesse feito escolhas diferentes. Do que eu ainda poderia me tornar se parasse de me autodestruir.

Mas essa descoberta ainda estava por vir. Por enquanto, eu só sabia que tinha encontrado alguém que me fazia sentir algo além de vazio pela primeira vez em meses.

E isso, naquele momento, já era mais do que eu tinha sentido desde que Carlos tinha saído pela minha porta e da minha vida.

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Comentários

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Ótimo capítulo Lukas, como sempre!

Já gostei desse novo personagem, acho que é um cara legal. (Apesar de ser um safado tb, mas quem nessa série não é? Kkkkkkk)

Não demore a postar o próximo, pfvr ❤️

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já esta pronto o outro, acabei de finalizar! mais tarde ou amanha eu posto! essa semana estou "light" com trabalho, então acho que todos os dias teremos conto pela manha, pelo menos essa semana o/

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kralho, pensei nisso hoje. Ainda pensei que tinha que tirar um tempo pra ler a história de Rafa e ver quando as duas se cruzariam. Já não lembro de muita coisa sobre o final da outra história, só lembro que Rafa terminava sozinho e pegando o Luke.

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vai ter um pequeno erro nessa cruzada! pq qdo eu escrevi entre caminhos, e coloquei o lucas e o luke, o carlos meio que era o vilão! so que no desenvolver desse conto, o carlos se tornou protagonista, dai no conto do rafa, o Carlos fica com o rafael, porem vai ser um erro aqui que nao vou conseguir corrrigir, pq o carlos esta em SP, e ele nao vai chegar a ficar com o Rafael, mas assim como aqui e uma leitura amadora acho que ngm vai perceber esse erro! rsss

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