✧ A Chegada ✧
O cheiro de maresia e terra úmida foi a primeira coisa que saudou Tiago quando ele desceu do ônibus. O ar do litoral era denso, pesado de promessas e do calor implacável de janeiro. Ele ajeitou a mochila pesada no ombro, sentindo o suor começar a se formar em sua nuca, e avistou a figura familiar encostada em uma velha caminhonete azul. Daniel. Fazia uns bons quatro anos que não se viam, desde um funeral de família que ambos preferiam esquecer.
O tempo tinha sido generoso com seu primo. Daniel estava maior do que Tiago se lembrava, não apenas mais alto, mas mais largo. Os ombros preenchiam a camiseta preta simples, e os braços, expostos e cobertos por pelos escuros e bem aparados, pareciam grossos e fortes. O cabelo, também preto, era curto, quase militar, e o sorriso que se abriu quando ele viu Tiago era o mesmo de sempre: largo e genuíno.
"E aí, primo! Pensei que o ônibus tinha te engolido", Daniel disse, sua voz um barítono grave que parecia vibrar no ar quente. Ele deu dois passos e envolveu Tiago em um abraço de urso que o levantou ligeiramente do chão, fazendo-o soltar um grunhido surpreso. O cheiro de Daniel era uma mistura de sabonete e algo puramente masculino, um odor que Tiago inalou sem querer.
"Daniel. Você está enorme", Tiago conseguiu dizer, um pouco sem fôlego, quando seus pés tocaram o chão novamente. Ele se sentiu subitamente consciente de seu próprio corpo, mais macio, mais arredondado. Sempre fora o primo gordo, o sonhador, enquanto Daniel era a força da natureza, o que sempre parecia ter o controle de tudo.
"É o trabalho na oficina, levanto peso o dia todo", ele respondeu com uma piscadela, pegando a mala de rodinhas de Tiago com uma facilidade que beirava o descaso. "Vamos, a casa não é longe. Você deve estar morrendo de sede."
A viagem na caminhonete foi curta e barulhenta. O veículo trepidava a cada imperfeição do asfalto que logo deu lugar a uma estrada de terra batida. A casa de veraneio da família era exatamente como Tiago se lembrava de suas férias de infância: uma construção de madeira de dois andares, com uma varanda ampla que a circundava, pintada de um branco que já descascava em alguns pontos. Estava aninhada entre árvores frondosas e o som distante das ondas quebrando na praia era uma trilha sonora constante e calmante.
"Bem-vindo ao nosso palácio de verão", Daniel anunciou com um floreio irônico, estacionando a caminhonete sob a sombra de um coqueiro.
O interior era rústico e arejado. Móveis de madeira escura, sofás com capas de tecido claro e um cheiro persistente de sal e protetor solar. Daniel mostrou a Tiago seu quarto no andar de cima. Era simples, com uma cama de casal, uma cômoda e uma grande janela que se abria para a copa das árvores.
"Fique à vontade. O banheiro é ali no corredor. Vou buscar uma água gelada pra gente. Desfaça as malas, relaxe. O verão mal começou."
Sozinho no quarto, Tiago soltou a mochila no chão e se jogou na cama, que rangeu em protesto. O colchão era macio, acolhedor. Ele fechou os olhos, ouvindo os sons da casa. Os passos pesados de Daniel no andar de baixo, o zumbido da geladeira, o canto de um pássaro lá fora. Sentia uma mistura de exaustão da viagem e uma excitação nervosa. Passar dois meses ali, apenas com Daniel, era uma perspectiva que o intimidava e o atraía na mesma medida.
Ele se lembrava de observar o primo durante a adolescência, uma admiração secreta que ele nunca soube nomear. Daniel sempre foi confiante, físico, seu corpo já prometendo a força que agora possuía. Tiago, por outro lado, vivia mais em sua cabeça, em seus livros e desenhos. Eram opostos, como a lua e o sol.
Ele se levantou e começou a desfazer a mala, guardando as poucas roupas no armário. Estava vestindo uma camiseta larga e uma bermuda jeans que pareciam sufocantes no calor abafado do quarto. Decidiu trocar de roupa. Tirou a camiseta, sentindo o ar tocar sua pele úmida. Seu corpo era branco, completamente liso, uma tela em branco. Ele cuidava para que fosse assim, uma preferência pessoal que lhe dava uma sensação de limpeza, de suavidade. Parou em frente ao espelho de corpo inteiro que havia na porta do guarda-roupa. Olhou para sua barriga, seus peitorais cheios, suas coxas grossas. Era um corpo de conforto, não de força. Um corpo que ele estava aprendendo a aceitar, mas que, na presença de alguém como Daniel, o fazia sentir-se vulnerável.
"Tiago? Água!", a voz de Daniel soou do andar de baixo.
Tiago vestiu uma camiseta de algodão mais leve e uma bermuda de tecido mole. Desceu as escadas descalço, sentindo a madeira fria sob seus pés. Daniel estava na cozinha, de costas para ele, enchendo dois copos com água de um filtro de barro. A camiseta preta estava colada em suas costas largas pelo suor, desenhando a musculatura por baixo do tecido. Tiago parou por um instante, apenas observando. Daniel se virou e lhe estendeu um copo.
"Obrigado."
"Amanhã a gente vai na praia, se quiser. Ou podemos ficar na piscina. Você escolhe", disse Daniel, encostando-se na bancada e bebendo a água em grandes goles. Sua garganta se moveu, o pomo de adão subindo e descendo. Os olhos castanhos, tão parecidos com os de Tiago, mas com uma intensidade diferente, o fitavam com uma curiosidade amigável.
"Piscina parece bom. Pra começar", Tiago respondeu, a voz um pouco mais baixa do que pretendia.
"Piscina, então", Daniel sorriu, e naquele sorriso havia a promessa de um verão longo e quente, cheio de possibilidades que Tiago mal ousava começar a imaginar. O ar entre eles era confortável, familiar, mas por baixo de tudo isso, Tiago sentiu uma corrente elétrica quase imperceptível. Uma tensão que não vinha da distância dos anos, mas de algo novo, algo que o calor do verão parecia estar despertando.
Continua...